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ELETROELETRÔNICOS: NOVAS JORNADAS DE COMPRA, NOVAS OPORTUNIDADES DE LUCRO
Os produtos eletroeletrônicos ocupam uma parcela importante no comércio eletrônico, liderando o faturamento do canal em vários países do mundo. É um segmento de compra assistida e de ciclo longo, mas que encontrou no e-commerce um aliado em função de permitir uma jornada com mais conhecimento para o consumidor.
Aqui no Brasil, a GfK vem entregando informações por meio de artigos, webinars e eventos, mas acredito que você, leitor da Revista E-Commerce Brasil, poderá sair na frente com uma visão global sobre “onde” e “como” o consumidor tem comprado eletroeletrônicos com o intuito de “ir contra a maré”, inovar, se antecipar ou até mesmo confirmar algumas hipóteses.
Como pano de fundo, acho importante comentar que as vendas globais das categorias de eletroeletrônicos caíram 8,4%, em dólar, durante 2022. Uma realocação dos gastos dos lares impactou todos os produtos em níveis bastante similares. Os equipamentos de escritório caíram 9,2%, os eletrodomésticos portáteis reduziram 7,3% e os celulares retrocederam impressionantes 8,9%. Mesmo a cesta de Áudio e TV (linha marrom), que normalmente cresce em anos de grandes eventos esportivos, apresentou uma redução de 10,6%.
No entanto, se compararmos os gastos entre 2022 e 2019, veremos que os do ano passado foram 6% maiores em dólar, com destaques para produtos de escritório, laptops e eletrodomésticos portáteis, da linha branca até celulares. Esses 6% podem ser atribuídos especialmente à inflação do período, mas, ainda assim, para o varejo mundial, representam um maior faturamento.
Como 50% das compras de eletroeletrônicos vêm de reposição de produtos quebrados, enquanto outros 35% vêm de upgrade de produtos, o fato de ter mais geladeiras ou TVs sendo usados nos lares hoje significa maior potencial de vendas amanhã.
Atuou em empresas de bens de consumo, como Phillip Morris, Mondelez e Unilever, no Brasil, Chile e México, até a posição de Diretor de Marketing. Em consultorias de data analytics, como a GfK, vem liderando empresas e unidades de negócio desde 2008, especializando-se em realizar processos de turnaround comercial, operacional e financeiro, bem como integração de empresas adquiridas. Felipe é membro do YPO (Young Presidents Organization) desde 2014 e atua em Conselhos de Empresas e Associações, além de palestrante frequente em eventos de tecnologia, varejo e comércio eletrônico, sendo investidor de startups nesses segmentos.
Uma visão do varejo global de eletroeletrônicos
As vendas do segmento estão concentradas em grandes lojas (Technical Superstores), que em geral se dedicam ao segmento e a algumas outras categorias para o lar, com 4% das lojas representando 34% das vendas totais. Ainda chama atenção que outros 39% do volume global venham de varejistas especializados apenas em “Telecom” (smartphones e acessórios), enquanto os varejos menos especializados, como supermercados e lojas de roupa, representam apenas 9% do volume.
Na América Latina, os percentuais são bastante diferentes. As Technical Superstores representam 49% das vendas, as especialistas em Telecom, 12%, e os varejos menos especializados respondem por impressionantes 33%. Fica claro que o comprador latino tem valorizado menos a compra em lojas mais especializadas, o que na minha opinião é uma clara oportunidade para o e-commerce.
A venda online disparou nos últimos três anos
Globalmente, 25% das compras de eletroeletrônicos foram feitas no canal online em 2019. Esse percentual subiu para 34% em 2020 e estabilizou-se em 2022. Os “Pure Players”, aqueles que não têm lojas físicas, representaram 20% das vendas em 2019 e passaram a 26% em 2022, enquanto que os varejos “Click&Mortar”, com lojas físicas e e-commerce, saltaram de 5% para 9% de importância no mesmo período, sendo os grandes ganhadores de público por todo o planeta. Trazendo para a nossa região, a América Latina detém a maior participação de “Click&Mortars”, com 19% das vendas.
Desde o início da pandemia, as redes de lojas físicas precisaram se digitalizar. Entre as medidas tomadas, destaca-se a rápida abertura do e-commerce, investimento pesado nas mídias digitais para atrair novos compradores e aceleração da expansão dos marketplaces. E vale destacar que os marketplaces têm se desenvolvido bem em países como Brasil, Rússia e Turquia, com um crescimento de 9% para 12% das vendas em apenas um ano, enquanto o resto do canal online ficou estável em 30%.
Ainda sobre representatividade do online nas vendas totais, globalmente, a América Latina apresentou o maior crescimento. Se em 2019 o canal representava apenas 21% das vendas, esse número foi para 39% em 2022, quase duplicando a participação. Das regiões menos desenvolvidas economicamente, somos a segunda que mais compra online, notadamente após a China e seus 50% das vendas. A Ásia emergente e o Oriente Médio/África, por exemplo, têm apenas 16% das vendas no online.
Outro elemento interessante do online mundial é o crescimento da venda direto ao consumidor, o “D2C”. Os marketplaces são um local natural para essas lojas, já que atraem uma grande massa de visitantes para uma experiência de compra mais informada. Não é de se estranhar, portanto, que a América Latina venha liderando o crescimento do “D2C” em eletroeletrônicos, com algumas categorias de IT e Escritório (computadores, impressoras) e até Câmeras Fotográficas representando mais de 10% das vendas totais do segmento, conforme as estimativas da GfK. Vale mencionar que na Europa uma marca específica de aspiradores de pó já tem 25% das vendas feitas em suas propriedades. Se você tem um marketplace, pense seriamente em hospedar sites de marcas.
Mas o e-commerce estagnou em 2022?
O título pode enganar um pouco... a verdade é que a venda online caiu um pouco mais do que o total do varejo do segmento. Depois de crescer 7% em 2019, 37% em 2020 e 18% em 2021, o online caiu 8,6% em 2022 (vs 8,4% de queda no total). Não podemos esquecer que, comparando as vendas de 2022 com 2019, o crescimento em dólar foi de impressionantes 47%.
Um impacto importante para o desempenho negativo de 2022 foi a Black Friday, que foi globalmente muito ruim se comparada à de 2021. Um elemento interessante a se destacar é que o calendário promocional é muito mais ativo na América Latina e na China do que no resto do mundo. Em nossa região, por exemplo, além da Black Friday e do Natal, temos o crescimento dos “Cyber Days”, “Saldões” e aniversários de varejistas, além do Dia das Mães e dos Pais. A China tem comportamento similar, com “Singles Day” e alguns “The Big Billion Days” para completar a oferta. A Europa, entretanto, se concentra no “Trimestre Dourado”, de outubro a dezembro, ainda que o “Volta às Aulas” tenha um impacto maior para as categorias de IT, e o “Dia das Mães” se destaque na Europa do Leste.
Como referência, enquanto as vendas globais de Natal e Ano Novo representam 9,8% das vendas do ano, na América Latina esse número é de 7,1% e na China, 7,9%. Já a Black Friday no mundo representa 3,5%, enquanto que na América Latina chega ao dobro disso.
Quando olhamos a venda em unidades, a queda em 2022 foi de “apenas” 6,9% comparada a 2021, portanto menor do que os 8,6% de queda em faturamento. Isso indica que o preço médio das compras reduziu, um pouco por mix de categorias, mas também por um menor efeito inflacionário.
A gestão de portfólio se tornou ainda mais relevante
O portfólio de marcas e opções de preços se movimentou de maneira bastante interessante em 2022. Foi feita uma análise em três faixas de preço: 1) superpremium: marcas que têm o seu preço médio 50% mais caro do que a média de mercado, 2) baixo preço: aquelas 25% mais baratas do que a média de mercado e, o restante, 3) preço padrão. Com exceção dos smartphones, todas as outras categorias viram quedas maiores de vendas nas marcas superpremium e nas marcas de baixo preço, ou seja, as marcas de preço médio foram a opção mais relevante para os consumidores. Na contramão, os smartphones, apesar da queda no total das vendas, viram suas marcas superpremium crescerem 5% e representarem 47% das vendas da categoria.
Em categorias como Linha Marrom, IT e Escritório, ou mesmo Linha Branca, as marcas superpremium têm uma média de apenas 15% das vendas a nível global. Isso demonstra que o smartphone segue sendo um item de uso e de estilo de vida, portanto uma melhora econômica pode rapidamente acelerar as vendas.
Na América Latina, em 2022, as marcas premium representam 18% do total das categorias, enquanto no mundo esse percentual é de 31%. Claro que o poder de compra tem impacto direto nesse percentual, mas também demonstra que há oportunidade para se trabalhar melhor o portfólio premium para uma parcela da população que pode pagar e valoriza a performance e o design.
De 2019 a 2022, o canal online agregou 56% a mais de SKUs e 76% a mais de marcas em todo o mundo. O crescimento das vendas foi, portanto, direcionado não apenas por hábitos dos consumidores, mas igualmente por uma maior variedade de opções. Em contraposição, comparado a novamente a 2019, o varejo físico diminuiu em 14% tanto o número de SKUs quanto o de marcas.
Uma compra ainda em transformação
O varejo dos mercados emergentes deu um salto importante em termos de digitalização durante a pandemia, em especial na América Latina. Além do crescimento das compras online, tivemos também o desenvolvimento incrivelmente rápido dos marketplaces, que impediu (ou pelo menos adiou) o fechamento de pequenos varejistas.
Não enxergamos essa tendência retrocedendo no futuro, o que nos leva a uma preocupação em relação à concentração cada vez maior nos grandes marketplaces e um possível impacto na sobrevivência lucrativa do ecossistema (varejos menores). Vemos, inclusive, uma potencial aceleração, pois varejos em todas as partes do mundo estão agregando novas categorias às suas ofertas para reduzir o risco de queda de volume em categorias sazonais ou cíclicas, além de aproveitarem a sua audiência.
Ainda que isso seja um potencial problema para os pequenos varejos, para o consumidor representa ainda maior “Poder de Escolha”, o que acreditamos ser uma das forças transformadoras do setor de varejo eletroeletrônico nos próximos anos.
Lembremos, por exemplo, que a pesquisa online de produtos é cada vez mais frequente no mundo, com 61% dos consumidores com acesso à internet fazendo algumas pesquisas online em suas jornadas. Pelo menos um terço dos que pesquisaram online terminaram sua compra em lojas físicas, reforçando o caráter “figital” da jornada.
Isso se comprova em nossos estudos, pois ao perguntar às pessoas quais as razões para terem decidido comprar em “lojas físicas” ou “no online”, a maior parte das respostas foi muito similar. Por exemplo, 54% responderam que compraram online pelos preços e promoções, o mesmo percentual para os que compraram em lojas físicas. “Disponibilidade de estoque” - 29% para online, 33% para loja física. “Pela conveniência” - 26% online, 28% loja física.
É óbvio que o online tem vantagens logísticas, como a entrega, enquanto a loja física permite ver o produto e conversar com o vendedor, mas o fato é que o processo de compra se tornou “figital” definitivamente.
A busca de produtos diretamente em sites de varejo, por outro lado, ainda tem crescido. Até 2020, as plataformas de busca (“search”) eram dominantes no início da jornada, mas, nos últimos dois anos, vimos os varejistas serem os mais consultados. Em nossos estudos globais, feitos com pessoas com acesso à internet, 45% delas declararam acessar esses sites, enquanto que 43% acessam plataformas de busca para o mesmo fim, mas o percentual vem caindo.
Em seguida, temos sites de comparação de produtos (39%) e comparação de preços (32%). Interessante observar que algumas pessoas usam sites de varejo, em geral os dos marketplaces com navegação mais organizada, para fazer essas comparações, aumentando ainda mais o poder do varejo.
Os sites de fabricantes têm os mesmos 32%, enquanto as mídias sociais chegam a 24%, sendo esse percentual muito maior em gerações mais jovens. É interessante observar que a forma de fazer buscas em mídias sociais está se reinventando enquanto você lê este texto. Se antes digitávamos, agora entramos em comunidades ou tiramos fotos dos artigos que nos interessam, além da possibilidade de ver a foto de um influenciador e perguntar facilmente sobre o produto.
Finalmente, não dá para escapar do assunto: ainda precisamos avaliar o impacto da inteligência artificial generativa, o tal “ChatGPT” e correlatos, nesse processo. Escrevo este artigo em 02 de março de 2023 e já recebi recomendações muito claras, organizadas e “com autoridade” ao digitar “qual melhor televisão para uma sala de três metros, que também precisa ser usada para gaming?”.
Além disso, a resposta me parece mais “sincera” e técnica. Na minha visão, ainda é quase impossível influenciar comercialmente a resposta do ChatGPT, especialmente se comparamos com os produtos que aparecem no topo da lista do Google ou mesmo nas comunidades ou redes sociais, bem como no Instagram e noTikTok. Em função disso, não apenas os sites de comparação serão desafiados, mas também o vendedor da loja ou até aquele primo nerd que nos recomendava produtos. Vale acompanhar de perto os principais casos de sucesso para o varejo, e isso pode ser revolucionário, muito mais do que o metaverso, para os processos de compra.
Oportunidades de negócio: balanceando os interesses dos consumidores e os seus
Outro elemento que traz “poder de escolha” aos consumidores e merece ações concretas é a forma de pagamento. O setor bancário está muito preocupado com a disseminação das fintechs, especialmente com foco em pagamento, bem como nas carteiras virtuais. Os grandes varejos têm criado empresas independentes para cuidar disso, oferecendo a solução para outros varejos, não apenas em seus marketplaces, mas até em lojas físicas. Em todo o mundo, governos apresentam alternativas ao mercado, como o MIR na Rússia, Troy na Turquia ou o Pix no Brasil. Além da possibilidade de escolha dos consumidores, há lucro para quem explorar bem as possibilidades de gerenciamento de dinheiro no tempo, ou seja, pagando depois e recebendo antes com taxas competitivas.
O “poder de escolha” dos consumidores e oportunidades de negócios se juntam também em relação às estratégias de entrega, o conhecido “last mile”. Para eletroeletrônicos, quase sempre a entrega em casa é a mais importante, em especial porque em boa parte das compras o varejo pode assumir esse custo em função do valor da venda. No entanto, em especial na Europa, crescem as alternativas de retirar produtos nas suas lojas ou até em pontos específicos com apoio de parceiros, mas o interessante é que essas escolhas geram descontos ao consumidor, e ele tem ganhos imediatos.
Talvez a melhor opção para a sua loja seja estimular apenas uma das opções, reduzindo seus gastos ou fazendo dinheiro adicional, mas o importante é que, ainda que o consumidor tenha suas preferências, em mercados emergentes, o dinheiro, o desconto e o incentivo financeiro sempre têm um peso muito importante.
Algo similar ocorre com o desejo dos consumidores de suportar a “sustentabilidade do planeta” através de suas compras. Sabemos que no Brasil há uma alta expectativa dos consumidores em relação à atuação das empresas nesse sentido, ainda que os atos efetivos de apoio sejam reduzidos. Poucas pessoas estão dispostas a pagar realmente mais por um produto sustentável.
Some a isso o fato de que os eletroeletrônicos são produtos com muitas oportunidades para exercer o seu papel em tudo isso. Uma geladeira pode usar menos plástico, utilizar materiais ferrosos de minas certificadas, consumir menos energia e até garantir que os alimentos durem mais. No pós-uso, na hora do descarte, as oportunidades são enormes e cresce o conceito de “mina urbana”, que é reciclar produtos usados para reduzir a atividade de mineração.
Porém, entre os 3 Rs da Sustentabilidade (Reduzir, Reciclar, Reusar), vejo oportunidade para ganhos conjuntos no terceiro, o Reusar. A economia circular é uma tremenda oportunidade para o varejo, talvez ainda mais do que para as marcas, já que produtos de segunda mão serão mais e mais consumidos. O mercado de smartphones usados, por exemplo, vem crescendo a taxas de 29% na América Latina e de 25% na Índia, podendo atingir globalmente US$ 150 bilhões até 2030 (em 2021, foi de “apenas” US$ 52 bilhões... vejam o potencial).
Seguramente outras categorias podem avançar também nesse aspecto, deixando o varejo como responsável por receber produtos, dar um valor a eles e apresentar produtos de segunda mão com garantia. O “reparo como serviço” é algo interessante para linha branca ou IT, por exemplo, gerando receita por meio de uma assinatura de tutoriais e suporte à distância para produtos da casa. O varejo, além da confiança, tem momentos ideais para vender esses serviços, como na aquisição dos produtos ou no pagamento da última parcela do crediário, quando a garantia de fábrica está prestes a expirar.
Em resumo, mudanças na jornada geram oportunidades de lucros
Sempre que você estiver lendo relatórios sobre mudanças de jornada ou evolução dos mercados, é fundamental se perguntar o quanto daquilo vai impactar o seu negócio, mas ainda mais importante é investir tempo para pensar em como ganhar dinheiro com aquilo.
Há um professor de Harvard, Sunil Gupta, que diz que empresas tradicionais com mentalidade de transformação constante são imbatíveis. Na minha opinião, essa frase é a cara da empresa de varejo de sucesso no Brasil, pois estamos o tempo todo nos reinventando e nos adaptando.
Se, ao terminar este texto, sua cabeça está pegando fogo, fico muito feliz! Espero que possa anotar algumas ideias e levá-las para discussão com seus colegas imediatamente, pois com toda essa transformação precisaremos de profissionais valentes, que queiram correr riscos para tornar a jornada de compras de eletroeletrônicos mais atrativa, recuperando o crescimento desse mercado.