25 minute read
A poética da perda em narrativas centradas em investigações da filiação no universo de Wajdi Mouawad
Bernadette Porto
Representações da perda na experiência exílica
Advertisement
O país natal só existe quando foi deixado. É a partir do exílio e da perda que ele emerge e se torna essa reconstrução frequentemente nostálgica, esse farol no espelho do retrovisor; ele assume seu verdadeiro sentido a partir do longínquo. O país natal é uma ausência1
Ida Kummer
Na produção contemporânea inspirada pelas migrações pós-coloniais, a poética da perda se faz sempre presente, associando-se à distância entre o sujeito exilado e o lugar – terra natal ou o país onde ele se instalou. Em se tratando do país de origem, o ser desterritorializado experimenta a sensação de um duplo afastamento, tanto no eixo espacial como no temporal. Apesar da consciência da perda de experiências situadas no passado, Salman Rushdie (1993) reconhece que não teria havido uma verdadeira e definitiva ruptura com o período anterior a seu exílio. Ao olhar uma velha foto da casa de sua família, tirada antes de seu nascimento, descobre que o presente é um país estrangeiro e que o passado está nele, mesmo perdido, em uma cidade perdida nas brumas do tempo perdido. (1993, p. 19) Graças a essa foto que fixou para sempre, em um breve instante, o domicílio de sua família, o autor guarda no arquivo memorial dos afetos, que o acompanha no presente, um tempo e um espaço de outra ordem, que o ajudam a se localizar no mundo e a garantir sua inserção em uma linhagem familiar. Visto como um vestígio do que aparentemente ficara para trás, esse instantâneo equivale à certeza de ter vivido lá, mesmo se este outro lugar se apresenta sob a forma metafórica de estilhaços, de espelhos quebrados aos quais faltam fragmentos irremediavelmente perdidos (1993, p. 21).
1 As traduções são de nossa autoria.
Segundo o autor do ensaio Patries imaginaires, para o exilado, o passado constitui o país de onde emigrou e sua perda faz parte da humanidade, sendo compartilhada com outras pessoas como ele (1993, p. 22). Dada a impossibilidade de retornar à Índia, resta-lhe criar versões possíveis de seu local de nascimento, como também o fazem outros representantes da vivência exilar:
É possível que os escritores que se encontram na minha situação, exilados, emigrados ou expatriados, sejam assombrados por um sentimento de perda, pela necessidade de reconquistarem um passado, de se voltarem em sua direção, mesmo correndo o risco de serem transformados em estátuas de sal. Mas se voltarmos em direção a ele, devemos saber também – o que faz nascer profundas incertezas – que nosso afastamento físico da Índia significa quase inevitavelmente que não seremos mais capazes de reconquistar o que foi perdido: em resumo, nós criaremos ficções, não das cidades ou dos vilarejos reais, mas pátrias imaginárias, invisíveis, Índias do espírito (1993, p. 20).
Não é gratuita a referência ao retrato da casa da infância feita por Rushdie: diante da ausência de sua terra natal, resta-lhe a possibilidade de reinventá-la através de seu poder de fabulação. Isso porque tira partido da “angústia produtiva” (SAID, 2005, p. 61) que lhe permite encontrar sua casa na escrita. Retomadas por Edward Said em seu livro Referências do Intelectual: as conferências Reith de 1993, as palavras de Adorno confirmam esta leitura: “Para quem não tem mais pátria, é bem possível que o escrever se torne sua morada.” (apud SAID, 2005, p. 65). Ao explorar a aproximação metafórica do intelectual e do exilado, Said reforça a representação do intelectual como alguém à margem do estar-em-casa, um hóspede temporário (p. 67). Como será apontado adiante, em narrativas de filiação, os gestos de escrever e de escavar se complementam, uma vez que, nesse tipo de narrativa, os movimentos do escrever correspondem ao ato de mergulhar nas diferentes camadas do passado, para recuperar o que ficara soterrado nas camadas da memória e para costurar a ruptura existencial que marca os seres desterritorializados. No âmbito da experiência exílica, a perda se manifesta também como uma espécie de defasagem, de não coincidência entre o exilado e o lugar, seja ele o país natal ou a terra de acolhida. Em uma entrevista concedida a JeanFrançois Côté, o escritor de origem libanesa Wajdi Mouawad, que será objeto do presente estudo, se refere a sua posição de estar sempre fora do lugar. Indagado sobre a possibilidade de retornar a seu país de origem, Mouawad afirma: “Mas sou um exilado desde a idade de oito anos, não é possível se refazer ‘autóctone’ de um dia para outro, e no Líbano como aqui sentiria a mesma defasagem” (CÔTÉ, 2005, p. 31). Em outra entrevista do mesmo livro, Mouawad ressalta que o retorno é uma experiência tão difícil quanto a partida e que se sentiria tão estrangeiro em seu país de origem como ocorre no Quebec. (2005, p. 74). No ensaio intitulado L’homme dépaysé, Todorov relata suas impressões por ocasião de seu retorno à Bulgária, após dezoito anos de exílio na França. Sentindo-se cindido entre dois pertencimentos, ao voltar a seu país de origem, experimentou um tipo de prazer quando os antigos amigos lhe disseram que ele não mudara nada. Era como se os últimos dezoito anos não tivessem existido, como se ele não tivesse adquirido uma segunda personalidade. Tal sensação, que poderia apagar o sentimento de defasagem em relação a seu país, foi confirmada no momento em que colocou seus antigos sapatos, guardados pela mãe em uma gaveta ao longo de mais de uma década. Sapatos que usou para trabalhar no jardim, o que sugere o gesto simbólico de reapropriação do solo pátrio (1996, p. 17-18). Todavia, o autor afirma em seguida que teria preferido não ser reconhecido por seus amigos, o que seria a prova de que de fato vivera na França, o sinal de que tantos anos passados no exílio não teriam sido inúteis, por terem deixado marcas no seu corpo atual, em defasagem com o que ele fora um dia.
A metáfora do exílio como defasagem e falta de sintonia com o lugar onde se está aparece no pensamento de Régine Robin ao definir a figura do escritor como alguém em descompasso com seu próprio corpo, com sua própria língua. Marcado pela não-coincidência consigo mesmo, o escritor –associado ao exilado – lança mão da experiência da perda para enfrentar a impossibilidade de ser ele mesmo:
É impossível para o escritor situar-se totalmente em sua ou suas línguas, unir-se a sua língua natal ou materna, habitar completamente seu nome próprio ou sua própria identidade, é impossível para ele coincidir consigo mesmo ou com qualquer fantasma de unidade do sujeito, é impossível para ele talvez até mesmo ocupar um lugar de sujeito a não ser na escrita (ROBIN, 1993, p. 9).
Ao insistir sobre a impossibilidade de todo escritor coincidir com ele mesmo, o que evoca a condição do exilado, a autora do ensaio Le deuil de l’origine: une langue en trop, une langue en moins explora os vínculos entre a escrita e perda. A seus olhos, escrever corresponde à tentativa sempre frustrada e sempre recomeçada de despistar a perda, de domesticá-la, mesmo sabendo que se trata de algo impossível. (p. 10) Em se tratando de textos ficcionais de filiação, como será visto no desenvolvimento dessas reflexões, devido a dificuldades de transmissão do legado familiar, a ideia de perda se faz presente, através das rasuras ou do sepultamento de memórias traumáticas. Como afirma Demanze, em seu clássico Encres orphelines, “a investigação da filiação ausculta assim a vertigem de uma perda” (DEMANZE, 2008, p. 232).
Para Edward Said (2005), a condição exílica se manifesta frequentemente como desassossego diante das perdas de referenciais. Como o exilado, o intelectual nunca se encontra verdadeiramente adaptado pelo fato de lhe ser impossível recuperar sua antiga casa ou de habitar sua nova morada. O desassossego se traduz como inquietação, inconformismo, incapacidade de repousar, apelo à mudança.(p. 60-61). “Figura à margem dos confortos” (p. 66), como o exilado, o intelectual conhece de perto os riscos da ousadia, os apelos do movimento sem interrupção (p. 70).
No âmbito da vivência do exílio, a perda se manifesta ainda como despojamento: tendo perdido seu país, sua língua, sua casa, seus amigos e seus hábitos, o ser exilado só conta com seu corpo e só pode habitar seu nome. Segundo Alexis Nouss, palavras de Saint-John Perse ilustram a situação exílica, capaz de atribuir de novo seu nome ao exilado: “Habitarei meu nome, foi sua resposta aos questionários do porto” (NOUSS, 2018, p. 162) Um aprofundamento de tal ideia se faz presente no imaginário de Wajdi Mouawad, como será ressaltado a seguir.
Breve apresentação de Wajdi Mouawad
A questão do nome aparece como um leitmotiv na obra de Wajdi Mouawad, um dos maiores representantes do Oriente na produção literária quebequense da contemporaneidade, povoada por vozes vindas de toda parte.
Dramaturgo, diretor, ator, romancista, Wajdi Mouawad obteve reconhecimento internacional ao longo dos últimos vinte anos graças a seu inegável talento e à originalidade de suas criações. Nascido em 1968 no Líbano, onde viveu sua primeira infância, o futuro escritor acompanhou sua família à França por causa da guerra civil em seu país. Durante seu exílio na França, perdeu sua língua materna e aprendeu o francês, que descortinou para ele o mundo da leitura. Aos quatorze anos, novo exílio se impõe à família Mouawad, que passa a viver no Quebec. A dupla experiência do exílio se manifesta através de temáticas privilegiadas na obra do autor, como o desenraizamento, a ruptura com o mundo da infância, a busca da origem, a questão da filiação, ligadas às lembranças da guerra no Líbano.
Em entrevistas, Mouawad salienta sua dificuldade em se situar em uma só categoria identitária. Ao ser indagado, com frequência, se ele se sente libanês, francês ou quebequense, opta por uma resposta inesperada: vê-se como a barata de Kafka, pois se define como um ser híbrido e monstruoso. Como o personagem do romance A metamorfose, lido na sua adolescência, sente-se estrangeiro diante de si mesmo, e no ato de falar francês, embora esta língua lhe pareça mais familiar do que o árabe:
Acho verdadeiramente terrível o fato de utilizar dessa maneira a língua francesa, ao passo que sou absolutamente deficiente ao me lembrar como se diz a palavra “chapéu” ou a palavra “chaveiro” em árabe. Eu me vejo em francês, mas sinto-me no escuro em árabe e isso cria uma espécie de ilusão, um esquecimento de meu rosto inicial. Uma mutação. Um monstro (CÔTÉ, 2005, p. 71).
Por mais que se exprima com precisão em francês, Mouawad experimenta uma espécie de mal estar na sua expressão linguística, devido à existência de algo mutante na sua língua e no seu espírito. Uma dupla distância o separa de sua terra de origem e do país que o acolheu (NOUSS, 2018, p. 54), do árabe e do francês. Para ele, “escrevemos sempre com a língua materna, mesmo se escrevemos em uma língua que nos é estrangeira.” (CÔTÉ, 2005, p. 134), o que confirma seu papel de “homem traduzido” : “estou sempre em tradução” (CÔTÉ, 2005 p. 81) Situado em um entre-dois, sabe negociar entre dois idiomas, atribuindo à língua materna uma função particular : ao escrever em francês, ele o impregna da sonoridade árabe que ele associa às histórias contadas às crianças na hora de dormir: “Contavam-me histórias para eu adormecer, por isso esta língua é também ligada à noite: ela se tornou para mim a língua do sonho, da imaginação” (CÔTÉ, 2005, p. 72).
Diante da impossibilidade de habitar uma língua, cabe-lhe a possibilidade de habitar seu nome, cuja sonoridade parece impronunciável para os francófonos. Muito cedo, antes mesmo de seu exílio na França, vivenciou a estrangeiridade associada a seu nome, pois na escola todos os seus colegas tinham nomes franceses. Difícil de ser soletrado, dito e escrito fora do mundo árabe, seu nome é a marca da condição de quem está fora do lugar, mesmo como criança em sua terra de origem.
No âmbito da reflexão sobre os limites da ficção e da não-ficção, o nome próprio se manifesta na obra de Mouawad sob a forma da disseminação da primeira letra de seu prenome, como se o autor se fizesse presente na pele de seus personagens. Carente de um lugar e de uma língua para si, ele habita seu nome, disseminado em vários textos, sob a forma da letra W: Wilfrid (Littoral ), Walter ( Journée de noces chez les Cromagnons), Willy (Willy Protagoras enfermé dans les toilettes), Willem (Rêves), Wahab (Incendies ; Visage retrouvé ), Waach (Anima). A teatralização de sua identidade, ao mesmo tempo disfarçada e revelada, evoca um jogo de esconde-esconde própria do teatro, gênero tão caro ao autor que aí encontra seu lugar no mundo. Obcecado pela temática da busca da origem, Mouawad procura, na etimologia de seu nome, um sentido para sua vida: “Wajdi” quer dizer “Eu existo”, como se fosse, de algum modo, o nome de um predestinado cujo destino seria o de se interrogar sempre sobre o fato de existir. Enquanto marca determinante, seu nome evoca reflexões de Benslama sobre as relações entre as palavras “existir” e “exílio”: “Ex-istir é manter-se fora (ek- ou ex- significa o movimento de um êxtase, a saída para fora de si). Ex-istir é, portanto, sinônimo de ex-ílio” (BENSLAMA, 2009, p. 34).
Abertura em direção ao espaço de fora, o prenome desse autor sugere a promessa de “sair do estatismo” (NOUSS, 2018, p. 106), de deixar uma identidade conhecida e definida para se orientar em direção ao mundo estranho e estrangeiro (DOUEK, 2003, p. 178). Ao habitar simbolicamente seu nome –associado aos gestos de existir e de se exilar, Mouawad aí encontra um refúgio, visto, não como morada do ser, mas refúgio do “estando”, lugar móvel do devir.
No universo ficcional de Wajdi Mouawad, observa-se, por parte de narradores e de personagens, a necessidade de recuperar seu lugar no mundo através da busca da origem para preencher um enorme vazio inscrito nas entrelinhas das memórias familiares. Recorrente no universo do autor, o tema da perda se manifesta como ferida incurável provocada por seu desenraizamento forçado, em decorrência da guerra civil no Líbano, que o obrigou, muito cedo, a acompanhar sua família em seu exílio na França e, posteriormente, no Quebec.
Em sintonia com o drama vivido pelo autor, alguns de seus personagens trazem consigo uma falha, um vazio, muitas vezes inconsciente, associados a algum impedimento na transmissão da bagagem memorial familiar. Atormentados pelo peso do passado, muitas vezes falso e nebuloso e por falhas de memória, são levados a revisitar sua origem e o trauma fundador de suas existências. Dois textos do autor serão aqui lidos a partir da perspectiva da perda, vinculada à dificuldade de transmissão do legado familiar: a peça Incendies e o romance Anima. Para tanto, será dado realce às figuras do herdeiro e do sobrevivente, muito presentes no universo de Mouawad. Segundo Sylvain Diaz, os personagens de Mouawad estão presos em um esquema de herança e transmissão complexa (2017, p. 11). Para ilustrar seu pensamento, Diaz recorre a uma passagem da peça Incendies na qual é retratada, nas palavras da avó doente a sua neta, a transmissibilidade da cólera através da linhagem familiar. Mais tarde, caberá à neta romper o fio dessa herança pesada, cumprindo a promessa que fizera a sua avó agonizante, que lhe aconselha, na mesma ocasião, a deixar a aldeia natal para estudar e encontrar outro lugar no mundo. Em sua sabedoria de anciã, a avó pensa que, somente assim, sua neta poderia se desvencilhar do legado da violência característica de sua família. O enredo da peça mostrará ao espectador o difícil percurso a ser percorrido pela neta para sua liberação do emaranhado das relações familiares fundamentado na experiência da indistinção e da crueldade. Tendo sobrevivido à descoberta de sua história, anos mais tarde a neta confiará a seus filhos, como herança, a árdua tarefa da descoberta de sua origem infame. Herdeiros de uma tarefa inusitada que os obrigará a se engajar, a contrapelo, nas searas obscuras do passado familiar, colocam seus pés nas pegadas deixadas por sua mãe jovem em um distante país do Oriente não nomeado na peça. Quanto à figura do sobrevivente, marcado pela solidão, muitas vezes, pelo sentimento de culpa em relação a seus familiares mortos e pela difícil representação do irrepresentável (cenas de horror vividas), cabe-lhe administrar um entre-dois: se, por um lado, assume o dever de memória sob a forma do relato, para evitar que a catástrofe se reinstale e para assegurar a transmissão de memórias familiares, por outro, conhece a impossibilidade de narrar, o que acarreta formas de silenciamento e de congelamento do repertório memorial familiar. É o que se depreende no romance Anima, romance no qual, após longos anos de ocultação, o trauma vivenciado por um menino remonta à superfície da memória, causando a explosão da violência contra a barbárie do passado.
Na exploração mais aguçada do corpus escolhido, será necessário rever fundamentação teórica que ajudará a tratar de narrativas de filiação nas quais se problematizam a questão do legado familiar e os impasses e obstáculos ligados à transmissibilidade de experiências traumáticas.
Investigando textos de Mouawad à luz das teorias sobre narrativas de filiação
Aos olhos de Demanze (2008), em uma época marcada pela dificuldade da transmissão, pela fragmentação de experiências e pela memória em migalhas, a literatura contemporânea se interroga frequentemente sobre a questão da ascendência e do legado familiar. Em um contexto no qual, muitas vezes, as referências familiares se encontram rompidas, proliferam narrativas construídas em torno da enquete genealógica cujo objetivo é a restauração das memórias rasuradas através da restituição biográfica. Segundo Dominique Viart (2009, p. 96), nesses textos os escritores substituem a investigação da interioridade pela investigação da anterioridade.
Em narrativas de filiação, engajado em uma espécie de busca de caráter arqueológico, o escritor vasculha as camadas de seu passado à procura de uma origem vista hoje como falta ou insuficiência. Graças a este processo investigativo, assim como narradores e personagens, ele tem acesso a um melhor conhecimento de si mesmo, através daqueles que o precederam na linhagem familiar. Escrita que adota o movimento da contracorrente, o récit de filiation inverte a ordem cronológica, já que se faz necessário orientar-se em direção ao passado para aí encontrar a chave de segredos cujos efeitos se fazem sentir no presente. Tudo se passa como se os acontecimentos do passado estivessem à espera de um sentido e de uma inteligibilidade (DEMANZE, 2008, p. 203), através do ato de contar.
Gesto fundador de uma cultura, a prática de contar histórias adquire um sentido particular no interior de narrativas de filiação nas quais o escritor, o narrador ou um personagem se situam na difícil encruzilhada entre a obrigação de dizer o que foi silenciado ou apagado e a impossibilidade de realizar tal tarefa devido ao esfacelamento de memórias. Em seu artigo “Le silence des pères au principe du récit de filiation”, Dominique Viart (2009) identifica um significado expressivo da representação do silêncio no imaginário da filiação presente em muitas obras nas quais se observa o mutismo obstinado dos pais.
Calados e obcecados em guardar segredos que se recusam a compartilhar com as gerações seguintes, tais figuras parentais impedem a transmissibilidade do passado. Entre outros títulos, Viart se refere à obra Je ne parle pas la langue de mon père, de Leïla Sebbar, escritora de origem argelina. Como no livro citado por Viart, outro belo texto da mesma autora, L’arabe comme un chant secret, foi construído a partir do silêncio da língua árabe. É a perspectiva da falta deste idioma, nunca transmitido por seu pai a seus herdeiros, que a teria incentivado a escrever em francês:
Traduzo a Argélia, traduzo meu pai na língua de minha mãe. Fabrico para ele, fabrico para mim uma família imensa dos dois lados do mar. Acredito que, assim, restabeleço uma filiação rompida. É esta filiação que ofereço a meu pai (SEBBAR, 2007, p. 73) 2
Colocando em primeiro plano o silenciamento e a ocultação de uma cena de barbárie contra os argelinos ocorrida no passado na capital francesa, La Seine était rouge, de Leïla Sebbar, ressalta também a dificuldade da transmissão da memória, desafio a ser assumido por três jovens que, nesta obra, se revoltam contra o mutismo de seus pais e do governo francês. Ao explorar a necessidade de romper com os silêncios de uma história lacunar, Sebbar denuncia esse episódio de violência policial, ocorrido em Paris, em 17 de outubro de 1961. Coerente com seu desejo de preencher o déficit da transmissão intergeracional, presente em outras publicações de sua autoria, Sebbar traz inegável contribuição para a revisão da colonização e descolonização da Argélia. Após essa brevíssima incursão no imaginário da filiação de uma escritora originária do Oriente, cabe voltar à representação desta temática na obra de Mouawad, outro autor situado entre o Oriente e o Ocidente. Conhecida no Brasil através de sua adaptação para o cinema no filme de Denis Villeneuve, a peça Incendies foi encenada no Rio e em outras capitais brasileiras em 2014, com a atriz Marieta Severo, sob a direção de Aderbal Freire Filho. Na trama dramática de Incendies, a filiação deve ser pensada em um contexto de sobrevivência, que supõe a existência de um traumatismo capaz de levar à prática narrativa. Segundo François Ouellet (2005, p. 159), “para contar (escrever), é preciso ter sobrevivido”. No enredo desta obra, quem sobrevive aos horrores da guerra é o personagem da neta, herdeira dos conselhos da avó, que, no tempo presente, é mãe de dois jovens gêmeos que nunca tinham desconfiado da pesada carga que sua mãe carregara durante décadas, na solidão de seu silêncio, que impedia a transmissão de seu destino trágico a seus filhos. Consciente da proximidade
2 Aqui poderia ser lembrada a “ética da restituição” presente em narrativas de filiação, como salienta Dominique Viart (2008, p. 95): “Restituir, é de fato reconstruir, restabelecer a memória esquecida do que foi, mas é também – talvez sobretudo – devolver algo a alguém.” de sua morte, deixa cartas a seus filhos, incumbindo-lhes de voltar no tempo e no espaço para investigarem o mistério de sua origem.
Segundo volume da tetralogia Le sang des promesses 3 – formada também por Littoral, Forêts e Ciels –, Incendies constitui uma obra densa e atual que revela os dilaceramentos e os não-ditos da guerra, com seus riscos, torturas, campos de refugiados e terrenos minados. Sem explicitar lugares e datas, a peça sugere que se trata da ocupação do sul do Líbano pelo exército israelense 4 e, em particular, de uma prisão onde milhares de libaneses foram torturados por carrascos libaneses pagos pelo exército israelense. A maioria dos que conheceram os horrores desta prisão era composta por mulheres, torturadas para que denunciassem seu marido, filhos, pai ou irmãos. Por detrás de uma narrativa dramática dolorosa e quase irrepresentável, que mistura a grande História e as pequenas histórias de seres invisíveis, descortina-se um relato sensível centrado na dificuldade da transmissão memorial entre gerações.
A escrita epistolar se faz presente na história de Incendies, desencadeando toda a intriga. Em um testamento surpreendente, a mãe – que migrara do Oriente para o Canadá há muitos anos – confere a seus filhos gêmeos o papel de herdeiros imbuídos de uma missão quase impossível que os conduzirá a sua terra natal. Além de bens materiais, a mãe deixa como legado para ambos a missão de encontrarem o pai, julgado morto, e um irmão de quem eles nunca tinham ouvido falar. Sua tarefa é a de entregar em mãos duas cartas escritas por sua mãe, endereçadas, respectivamente, ao pai e ao irmão desconhecido. Parecendo ilustrar o pensamento de Demanze para quem “a filiação toma de empréstimo de preferência o imaginário do caminho e da caminhada” (2008, p. 224), a peça Incendies coloca em cena a viagem no espaço e no tempo empreendida pelos filhos que percorrem as trilhas físicas e existenciais de sua mãe, em um processo de recuo em direção a um passado insuspeitado, que culmina com a descoberta da história infigurável de sua ascendência. Ascendência ocultada pela personagem materna que, nos últimos cinco anos de vida, adotara o silêncio completo na sua vida, tendo deixado de pronunciar uma só palavra.
3 Nessas peças personagens devem repensar e resolver questões ligadas a sua origem. O sentimento de estranheza e a sensação de perda os marcam em maior ou menor grau.
4 A presença da crueldade que atravessa a obra de Mouawad se faz particularmente visível em Incendies , onde aparece uma terrível cena assistida no Líbano pelo autor em criança: um ônibus repleto de palestinos foi incendiado por milícias cristãs em um ato de vingança contra o assassinato de um maronita. Cena inaugural de sua existência, tal massacre pode explicar a frase repetida pela mãe em Incendies : “A infância é um punhal cravado na garganta.”
Tal caminhada orienta os gêmeos no sentido das searas do passado de sua mãe, sobrevivente da guerra civil que deixara marcas traumáticas e insuspeitadas em seu corpo e em sua memória. A cada momento da viagem, revelações dolorosas se sucedem: o exílio de sua mãe jovem, grávida de um rapaz chamado Wahab; o abandono de seu bebê em um orfanato; a atuação política de sua mãe que é presa, torturada e violentada na prisão, durante dez anos sem saber que seu agressor era o filho que tivera na sua tenra juventude, carrasco que a emprenha dos gêmeos, ao mesmo tempo pai e irmão dos mesmos, em uma intrincada e terrível rede de relações familiares. Abordar a questão da transmissão de memórias na peça Incendies não pode deixar de lado a experiência vivida no feminino através do pacto de uma promessa feita pela mãe dos gêmeos a sua própria avó que, rompendo o previsível legado da submissão imposta às mulheres na cultura muçulmana, ensina à neta a se liberar do ciclo da miséria através dos estudos. Por sua vez, ao atribuir a seus filhos gêmeos a tarefa quase impossível de unir a família despedaçada pelas contingências da guerra, imbuída de dignidade, a mãe lhes acena com a promessa da possibilidade do perdão e da solidariedade visando a quebrar o fio do ódio de modo a resgatar o sentido humano nas relações interpessoais. Na carta deixada pela mãe aos gêmeos ela os faz refletir sobre a intrincada rede de versões de sua história no jogo complexo de sua filiação. Explorando o embaralhamento de papéis em uma mesma trama familiar e de camadas temporais, a figura materna deixa para os filhos a possibilidade de reescreverem e de ressignificarem seu drama:
Jeanne e Simon,
Onde começa sua história? No seu nascimento?
Então, ela começa no horror
No nascimento de seu pai?
Então, é uma grande história de amor. Mas recuando no tempo
Talvez se descubra que essa história de amor
Tem origem no sangue, no estupro
E que, por sua vez,
O sanguinário, o estuprador
Se originou no amor.
Então, Quando alguém perguntar a vocês sobre sua história, Digam que a origem de sua história
Remonta ao dia em que uma jovem Voltou a sua aldeia natal para gravar o nome de sua avó Nazira sobre seu túmulo. Aí começa a história (2009, p. 89-90).
Segundo romance de Wajdi Mouawad, Anima (2012) também se inscreve como narrativa de filiação, por privilegiar a questão de um segredo associado à origem do protagonista que empreende uma longa busca nos sentidos espacial e temporal até se deparar com sua verdadeira identidade. Romance de extrema violência e beleza, o livro se mostra original por ser narrado pelos mais diversos animais (mosca, aranha, cães, pássaros, gato, rato, cobra, carrapato etc...), nem sempre facilmente identificáveis pelo leitor, apesar de indícios sugeridos nos títulos em latim e nos pequenos gestos feitos por esse bestiário muito vasto. Testemunhas atentas a todas as ações do protagonista, estes animais se mostram às vezes violentos, mas sua fúria nada tem de comparável à dos homens, capazes de se comportar como verdadeiros monstros. No romance Anima através da escolha de narradores do reino animal, o autor explora o descentramento de perspectiva, que desloca o ser humano de sua posição central de sujeito do olhar, para representá-lo como objeto do olhar. Poderia também ser aventada aqui a hipótese da perda da capacidade de narrar sua própria história pelo protagonista, sobrevivente amnésico de uma cena traumática, tornado incapaz de fazer o relato de sua existência situada no presente ou no passado distante.
Neste romance, no qual um traumatismo esconde um outro (AUBRY, 2017, p. 145), o caráter investigativo das narrativas de filiação se faz sentir desde o início. Na sua abertura, o texto se reveste de efetiva força impactante, anunciando ao leitor que ele não sairá incólume do processo de leitura, que o força a se deslocar de sua zona de conforto pelo contato com cenas de abjeção de extrema crueldade. A imagem inicial deste romance está centrada em um ato de barbárie: em um dia comum, ao voltar para casa, o protagonista Wahhch Debch se depara com o corpo morto de sua esposa grávida, vítima de um estupro realizado como uma espécie de ritual de profanação feita com golpes reiterados de facadas, plantadas no sexo da vítima. Com a ajuda do médico legista responsável pelo inquérito, Wahhch descobre que o assassino seria um índio mohawk, figura fugidia que encontraria nas reservas indígenas a proteção contra a perseguição policial. Visto como informante da polícia e delator, escapa dos representantes da lei, transitando por vastos territórios, em um percurso pontuado pelos gestos violentos, próprios de um mundo de predadores que se provocam e se entredevoram continuamente.
Atônito e inconformado com o assassinato da esposa, o viúvo se engaja na caça obstinada do índio (Welson Wolf Rooney), que coincide com a busca desesperada de si mesmo nos labirintos da memória. A descoberta do corpo de sua mulher despertara nele impressões de déjà-vu 5 , a serem explicitadas ao longo do romance, que o levam a revisitar sua infância através de flashes de memória. Infância perdida, que lhe teria sido usurpada, como se revela no decorrer do livro. O objetivo dessa perseguição não seria a vingança, mas somente o desejo de olhar o criminoso para constatar que não seria ele próprio o estuprador e assassino de sua mulher. Romance com forte carga psicológica, Anima convida o leitor a desbravar caminhos do inconsciente e a repensar as searas de genocídios silenciados no fluxo da História. No cerne do romance Anima (cujo título nos remete à alma e a animal) se situa a questão identitária, ou mais, precisamente, a perda da identidade. Em primeiro lugar, cabe ressaltar que o confronto entre o protagonista e o assassino de sua esposa 6 deve ser lido à luz da teoria do desejo mimético e do duplo monstruoso de René Girard (1972). No pensamento girardiano, o desejo é fundamentalmente mimético: o sujeito deseja um objeto porque o rival também o deseja e, ao desejar um objeto, o rival o designa como desejável ao sujeito (p. 204). Se, à primeira vista, colocados em polos oponentes, o protagonista e seu rival parecem distintos, descobre-se que eles formam o duplo monstruoso de que trata Girard.
A busca do protagonista o conduz à descoberta de sua própria história, de seu verdadeiro nome, camuflado por outro, imposto por seu pai adotivo, um dos autores do massacre que, na sua infância, dizimara sua família no campo de refugiados de Chatila7 no Líbano e o “salvara” para perpetuar seu próprio nome. Nome que cobria uma “ligne de faille”, a falha-falta de sua memória e de sua história, falha geológica metafórica, prestes a derrubar sua identidade construída na violência, no segredo, no não-dito e na perda. Ao descobrir o horror do trauma ocultado por seu pai adotivo, Wahhch prepara para o outro uma morte terrível, em reparação do mal impetrado contra ele – ainda muito menino – e sua família de origem, tentando passar a limpo uma história de horror. De certo modo, reescreve o peso que envolve sua filiação, através do exercício do legado da violência herdada de seu pai adotivo, confirmando o caráter contagioso da violência na teoria girardiana. No seu périplo investigativo em busca de seu verdadeiro rosto, o protagonista assumiu uma escavação simbólica, movido pelo desejo de elucidação da opacidade de suas origens (DEMANZE, 2008, p. 195). Dá-se, pois, o retorno do que ficara recalcado, silenciado e enterrado, que explode na cena do assassinato do pai adotivo. Tudo leva a crer que, para sair simbolicamente do buraco onde fora enterrado vivo ao lado de cavalos – e onde permaneceria simbolicamente no presente –, o protagonista precisou matar o pai adotivo monstruoso, libertando-se do peso de um legado insuportável. Isso porque ele guardava, no fundo de seu coração, uma vacância na qual se encontrava um defunto, um outro eu que, embora tenha sobrevivido ao massacre, continuava a estar no limbo do esquecimento. Perda a ser resgatada ao longo de sua busca arqueológica nas searas identitárias, como aparece em narrativas de filiação:
5 As impressões de déjà vu, que aparecem em várias passagens do romance, se explicam a partir da leitura de Demanze, para quem o sujeito contemporâneo é profundamente habitado e assombrado, sendo o receptáculo de singularidades esparsas e de detalhes biográficos vindos de fora. (2008, p. 49) No romance Anima, e m reiteradas ocasiões, flashes da memória do horror emergem das profundezas do esquecido ou recalcado para assombrarem o protagonista.
6 Na lógica dos desdobramentos especulares que atravessam o livro, o assassinato brutal da esposa do protagonista é reduplicado.
7 Um episódio dramático da história da humanidade foi o massacre de Sabra e Chatila, genocídio de refugiados civis palestinos e libaneses, ocorrido entre 16 e 18 de setembro de 1982, pela milícia maronita liderada por Elie Hobeika, como retaliação pelo assassinato do presidente eleito do país e líder falangista, Bachir Gemayel. O evento teve lugar nos campos palestinos de Sabra e Chatila, situados na periferia sul de Beirute, área que se encontrava então sob ocupação das forças armadas de Israel. A pedido dos falangistas libaneses, as forças israelenses cercaram Sabra e Chatila, bloquearam as saídas dos campos para impedir a saída dos moradores.
O escritor contemporâneo se confronta com a narrativa impossível de sua ascendência, com a palavra emparedada de uma família ferida pela história. A narrativa contemporânea gira em torno de uma falha ou de uma palavra em sofrimento a ser desenterrada (DEMANZE, 2008, p. 29).
Tendo sido usurpado de sua identidade e de sua história, o protagonista do romance Anima teria sido igualmente destituído da possibilidade de narrar seu próprio drama. Para compensar tal perda, recorre a duas estratégias: em seu longo manuscrito centrado no seu momento atual e em flashes de seu passado, incumbe diversos animais de assumir a voz narrativa; no final do livro, delega ao médico legista – a quem envia o manuscrito escrito por ele, escondido através de vozes animais – a responsabilidade de relatar o brutal crime. Como observador habituado ao que há de mais terrível e de mais belo no gênero humano (MOUAWAD, 2012, p. 471) e a fazer relatórios técnicos sem nenhuma criatividade, o legista descobre outra forma de escrita capaz de representar esteticamente o espetáculo macabro da morte.
Sobreviventes e herdeiros de uma perda irreparável, os filhos de Nawal (Incendies) e o protagonista de Anima se mostram capazes de retomar o fio cortado de suas existências. Apesar da dificuldade de retomar suas vidas, o que seria comum entre os sobreviventes de cenas e de histórias de horror (CYTRYNOWICZ, 2003, p. 128), adotam práticas diferenciadas para se
“A arte da memória, assim como a literatura de testemunho, é uma arte da leitura das cicatrizes” (2003, p. 56), ousam tocar na ferida familiar, lembrando que, enquanto arquivo, a pele é o receptáculo do que existe de mais profundo.
Referências
AUBRY, Laurence. Le Roman scarabée ou l’écriture du traumatisme dans Anima de Wajdi Mouawad. In: Contemporary French and Francophone Studies, v. 21, n. 2, 2017.
BENSLAMA, Fethi. Exil et transmission, ou mémoire en devenir. Le Français aujourd’hui, n, 166, p. 33-41, 2009..
CÔTÉ, Jean-François. Architectures d’un marcheur: entretiens avec Wajdi Mouawad. Montréal: Leméac, 2005.
CYTRYNOWICZ, Roney. O silêncio do sobrevivente : diálogo e rupturas entre história e memória do Holocausto. In: SELIGMANN-SILVA, Márcio (org.) História, memória, literatura: o Testemunho na era das catástrofes. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2003.
DEMANZE, Laurent. Encres orphelines. Pierre Bergounioux. Gérard Macé. Pierre Michon. Paris: José Corti, 2008.
DEMANZE, Laurent. Les possédés et les dépossédés. Études françaises, v. 45, n. 3. Disponível: <https://id.erudit.org/iderudit/038826ar>
DIAZ, Brigitte. L’épistolaire ou la parole nomade. Paris: PUF, 2002.
DIAZ, Sylvain. Avec Wajdi Mouawad : tout est écriture. Leméac/Actes Sud, 2017.
DOUEK, Sybil Safdie. Memória e exílio. São Paulo: Escuta, 2003.
GIRARD, René. La violence et le sacré. Paris : Bernard Grasset, 1972.
L’HÉRAULT, Pierre. Le théâtre de Wajdi Mouawad : l’hospitalité comme instance dramatique. In : GAUVIN, Lise ; L’HÉRAULT, Pierre ; MONTANDON, Alain. Le dire de l’hospitalité. Clermont-Ferrand : Presses de l’Université Blaise Pascal, 2004.
MOUAWAD, Wajdi. Incendies. Montréal: Leméac / Actes Sud-Papiers, 2003.
MOUAWAD, Wajdi. Anima. Montréal: Leméac /Actes Sud, 2012.
NOUSS, Alexis. La condition de l’exilé : penser les migrations contemporaines. Paris: Éditions de la Maison des sciences de l’homme, 2018.
OUELLET, François. Au-delà de la survivance: filiation et refondation du sens chez Wajdi Mouawad. L’Annuaire théâtral, n. 38, p. 158-172, 2005.
ROBIN, Régine. Le deuil de l’origine: une langue en trop, une langue en moins. Saint-Denis: Les Presses Universitaires de Vincennes, 1993.
RUSHDIE, Salman. Patries imaginaires : essais et critiques 1981/1991. Paris: Christian Bourgeois, 1995.
Bernadette