10 minute read
TENDÊNCIAS, VIVÊNCIAS E EXPERIÊNCIAS
AUTOMAÇÃO DE PROCESSOS E NEGÓCIOS: IMPLICAÇÕES, OPORTUNIDADES E NECESSIDADES
O livro “Rise of Robots” (A ascensão dos robôs), publicado em 2015 pelo autor Martin Ford, tem o sugestivo subtítulo “A tecnologia e a ameaça de um futuro sem trabalho”. Nele, se discute o óbvio domínio dos robôs em algumas atividades repetitivas, mas também é apresentada uma perspectiva histórica de que o ganho médio de remuneração e a geração de empregos das últimas décadas têm sido pífios.
Esse assunto está diretamente conectado à atividade de varejo, em especial ao e-commerce, porque sabemos que há diversas oportunidades de automação dos vários processos de nossas empresas, mas, ao mesmo tempo, precisamos de pessoas com trabalho se quisermos vender produtos e serviços a elas. Um paradoxo que merece o seu pensamento como profissional ou empreendedor.
As fases anteriores da automação
Há pelo menos 30 anos, vemos o crescimento da automação em ambientes não fabris. Há desde a robotização “física” de armazéns, que trazem os benefícios de segurança do trabalho e a redução de alocações de carga, até a automação de roteiros de entrega e geração de notas fiscais.
Esse tipo de automação tirou o emprego de pessoas com salários mais baixos, no geral. De fato, dado o alto custo da tecnologia e dos baixos salários pagos, criou-se uma espécie de “reserva de mercado” em algumas atividades, já que o investimento em tecnologia tem um retorno muito a longo prazo. Em um país com juros altos, mais do que em outros, dinheiro e prazo andam abraçados.
Atuou em empresas de bens de consumo, como Phillip Morris, Mondelez e Unilever, no Brasil, Chile e México, até a posição de Diretor de Marketing. Em consultorias de data analytics, como a GfK, vem liderando empresas e unidades de negócio desde 2008, especializando-se em realizar processos de turnaround comercial, operacional e financeiro, bem como integração de empresas adquiridas. Felipe é membro do YPO (Young Presidents Organization) desde 2014 e atua em Conselhos de Empresas e Associações, além de palestrante frequente em eventos de tecnologia, varejo e comércio eletrônico, sendo investidor de startups nesses segmentos.
Nos últimos dez ou quinze anos, observamos a automação de preços de acordo com a demanda, geração de pedidos automáticos a fornecedores em função de estoque, adaptação das páginas de acordo com a jornada do shopper, a aprovação rápida da compra e do crédito, bem como outras atividades mais complexas, que eram feitas manualmente, mas das quais nem nos lembramos hoje.
Essa fase já marcou a perda de trabalho de alguns especialistas, pessoas que tomavam essas decisões ou as preparavam para outras, mas que, com análises estatísticas e matemáticas básicas, se tornaram menos relevantes. A equação financeira estava um pouco melhor resolvida, já que o investimento financeiro era menor (em muitos casos, pagando por consumo de API) e os salários eram maiores.
A oportunidade da automação se expande e o risco de emprego também
Saltamos para o final de 2022 e temos a apresentação ao público geral da inteligência artificial generativa, que se manifesta como DALL-E 2, GPT 4 e outros. Os grandes modelos de linguagem (LLM), que vinham se desenvolvendo há alguns anos na comunidade tech, estão agora ao acesso de profissionais e empresários, como eu e você, a um custo mensal de assinatura e com razoável facilidade de entendimento.
A combinação de ambos é muito potente pela democratização do acesso e pela multiplicação exponencial de possíveis casos de uso. Todos nós estamos pensando em nossas tarefas do dia a dia e imaginando se algum algoritmo poderia realizá-las. Essa criação coletiva é tão potente quanto perigosa, pois não sabemos onde pode parar.
Sem teorizar muito, imaginemos que toda a catalogação de produtos, bem como a geração de textos explicativos, pode ser realizada muito mais rápido do que antes e com um nível de erro pelo menos comparável. Não é uma tarefa em que muita criatividade seja necessária, tampouco as fontes de informação são tão complexas.
Algo igualmente potente é a customização das mensagens em campanhas de marketing. Hoje, temos centenas, talvez milhares, de possíveis jornadas, ao se considerar os dados demográficos e a navegação dos shoppers, seja em nossas propriedades ou fora delas. O ponto é que eu sei muito, mas não consigo produzir centenas ou milhares de campanhas diferentes, porque é muito caro fazê-lo. Com a integração “multimodal” que o GPT 4 proporciona, essa capacidade se expande de maneira definitiva, com baixíssima interação humana, após um bom treinamento.
A diferença em relação ao que tínhamos antes é que começaremos a eliminar trabalhos criativos, especialmente aqueles de entrada, os quais são realizados por jovens profissionais, muitas vezes bem formados, mas ainda inexperientes. Esses trabalhos são razoavelmente bem pagos e, quando comparamos com o modelo atual de consumo da API do GPT 4 e outros, parece óbvio imaginar que há muitos projetos de otimização sendo pensados enquanto você lê este texto.
Dois passos a mais e temos a programação sendo transformada abruptamente, com desenvolvedores seniores pedindo ao GPT para encontrar códigos que realizem tarefas básicas, reduzindo o prazo e o custo do processo. Me surpreendeu entender que, por seu caráter multimodal, sites simples de e-commerce quase podem ser programados com uma foto do front-end...
Enfim, todos sabemos como é difícil encontrar programadores e como está cara a hora deles ou a sua contratação... Com esse cenário, você já imaginou o que vai ter de líder técnico recebendo o “desafio” ou pelo menos o pedido para “explorar” a ideia de reduzir essas equipes?
Copilotando a empresa, no “Office” e na sua cadeira, senhor CEO
Todos acompanhamos o investimento da Microsoft na OpenAI e nos perguntamos qual era o negócio por trás disso. Alguns de nós quisemos dar uma resposta rápida e dissemos que “o Satya pagou demais só para tornar o Bing competitivo”... Por favor, Satya, tenha pena de nós, simples mortais!
Com poucos dias do lançamento do GPT 4, a Microsoft anunciou a integração do GPT ao pacote Office. Os vídeos de lançamento, usando um termo típico da IA generativa, parecem saídos de uma alucinação... A quantidade de tarefas em que podemos ser mais eficientes é de deixar qualquer um sem dormir! Se colocarmos o computador e a internet na lista dos maiores impactos do mundo dos negócios, a IA generativa talvez gere a mudança mais rápida.
Outra história que vale mencionar é a da empresa NetDragon Websoft, de Hong Kong e que atua na indústria de gaming. Ainda em agosto de 2022, a empresa contratou “Tang Yu” para liderar uma das suas subsidiárias e tomar as decisões clássicas de uma CEO: analisar informações financeiras e decidir a melhor alocação de capital, estimular um bom ambiente de trabalho, avaliar riscos. Só que a senhora Tang não é uma pessoa, mas uma assistente empoderada com inteligência artificial, a qual, pasmem, fez as ações da
NetDragon se valorizarem mais rápido (até fevereiro de 2023) do que as das empresas com CEOs humanos.
Imaginem a pressão que isso irá colocar sobre todos nós, líderes ou donos de empresas, quando 30 funcionários perceberem que você está tomando a decisão de automatizar a função deles, que juntos ganhamos menos do que você, sendo que a sua função de CEO poderia ser automatizada e a redução do seu salário/pró-labore poderia salvar os empregos de todos eles?
E se os investidores descobrirem que o e-commerce é o que tem mais potencial de automação?
No dia 15 de março, uma notícia chacoalhou o mercado do e-commerce... Não foi a quebra do Silicon Valley Bridge Bank, mas a descoberta de que o ChatGPT poderia criar e gerir um e-commerce de maneira quase independente.
Um empreendedor curioso postou a seguinte história: “Eu pedi ao GPT4 para se tornar um CE e criar a empresa mais lucrativa que US$ 1.000 e uma hora de trabalho humano por dia poderiam criar. Em duas horas, veja o que eu consegui: a) GPT4 me disse para criar um e-commerce e escolheu a marca “AIsthetic Apparel” (roupas "IA"estéticas). O produto escolhido foi camiseta de algodão sustentável, com desenho gerado por IA. b) GPT4 me disse para trazer investidores antes mesmo de colocar o meu dinheiro, e eu consegui US$ 2.500 por 25% da empresa (!) das mãos dos investidores-anjo Martin Andreas Petersen, Frederik van Deurs e Vasco Conceição. c) GPT4 desenhou um plano de negócios de dez passos e sugeriu que eu usasse o Shopify e o Printful para vender produtos exclusivamente “sob demanda”. Uma conta bancária foi criada, assim como a própria empresa, com um link para o Spotify. d) GPT4 recomendou que o desenho fosse feito pelo Midjourney, e o nosso primeiro desenho “AI to AI” foi feito.
Tenho certeza de que quando você estiver lendo este texto, outros tantos casos serão realidade, com sucesso ou falhas estrondosas, mas o que me chama atenção foram as escolhas do GPT (e-commerce, roupas sob demanda, desenho por IA e o processo de funding, que em menos duas horas valorizaram a empresa em dez vezes). Tenho amigos que dizem que tudo foi combinado com os investidores para gerar o hype, mas honestamente eu não ligo... essa história me gerou inúmeros aprendizados e tenho certeza de que em você também.
A grande questão é: será que os investidores irão se desinteressar do setor ao pensar que, “se o GPT4 pode criar um e-commerce, talvez não exista tanta diferenciação sustentável”? Confesso que me tirou o sono.
Quais as implicações estratégicas para os seguintes meses?
Em primeiro lugar, sabemos que, mesmo com muita automação, não está fácil gerar lucro na atividade de e-commerce. Todos temos buscado muitas fontes alternativas de receita, como venda de produtos financeiros, de mídia, de serviços associados ao uso, de modelos especiais de entrega e outros. Isso demonstra que temos um problema de preços em nosso mercado: não cobramos o suficiente e estamos financiando os compradores, que em troca fazem do e-commerce brasileiro um dos maiores do mundo (excluindo-se a cesta de alimentos).
Espero que a realidade atual traga clareza à comunidade do e-commerce, em especial àquela que se aproveita do conteúdo do E-Commerce Brasil: não transfira os potenciais benefícios do GPT em seus processos para o preço dos seus produtos e serviços. Capture esse valor na forma de investimentos para novas avenidas de crescimento, e não para comprar visitas ou para transferir valor aos compradores... já vimos que essa equação não funciona.
Em segundo lugar, invista tempo para pensar em tudo aquilo que poderá ser revisto na sua operação com o advento da IA generativa. Pense em todos os elementos da sua produção de valor, incluindo as tarefas internas, que você não considera como “estratégicas” ou ligadas diretamente ao produto. Após esse mapeamento, é lógico que você priorize e vá atrás dos maiores potes de dinheiro, mas não perca o exercício, pois você poderá utilizá-lo para gerar recursos em breve.
Em terceiro lugar, não tome apenas o caminho fácil da redução de custo e de empregos. Pense em como usar o GPT para gerar novas ideias de negócio, nas quais você precisará contar com pessoas para operar. Como disse no início do texto, precisamos de pessoas com emprego, que possam comprar nossos produtos e serviços! Você, empreendedor ou gestor de e-commerce, está num lugar privilegiado para isso.