6 minute read

NOS BASTIDORES DO E-COMMERCE

Next Article
PAGAMENTOS

PAGAMENTOS

COLUNISTA

CEO e sócio da Gourmetzinho Alimentos pedropadis@hotmail.com

D2C: ROTA DE SENTIDO ÚNICO

Não é nenhum segredo que a economia digital vem em uma crescente constante e exponencial. Nem mesmo que a nova conjuntura imposta pela pandemia, em escala global, acelerou significativamente esse movimento. Segundo levantamento realizado pela gigante norte-americana Deloitte, a projeção é de que, em cinco anos, mais de 80% dos consumidores façam, no mínimo, pelo menos uma compra online, com aumento expressivo da demanda em pequenas e médias cidades, o que representa um desafio logístico para países de dimensões continentais como o Brasil.

Até o final de 2021, o destino de muitas indústrias será decidido a partir da resposta a essa tendência, uma delas em particular, que chega em formato de sopa de letrinhas: D2C, da sigla em inglês, significando direct -to-consumer. Sem intermediários, marcas como Nestlé, Ambev, Danone, P&G e Mondelez já passaram a vender produtos diretamente ao consumidor final, acendendo um alerta sobre o futuro do modelo varejista. O mercado D2C tem crescido, globalmente, na casa dos dois dígitos nos últimos anos e a expectativa é de que a margem se mantenha em 19,2% também em 2021. Com foco nas linhas de produtos de cauda longa com contado direto com o consumidor, a estratégia D2C permite, ao mesmo tempo, uma margem de lucro mais atrativa para a indústria e preços mais competitivos para os clientes. Ademais, possibilita a oferta de todo o portfólio de produtos. Atualmente, o varejo comercializa cerca de 30% do catálogo da indústria dentre os itens que, no entanto, representam 70% das vendas das marcas.

A demanda e, até mesmo, a predileção de uma fatia relevante de consumidores pelo formato pode ser explicada por um conceito há muito conhecido pelo comércio: experiência do cliente. Uma pesquisa desenvolvida pela Scalefast revelou que mais da metade dos consumidores (51%) consideram vital contar com uma experiência personalizada nos canais digitais das marcas para que a conclusão da compra aconteça. Os consumidores, é claro, não ignoram as novas oportunidades oferecidas pelas compras digitais, e 54% deles esperam receber descontos – também personalizados – em até 24 horas após o primeiro contato com o canal de vendas. Em contrapartida, 61% afirmaram estarem dispostos a compartilhar mais informações pessoais para ter uma experiência de compra aprimorada.

Para a indústria, essa é uma das vantagens estratégicas do D2C. No modelo varejista,

Atuando desde 2010 com mercado digital, e-commerce e omnichannel, Pedro Padis é atualmente CEO e Sócio da Gourmetzinho Alimentos, empresa especializada em alimentação infantil congelada. Com histórico de head de E-commerce do Grupo Aste, coordenou grandes operações de marcas globais como New Balance, Kipling, Diesel, entre outras. Ainda traz denso background em varejo, tendo passagem por Dia% e Walmart.

os intermediários acabavam por usufruir de todas as valiosas informações coletadas sobre o público final. No atendimento direto, as marcas têm a oportunidade de operacionalizar esses dados para não só aprimorar a experiência de compra, mas também testar lançamentos, oferecer produtos mais alinhados às necessidades, entender pontos fortes e as vulnerabilidades, acompanhando indicadores de performance e satisfação, como o NPS (do inglês Net Promoter Score). E, o mais importante de tudo, o contato direto com o consumidor contribui para fidelização do cliente por meio da promoção da confiança e empatia com a marca.

Nos Estados Unidos, a pandemia condensou o crescimento de penetração do comércio eletrônico previsto para dez anos em apenas três meses. Aproveitando a experiência e salto de faturamento no e-commerce, com o impressionante aumento de 202%. Com marketplace no Mercado Livre desde 2019, a Nestlé, gigante do segmento, tem expandido as iniciativas com programas desenvolvidos especificamente para as linhas Nespresso, Nescafé Dolce Gusto, além do Empório Nestlé. A bandeira defendida pela companhia é “estar onde quer que o consumidor esteja”. Fora do segmento alimentício, a centenária Kimberly-Clark desenhou, especificamente, o clube de recompensas Huggies que, além de vender fraldas diretamente ao público final, tem como objetivo atrair e educar novos pais, buscando aprofundar o engajamento e reunir pessoas para compartilhar experiências dentro do espectro da marca.

Atento ao crescente movimento da indústria, o Grupo Pão de Açúcar anunciou no

“Os consumidores, é claro, não ignoram as novas oportunidades oferecidas pelas compras digitais, e 54% deles esperam receber descontos”

o know how com a atuação em mercados mais maduros, as indústrias multinacionais têm sido responsáveis por acelerar o movimento rumo ao D2C. De acordo com pesquisas de mercado recentes, 87% delas consideram o modelo altamente relevante, enquanto 47% têm investido em soluções e iniciativas adequadas para esse canal a fim de otimizar o mix de vendas. No início da pandemia, entre março e maio de 2020, o setor de bebidas e alimentos registrou um último mês de junho uma parceria inédita com o Mercado Livre. Os produtos da gigante nacional do ramo de supermercados serão oferecidos ao consumidor diretamente na plataforma de e-commerce, o que já seria considerado um passo expressivo, com a empresa de tecnologia sendo responsável por toda a parte logística, desde estoque até entrega ao comprador. No entanto, mais que do que isso, a rede varejista anunciou que o serviço atenderá até mesmo cidades

nas quais não tem lojas físicas e – de forma ousada – prometeu o envio mais rápido do Brasil. A modalidade fulfillment, que permite entregas em menos de 24 horas para 75% das compras e somente 10% com prazo de mais de dois dias, vai alcançar 1,8 mil municípios do país, o que significa que o serviço estará disponível para 80% da população brasileira. Para o Mercado Livre, a parceria permite penetração no mercado de alimentos, enquanto o Pão de Açúcar ganha capilaridade geográfica, captando mais clientes para a rede varejista.

Com quase 70 milhões de usuários ativos e mais de 12 milhões de vendedores, o Mercado Livre tem se beneficiado na corrida das indústrias para percorrer os caminhos do D2C. A plataforma tem apostado – estrategicamente – em grandes marcas para ampliar a variedade dos produtos oferecidos. Tanto que é possível comprar até mesmo veículos, já que, no início da pandemia, a BMW também anunciou parceria com a plataforma para vender modelos da marca alemã de forma 100% digital.

Em países de dimensões continentais, a infraestrutura logística se impõe como um dos principais desafios para chegar ao consumidor final. Se aqui no Brasil o termo ainda não é tão conhecido, em países como os Estados Unidos e o Reino Unido, as dark stores já são parte indissociável do D2C de muitos negócios. Para entregar mercadorias com agilidade e precisão, é preciso ter um planejamento logístico detalhado e um controle de estoque preciso para que os pedidos sejam processados o mais rápido possível. O varejo tradicional parece ter identificado isso durante a pandemia – com certo atraso –, e um novo modelo de rede de distribuição omnichannel começou a se estruturar, trazendo sentido às estruturas de lojas físicas já existentes. Na tradução literal que significa “loja escura”, a dark store é um lugar exclusivo para o armazenamento, separação e envio de produtos comercializados de forma online. Diferentemente dos centros de distribuição tradicionais, que possuem grandes áreas e são localizados em zonas mais distantes, as dark stores são menores e tendem a estar situadas nos centros urbanos, apoiando a operação de forma estratégica.

Na mesma direção, outra tendência ainda mais inovadora para o D2C do setor de alimentos é a prática das dark kitchen, que se valem do mesmo conceito, só que para preparar e distribuir soluções de alimentação por assinatura. Também frente ao cenário pandêmico, o Pão de Açúcar acelerou e antecipou o lançamento do Restaurante Cheftime, projeto para o delivery de refeições prontas e produzidas a partir das lojas da rede e entregues exclusivamente pelo aplicativo próprio James.

Apesar dos desafios inerentes ao caminho até o público final, com a crescente demanda por personalização e a preferência por conveniência, as indústrias têm a oportunidade ímpar de agregar ainda mais valor à jornada do consumidor, fortalecendo suas marcas. A lógica e a estratégia D2C otimizam a construção de um negócio centrado no cliente, ao mesmo tempo em que aumentam receitas e atingem os objetivos de crescimento. Negar essa realidade pode causar desvios na trajetória de sucesso das empresas; o D2C é uma rota de sentido obrigatório para o futuro.

This article is from: