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POR TRÁS DO CAFÉ DE CADA DIA: DA FAZENDA ATÉ O E-COMMERCE

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O NOVO E-COMMERCE

O NOVO E-COMMERCE

Um dos hábitos alimentares mais importantes para os brasileiros passa por um processo complexo antes de chegar ao consumidor e tem tudo a ver com transformação digital

Por Júlia Rondinelli, da Redação do E-Commerce Brasil

De onde vem o café de todo santo dia? Se não temos contato nenhum com qualquer etapa da produçãocomo desconfio ser o caso da maior parte dos leitores da Revista E-Commerce Brasil, assim como é o meu - para responder essa pergunta, é fácil imaginar uma fazenda longínqua, um campo verde sob o sol com colheitadeiras gigantes trabalhando como em uma chamada do Globo Rural. Mas a verdade é que o caminho do café até a nossa mesa é complexo e cada vez mais digital.

Para o case desta edição, entrevistamos Marcelo Moscofian, CEO da Santa Mônica, produtora de café brasileira que não só abraçou a venda online como aplicou a transformação (não só digital) em todos os seus processos: da bactéria que substitui o adubo químico nos pés da plantação até a experiência aromática de quem compra no e-commerce.

Mas antes de falarmos deles, de onde veio o café?

Senta que lá vem história

De maneira bem resumida, a origem do consumo de café é atribuída ao continente africano e, segundo as crenças populares, só aconteceu após um pastor de cabras do território que hoje é conhecido como Etiópia perceber uma mudança no comportamento dos animais que ingeriam os frutos amarelo-avermelhados de alguns arbustos abundantes no campo. A história ficou conhecida como Lenda de Kaldi, nome do pastor, e foi registrada em manuscritos no Iêmen em 575 d.C.

Verdadeira ou não, a lenda é um sinal da sutileza dos comportamentos humanos: oras, se as cabrinhas ficavam felizes e energizadas ao consumir as frutas do pé de café, por que as pessoas não transformariam essa experiência em um verdadeiro ritual cotidiano? Outros registros históricos apontam que o consumo das frutas ou folhas dos arbustos do café começou a se espalhar nessa mesma época em todo o território da Etiópia, além de ter sido incorporado a refeições, chás e bebidas alcoólicas.

A difusão e o consumo como conhecemos hoje ainda levariam muitas centenas de anos para chegarem às nossas mesas, mas podemos agradecer aos povos árabes pelo domínio das técnicas de plantio e preparo da bebida, ainda apenas uma infusão, que passou a ser chamada de Kahwah ou Cahue, que significa “força”. A partir do século XIV, foram desenvolvidas as técnicas de torrefação, e o café ganhou popularidade em alguns círculos sociais graças, principalmente, ao papel fundamental que desempenhou nos hábitos alimentares e sociais da Turquia. Na Europa, passou a ser tratado como especiaria e artigo de luxo, rendendo até uma composição de Johann Sebastian Bach, em 1732.

Durante o Iluminismo (século XVII), as cafeterias foram abrigo de discussões políticas, sociais e culturais por toda a Europa. Com a chegada da Revolução Industrial (século XIX), já havia protótipos de máquinas de café, e a Itália virou referência nas técnicas de produção e preparo, muitas delas essenciais até hoje.

Nesse meio tempo, os holandeses foram os maiores responsáveis pela disseminação do café pelo mundo durante as navegações e negociações coloniais. No Brasil, finalmente, acredita-se que o café tenha chegado em 1727, trazido de maneira clandestina por Francisco de Melo Palhete, um bandeirante a serviço da Coroa portuguesa.

Muitos anos depois, na terra em que tudo brota, o café deu início a um novo ciclo econômico, chamado de “ouro negro” por suprir a dificuldade de encontrar ouro de verdade nas minas brasileiras e pela exaustão da cultura do açúcar, o que afligia a colonização portuguesa. A cultura do café não só mudou o jogo para Portugal como foi decisiva para a manutenção do Primeiro Reinado no Brasil.

Ótimo, o que isso tem a ver com a Santa Mônica?

Onde nossos protagonistas entram em cena

A produção da Santa Mônica está bem longe dos modelos tradicionais. Marcelo conta que, além de garantir café de primeira qualidade aos brasileiros, os processos da empresa são pensados com responsabilidade social e ambiental, com técnicas seguras.

A empresa foi criada em 1985, mas sua história começa muito antes disso. Arthur Moscofian Junior, fundador e idealizador da Santa Maria, estudou o café no Brasil e no exterior antes de decidir que havia espaço no mercado nacional para uma experiência mais completa no consumo dessa bebida já tão apreciada. Como herança dos tempos coloniais, o Brasil exporta a maior parte das melhores produções, algo que não fazia sentido para o produtor.

O objetivo principal do empreendimento passou a ser oferecer aos brasileiros uma experiência premium com um produto 100% nacional, feito com grãos arábica e usando o melhor da tecnologia para promover um cultivo mais sustentável. Marcelo explica ainda que a ideia de “premium” não deve ser confundida com inacessível, ou até mesmo elitizada, mas sim como a qualidade ideal que faltava no mercado.

Da padaria ao e-commerce

Para Marcelo, é um diferencial que as estratégias da empresa tenham sempre sido planejadas com os pés no chão. Durante anos, a produtora se consolidou como uma empresa B2B, pois, por mais que seus clientes fossem sim os consumidores finais, vendia primordialmente para cafeterias, restaurantes e padarias dispostos a entregar uma experiência mais atrativa ao "cafezinho" depois do almoço.

O product placement, ou seja, a conquista de mercado através do renome nesses espaços, ajudou a empresa a traçar planos B2C e ir além do food service: havia espaço para uma demanda reprimida pelas marcas tradicionais no mercado, e os cafés da Santa Mônica começaram a ser vendidos em alguns estabelecimentos físicos a partir de 2015, porém ainda de forma bastante nichada.

Do empório para o e-commerce é um grande salto, mas em 2019 a empresa começou a arriscar vendas pela Amazon e pela loja própria. Mesmo que as vendas fossem pequenas, era um indicativo saudável de que havia procura. “Se 1% das vendas vinham do online nessa época, era muito e era aquela venda para um fã da marca que não tinha encontrado o produto em outro lugar”, explica Marcelo.

A virada da chave

A virada da chave para a empresa foi, assim como para o resto do mundo, a crise sem precedentes gerada pela pandemia em março de 2020. Por mais que o e-commerce e a estratégia digital já estivessem bem encaminhados, os fãs, os consumidores normais e até quem não conhecia a marca se viram longe do cafezinho gourmet pós-almoço sagrado de todos os dias.

Com o aumento da demanda, a empresa precisou trocar a plataforma e rever rapi- damente suas estratégias. Já no ambiente digital, deparou-se com um público disposto a experimentar e até a defender novas marcas quando agraciado com experiências positivas.

Se já havia no mercado brasileiro uma demanda reprimida, a pandemia facilitou a transição do food service no universo do café para o home made. As pessoas sempre fizeram café em casa, mas sentiam falta da experiência física dos estabelecimentos comerciais. As vendas online ajudaram a diminuir a sensação de que algo estava sendo perdido. Vale lembrar: 2020 e 2021 foram anos em que, devido ao isolamento social, as pessoas se permitiram algumas indulgências, passaram a valorizar o conforto doméstico e literalmente viraram uma chave no padrão de consumo.

“Além disso, vimos um gradativo aumento de preços no mercado brasileiro, então se o consumidor médio já estava pagando mais caro no café tradicional, por que não pagar um pouquinho a mais em um café de melhor qualidade, se isso faz diferença na experiência?”, argumenta Marcelo.

Um universo de oportunidades

De lá para cá, a empresa se vê abraçando as colaborações, parcerias, novos produtos e oportunidades para experiências imersivas, que vão desde cápsulas de café até a oportunidade de visitar a fazenda onde tudo começou, em Machado, sul de Minas Gerais.

Marcelo explica ainda que agora que já estão bastante inseridos no ambiente digital e que as vendas online ganham um tracionamento mais relevante para as contas da empresa, estudam-se ainda novas formas de negócios. Em nossa conversa, ele falou de oportunidades envolvendo o quick commerce, melhorar a experiência do last mile e até mesmo exportações e planos para um programa de afiliados em breve.

Outra grande vantagem do ambiente digital foi a construção de um relacionamento quase didático com o consumidor final, em grande parte facilitado pelas ferramentas de comunicação, como o WhatsApp e as lives nas redes sociais. “Pelo online, é possível se conectar com mais informações com o consumidor e criar uma proximidade pelo conteúdo sobre café”, ele completa.

A cultura do café

A “cultura do café” quer dizer muita coisa: plantações, hábitos de consumo social e elemento de identidade e distinção em um ou mais grupos de pessoas. No caso do café, tudo isso é verdadeiro. Existe um papel social por trás do plantio no Brasil, que envolve uso da terra, da mão de obra e o destino dos produtos.

Para a cadeia produtiva da Santa Mônica, existe ainda outro significado a ser atribuído: a responsabilidade. No processo, existe um olhar dedicado aos pequenos produtores e ao compromisso em gerar treinamento e conhecimento para as famílias empregadas na colheita do café. “Para produzir café de qualidade, é preciso estar em harmonia com o ambiente”, avisa o executivo, uma vez que a produção é 100% natural, sem uso de adubo químico e emprega tecnologia e ciência de ponta para a proteção do solo.

A fazenda usa bactérias que substituem o adubo químico na absorção de nutrientes nos pés dos arbustos. “Tudo vem do Brasil, inclusive a bactéria estudada e desenvolvida em São Carlos. Os adubos químicos e os agrotóxicos não são tão eficientes e não permitem que as moléculas grandes de nitrogênio entrem nas raízes. A bactéria, além de substituí-los, faz esse trabalho sem prejudicar o solo”.

Fazenda Santa Mônica

Do Brasil para o mundo

Mesmo que não tenha começado aqui, a produção do café no Brasil é uma das mais importantes no mundo. De acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC), o Brasil é responsável por um terço de todo o café produzido no mundo, invicto em um pódio de maior produtor do mercado mundial há mais de 150 anos. Além disso, é o segundo maior consumidor da bebida. Para se ter ideia, dados da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) mostram que a safra de 2019/2020 foi de 63,08 milhões de sacas, 27,9% mais do que a safra anterior.

Dados do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) fornecidos pelo Governo Federal mostram que a cafeicultura brasileira é uma das mais exigentes no mundo, justamente pelas questões sociais e ambientais tão importantes para a Santa Mônica. Estima-se que a produção do café empregue mais de oito milhões de brasileiros. Ainda de acordo com a ABIC, Minas Gerais é o estado que mais produz café no Brasil (cerca de 50%), com destaque para o café arábica.

Boa parte desse café, no entanto, não fica no Brasil, como mostra o relatório estatístico do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé). Isso não é necessariamente algo ruim, uma vez que a exportação de café bateu recorde de US$ 9,233 bilhões em receita cambial em 2022, 16,9% a mais do que o registrado na safra anterior. Estados Unidos, Alemanha, Itália, Bélgica e Japão são os principais consumidores.

Com um mercado interno cada vez mais consciente da qualidade do café nacional e com as exportações aquecidas, a cultura do café ainda tem muita história pela frente.

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