Imagina-se, às vezes, que o mundo científico é um mundo à parte: os cientistas trabalham em harmonia, cada qual acrescentando uma pedra ao edifício inacabado dos predecessores. Essa imagem ingênua de uma ciência feita por homens desinteressados, apartados da política, da filosofia ou da religião, ainda subsiste em muitos espíritos. [...] Esses clichês estão bem distantes da realidade. Em primeiro lugar, os cientistas são um produto de sua época, das condições materiais, das ideias que nela reinavam – mesmo que seu desempenho individual tenha sido imenso e que tenham existido muitos visionários. Como podemos perceber, cientistas não vivem fora da sociedade e tampouco têm os olhos e ouvidos fechados para os problemas que enfrentamos. Na verdade, eles atuam socialmente e são influenciados pela sociedade em que estão inseridos. Diante da afirmação acima, não parece um equívoco destacar que a ciência tem um impacto não somente em nossas visões de mundo, mas também no próprio mundo que habitamos. Isso não quer dizer apenas que, por meio da ciência, avanços técnicos e tecnológicos são parte inseparável de nossa vida cotidiana. Mais do que isso, e aqui passamos a outra dimensão de nosso estudo, esse impacto diz respeito às transformações que impomos ao mundo e a nós mesmos. Para começarmos a falar desse assunto, é preciso compreender que todo conhecimento científico terá, em algum momento, impacPARE e PENSE tos sociais, políticos e econômicos, os quais podem ser positivos ou negativos – isso depende do uso ou da aplicação que fazemos do • Explique, com suas palavras, conhecimento científico. O que não quer dizer que a ciência seja algo por que a ciência pode ser negativo. Pelo contrário, ela trouxe e continua a trazer avanços imporcomparada com a montagem tantes. Contudo, é preciso pensar sobre a aplicação desses conhecide um quebra-cabeça. mentos e ter em mente que todos os seres humanos devem usufruir dos produtos gerados por ela.
Freepik
SIMAAN, Arikan; FONTAINE, Joëlle. A imagem do mundo: dos babilônios a Newton. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 12.
Quando falamos em produzir conhecimento científico, é importante levar em conta as condições ideais para que a ciência se desenvolva. Se você pensou em investimento, pensou certo. Mas todo dinheiro aplicado na ciência deve interferir no conhecimento que ela produz? Seria correta, por exemplo, a interferência de uma empresa ou de uma fundação estatal de apoio à pesquisa científica na condução dos experimentos relativos a uma teoria, impondo valores ideológicos, políticos ou de ordem externa aos critérios racionais de investigação científica? Ao refletirmos sobre essas questões, encontramo-nos diante de um conceito importante: autonomia. Hugh Lacey, filósofo que se dedica ao estudo das relações entre ciência e ética, afirma que, ao refletirmos sobre a ciência, devemos considerar alguns elementos importantes, desde a criação e o teste de teorias à aplicação delas. Há um conceito que tem implicações nos três princípios sustentados por Lacey, quando se trata da ciência e de sua aplicação. Esse conceito chama-se “valor”. O que é um valor? Ele pode ser entendido como um bem que uma pessoa almeja, como felicidade e liberdade. No entanto, um valor pode ser também um padrão que nos permite avaliar o comportamento humano. Assim, honestidade e justiça, por exemplo, são valores. Para a Hugh Lacey. Professor e pesquisador do Swarthmore College, ciência, o uso de critérios racionais, apoiados em hipóé autor de uma série de livros e artigos que tratam de questões teses bem elaboradas, assim como em experimentos e atuais da ciência, principalmente as que envolvem ciência e ética. observações, pode ser considerado um valor. Foto de 2013. O MUNDO DA CIÊNCIA E A CIÊNCIA NO MUNDO
Sandra Codo/IEA-USP.
CIÊNCIA, CONTEXTO SOCIAL E TECNOLOGIA
19