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Que se desdobram em textualidades em ritmo de prosa também sobre Marçal:

Em 18 de abril de 1977, o líder indígena Marçal Tupã-y, assassinado em 25 de novembro de 1983, esteve nas terras do Sul do Brasil e disse:

Eu não fico quieto não!

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Eu reclamo...

Eu falo...

Eu denuncio! (2018, p. 47)

Essas cenas de interpelação dialogam com todo o continente, com os mundos indígenas e os não indígenas, numa reexistência que acalma e perturba. Atravessam os tempos da história e atualizam roteiros de memórias escondidas. Em particular, o poema-homenagem “Esperando a Inakayal Inakayal taiñ üngum nefiel mew” (ANCALAO, 2015, p. 82-83) dá corpo à cerimônia fúnebre de um lonko, tematizando o momento de irmandade da ancestralidade que vai da vitrine dos museus-prisões científicas ao descanso comunitário. O eu poético inicia a cena e se foca em duas mulheres, duas irmãs, “anay lamngen” –, desandando em redemoinhos “mewlen mew”, assim a espera: las imagino celestes el frío en las polleras el corazón desandando la impaciencia las veo celestes de espaldas a la luna atentas a los signos de la tierra sagradas y en silencio por no perderse ni un latido del tiempo aquel que regresó ese día a tocarles las manos y los ojos y las halló tempranas sin esquivarle la mirada al viento merecedoras del rumor en chezungun

Esperando a Inakayal Inakayal taiñ üngum nefiel mew Volvió Inakayal. Los huesos del lonko habían permanecido desvelados demasiado tiempo en la vitrina de un museo. Volvió para descansar en la tierra. Mis paisanos lo esperaban en Tecka. Puntuales estaban allí: Fabiana y Silvia.

... inakayal... lonko... piwke... en remolinos hasta aquietar la espera del fondo azul recorto sus figuras y las traigo desde antes y hasta el horizonte antiñir cayupán anay hermanas ngüne kintufiñ kalfu ti külangen ti küpam mew ti piwke ñi ngenoafelüw külen pefiñ kalfu furitulen küyen mew ngünel külen ti mapu pengel kimuam pekan ngenon ka ngenozungun mew rulmenon kiñe witan no rume ti kuyfi tren mew ñi wiñomum feychi antü ñüñmaafiel ñi küwü ka ñi nge ka puliwen pefi ñi entulel nofiel nge kürüf kimfal ngen chezungun mew mewlen mew küme newe nofiel ti üngüm külen ti kalfu ponwi inazafiñ ñi chumlen ka küpalfiñ kuyfi mew ka ti afpulu mew antüngür kayupange anay lamngen

... inakayal... lonko... piwke...

Os modos discursivos e suas cenas de interpelação intervêm na cadeia de valor simbólico da produção e reprodução contínua das formas do campo literário, seus campos minorizados (ou subcampos) e trans-subcampos, bem como nas formas de estar no sistema mundo capitalista, com sua extração de vida, esse mundo que devora mundos, em palavras de Aílton Krenak

(RodaViva, 2021).

As práticas artísticas e públicas dessas duas escritoras desenham percursos sobre o estar mulher indígena entre o século passado e esse que agora habitamos. Eliane Potiguara, em sintonia com Rigoberta Menchú e as lutas indígenas e feministas, realiza com seu ato de publicação de Metade cara, metade máscara – livro que condensa 20 anos de escritas, diálogos, estudos e militância – essa trilha de pioneira no campo literário brasileiro,

Referências

ANCALAO, Liliana. Mujeres a La Intemperie Pu Zomo Wekuntu Mew. Movimiento de Poesía Bajo Los Huesos. Argentina: Editorial El Suri Porfiado, 2009.

ANCALAO, Liliana Poesía mapuche: El idioma silenciado. Boca de Sapo: revista de arte, literatura y pensamiento. Buenos Aires, segunda época, año XI, n. 6, p. 48-53, 2010.

ANCALAO, Liliana. Con nuestra voz estamos: Escritos plurilingües de docentes, alumnos, miembros de pueblos originarios y hablantes de lenguas indígenas. 1ª ed Edición multilingüe. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: ministerio de Educación de la Nación. Plan Nacional de Lectura, 2015.

ANCALAO, Liliana. Entrevista em Poetas Argentinos. BCN Radio (Biblioteca del Congreso Nacional). 28 de junho de 2016 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=y7Ocx6HX5RI Acesso Janeiro 2021.

ANCALAO, Liliana. Entrevista em Canal Airevisión-Punta Alta, Argentina. 21 de março de 2019. Disponível em; https://www.youtube.com/watch?v=b3APeEDK5HE. Acesso em Janeiro 2021.

ANCALAO, Liliana. I Jornadas de Feminismo Poscolonial. Mesa redonda com Rita Segato. (IDAES/ UNSAM) 31 de agosto de 2013. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=w0hbuFY0Pvs Acesso em: janeiro 2021.

BUTLER, Judith. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Trad. Rogério Bettoni. 1. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015.

CASANOVA, Pascale. A república mundial das letras. Trad. Marina Appenzeller. São Paulo: Estação Liberdade, 2022.

CORNEJO-POLAR, Antonio. Escribir en el aire. Ensayo sobre la heterogeneidad socio-cultural en las Literaturas Andinas. 2. ed. Lima: CELACP; Latinoamericana Editores, 2003.

KRENAK, Aílton. Programa Roda Viva 19 de abril de 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=BtpbCuPKTq4. Acesso em: 19 de abril 2021.

POTIGUARA, Eliane. Metade cara, metade máscara. 3° edição. Rio de Janeiro: Grumin, 2018.

POTIGUARA, Eliane. O território ancestral: minha pedra verde. In: Poéticas do espaço, geografias simbólicas. Organização de Denise Almeida Silva. Frederico Westphalen: URI, 2013, p. 103-115.

POTIGUARA, Eliane. Encontros de Interrogação/ Itaú Cultural. (14m 04 s). 2016. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1Q. Acesso em janeiro de 2021.

POTIGUARA, Eliane. Culturas indígenas / Itaú Cultural. (10m52s). 2016. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=TZwOXaJVzYU. Acesso em janeiro de 2021.

POTIGUARA, Eliane. Entrevista de Julie Dorrico. Canal Literatura Indígena Contemporânea. 23 de Maio 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=F8QhtkIxc7k. Acesso em Junho 2020.

Ancestralidade, a escrita de si e de nós: diálogos entre Toni Morrison, Paule Marshall e Conceição Evaristo

No buraco da escravidão, o ideal perdido: mãe, lar, família e comunidade nos acenam.

Saidiya Hartman (2002, p. 774)1

[...] eu entoava cantos de louvor a todas nossas ancestrais, que desde a África vinham arando a terra da vida com as suas próprias mãos, palavras e sangue.

Conceição Evaristo (2014, p. 18)

Na abertura do romance Song of Solomon, de Toni Morrison (1977a), a epígrafe invoca o poder dos homens escravizados de voar alto e, em contrapartida, deixar um nome como legado para os filhos. “The fathers may soar/ And the children may know their names”, dizem os versos [“Que os pais possam subir aos céus/ E os filhos conhecer seus nomes”]. Ao longo da narrativa ouvem-se ecos bíblicos e míticos que também falam de genealogia e filiação, envolvendo desde a ancestralidade africana até o nome próprio desaparecido, os laços de família corrompidos, o papel feminino e materno, a integração numa comunidade, as memórias, crenças e vivências individuais e compartidas. Intensificadas durante séculos pelos traumas da escravidão, da diáspora e da colonialidade dominante, 2 são questões que remetem aos apagamentos e fraturas na identidade pessoal, racial e social, presentes na literatura de autoria negra nas Américas e pontuadas ao longo deste trabalho, com apoio na escrita de Toni Morrison e de Paule Marshall em diálogo com Conceição Evaristo. A canção de Solomon pode ser lida como um romance épico sobre a busca de um jovem negro do século XX pela identidade e pelo nome, o que implica no despertar para o significado das raízes familiares, a importância da história social, da cultura e da comunidade. Em sua simplicidade e com apenas dois substantivos, o título sugere uma amplitude de referências e interpretações, a começar pelos famosos versos atribuídos ao Rei Salomão e que fazem parte da Bíblia hebraica e do Antigo Testamento cristão. Conhecido em português como Cânticos de Salomão ou Cântico dos Cânticos, o poema bíblico aproxima dois aparentes opostos, a fé religiosa e um intenso amor sexual. Em seu romance Morrison entrelaça fios de mitologias de herança africana (a história yorubá sobre o homem voador, de volta à África) e judaico-cristã (a mulher que se expressa cantando seus lamentos e desejos, como no cântico bíblico), explorando intertextualmente a alegoria, a música, as fantasias e metáforas. 3 A magia e os mitos se justapõem a aspectos históricos do seu país, como as marcas coloniais evidenciadas na continuada segregação espacial, econômica e racial, na repressão sexual e nos papéis tradicionais de gênero, no escape ilusório do enriquecimento de uma classe média alienada, ou na violência extrema que fragmentava identidades e laços negros.

1 Tradução livre do original: “In the slave hole, the lost ideal: mother, home, kin, and community beckon”. A tradução de textos ao longo deste ensaio é de responsabilidade da autora.

O eu, a comunidade e a história: entrelaces ficcionais

Além do referente bíblico, o título e o enredo do romance de Toni Morrison remetem à história real de John Solomon Willis e Ardelia Willis, avós maternos da escritora (e verdadeiros reis para ela), os quais sofreram na carne o racismo virulento do Alabama, estado do ‘Sul Profundo’ dos Estados Unidos, testemunharam atrocidades e perderam sua terra para os brancos.

2 Após o fim das antigas colônias nas Américas, a colonialidade persiste na “hierarquia sócio-cultural entre europeus e não-europeus” presente “em todas as esferas – política, econômica e cultural” (QUIJANO; WALLERSTEIN, 1992, p. 550).

3 A rica linguagem de Morrison reflete a oralidade da cultura negra, mas evoca também a Bíblia, a escrita de Faulkner e de autores latino-americanos que ela admirava, como García Márquez e Astúrias (MORRISON, 1977b, p. 50).

Ancestralidade, a escrita de si e de nós...

Juntaram-se então à enorme caravana de negros rumo ao norte, em busca de uma vida melhor, chegando a Ohio com os sete filhos por volta de 1910. Embora Morrison tenha afirmado “não escrever autobiografia” (entrevista a Tate, 1986), esse avô inspirou a figura ancestral e mítica que povoou todo um vilarejo antes de voar de volta à África, segundo as histórias e cantigas eternizadas em Song of Solomon. Tomando um sentido inverso ao da “Grande Migração”, o jovem protagonista do romance deixa a confortável vida urbana em Michigan e ruma para o sul, aventurando-se à procura de ouro, e acaba chegando a um local isolado, sem nome certo (Charlemagne? Shaleemone? Shalimar? Solomon?), no interior da Virgínia. Quanto a sua própria identidade, o rapaz sabe apenas que é o terceiro da família carregando o nome truncado e infeliz de Macon Dead 4 , apelidado pejorativamente de Milkman. 5 Do seu pai em Michigan, Macon Dead II, só aprendeu a enriquecer como um branco, explorando outros negros. Nesse lugarejo impregnado de passado, onde só se viam negros, Milkman ouve o nome Solomon ressoar por toda parte, inclusive na vibrante cantiga de roda das crianças: “Jay, o filho único de Solomon,/ Com buba ialí, com buba ialí/ Roda e toca o sol/ Com buba ialí, com buba ialí” (MORRISON, 1988c, p. 283). A princípio incompreensíveis, os versos cantados continham a chave do seu nome real, de sua ascendência, da língua de seus antepassados, da comunidade e da história que sempre lhe haviam faltado 6 . Segundo Claudia Tate, a jornada adquire contornos épicos por responder ao anseio coletivo de “recuperar a história frequentemente obscurecida da escravidão” (In: MORRISON, 1986, p. 118). No romance, a dedicatória sucinta “Daddy” [“Papai”] homenageia o pai da escritora, George Wofford, que também fez parte da ‘Grande Migração’ para o norte do país, levando na memória os linchamentos que presenciara, ainda adolescente, na Georgia.7 Casou-se com Ramah Willis (nascida em Greenville, Alabama) em Lorain, Ohio, onde nasceu em 1931 a segunda filha do casal,

4 Muitos escravizados e libertos (frequentemente analfabetos) tiveram registros perdidos ou trocados. Aqui, o avô de Milkman, então adolescente, declarou em 1869 que vivia em Macon (localidade) e que seu pai era falecido [dead ]. Esses dados foram registrados como sendo seu nome e sobrenome, mas, não sabendo ler, só tomou conhecimento disso anos depois quando se casou. A mulher preferiu manter o nome novo, acreditando que assim apagariam o passado de escravidão (MORRISON, 1977a, p. 54).

5 Literalmente, leiteiro ou o homem do leite, atribuído à notícia de que ele sugava o seio materno já estando bem crescido. O termo também remete ao homem (que se quer) branco, à ausência ou rejeição do orgulho negro.

6 Não é costume traduzir nomes próprios, como Solomon. Em nota, a editora Best Seller adverte ao leitor: “Devido a sua peculiaridade, algumas expressões e nomes, inclusive o do personagem do título, foram conservados nesta tradução em sua forma original” (MORRISON, 1988c, p. 5). O apelido Milkman também não foi traduzido.

7 As homenagens inseridas por Morrison mostram a importância de se atentar aos paratextos de uma obra, elementos que se encontram “entre o dentro e o fora, [...] entre o texto e o extratexto, [...] no espaço do mesmo volume, como o título ou o prefácio” (GENETTE, 2009, p. 10-12).

Chloe Ardelia Wofford, nome de batismo da futura escritora Toni Morrison. Ela cresceu ouvindo relatos de injustiças, violência e opressão (especialmente no período pós-escravidão), mas a família também lhe transmitiu resistência e força, memórias felizes, a magia da língua, da música e da cultura negra, como os antigos griots. A beleza da vida transpirava das reuniões caseiras em que o avô tocava violino e a mãe cantava e contava histórias; a escrita de Morrison se construiu ao longo dessa vivência repleta de sons e narrativas encadeadas por elos de história, ancestralidade, família e comunidade.

Song of Solomon (1977), seu terceiro livro, foi um marco na história literária dos Estados Unidos pelo sucesso inédito de crítica e de público alcançado por uma autora negra. É seu único romance com foco central em um protagonista masculino, mas vem de uma mulher, Pilate, tia de Milkman, a voz ancestral que o inspira e que move a narrativa com seu canto e sabedoria. Escolhido o melhor romance daquele ano e agraciado com outras importantes premiações e honrarias 8 , a obra contribuiu para impulsionar um verdadeiro boom da literatura feminina negra no país, que incluiu nomes como Paule Marshall, Alice Walker, Maya Angelou, Ntozake Shange, Toni Cade Bambara, Gayl Jones, Audre Lorde, Angela Davis, entre outros. O momento fértil acontecia também na crítica, na historiografia e no ativismo dos movimentos e organizações de mulheres negras e de cor. A relação visceral entre eu e nós (as memórias africanas, mas também o vilarejo, o bairro, a vizinhança), entre o eu e os pais, avós e ancestrais distantes, conhecidos ou imaginados, são laços elaborados por Morrison e por várias das escritoras do período.

A obra de Paule Marshall é exemplo disso. Mostra a jornada de personagens negras dominadas por valores eurocêntricos, egoístas e consumistas que, em dado momento da vida, por decisão própria ou interferência externa, passam por uma epifania. Nascida Valenza Pauline Burke em abril de 1929 no distrito de Brooklyn, Nova York, a escritora ocupa um lugar especial na literatura feminina negra dos Estados Unidos, embora ainda não esteja traduzida no Brasil 9 . Seus pais eram imigrantes vindos da pequena ilha de Barbados, no Caribe anglófono, e moravam no Brooklyn, em vizinhança onde predominavam os imigrantes caribenhos. Apesar das dificuldades financeiras da família, após a escola pública Marshall conseguiu graduar-se com louvor em Literatura

8 O romance recebeu os prêmios National Book Award , o National Book Critics Circle e o American Academy and Institute of Letters . Matéria de capa do New York Times Book Review, foi o primeiro livro de autoria negra selecionado para o Book-of-the-Month-Club desde 1940 (MORRISON, 1977b). O reconhecimento internacional veio com o Nobel de Literatura em 1993, pelo conjunto da obra, além do National Book Award e do prêmio Pulitzer pelo romance Beloved [ Amada ], de 1987. Em 2012, Morrison foi homenageada com a Medalha Presidencial da Liberdade pelo então presidente americano, Barack Obama.

9 Há uma tradução inédita do conto “Brazil” (FLORES e COSER, 2019).

Ancestralidade, a escrita de si e de nós...

Inglesa no Brooklyn College e fazer mestrado no Hunter College, instituições de prestígio que integram a City University of New York (CUNY). Nos anos 1950, época em que trabalhou para a revista Our World, direcionada a leitores negros, viajou por países do Caribe e também ao Brasil, reunindo observações que vão alimentar futuras histórias, os primeiros contos e seu primeiro romance, Brown girl, Brownstones (1959). A ele se seguiu a coletânea Soul clap hands and sing (1961), com quatro contos longos (ou novellas) sobre partes da AfroAmérica estendida ao longo do Atlântico: “Barbados”, “Brooklyn”, “British Guiana” e, finalmente, “Brazil”, que se passa no Rio de Janeiro dos anos 1950. O protagonista deste conto é um ator cômico de sucesso que há décadas se apresenta como Caliban no palco da “Casa Samba”. Negro, baixinho e desengonçado, em contraste com sua coadjuvante, a loura, alta e atraente Miranda, divertia as plateias contando piadas em meio a malabarismos e imitações disparatadas como a de Joe Louis, o grande boxeador10 .

Distanciado de suas raízes familiares mineiras e também da comunidade negra no Rio de Janeiro, cidade onde vive em luxo e isolamento, ele se tornara indiferente ao sofrimento dos pobres e um explorador de corpos e papéis femininos, tanto da virgem/esposa/mãe, quanto da artista/amante descartável. Já envelhecido, cansado da fantasia e da falsidade em que vive, quer se aposentar e recuperar suas origens e a si mesmo, o cidadão Heitor Baptista Guimarães (seu nome de batismo). Mas ninguém o aceita como tal e nem ele mesmo reconhece a face sem maquiagem no espelho: só existe o personagem caricato. Ao final, em revolta solitária, debate-se, quebra espelhos e portas, destrói o apartamento que havia comprado para a amante e foge em desespero: cenas que parecem ilustrar o argumento de que os “legados coloniais são um espaço de acumulação de fúria” (MIGNOLO, 2005, p. 9). O texto termina com as interrogações de sua amante e parceira de palco, a perplexa Miranda, que não entende o que está acontecendo: “Caliban! Caliban! Aonde você vai?”, repete ela (MARSHALL, 1988, p. 177). O homem não consegue salvar-se do caos do não-ser, mas a pergunta que ecoa faz pensar no bíblico “Quo vadis? ”, sobre escolha e caminho. Em “Brazil” e nos demais contos da coletânea, a fratura identitária dos protagonistas masculinos se vincula ao abandono das origens, à absorção de valores capitalistas e à falta de uma consciência racial e histórica. Publicada em 1961 e anterior ao Movimento dos Direitos Civis, a narrativa de Paule Marshall não questiona o sistema com os punhos erguidos do Black Power. Seu personagem difere muito do Caliban rebelde e incisivo do cubano Fernández Retamar (1972), que o representa como o subalternizado que aprende a língua do mestre para expulsar o colonizador e garantir a liberdade na América Latina.

10 Personagens provavelmente inspirados pelas chanchadas de Grande Otelo e pelas vedetes do Teatro de Revista, espetáculos populares no Rio na década de 1950, e por Carmen Miranda. Os nomes se reportam, claro, aos famosos personagens shakespearianos da peça The tempest /A tempestade (1610-11), uma referência para escritores e intelectuais caribenhos e pesquisadores envolvidos nos estudos subalternos, pós-coloniais e descoloniais.

Mas “Brazil” continua sendo um texto instigante, que parece dialogar com dois intelectuais de renome sobre as questões de raça e colonialismo nas Américas, W.E.B. DuBois (1868-1963) e Frantz Fanon (1925-1961). Em sua obra-prima publicada em inglês em 1903, The souls of Black Folk [As almas da gente negra,1999], DuBois aborda “o problema do negro” com base em suas próprias memórias: “quando a sombra tomou conta de mim”. Sendo o Outro da sociedade eurocêntrica, o negro já nasce com “um véu”, a “sensação estranha” de uma “consciência dupla”[...], “sempre a se olhar com os olhos dos outros, a medir sua própria alma pela medida de um mundo que continua a mirá-lo com divertido desprezo e piedade” (DUBOIS, 1999, p. 52, 54). Talvez desiludido com o racismo persistente nos Estados Unidos, seu país natal, DuBois escolheu voltar à terra de seus ancestrais e lá morrer. Ao receber a cidadania em Gana, declarou: “Meu bisavô, atado a correntes, foi arrancado do Golfo da Guiné. Eu voltei, para que o meu pó se misture ao pó dos meus ancestrais” (DUBOIS, 1999, p. 12).

Também a partir da própria vivência, o escritor, ativista político e psiquiatra martinicano Frantz Fanon focaliza a identidade fraturada dos negros das Américas, particularmente em seu primeiro livro, Pele Negra, Máscaras Brancas (1952). Ao distanciar-se do mundo familiar antilhano, chegar à França e encontrar os impiedosos olhos brancos europeus, o jovem Fanon se sentiu objetificado, despido de humanidade e identidade. Para se ver respeitado como pessoa, entendeu que o negro (associado no espelho eurocêntrico ao ridículo e à feiura) é forçado a ser branco e viver, assim, “em luta permanente com sua própria imagem” (FANON, 1952, p. 112-113; 194). Inferiorizado pela hegemonia branca, o negro antilhano entra em “uma zona do não-ser, região estéril, árida e em declive profundo”, mas existe esperança porque ali, no fundo do poço, “pode nascer uma autêntica reviravolta”. Para superar aquela “ambiguidade neurótica” e alcançar a liberdade, será necessário “um esforço pela desalienação”, afirma Fanon (1952, p. 10, 192-94, 231). Ou a necessária descolonização da mente, como enfatiza a teórica feminista bell hooks (1995, p. 474). A persistência do legado colonial se evidencia quando “a dominação e a opressão continuam a moldar as vidas de todos, sobretudo das pessoas negras e mestiças”. Só com a transformação social “as pessoas oprimidas e/ou exploradas [...] passariam de objeto a sujeito que descolonizariam e libertariam suas mentes”

(HOOKS, 1995, p. 477, 466).

Ancestralidade, a escrita de si e de nós...

Essa passagem a sujeito da própria história é buscada no romance publicado por Paule Marshall em 1969, The chosen place, the timeless people [O lugar escolhido, o povo eterno], que tem lugar numa ilha fictícia do Caribe, inspirada em Barbados. Próximo ao final a protagonista Merle Kinbona decide partir para Uganda, na África, onde quer recuperar as raízes africanas e afetos importantes, como a relação com a filha que lá se encontrava. Para a viagem, escolhe uma rota aérea que reflete sua crescente resistência à dominação eurocêntrica nas Antilhas; privilegiando o sul, destaca os laços próximos entre Barbados – país mais a leste no Caribe –, o nordeste brasileiro (ainda mais a leste) e o continente africano:

[Merle] não ia fazer a rota habitual para a África, voando primeiro ao norte para Londres via Nova York, e depois descendo. Em vez disso, voaria ao sul para Trinidad e dali para Recife no Brasil, e de Recife – esta cidade onde o braço do hemisfério se estende na direção do grande ombro da África, como se desejasse juntar-se a ele, como certamente havia sido no começo – ela cruzaria o oceano até Dakar, de onde começaria sua longa jornada atravessando o continente até Kampala11 .

Esse trajeto aéreo não envolve a magia nem os lendários poderes alados evocados por Toni Morrison em Song of Solomon, mas reflete um desejo semelhante de identidade e retorno. O poeta e historiador barbadiano Kamau Brathwaite (1930-2020) apresenta The chosen place, the timeless people como exemplo da “literatura de reconexão” com a África, tendência que ele via expandir-se entre autores negros dos Estados Unidos sob a influência do movimento Black Power nos anos 1960. Brathwaite (1974, p. 99) aponta no romance “um reconhecimento da presença africana em nossa sociedade, não como qualidade estática, mas como raiz – viva, criativa”. Paule Marshall recebeu vários prêmios por seu trabalho (romances, coletâneas de contos e um livro de memórias), inclusive o American Book Award (1984) por Praisesong for the widow (1983a) sua obra de maior reconhecimento crítico, aplaudida pela nova crítica feminina-negra produzida nos anos 1980 12 .

11 “She was not taking the usual route to Africa, first flying north to London via New York and then down. Instead, she was going south to Trinidad, then on to Recife in Brazil, and from Recife, that city where the great arm of the hemisphere reaches out toward the massive shoulder of Africa as though yearning to be joined to it as it surely had been in the beginning, she would fly across to Dakar and, from there, begin the long cross-continent journey to Kampala” (MARSHALL, 1969, p. 471).

12 Dois romances de Marshall estão entre as 14 melhores obras de ficção publicadas por escritoras negras nos Estados Unidos entre 1965 e 1983 (SPILLERS, 1985, p. 257). Ela lecionou em universidades como Yale, Columbia, Berkeley e Virginia Commonwealth; também integrou programas de criação literária, como o “Writers’ Workshop” da University of Iowa e o “Creative Writing Program” da New York University.

Para Avey, protagonista deste romance de Marshall, o retorno às origens e a si mesma começa ao longo de um cruzeiro pelo Mar do Caribe, quando ela se cansa do luxo e da artificialidade do navio e se isola com suas memórias. Relembra tanto a insistência da filha no orgulho e na cultura negra (que Avey havia renegado), quanto as histórias maravilhosas que sua tia-avó contava sobre os africanos Ibos, que fugiam da escravidão pelo mar adentro, voltando à África. Como que guiada pelas duas, a mulher abandona a excursão e o hotel turístico em Granada onde o cruzeiro fazia pausa, para mergulhar em si mesma e nos ancestrais. O processo culmina na recuperação de sua africanidade e do seu nome real, Avatara, nos rituais, cantos e danças e, principalmente, no acolhimento da comunidade na pequena ilha de Carriacou. Esta obra de Paule Marshall aponta claramente que o caminho da afirmação pessoal é inseparável do saber coletivo: pode ser encontrado no respeito pelo Outro, na palavra e experiência dos antepassados, nas histórias orais, nos rituais afro-americanos e nos “lugares de memória” ligados à diáspora africana nas Américas. Quanto aos personagens, a própria escritora declarou em 1991 que era do seu agrado representar “pessoas vivendo um momento de crise e de questionamento em suas vidas, levá-los a passar por algum tipo de viagem espiritual ou emocional e só então deixá-los, quando essa jornada tiver cumprido seu ciclo e ajudado a compreenderem algo sobre si mesmos” (apud ROGO, 2019).

Mães e ancestrais: as fontes da escrita

Segundo Barbara Christian (1983, p. 185), destacada crítica literária no boom cultural dos Estados Unidos nos anos 1970-80, tornava-se evidente que “cada vez mais, a linguagem e as formas na ficção escrita por mulheres negras se derivavam tanto das experiências vividas por mulheres, como da cultura afro-americana”, sua língua e suas histórias. As questões sobre afiliações narrativas se entrelaçam em grande parte da literatura e do pensamento crítico-teórico produzido por mulheres negras daquele período. Continuam reverberando no momento atual em novos entrelaçamentos diaspóricos que incluem o Brasil – como exemplifico com os textos de Paule Marshall, Toni Morrison e Conceição Evaristo colocados em breve diálogo neste estudo.

As relações familiares e culturais transmitem empoderamento e identidade, abrangendo toda uma rede afetiva que proporciona suporte e história. Tendo passado infância e adolescência junto à comunidade migrante do Brooklyn, Paule Marshall aprendeu o quê e como narrar ouvindo conversas entre a mãe e vizinhas reunidas na cozinha simples, compartilhando receitas, opiniões, memórias e histórias. Delas herdou o orgulho da raça e das origens caribenha e africana, a consciência política de caráter interamericano e internacional, a linguagem sensível, rica em imagens e evocações e, também, o desejo de criar narrativas entrelaçando a imaginação com fatos e personagens reais. No belo ensaio “From the poets in the kitchen”, a escritora declara seu débito para com as “poetas na cozinha”, força basilar em sua narrativa: “Sempre reconheço, antes de qualquer outra [influência], o grupo de mulheres ao redor da mesa, muito tempo atrás. Elas me ensinaram as primeiras lições sobre a arte narrativa. Educaram meu ouvido. Estabeleceram um padrão de excelência” (MARSHALL, 1983b).

Ancestralidade, a escrita de si e de nós...

Cresci no meio de poetas. Mas elas não pareciam poetas – seja qual for a aparência que essa classe deva ter. Nada nelas poderia sugerir que a poesia era sua vocação. Eram apenas um grupo de esposas e mães comuns, inclusive minha mãe. […] Também não faziam o que poetas deveriam fazer – passar seus dias num sótão escrevendo versos. Nunca pegavam papel e caneta para nada, exceto de vez em quando para escrever aos parentes em Barbados (MARSHALL, 1983b, p. 1).

As cartas conectavam as mulheres a suas famílias distantes, ainda que em linguagem convencional e sem revelar grande coisa. Cada uma saía de casa cedo e pegava um trem para ir trabalhar em emprego fixo ou como faxineira diarista, mesmo no alto inverno. Na volta, às vezes paravam e se reuniam na cozinha da casa simples onde vivia a família de Paule Marshall no Brooklyn, e ali “falavam – sem parar, apaixonadamente, poeticamente, e com uma variedade impressionante. Nenhum assunto estava além [do interesse e capacidade] delas” (MARSHALL, 1983b, p. 2-3). As fofocas entravam na conversa, mas também muita política e economia durante a severa Depressão dos anos 1930. Roosevelt era um herói, Marcus Garvey um verdadeiro Deus e Hitler, em plena Segunda Guerra, era “o diabo em pessoa”. Falavam dos conterrâneos em Barbados, “a pequena e ensolarada ilha caribenha que amavam, mas tiveram que deixar”; e também de sua “terra adotiva, a América”, onde, apesar de estranharem os costumes, sonhavam ter uma casa e educar bem os filhos.

Décadas após testemunhar tais cenas a partir do cantinho onde fazia os deveres de escola, Paule Marshall (1983b, p. 3-4) observa que, “mais que uma terapia”, a conversa livre e solta era a possibilidade que aquelas mulheres tinham de se expressar: “elas fizeram da língua falada uma forma de arte […] condizente com a tradição africana, em que arte e vida são uma coisa só”. Na sua condição “triplamente invisível como negras, mulheres e estrangeiras”, ali se sentiam livres e usavam a palavra com surpreendente perspicácia, criatividade e ousadia, afirmando seu poder e visibilidade.13 A escritora parece estar se referindo a sua própria narrativa e a seu uso da língua inglesa pois, assim como “as mulheres na cozinha”, enxertou suas histórias de metáforas, referências bíblicas e traços biográficos, entrelaçando história social, política e diaspórica com a vida das personagens. Lá pelos nove anos, Marshall saiu de seu canto na cozinha para a biblioteca do bairro, “da palavra falada para a escrita”, quando descobriu a cadência do dialeto negro nos poemas de Paul Laurence Dunbar e sentiu o desejo de escrever “com um pouco daquele poder que a mãe e suas amigas possuíam com as palavras”. Mais tarde, reconheceu publicamente: “o melhor do meu trabalho deve ser atribuído a elas, um testemunho do rico legado da língua e da cultura que transmitiram a mim tão espontaneamente na oficina de palavras” que funcionava na cozinha de sua casa (MARSHALL, 1983b, p. 5).

A dívida de sua narrativa para com os antepassados é reconhecida por Toni Morrison, que, ao ser questionada sobre a razão de suas obras falarem tanto sobre avós e ancestrais, respondeu:

Esse é o DNA, é onde você tem sua informação, sua cultura. É também sua proteção, sua educação. Eles foram tão responsáveis por nós, agora devemos mostrar nossa responsabilidade para com eles. Se você ignora seus ancestrais, coloca-se numa posição espiritualmente perigosa de autossuficiência, sem nenhum grupo onde se apoiar (MORRISON, 1987, p. 137).

No ensaio “Rootedness: the ancestor as foundation” (1984, p. 344), Morrison sublinhou a necessidade da conexão histórica e o perigo de perdê-la: “Quando você mata o ancestral, você mata a si mesmo”. O compromisso com a herança e a comunidade gera a energia que fecunda o processo de criação, a escrita e a arte. Admirava os clássicos, mas sua escrita se inspirou sobretudo na cultura afro-americana, sua língua, as histórias que cresceu ouvindo, sua música: na verdade, gostaria que sua literatura expressasse a cultura de uma forma tão completa quanto a música conseguia fazer (MORRISON, 1983, p. 426). Tentou imprimir à sua escrita a sonoridade, a graça e a força da linguagem própria do povo negro – e que ouvia em casa: “Quando penso nas coisas que minha mãe, meu pai ou as tias costumavam dizer, me parece a coisa mais surpreendente do mundo. É o que procuro trazer para a minha ficção”, disse Morrison (1977b). Como “o povo negro acredita na magia”, ela recorreu ao folclore, ao que "ele possuía de mágico e superticioso". Sobre a crença ancestral no poder de voar (que havia retomado em Song of Solomon), Morrison declarou: “sempre fez parte do folclore em minha vida; voar era um dos nossos dons” [...] “Está por toda parte – na conversa das pessoas, nos spirituals, nos evangelhos” (MORRISON, 1981, p. 27). A escritora valorizou os saberes práticos e também os mágicos, com frequência desacreditados como “superstição”, mas que ela considerava uma “outra forma de saber as coisas”. Ao tentar pontuar características presentes em sua escrita e na literatura afro-americana [African-American] de modo geral, Morrison (1984, p. 34243) destacou “a qualidade oral”, a interação entre personagens e comunidade, “representada por um coro”, a participação dos leitores e, por fim, “a presença de um ancestral”, não necessariamente os pais, “mas pessoas atemporais cujas relações com os personagens sejam benevolentes, instrutivas e protetoras, e apresentem certa sabedoria”.

Ancestralidade, a escrita de si e de nós...

Memória e família são também pedras fundamentais na ficção da brasileira Conceição Evaristo. Em seu marcante texto-depoimento, “Da grafiadesenho de minha mãe um dos lugares de nascimento da minha escrita” (2005), ela revela como a escrita lhe chegou a partir da grandeza simples da arte materna: “Talvez o primeiro sinal gráfico, que me foi apresentado como escrita, tenha vindo de um gesto antigo de minha mãe. Ancestral, quem sabe? Pois de quem ela teria herdado aquele ensinamento, a não ser dos seus, os mais antigos ainda”? Evaristo rememora o aprendizado de infância em meio a fome e pobreza, mas iluminada pelo sol que a mãe desenhava com um graveto, agachada no chão frio de terra molhada. Junto com as irmãs, a menina Conceição participava daquela “simpatia para chamar o sol” que abarcava seus corpos, um ritual de urgência em face das roupas molhadas e acumuladas que a mãe precisava secar, passar e entregar às patroas para receber dinheiro e comprar comida. Muito cedo Conceição descobriu “a função, a urgência, a dor, a necessidade e a esperança da escrita” comprometida com o cotidiano da vida.

Agradecida, a autora descreve sua afiliação: foram as mãos lavadeiras da mãe que “guiaram os meus dedos no exercício de copiar meu nome, as letras do alfabeto, as sílabas, os números”. As mesmas mãos folheavam jornais e revistas velhas e costuravam folhas soltas (inclusive de papel de pão) para servir de caderno. A mãe preparava as “listas de mantimentos” a comprar, a tia anotava “datas e acontecimentos importantes”, desde o sumiço da “última galinha d’angola” até o noivado da sobrinha. A literatura criada por Conceição Evaristo brota desse conjunto de narrativas aparentemente triviais, como ela conta: “a gênese de minha escrita está no acúmulo de tudo que ouvi desde a infância. O acúmulo das palavras, das histórias que habitavam em nossa casa e adjacências. Dos fatos contados a meia voz, dos relatos da noite, segredos”. Como fez Paule Marshall, Evaristo incorporou à escrita também a fala das vizinhas: “Na origem da minha escrita ouço os gritos, os chamados das vizinhas debruçadas sobre as janelas, ou nos vãos das portas contando em voz alta uma para outras as suas mazelas, assim como as suas alegrias. Como ouvi conversas de mulheres”! Em um mundo machista e violento, elas se contagiavam e se protegiam mutuamente: “Falar e ouvir entre nós, era talvez a única defesa, o único remédio que possuíamos”. O ato de escrever, desde o sol trazido ao chão pela mãe, permite ao sujeito da escrita “sua auto-inscrição no interior do mundo”, o que, para mulheres negras longamente marginalizadas, “adquire um sentido de insubordinação” (EVARISTO, 2005).

Ao associar pai e mãe à raiz, história e ancestralidade, a literatura da diáspora africana pode revelar traumas profundos conectados ao tráfico e à escravidão. Toni Morrison relaciona a troca de nomes por parte dos negros de seu país à “orfandade cultural” e à “rejeição do nome” imposto: “Se você vem da África, seu nome desaparece – sua família – sua tribo”, restando a “enorme cicatriz psicológica”. Tem poder aquele que “conhece seu nome e o nome das coisas” (MORRISON, 1981, p. 28). Interessada em investigar as justificativas políticas e éticas de relembrar o passado e retornar à África, Saidiya Hartman (2002) ouviu depoimentos semelhantes. No tráfico, o escravizado perdia sua mãe, o que significava “ser privado de família, etnia, país e identidade. Perder a mãe era esquecer o passado”. Esse passado continua sendo carregado porque os descendentes de escravizados sofrem com a filiação desconhecida, o anonimato dos ancestrais; e porque, simplesmente, o passado não passou. “A subordinação racial, o encarceramento, o empobrecimento, a cidadania de segunda classe: este é o legado da escravidão que ainda nos atormenta” (HARTMAN, 2002, p. 761-62, 766).

A literatura escrita por mulheres negras desde os anos 1960, sem buscar um retorno literal e impossível a uma África de origem, com frequência examina e reescreve a história da diáspora nas Américas, valorizando heranças culturais africanas, a consciência e o orgulho da identidade negra. Admiradora da força mental e da coragem narrativa dos primeiros escritos negros na América – os relatos dos próprios escravizados nas chamadas slave narratives, Morrison (1983, p. 427) enfatiza que “o povo negro tem uma história e essa história deve ser ouvida” com toda sua carga de sofrimento, imaginação, oralidade e ancestralidade. Ela procura criar uma literatura Black nessa linha e, por isso, gostaria de ser compreendida dentro da cultura em que se inseria e sobre a qual escrevia, e não de não ser avaliada segundo paradigmas alheios e europeus (MORRISON, 1984, p. 342-43). Em sua visão, o escritor não é uma figura superior e isolada em torre de marfim; ao contrário, sua voz sai de dentro da comunidade e, sendo “um deles”, pode conseguir do público leitor “uma resposta visceral, emocional, além de intelectual”. Longe da crítica que privilegia “o artista como o indivíduo supremo”, sempre “em confronto com sua própria sociedade”, Morrison (1984, p. 343-345) se identifica com o escritor que pressupõe “nós” ao narrar: “Não estou interessada em me entregar a um exercício de imaginação particular, fechado, voltado apenas para meus sonhos pessoais”. E sobre o que a literatura deveria falar, a resposta é taxativa: “Se não for sobre a vila, a comunidade, ou sobre você, leitor, então não é sobre nada”. E mesmo que “político” seja um “termo pejorativo para a crítica”, ela defende que a arte seja “indiscutivelmente política e, ao mesmo tempo, definitivamente bela”.

Ancestralidade, a escrita de si e de nós...

Expressas há quase quarenta anos, as ideias de Toni Morrison sobre sua própria escrita e filiação permanecem atuais e sintonizadas com elaborações recentes de Conceição Evaristo sobre seu conceito de “escrevivência”, criado a partir do lugar de enunciação de uma mulher negra no Brasil. Evaristo afirma que sua escrita, como a de outras autoras em nosso país, fala da sua experiência e também das condições afro-diaspóricas, reconhecendo “semelhanças históricas com escritoras afro-americanas e afro-cubanas”.14 Ao visitar a Escola Municipal Morro da Cruz, na cidade de Porto Alegre, como parte de projeto socioeducativo desenvolvido em 2018 pela Itaú Cultural (exatamente sobre “A escrevivência de Conceição Evaristo”), a escritora ficou surpreendida e feliz ao encontrar alunos e ouvir a definição do pequeno Vitor Eduardo Severo da Silva, de apenas seis anos. Quando ela perguntou a sua turma o que significava “escrevivência”, o menino respondeu: “É escrever de nós” – ou melhor, “ di nóis”, do jeito que fala o povo, relembrou Conceição (EVARISTO, 2021).

Como bem observou o pequeno leitor, a escrevivência integra o eu que escreve com os leitores e a comunidade. Para bem compreender a literatura negra de hoje, ressalta a escritora, faz-se necessária uma renovação crítica com “novas formas de ler e novos aparatos teóricos” desvinculados de matrizes eurocêntricas. Sendo assim, “a escrevivência poderia ser pensada como ‘escrita de si’”, conceito influente estabelecido pelo francês Philippe Lejeune (2008), mas elaborada “por um outro caminho”. O texto negro não se esgota no indivíduo, “sua vida e suas angústias”; ele aborda uma “experiência pessoal” que se amplia com o pensamento “na coletividade”. Para Conceição, “a escrevivência não deve ser tomada como espelho de Narciso, em que o sujeito se contempla e se perde na própria imagem”. Ela prefere “metaforizar dentro da cultura afroamericana” e pensar “no espelho de Oxum, orixá feminino, onde o sujeito negro percebe sua potencialidade, mas não se perde em si mesmo, ou no espelho de Iemanjá, que é o espelho de todos, da comunidade”. Assim, em Conceição e na literatura feminina negra das Américas há uma “escrita de nós” na qual o sujeito “se potencializa para reconhecer o outro”, os espelhos ampliam a percepção e reiteram o princípio das culturas bantu, “eu sou porque tu és” (EVARISTO, 2021)15 .

14 Evaristo vê ligações entre o Quarto de despejo de Carolina de Jesus e seu Becos da memória ; entre Sula , de Toni Morrison, Eu sei por que o pássaro canta na gaiola , de Maya Angelou, e Ponciá Vicêncio ; e entre as protagonistas em A cor da ternura , de Geni Guimarães, O olho mais azul , de Morrison, e Cartas para Minha Mãe, de Teresa Cárdenas.

Reconhecimentos, legados e ramificações diaspóricas

Interligando escritas e pensamentos sobre filiação, ancestralidade e diáspora, este trabalho presta uma homenagem especial a Toni Morrison (1931-2019) e Paule Marshall (1929-2019), duas grandes escritoras dos Estados Unidos que se sobressaíram na destacada geração dos anos 1970-1980 e que tive a honra de conhecer, ouvir, admirar e depois analisar em minha tese de doutorado (COSER, 1995). Reconhecidas também por sua generosidade e discrição, marcaram muitas décadas e iluminaram as experiências de mulheres afro-americanas não só na escrita ficcional, mas também na reflexão teórica sobre cultura e literatura a partir de sua própria vivência e lugar. No mês de agosto de 2019 o mundo literário foi surpreendido com a morte das duas escritoras: Morrison faleceu no dia 5 em Nova York, aos 88 anos, e Paule Marshall no dia 12, em Richmond, Virginia, aos 90 anos. Na última página de seu livro de contos Krik?Krak! (1996, p. 227), a escritora Edwidge Danticat, de origem haitiana, já tinha registrado um agradecimento a Paule Marshall, que Danticat considera “the greatest kitchen poet of all”[“a maior de todas as poetas na cozinha”], aludindo ao texto de Marshall “From the Poets in the Kitchen”, que muito a impressionara e influenciara. Em 2019, Danticat dedica o belo ensaio “The ancestral blessings of Toni Morrison and Paule Marshall” a suas amadas precursoras, lembrando tanto da afirmativa de Morrison de que ancestrais “não são só os pais, são aquelas pessoas eternas”, quanto da “devoção escancarada” que Marshall tinha a seus ancestrais. Integrante de uma nova geração e de um novo boom de escritoras nos Estados Unidos (agora constituído por imigrantes de cor), Edwidge Danticat (2019) declara: “Ler Paule Marshall e Toni Morrison me deu a sensação de expandir minha consciência da linhagem cultural”. Sente-se abençoada por ter tido a oportunidade de conviver com ambas, criar laços, aprender com o apoio e a generosidade delas, e ser “uma espécie de representante de todos os seus admiradores mais jovens, particularmente os que gostavam tanto da pessoa, quanto da obra”.

15 “Na língua bantu, ubuntu exprime a consciência da relação [...] indivíduo e comunidade – eu sou porque tu és – e inspirou Mandela na sua política de reconciliação nacional e de construção da paz”. Sem “abdicar de si”, “ promover o autoconhecimento, a confiança e uma resiliência [...] que leve à empatia com os outros” (LABORINHO, 2019).

Ancestralidade, a escrita de si e de nós...

Foi assim que Morrison e Marshall se juntaram a seus ancestrais e precursores em 2019, tornando-se também ancestrais e ‘mães’ inspiradoras de outras escritoras. Conceição Evaristo, por exemplo, antecipou sua homenagem a Toni Morrison ao incluí-la, junto com a cantora Nina Simone, entre as rainhas negras veneradas no conto “Regina Anastácia”, em Insubmissas lágrimas (2011, p. 106-7), que incluem desde a Rainha Anastácia até Mãe Menininha do Gantois, Clementina de Jesus, Ruth de Souza e tantas outras, deste e do outro lado do Atlântico. Djamila Ribeiro relata o tipo de influência que ela e outras escritoras receberam de Morrison:

Como mulher negra, acho que ela nos impulsiona ao dizer que a gente tem que contar as histórias que ainda não foram ditas. A quebra do silêncio é algo que percorre a obra de muitas mulheres negras e a Toni contribui para isso de uma maneira muito profunda, que inspira a gente a ter coragem de contar nossas próprias histórias” (apud LIMA, 2019).

Na percepção de Jarid Arraes, a escrita de Morrison é “um encontro de estética e política – inseparáveis”, e seus livros escondem tesouros inesgotáveis: “A transformação que eles nos proporcionam é duradoura, quem sabe definitiva, quem sabe uma porta aberta para um caminho que vai muito longe e podemos escolher continuar caminhando” (apud LIMA, 2019). Para a jovem escritora e jornalista Fernanda Bastos (2019), ler Morrison “foi semelhante ao descobrimento de um novo mundo. Era a primeira vez que eu via o meu universo retratado na literatura”. A jornalista Carol Almeida (2016), por sua vez, escuta ancestralidade até na voz de Toni Morrison: “Há uma ternura ancestral no grave de sua voz, como se sua fala, de uma austeridade estranhamente doce, carregasse a soma do canto de alegria e dor de todas as mulheres negras que vieram antes”.

As obras de Morrison e de Marshall permanecem como marcos na literatura das Américas, uma arte associada à história da diáspora africana e seus legados culturais, escrita “de si” e de nós todos. Nas últimas décadas o Brasil passa por uma intensificação de trocas interamericanas no movimento negro, em análises acadêmicas e produções artístico-literárias – particularmente de mulheres negras. Em eventos e encontros, traduções e publicações em editoras pequenas e grandes, há um grande compartilhar de experiências e produções entre Brasil e Estados Unidos. Ativistas, escritoras, historiadoras, sociólogas e filósofas que abriram caminho por lá e ergueram bandeiras do feminismo negro, associando as lutas contra o sexismo, racismo e preconceitos de classe, alcançam ressonância na efervescência do movimento feminista e outros grupos organizados no Brasil do século XXI. Com grande visibilidade e traduções de quase todos os seus livros, Toni Morrison afinal alcança o reconhecimento longamente boicotado por grande parte do jornalismo e da crítica acadêmica. Também publicadas e estudadas por aqui, Audre Lorde, Angela Davis, bell hooks, Alice Walker e Patricia Hill Collins nos estimulam a valorizar e reeditar precursoras nacionais como Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento e Carolina de Jesus. Que sejam traduzidas outras como Paule Marshall, Ntozake Shange, Gayl Jones e tantas mais, ampliando redes transversais de fertilização mútua. São principalmente as jovens ativistas e colegas escritoras que hoje abraçam, ensinam e/ou traduzem a literatura e a crítica cultural de autoria feminina-negra dos Estados Unidos, descartando as barreiras políticas ou ideológicas anteriormente erguidas no Brasil. Em termos pessoais, sociais, literários e políticos, elas buscam voz e fortalecimento ao mesmo tempo que aprofundam laços com a história coletiva. Neste estudo das relações da escrita com a genealogia e as heranças culturais, o diálogo das histórias de Paule Marshall e Toni Morrison com a escrevivência de Conceição Evaristo revela a força das raízes africanas, a solidariedade entre mulheres diaspóricas, a memória e a ancestralidade entranhadas no relato ficcional. Junto à potência do eu, na fertilidade de seus escritos, destaca-se a história coletiva em repetidas denúncias e elaborações sobre o doloroso legado colonial que continua a assombrar as Américas.

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