A NATUREZA DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO
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Em nossa vida cotidiana estamos sempre envolvidos com uma grande quantidade de elementos intimamente relacionados com a ciência. Você já imaginou como seria a sua vida sem os aparelhos e dispositivos que utiliza no dia a dia? Certamente a vida seria mais complicada, ainda que não fosse impossível. Contudo, é provável que você diga: “Mas essas coisas não são sobre ciência, são sobre tecnologia”. Sim, a tecnologia está sem dúvida presente nisso tudo, porém, sem o conhecimento científico, dificilmente teríamos o avanço tecnológico que alcançamos. Foram os primeiros cientistas modernos – nos séculos XVI e XVII, eles eram chamados de “filósofos naturais” – que mudaram completamente nosso modo de ver o mundo natural e nele interferir. Francis Bacon (1561-1626), por exemplo, afirmava que ciência é poder. Para ele, a ciência permitiria o domínio da natureza em prol da humanidade. Isso significa que, por intermédio do conhecimento científico, a natureza poderia ser controlada e transformada a fim de servir ao ser humano. Será que a ciência tem conseguido cumprir esse papel no mundo contemporâneo? Em um livro intitulado Explicações científicas, Leônidas Hegenberg descreve uma situação que nos ajuda a compreender nossa vontade natural de conhecer e interpretar o mundo que nos rodeia: O homem, como o animal, está cercado pelas coisas. Está numa circunstância, isto que o rodeia, o primariamente dado. Todavia, enquanto o animal se submete à natureza, o homem aprendeu a discernir, no que o cerca, aquilo que lhe causa mágoa e terror daquilo que lhe agrada e é útil. Aprendeu a usar os objetos para adaptar-se à circunstância ou para modificá-la, tornando-a mais acolhedora e agradável. [...] O homem altera o meio, dá-lhe contornos e organização, transformando-o em mundo, local em que pode viver com maior facilidade, porque muitas coisas já não são misteriosas, mas úteis ou inúteis, atraentes ou repugnantes.
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HEGENBERG, Leônidas. Explicações científicas: introdução à filosofia da ciência. São Paulo: EPU, 1973. p. 22.
Hegenberg fala de um traço muito característico do ser humano: a capacidade de interpretar os fenômenos que nos rodeiam e, além disso, modificar e adaptar o mundo segundo nossas necessidades. Ainda que alguns animais pareçam ser capazes de algo parecido – pense, por exemplo, na organização das abelhas ou na habilidade do joão-de-barro em construir sua casa –, não parece haver nenhuma dúvida de que nossa capacidade de intervir no mundo é, de longe, muito maior. Nesse sentido, as intervenções são baseadas em interpretações que fazemos do mundo, que, por sua vez, estão relacionadas com certas crenças. Quando saímos de casa, contamos com a existência da rua, das árvores que encontramos ao caminhar até determinado local, com o inevitável acidente, caso tropecemos em uma pedra no caminho, entre tantas outras coisas. Ao contarmos com tudo isso, estamos, na verdade, assumindo crenças e, muitas delas, dizem respeito a uma relação bastante presente na ciência: a relação de causa e efeito. Essa relação é um dos fundamentos do conhecimento científico. Assim, se ignoramos as causas de certos efeitos, não podemos dizer que realmente os conhecemos e, mais ainda, somos incapazes de intervir no mundo natural.
Livro de Leônidas Hegenberg (1925-2012), organizado
por seu filho, em 2008. Leônidas era formado em Física, Matemática e Filosofia, foi professor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e colaborou com outras importantes instituições de ensino e pesquisa. Dedicou-se principalmente à Lógica e à Filosofia da Ciência.
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CAPÍTULO 1