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O rito de passagem do medo à coragem
Ailton Krenak
Um jogo que integra as experiências do ritual Óió realizado no começo da infância pelos meninos Awê Xavante, no primeiro setênio, como iniciação à sociedade de caçadores-coletores a que pertencem, pode expressar uma observação sobre a Coragem, assim como a importância de equilíbrio com sua face oculta, o Medo.
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Diante dos olhares atentos de uma assistência interessada no desenrolar do rito de passagem dos meninos, uma comunidade de familiares representando as duas metades com que se ordena a sociedade Awê, cada metade agora na pessoa de um menino paramentado lindamente pelos seus, ambos de pé frente a frente, cada um portando uma clava – bastão de uma tala de planta tipica do Cerrado de nome “Oió”. Inicia-se o rito com o primeiro menino acertando o bastão no ombro e laterais do opositor postado impassível à frente. Uma, duas, até três pancadas desferidas com determinação atingem o corpo do menino, que respira ou chora, mas tem a sequência agora, aplicando os golpes do Oió nos ombros e laterais do seu par, também firme e acolhedor quando das duas ou três pancadas.
Os adultos, pais e tios, alguns integrando o ritual na condição de “padrinhos” da dupla que é observada pela sociedade local, sua comunidade, buscam nas suas cosmovisões a leitura desse importante teste de Coragem para o SER que se ergue daquele pequeno corpo, projetando para além de sua estatura um SER coletivo e implicado socialmente com seu meio, um sujeito coletivo que acolhe o Medo quando se apresenta em sua força inibidora e capacidade de observar e vigiar, valores de grande importância para aquela sociedade de caçadores-coletores, onde Coragem e Medo andam juntos e podem con-viver no mesmo corpo, sem anular a potência de uma vida que deve ser experimentada de maneira radical. Viver conjuga Medo e Coragem para muitas das sociedades ameríndias, a ver o que inspira uma conceituação como a proposta por Viveiros de Castro no Perspectivismo Ameríndio ou amazônico.