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CHATGPT E E-COMMERCE DÃO MATCH?
Especialistas analisam como a ferramenta de inteligência artificial pode impactar o setor sem prejudicá-lo
Por Dinalva Fernandes e Giuliano Gonçalves, da Redação do E-Commerce Brasil
Já imaginou pedir uma informação ao computador e obter uma resposta em questão de minutos, apenas com o auxílio de uma inteligência artificial? Para especialistas ouvidos pelo E-Commerce Brasil, o ChatGPT pode, sim, ajudar lojistas de comércio eletrônico, mas, como em quase tudo na vida, há prós e contras. A ferramenta não é essa maravilha toda como tanta gente prega por aí, especialmente no quesito fator humano - este, aliás, já adiantamos: se mantém insubstituível. Mas primeiro: o que é o ChatGPT?
Traduzindo ao pé da letra, ChatGPT é uma sigla para "Chat Generative Pre-Trained Transformer", ou “Transformador Pré-treinado Gerador de Bate-Papo”. Nesse caso, pode-se afirmar que ele deriva do modelo de linguagem GPT-3, sistema desenvolvido para gerar textos em linguagem muito simi- lar à de um ser humano. Para tanto, recebeu treinamento a partir de um enorme banco de dados de trocas de conversas - por isso mesmo é capaz de escrever textos coerentes e assertivos durante um bate-papo. Segundo a Universidade de Stanford, o GPT-3 foi treinado sobre 570 GB de textos e possui 175 bilhões de parâmetros, quantidade 100 vezes maior do que a de seu antecessor (GPT-2).
Interessante saber que a princípio o seu desenvolvimento não visava ao lucro.
Além disso, o sistema criado pela OpenAI Inc. - empresa de inteligência artificial (IA) com sede em São Francisco, na Califórnia (EUA) - teve muitas figuras envolvidas em sua criação, como Elon Musk, Sam Altman (atual CEO), Ilya Sutskever (Google), Reid Hoffman (cofundador do Linkedin) e Peter Thiel (cofundador do PayPal). Hoje, a Microsoft é uma das maiores investidoras dessa
IA - ela também desenvolveu em conjunto com a OpenAI a plataforma Azure AI.
ChatGPT “causando” no mundo
Sabendo agora o que é o sistema, vamos aos seus números! O ChatGPT atingiu cerca de 100 milhões de usuários ativos mensais em janeiro, apenas dois meses após seu lançamento. Com isso, ele se torna a ferramenta digital com crescimento mais rápido da história, passando TikTok e Facebook, que levaram muito mais tempo para atingir essa marca.
Levantamento realizado pela Vert.se Inteligência Digital, empresa de business intelligence com foco em dados de redes sociais, observando a plataforma Stilingue, apurou que, do total de citações dos brasileiros nas redes sociais, 61% foram apenas em fevereiro. Dessas, 63% das publicações partiram do Twitter.
A empresa apurou que, mesmo com esse crescimento ímpar, o ChatGPT ainda gera muitas discussões nas redes. Entre os posts, muitos focam em críticas e elogios, mas há grande volume de pessoas discutindo a ferramenta e uma das principais questões é sobre a suposta ameaça a algumas profissões, incluindo redatores e compositores.
A empresa também analisou as pesquisas em sites de buscas. De acordo com o levantamento, a Alexa (Amazon) vinha reinando solo nas temáticas ligadas à IA até ser ultrapassada nas buscas por “ChatGPT” (OpenAI) a partir de janeiro. O pico de buscas aconteceu em 29 de janeiro, um dia após uma reportagem sobre o assunto ir ao ar no programa Fantástico, da TV Globo. Por outro lado, o Bard, concorrente direto do ChatGPT, e a mais nova das ferramentas, lançada em 6 de fevereiro, tem o menor volume de buscas.
“Em termos de criação, o ChatGPT tem várias vantagens, como a linguagem natural por escrita. A pessoa pode digitar um problema no chat e em resposta receber sugestões de produtos ou ferramentas para resolvê-lo. Outra grande vantagem é o chat de atendimento e suporte ao cliente, que pode ser automatizado para se tornar mais eficiente na venda”, explica Marcell Almeida, CEO da escola Atm 3.
Outro ponto favorável ao uso da ferramenta é a possibilidade de auxílio na criação de textos em geral para as lojas. “O ChatGPT pode ajudar bastante no copywriting, principalmente para quem está começando e ainda não tem muita prática com isso. E um bom copywriting impacta diretamente nas vendas”, diz Lucas Castellani, CEO da plataforma Cartpanda.
Atenção ao uso da ferramenta
Como o uso da ferramenta é recente, o mercado ficou impressionado, pois o ChatGPT é bastante convincente. Porém, se não houver atenção ao seu uso, pode-se facilmente ser enganado por ela, explica Almeida. “Ela comete muitos erros básicos, como somas. Por isso, é preciso ter cuidado e transparência, pois a informação fidedigna passa confiança e precisa sempre ter um acompanhamento humano”.
Para ele, pedir feedbacks aos clientes é uma forma de saber se a ferramenta está funcionando adequadamente, além de ser interessante disponibilizar uma equipe que esteja olhando para essa demanda no estágio atual.
“O lojista precisa lembrar que o ChatGPT não vai ter as mesmas capacidades de uma pessoa real, ou seja, não dá para substituir 100% tudo que uma pessoa faria, pelo menos não estamos nesse ponto ainda. Para a evolução de um negócio, é essencial que o gestor de e-commerce esteja diretamente envolvido e buscando evoluir sempre”, afirma Castellani.
Os especialistas são unânimes em exaltar a facilidade no uso da ferramenta. “O lojista pode usar por conta própria, é bem fácil lidar com o ChatGPT. Basicamente, só precisa fazer perguntas ou algum pedido e pegar a resposta que o bot vai fornecer. É como conversar com uma pessoa que está disposta a lhe ajudar”, explica Castellani. Por outro lado, Almeida ressalta a necessidade de um especialista para tarefas mais complexas. "Para implementar dentro da loja, de forma integrada aos produtos ou recomendar o contexto, é preciso contar com um desenvolvedor de software, com experiência em OpenIA, que é a dona da ferramenta”, complementa.
Para Castellani, todo mundo deveria pelo menos experimentar um pouco o ChatGPT e ver do que ele é capaz. “Se você gostar e quiser utilizá-lo em sua operação, ótimo, vai ajudar bastante. Só não pense que ele é uma solução milagrosa que vai destravar o segredo das vendas como algumas pessoas dizem por aí. Isso só vai gerar expectativas surreais”, aconselha.
Um oráculo que pode servir (e muito) para o e-commerce
Quem também trouxe insights para este conteúdo foi Rafael Franco, especialista em Engenharia de Software e CEO da Alphacode. Segundo ele, o administrador de um e-commerce deverá usar, ao menos por enquanto, o ChatGPT como um assistente. “Ele é basicamente como um ‘oráculo’: tudo o que você perguntar ele vai te responder. No e-commerce, poderá ajudar um profissional principalmente na produção de conteúdo, por exemplo”.
Franco, que trabalha assessorando e-commerces de foodservice, diz que uma das dores desse setor está na descrição de produtos. “A pessoa precisa escrever dois, três parágrafos sobre o alimento. Nesse caso, implantamos um sistema em que o ChatGPT recebe os inputs de dados e devolve com uma descrição sugerida, de uns três parágrafos.. A partir daí, o operador valida se está de acordo e economiza muito tempo. Afinal, uma coisa é fazer isso para um produto, outra é fazer para 200, 300, 500 produtos”.
Se ainda há algum receio sobre os problemas que o sistema pode gerar, o executivo pondera. “Nos testes que fizemos, o ChatGPT não errou coisas absurdas. “Ele pode dizer que a lasanha tem três camadas de queijo, quando na verdade são duas. Por isso mesmo eu reforço a questão de haver um ser humano para, vez ou outra, realizar ajustes. Sempre digo que a inteligência artificial não veio para substituir nada, mas para contribuir como um excelente assistente”. Franco diz que agrega as APIs de integração do ChatGPT a outras soluções para que o lojista as utilize de uma forma que não seja manual e ganhe em produtividade.
Entre os exemplos de funções da ferramenta, ele citou o dos envios de notificações do tipo push. “Nesse caso, o ChatGPT entende o dia em que aquela promoção será lançada (como uma data especial), cria uma frase e mostra para o profissional de marketing. Este avalia se a mensagem faz sentido e faz o disparo”. Todo esse caminho já está atrelado ao CRM da empresa e, após o pedido de sugestão de texto, o tempo de criação cai para poucos segundos. “Se uma pessoa cadastra 100 produtos em um dia, com o uso do sistema, esse número pode escalar para mil, por exemplo”.
Avaliação de clientes
Um dos pontos críticos do e-commerce é o acompanhamento dos comentários de clientes nas diversas redes sociais da empresa, assim como a classificação. Isso, por exemplo, já é uma tarefa que pode ser atribuída ao ChatGPT. “A ferramenta lê os comentários e já classifica se são positivos, negativos ou neutros. Por consequência, o lojista tem uma noção da aceitação do produto ou serviço oferecido”. Além disso, Franco afirma que é possível fazer com que o ChatGPT sugira uma resposta para o operador avaliar e aprovar.
Perguntado sobre a possibilidade de ativar a ferramenta para alertar sobre críticas, Franco diz que não só é possível, como já está implementando isso. “Essa integração sempre será feita a partir de uma empresa de tecnologia. E, sim, é possível integrar com todos os pontos de contato da loja com o cliente”.
Por se tratar de uma ferramenta de sugestão, Franco diz que é importante ter um profissional qualificado para operá-la. “Não adianta ter um oráculo que te dá todas as respostas, se você não souber fazer as perguntas certas. E, se a pessoa não tiver um bom senso para avaliar se a resposta está correta ou não, é possível que haja uma falha no uso”. O ideal, portanto, é não deixar a IA atuar sozinha, mas sempre sob a gestão de alguém. “Ela está ali para te ajudar, e não para fazer o trabalho por você”, diz. “O grande poder da ferramenta virá a partir da sua integração com outros sistemas. É aí que a coisa vai mudar de figura”.
Evolução do ChatGPT
Franco acompanha o setor de tecnologia há mais de 20 anos, e acredita que o modelo de inteligência artificial GPT por contexto é a maior disrupção da tecnologia desde a invenção do smartphone. “Vai existir a tecnologia ‘antes e depois’ do GPT. Ela vai afetar todos os dados, e quem demorar para entender isso vai sofrer com a desigualdade competitiva que ela oferece”.
Para ele, quem estiver fora dessa tecnologia precisará de cinco, seis pessoas para realizar um atendimento. Por outro lado, o concorrente que utiliza a ferramenta precisará de apenas uma pessoa para atender ao dobro e aprovar as respostas da IA, que ganhará provavelmente cinco vezes mais do que um operador”.
Para ele, segmentos como call center serão transformados por completo nos próximos anos com o advento da tecnologia GPT. “As URAs (unidades de resposta audível) serão desse fluxo. “Será um divisor de águas, e quem entender e implantar terá um ganho maior durante um período. No futuro, porém, essa tendência será um padrão, e todo o mundo usará”, frisa.
O que acontecerá com os empregos?
Sobre a questão do desemprego que a ferramenta trará, Franco minimiza: “Ela não irá matar os empregos, mas sim qualificá-los, tal qual ocorreu na revolução industrial. Não é um trabalho muito inteligente colocar um ser humano para ler 500 comentários por dia, em seguida, clicar em um botão para qualificar como positivo, negativo ou neutro, copiar uma resposta de uma planilha e colar. Não é um trabalho intelectual, assim como no passado uma pessoa que apertava os parafusos de uma roda de carro na linha de montagem. Esse tipo de emprego tende a acabar, é fato. Mas, da mesma forma, nascerá um novo que será o responsável por refinar cada vez mais contextuais, e os questionamentos dos usuários irão direto para uma inteligência artificial. Ou seja, vai acabar aquela coisa de ‘para tal problema aperte 1’. Você dirá o seu problema, uma IA irá compreender, criar uma resposta e devolver imediatamente”.
Essa evolução, segundo ele, será gradativa, sendo a primeira fase operada sob supervisão, com um humano mapeando e contabilizando os erros e os acertos da IA. Quando os erros se tornarem ínfimos, a IA passará a operar sozinha. “Hoje, o GPT está no modelo 3, e este ano já está previsto o lançamento da versão 4, centenas de vezes mais poderoso. Isso contribui para que a tecnologia seja ainda mais assertiva”.
Usando e abusando do ChatGPT
Na parte administrativa, Franco lembra que o recurso da IA pode contribuir em diver- sos aspectos. “Às vezes, precisamos fazer uma fórmula no Excel e esquecemos como. Nesse caso, basta escrever na ferramenta a intenção da fórmula que ela gera o código em segundos”. Até em programação essa IA já contribui (e muito): segundo Franco, é possível pedir o código desejado e o sistema escreve instantaneamente. “Meus programadores estão ganhando de 20% a 30% em produtividade só de retirar o trabalho de digitalização de código. Sem contar que, caso o programador queira, a IA pode reescrever um código já feito de modo a otimizá-lo”.
Jamie Anderson, diretor de uma empresa de otimização de gastos do Reino Unido, disse recentemente que o ChatGPT pode, inclusive, ajudar empresas na redução de gastos. Para isso, no entanto, ele diz que é preciso haver uma base de dados armazenada do negócio. A partir daí, a IA integrada ao CRM e a sistemas financeiros pode vasculhar as despesas para determinar o custo de aquisição de um novo cliente, por exemplo. De acordo com ele, isso ajudará, inclusive, nas previsões sobre gastos e economias futuras das empresas.
Legislação brasileira em relação à inteligência artificial
Existe um projeto de lei (PL 21/20) do marco legal do desenvolvimento e do uso da inteligência artificial pelo poder público. Ainda assim, o texto segue há cerca de três anos em tramitação, sem um prazo para entrar em vigor - portanto, não existe legislação no Brasil para a IA até o momento.
Autor do projeto de lei, o deputado Eduardo Bismarck (PDT-CE) disse que o objetivo é dotar o país de uma legislação que, ao mesmo tempo, estimule a IA e proteja os cidadãos do mau uso dela. “Precisamos de uma edição de legislação tornando obrigatórios os prin- cípios consagrados no âmbito internacional e disciplinando direitos e deveres”.
Na Europa, por exemplo, o ChatGPT já alcançou mais de 100 milhões de usuários somente em janeiro de 2023. A União Europeia, porém, poderá restringir o seu uso por preocupações em relação à privacidade dos usuários. O Comissário do Mercado Interno Europeu, Thierry Breton, disse que a ferramenta pode ser utilizada tanto em fraudes como em informações falsas e abusos na área educacional - motivo este que já baniu o aplicativo em escolas nos EUA.
Mercado de inteligência artificial no Brasil
Atualmente, o Brasil é o líder no uso da inteligência artificial na América Latina, conforme mostra o estudo “Avanços na cultura organizacional impulsionados por dados, análises e inteligência artificial”, da IDC. Portanto, 63% das empresas brasileiras utilizam aplicativos baseados nessa tecnologia. As indústrias mais avançadas em soluções de IA são finanças, varejo e manufatura. Importante destacar que 90% das empresas brasileiras estão investindo em ferramentas de dados e análises para identificar tendências e padrões de consumo - muito acima da média latino-americana, que é de 60%.
Nesse mesmo relatório, um dado revela que o Brasil lidera o ranking com 84% no uso de dados, análises e inteligência artificial. A taxa para a América Latina é de 73%. A consultoria FrontierView analisou o histórico e concluiu que a IA pode contribuir para um incremento de 4,2% no PIB brasileiro até 2030. Em sintonia, a PWC constatou que, mundialmente, essa tecnologia deve colaborar com quase US$ 16 trilhões para a economia até 2030.