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ENTREVISTA
MULTIFACETÁRIO E FLUIDO: O CONSUMO DO FUTURO NO PRESENTE
O e-commerce foi a bola da vez desde o início da pandemia e perdura no dia a dia de vendedores e compradores, tornando essa relação cada vez mais complexa.
Por Lucas Kina, da Redação do E-Commerce Brasil
Acompra por si só está presente na humanidade há milênios. Seja no escambo de mercadorias em tempos mais remotos até o desenvolvimento contínuo de diferentes moedas, o intuito sempre foi o mesmo: aquisição. A construção do termo "consumidor", por exemplo, traz em si um prefixo "con", que representa o encontro de alguém com a intenção de possuir um bem. Em dias mais modernos, essa característica epistemológica da palavra ganha ainda mais sentido, já que experiência e jornada demandam trocas constantes entre marcas/vendedores e usuários/consumidores, sejam internamente ou entre si.
Muitos conceitos, portanto, invadiram o universo da compra e do consumo, com alguns sendo utilizados até hoje e outros caindo em esquecimento ao longo das décadas mais recentes. Funil, espiral, ecossistema, online, offline, e-commerce, loja física, commerce etc. A lista é vasta. Fato é que, daqui em diante, esse encontro de pessoas, empresas, estatística de desempenho e algoritmos de IA (inteligência artificial) precisará se reinventar a cada compra concluída.
O Google Brasil tem se debruçado nesses assuntos nos últimos anos, já que escolha e consumo se transformaram desde a pandemia. Em apresentação recente, levando em consideração esse mote, Gleidys Salvanha, diretora de Negócios para o Varejo na gigante da tecnologia, apresentou o que a companhia tem chamado de commerce.
A descentralização do consumidor, em meio à sua jornada e à fluidez com que adquire itens dos mais variados segmentos, se tornou um termo que pode ganhar os holofotes do varejo mundial. Quando e de que forma isso vai acontecer? O questionamento está feito, e alguns dos insights foram respondidos pela executiva nesta entrevista para a Revista E-Commerce Brasil.
E-Commerce Brasil: Quais são as principais tendências do e-commerce para os próximos anos?
Gleidys: Hoje, no pós-pandemia, temos um consumidor mais maduro. Diferentemente de pouco tempo atrás, as delimitações e as linearidades entre compras online e offline estão cada vez menores dentro das jornadas. Tínhamos mais barreiras antes da pandemia, mas isso não está mais tão separado. Por isso, acredito que o que existe, de fato, está muito conectado ao browsing shopping, ou seja, quando o usuário procura opções do produto que deseja nos diversos sites que tem à sua disposição e, no final do dia, converte isso em compra - ou venda, no caso de quem está vendendo, seja no e-commerce ou na loja física.
Com essa visão macro do mercado, nós, do Google Brasil, olhando agora mais pelo lado do vendedor, entendemos que o usuário está em todos os canais e é preciso entregar opções em todos eles. Essa é uma primeira tendência. Depois disso, acho que o uso da IA como solução, a qual já utilizamos em alguns produtos, está nos ajudando na interação e na eficiência frente à complexidade desse consumidor digitalmente mais sábio.
Para a indústria, portanto, acreditamos que o futuro é olhar para a jornada mais complexa do consumidor e basear estratégias com isso em mente. Cada interação, categoria, navegação e necessidade importam.
A abordagem precisa levar a característica individual do comprador, o que contradiz o funil de vendas, por exemplo.
E-Commerce Brasil: A geração Z está iniciando o consumo por renda própria. Isso muda alguma coisa na equação do e-commerce?
Gleidys: Esse grupo traz muitas das tendências que enxergamos e aplicamos para o consumo em geral, como mais pesquisas antes de comprar, menos lealdade às marcas e outras características. O fato de serem mais pragmáticos, serem mais mobilizados em comunidades e precisarem se conectar com as empresas também os diferenciam de outros comportamentos de outras gerações. Tudo isso faz com que o setor evolua.
Outro fator que observamos é o maior apelo que eles têm com benefícios (cashback e cupons) e comentários de outros usuários em produtos desejados. São fatores que comprovam a necessidade de as marcas se atualizarem e buscarem alinhamentos com essa geração.
E-Commerce Brasil: A movimentação das empresas para ter áreas específicas de e-commerce é algo ultrapassado? Ainda terá espaço para isso? Qual deve ser o caminho desse profissional focado?
Gleidys: As empresas têm suas divisões organizacionais por diversas razões, então não posso dizer que ter uma área dedicada a e-commerce seja algo ultrapassado. Mas independentemente de como estão divididas as áreas, é importante que elas enxerguem o consumidor como uma pessoa que transita por diversos canais e mídias antes de decidir a sua compra. Por exemplo, eu posso estar passeando e passar na frente de uma vitrine e ver um produto que me interessa. Eu vejo o produto, mas decido pesquisar mais sobre ele quando chegar em casa. Aí, na internet, eu descubro que há outros modelos mais interessantes, posso ver um anúncio de outra marca que não estava no meu radar. Se esse é meu comportamento como consumidora, por que o varejista deveria enxergar um consumidor online e outro offline? Sou a mesma consumidora, transitando entre diferentes canais e experiências em uma mesma jornada de compra.
Dito isso, acreditamos que é preciso estar onde o consumidor está e entender que todos os sinais importam. Isso significa ter estratégia omnicanal, em que os profissionais que cuidam do comércio físico e online conversem, seguindo alinhados e se complementando. Com uma estratégia integrada, você pode descobrir em que momento um consumidor foi influenciado a conhecer o seu produto, qual linguagem foi mais efetiva para a sua decisão de compra, entre outros insights que vão ajudar a melhorar os seus resultados.
E-Commerce Brasil: Colocar o commerce à frente dos segmentos adjacentes, seja varejo tradicional ou e-commerce, pode parecer muito novo para a maioria dos players. Existe um trabalho de conscientização disso por parte do Google? As marcas compreendem a necessidade de vender, independentemente de onde? Em que pé está esse processo industrial?
Gleidys: Sim, temos trabalhado com todo o mercado para mostrar a importância de criar estratégias para alcançar consumidores, independentemente do canal, com a ajuda do digital. Os varejistas têm evoluído bastante nesse sentido ao longo dos anos, e ficamos felizes por ajudá-los nesse processo de amadurecimento de suas estratégias digitais.
Um exemplo foi o lançamento, no ano passado, do Guia do Commerce, uma iniciati- va que busca ajudar empresas de todos os tamanhos a traçar estratégias mais efetivas com informações sobre ferramentas e produtos para melhorar a performance de vendas e a mensuração, além de insights de comportamento dos consumidores. Também trabalhamos em uma série de podcasts, o Commerce Connections on Air, para falar sobre nossa visão sobre commerce e ouvir de profissionais do mercado como eles estão lidando com as transformações do varejo. Além disso, temos reunido nossos clientes periodicamente em eventos para compartilhar informações relevantes que os ajudam em suas estratégias de commerce.
Contudo, esse trabalho nunca está terminado, uma vez que ainda vivemos um período de intensas transformações na forma como os consumidores estão comprando. Por isso, continuamos investindo em trabalhar perto dos varejistas para mostrar para eles as mudanças que o Google identifica, seja por meio de estudos encomendados, como os que apresentamos no Think Commerce, seja por meio de análises próprias do Google.
E-Commerce Brasil: É possível traçar quais serão os principais segmentos consumidos no futuro (no período que quiser citar)? Se sim, essa informação se baseia em quê?
Gleidys: Mais do que operar com a lógica de segmentos, precisamos pensar em jornadas de compras cada vez mais imprevisíveis e intencionais. Como pontuamos no nosso último evento, cada categoria tem dinâmica própria, uma jornada única. Com uma maior ou menor sensibilidade a preços. Com um maior ou menor volume de buscas por atributos que qualificam a pesquisa (como marca). Além disso, a relação de uma mesma pessoa com a mesma categoria pode mudar de acordo com a ocasião de compra. Em uma entrevista com um consumidor, ele nos contou que tinha um celular de pon - ta, mas foi roubado e esse evento mudou a relação dele com a categoria. Ele não quis mais um celular caro. Ou quando buscamos uma roupa para uma festa de casamento ou para pular carnaval. A dinâmica é diferente.
Ou seja, faz cada vez menos sentido pensar em segmentos. Cada jornada de compra tem sua particularidade, e devemos ler os sinais e entregar a mensagem certa para o consumidor certo, no momento certo. Acreditamos no poder da tecnologia para ajudar os varejistas a entenderem e navegarem na complexidade que essas mudanças trazem para o seu negócio.
E-Commerce Brasil: A origem e o caminho do produto ainda importam? Por quê?
Gleidys: Ambos, relacionados à jornada de compra, importam muito. O que acontece atualmente é que ela está muito mais complexa, e podemos dizer que uma pessoa está o tempo todo em uma jornada de compra, seja ela online, offline e, às vezes, até online e offline ao mesmo tempo. Ou seja, o caminho entre o início e a conclusão de uma compra não acontece de forma linear, o que gera um desafio para as empresas estarem o tempo todo sendo vistas, para que possam estar presentes e impactem o consumidor ao longo da jornada de compra.
Diversas pesquisas recentes mostram um crescimento do comportamento multicanal do consumidor desde a pandemia. Segundo pesquisa realizada pelo Google e Ipsos em 2022, mais de sete em cada dez brasileiros afirmaram que compraram tanto em canais online quanto offline nos últimos seis meses, um crescimento de dez pontos percentuais em relação ao ano passado. No último Natal, 75% dos consumidores acionaram cinco ou mais pontos de contato para decidir suas compras - e esse comprador tende a gastar duas vezes mais e fazer quase três vezes mais compras do que o consumidor que acessa apenas de um a dois pontos de contato para decidir, gerando uma imensa oportunidade para os varejistas.
Somado a esse aumento do repertório de compras dos brasileiros nos últimos anos, mais recentemente temos o impacto da crise alterando as jornadas de consumo. O bolso apertado acentuou a necessidade de fazermos melhores negócios. As pessoas têm que fazer o dinheiro render mais, e temos pouca margem para errar. Vemos esse comportamento se refletir nas nossas buscas, com as pessoas transitando mais intensamente e intencionalmente até encontrarem o melhor negócio. Ou seja, entre o início e o fim de uma compra, temos o que chamamos de “meio confuso”, uma jornada complexa, não linear e imprevisível. Em que cada interação pode mudar completamente a trajetória de uma compra. Com isso, devemos sair da tradicional e linear lógica do funil e caminhar para uma estratégia de jornada completa (full journey), um novo jeito de operar que caminha com o consumidor em toda sua jornada.