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Manuel Alberto Valente Lucho

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Penúltimo Viaje

Penúltimo Viaje

Lucho

Manuel Alberto Valente

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para Carmen Yáñez e Daniel Mordzinski

Têm sido dias difíceis estes dias. Não gosto de apagar contactos no telemóvel e cada vez mais o meu telemóvel está cheio de mortos.

O teu contacto dizia “Lucho” e, entre outros dados, tinha um número que quase nunca atendias. Talvez porque nesses momentos estivesses à conversa com o tal velho que lia romances que só eram de amor porque tu os escrevias.

Ou voasses com aquela gaivota, que Zorbas ensinou a voar, sobre o porto de Hamburgo onde há muito foste feliz sem o saber.

Ou estivesses na Patagónia, na Amazónia, nas muitas geografias onde o coração se perdeu e o sonho ganhou asas. Porque o mundo foi sempre a tua casa mesmo quando, em Gijón, frente ao mar, passeavas os cães e acreditavas que a palavra honra era invencível.

A história dirá um dia das histórias que inventavas, que todos sabíamos serem falsas, ou melhor, literatura em vida. Porque em ti as duas coisas se confundem - literatura e vida –e nunca se sabe onde uma começa e outra acaba. É por isso que não tenho a certeza de que tenhas morrido – pode ser mais uma das tuas invenções, das tuas histórias falsas, dos teus delírios de criador de fábulas. E, se assim for, que lição tiraremos desta súbita ausência e do silêncio que caiu de repente sobre nós?

Lembras-te do dia em que Letelier escondeu uma peça do xadrez de Sarabia na piscina do Altis? Tu se calhar encontraste finalmente essa peça e foste devolvê-la ao Antonio, esteja ele onde estiver, como diria o Negro, e por lá ficaram à conversa, entre dois copos de vinho e um assado que não resististe a fazer.

O meu telefone está cheio de mortos. Onde diz “Lucho” vou pôr “Mentiroso”. E continuarei a telefonar para esse número que nunca atendes, que nunca atenderás, simplesmente porque estás a escrever o fim da história.

18 de Abril de 2020

Há no poema três referências que talvez devam ser explicitadas: aos romancistas Hernán Rivera Letelier (chileno), Antonio Sarabia (mexicano, já falecido) e Mario Delgado Aparaín (que entre os amigos é referido carinhosamente por El Negro, embora seja branco e uruguaio).

O presente poema foi originalmente publicado no JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias, em 22 de Abril de 2020

Com Antonio Sarabia | Paris. 2001

Com Mario Delgado Aparaín | Póvoa de Varzim. 2011

‘amizade(s)’ | para Lucho

Ondjaki

Ondjaki | Póvoa de Varzim. 2007 nem foi ontem nem foi perto | termos chegado ao mar a olhar e | quase mesmo em azul | devagar | isso de olhar e dizer e esperar | isso de rir e dançar ainda a quietar | nem foi pouco nem foi perto | do não dizer ou abraçar | ou de aos poucos deixar por dizer | que isso de falar | e de contar | tem um tempo onde não há e não-se-pode

e tem um tempo | onde há | e se celebra

devagar.

Ondjaki nasceu em Luanda em 1977 e é um dos autores mais traduzidos da sua geração. É membro da União dos Escritores Angolanos. Os seus livros foram distinguidos com diversos Prémios entre eles, em 2013, com os transparentes, o Prémio José Saramago.

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