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NOS BASTIDORES DO E-COMMERCE
A INOVAÇÃO DEVE SER CONTÍNUA
“Comida é água, bebida é pasto”. Esse trecho da música dos Titãs muitas vezes representa a forma como as organizações enxergam o que devem entregar ao seu cliente. Na redação de hoje, voltei um pouco às origens dos meus artigos e fiz uma visita ao varejo para identificar situações que antes eram disruptivas nesse segmento, mas, paradas no tempo, acabaram ficando mesmo no passado.
O caso que mais me chamou a atenção foi o da Nespresso, marca que já foi reconhecida como superinovadora e me trouxe várias surpresas desagradáveis. O mais inacreditável é a desconexão entre os canais proprietários da marca, apesar de cada um deles oferecer soluções convenientes aos consumidores.
No meu caso, foi com uma máquina Vertuo. Como fã da marca, comprei logo no lançamento. Com pouco mais de um ano, a máquina simplesmente parou de funcionar. Então liguei para a assistência técnica, que me cobrou pouco mais de R$ 300 pela visita - aproximadamente 50% do valor de uma máquina nova. Não aceitei e fiquei mais de dois meses sem tomar café Nespresso... Refletindo e olhando para aquela máquina “quebrada” na sala, dia após dia... Destaco que sou cliente fiel, tenho os dois estilos de máquina e nenhum tipo de atendimento diferenciado foi oferecido. Até aí, considerei parte do jogo.
O que realmente me chamou a atenção foi quando busquei outros canais de atendimento. Queria comprar cápsulas para minha outra máquina e aproveitei para levar a máquina com defeito comigo até a loja física do Shopping Eldorado. Em um primeiro atendimento, o consultor da loja me informou que poderia usar a máquina como crédito para troca por uma máquina nova. Então decidi comprar uma máquina nova. Contudo, na hora de finalizar a compra, fui informado no caixa que tal desconto não seria válido, pois tal condição só era válida para máquinas que saíram de linha. Mesmo frustrado, resolvi seguir com a compra e pedi para encaminharem minha máquina para assistência técnica, o que novamente foi negado, dizendo que deveria fazer isso pela assistência técnica via 0800. Ou seja, seria obrigado a pagar a taxa de visita. todas as vezes sem muitos questionamentos, o que é louvável. Entretanto, cansada da situação e com a peça ainda em garantia, minha esposa pediu o crédito para trocar por outro produto. Foi quando nos informaram que isso não seria possível, pois a peça teria saído do CPF da primeira compra (o meu), mas não tinha sido alocada em outro CPF na hora da troca. Erro injustificável, tanto operacional como fiscal. E recomendaram que o comprador deveria ir presencialmente à loja da compra original.
Atuando desde 2010 com mercado digital, e-commerce e omnichannel, Pedro Padis é Diretor Executive de Growth na Adventures.INC. Com histórico de head de e-commerce do Grupo Aste, coordenou grandes operações de marcas globais como New Balance, Kipling e Diesel. Ainda traz denso background em varejo, tendo passagens pelo Dia e Walmart.
O que me desconcerta é uma marca tão estabelecida não conseguir - ou não querer! - oferecer um serviço 360 para seu cliente. Sem dúvida nenhuma, a Nespresso é uma ótima marca até chegar ao cliente. Mas a ausência de preocupação com a fidelização de seu público não passa por um caminho apenas de ida, principalmente com a queda da patente das cápsulas, e deixa a empresa míope sobre seus clientes, que estão em busca de muito mais do que uma máquina. A máquina se tornou apenas um veículo para se conseguir a experiência: uma xícara de bom café.
Outro caso que me chamou atenção foi o da Vivara. Há exatamente um ano, comprei uma tornozeleira de presente para minha esposa.
Então, passei pelo inconveniente de ir à loja original, longe de casa e com o presente em mãos, para realizar a troca. Assim eu fiz. Em um primeiro momento, negaram a troca, justificando que o sistema não permitia. Porém, após mais de uma hora e somente com a chegada da gerente, consegui solucionar o problema.
Durante esse período, foi necessário trocar a peça quatro vezes, pois ela oxidava e nem com a limpeza era possível corrigir o defeito. O que a empresa de joias fez foi trocar a peça
Não posso reclamar do atendimento aqui, mas realmente a falta de integração de sistema e as limitações de atendimento me deixaram perplexo. Outra empresa que está superbém estabelecida, e com grandes modelos como garotas-propaganda, não deveria cometer tais falhas. Nesse caso, tratava-se de uma peça mais “barata”, mas e se fosse uma joia de algumas dezenas de milhares de reais?
Mas por que estou relatando esses casos que aparentemente são banais e de fácil solução? Está claro que o comportamento do consumidor vem se transformando, principalmente após a reabertura do varejo físico. Tenho a impressão de que as empresas estão olhando as questões de inovação de produtos e os processos e ESG de forma geral apenas da porta para dentro. Estão ouvindo cada vez menos os seus consumidores e seguindo uma receita de bolo que o mercado vem impondo.
A inovação é inerente a cada mercado, a cada produto e a cada empresa. É o que os consumidores estão demandando em cada um desses segmentos. Não podemos tratar isso de forma generalizada. Ainda na minha opinião, essa é uma das justificativas para que os marketplaces cresçam cada vez mais suas participações de vendas, pois, com um tráfego infinitamente maior do que o de sites de marcas, conseguem oferecer essas soluções de mercado com mais facilidades.
Contudo, as marcas precisam inovar por elas mesmas, entregar mais valor para seus clientes pensando em sua cadeia como um todo e na experiência toda. É infinitamente mais barato transferir essa responsabilidade para um terceiro. Isso faz com que as marcas percam valor no decorrer do tempo, abrindo espaço para novos entrantes e, especialmente, para marcas de influenciadores que estão em contato direto com seus principais clientes.
Sabemos que o momento é delicado para o varejo, mas isso não deve servir de desculpas para não ouvir seus clientes e criar projetos MVP de inovação para compreender o que os consumidores esperam. Ficar parado nesse momento é definitivamente perder a conexão com os valores e os propósitos da marca. É exatamente nesse momento que correr algum risco, de forma calculada, pode fazer as companhias saírem mais fortes do outro lado.
E já que o óbvio só é óbvio quando é dito, vale reforçar que cada vez mais o cliente é o centro das marcas, os ecossistemas devem ser construídos para atender às demandas deles, e não apenas para fazer a lição de casa. Onde devo investir para atender melhor os consumidores, quais as soluções que eles esperam, quais as soluções e produtos que eles buscam? Sem dúvida, vender mais é um desafio, mas os pilares que sempre devem nos nortear são: ticket médio, recorrência e recência dessas compras. São eles que vão te indicar se você está de mãos dadas com seus clientes e que existe uma relação de fidelidade e admiração mútua entre esses dois elos.
Para finalizar, termino a estrofe da música: “Comida é água, bebida é pasto. Você tem sede de quê? Você tem fome de quê?”.