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Um afeto para a repetição histórica

Vladimir Safatle

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Espinosa costumava lembrar que não era possível haver esperança sem medo e medo sem esperança. Tratava-se de lembrar como, entre esses dois afetos, há mais solidariedade do que polaridade. Sendo afetos ligados a um horizonte temporal de expectativa, trata-se de lembrar que a expectativa de um mal (o medo) é indissociável da possibilidade de que ele não ocorra (a esperança) e vice-versa. Essa astuta compreensão dos sistemas de passagens no oposto é frutífera quando se trata de pensar as relações entre afetos e política. No entanto, seria importante lembrar algo estruturalmente similar ocorre com a coragem.

Uma teoria da coragem como afeto político deveria partir do que parece seu oposto, a saber, o desamparo. Na verdade, tal como há uma passagem entre medo e esperança, há uma passagem entre desamparo e coragem. No entanto, enquanto no primeiro caso, a estrutura de afetos está presa a uma lógica de antecipação temporal, há, no segundo caso, uma lógica de contração temporal fundamental para as experiências sociais de emancipação.

O desamparo pode ser caracterizado por uma forma de contração temporal, já que não é mais possível prever o que virá ou a maneira como o Outro responderá. Estar em desamparo é estar no interior de um tempo que não responde mais a meus horizontes de projeção. Uma queda do horizonte de projeção que, quando afirmada, produz uma forma de abertura à contingência e ao acontecimento.

Tal afirmação permite a produção de uma passagem na qual do desamparo advém a coragem. Para tanto, há que se lembrar que a queda do horizonte de projeção pode se tornar condição para que uma outra forma de contração temporal ocorra, a saber, essa na qual presente, passado e futuro se contraem em um instante. Daí a importância de estudar esse processo. Mais: de mostrar como ele opera dentro de dinâmicas de insurreições populares. Isso pode

fornecer um quadro mais preciso para entender como sujeitos, em processos revolucionários, são animados por uma coragem que não é “loucura”, “messianismo”, “entusiasmo”, mas consciência clara da força das contrações temporais que produzem processos revolucionários como repetições históricas. Ou seja, consciência de uma incorporação atual de multiplicidades de sujeitos dispostos no tempo histórico.

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