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NAS TRILHAS DO LETRAMENTO: UMA EXPERIÊNCIA DE RELEITURA DE POEMAS EM CIRCULAÇÃO NO ESPAÇO ESCOLAR .............................................................................................. Dalielson Mendes Moreira

NAS TRILHAS DO LETRAMENTO: UMA EXPERIÊNCIA DE RELEITURA DE POEMAS EM CIRCULAÇÃO NO ESPAÇO ESCOLAR

Dalielson Mendes Moreira1

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RESUMO

Este relato propõe uma reflexão acerca de uma atividade desenvolvida com alunos do sexto ano do Ensino fundamental de uma escola da periferia de Belém. À luz das discussões sobre as diferentes práticas de letramento, foi feita uma proposta de releitura de poema com o objetivo de proporcionar aos alunos um momento significativo de escrita que ultrapassasse os limites da sala de aula. A atividade foi desenvolvida em dois meses e dividida em sete etapas destinadas à produção, leitura e reescrita de poema além da divulgação dessa produção para a comunidade escolar. Aos alunos foi dado um poema sobre o tema “ser estudante”, a partir do qual eles escreveram seus poemas, deixando marcas individuais no conteúdo e na forma. Essa escrita culminou na produção de um livreto, disponibilizado para a comunidade escolar, e revelou desafios e aprendizados que as intervenções didáticas podem oferecer para alunos e professores em momentos de interação em sala de aula.

Palavras-chave: Letramento. Escrita. Poema. Livreto.

1. INTRODUÇÃO

Estudos apontam o quão difícil tem sido a apropriação das habilidades de leitura e escrita pelos alunos das escolas brasileiras. Monterani (2013), ao retomar os estudos de Kleiman (2007), é enfática ao afirmar que “o padrão de ensino que as instituições escolares apresentam mostra-se ineficiente para o âmbito social”. Essa dificuldade tem se mostrado ainda mais acentuada nas escolas públicas, as quais estão imersas em um contexto social de menor oferta e acesso a bens culturais indispensáveis para a formação do indivíduo. O letramento como perspectiva de ensino emerge, nesse contexto, como possibilidade mais efetiva de inserir o aluno no mundo reflexivo da leitura e da escrita de modo a oferecer-lhes caminhos possíveis de uso consciente da língua. Alfabetizar, isso já é consenso, não tem sido suficiente, é preciso letrar. “A tarefa de alfabetizar letrando significa dar subsídios aos alunos para que estejam preparados para usar vários tipos de linguagem em qualquer tipo de situação” (JUSTO & RUBIO, 2013, p.5). Com isso, a escola consegue se aproximar mais de seus objetivos reais, pois não apenas promove o domínio do código – que seria alfabetizar – mas busca inserir o aluno no seu campo de maior familiaridade, identificando no e por meio do alfabeto, situações reais de comunicação sobre as quais possa refletir. Dessa forma, realiza “uma escolarização real e efetiva, desenvolvendo nos alunos um conjunto de habilidades e comportamentos de leitura e escrita que lhes permitam fazer uso, de forma mais eficiente, das capacidades técnicas de leitura e de escrita” (JUSTO & RUBIO, 2013, p. 5).

1 Especialista em Estudos linguísticos e análise literária. Atualmente, professor efetivo da Secretaria Estadual de Educação do Pará, em atividade na escola Cruzeiro do Sul, trabalhando com alunos do 6º e 7º anos do Ensino Fundamental. Contato: dalielson.moreira@escola.seduc.pa.gov.br

A experiência que trago aqui busca caminhar nessa perspectiva. Com a antecipação de que as tarefas descritas, passíveis de inúmeros ajustes, não são exemplos prontos a serem aplicáveis ipsis litteris, mas constituem oportunidades reflexivas muito valiosas que podem, sim, servir de caminho para ações semelhantes em outras situações didáticas. É, na verdade, um recorte de uma série de ações de letramento implementadas na escola em que atuo, as quais buscam o envolvimento de toda a comunidade escolar em um projeto maior denominado “Biblioteca Itinerante”, idealizado pela professora Lena Araújo também da disciplina Língua Portuguesa das turmas de oitavo e nono ano. Nesse projeto, além dos estímulos e facilitações de acesso a livros da minibiblioteca escolar, por meio de rodas de leitura e empréstimos, por exemplo, os alunos tem a oportunidade de realizar exposições bimestrais, inseridas já no calendário escolar, resultantes dessas experiências com a leitura. Nesse sentido, propus aos alunos a construção de um livreto composto por releituras de um poema escrito sobre o tema “Ser estudante é”. A proposta surgiu da necessidade (e mediante a oportunidade) de divulgação das experiências de leitura e escrita de três turmas do 6º ano do ensino fundamental, do turno da tarde, da escola Cruzeiro do Sul. O espaço aberto em um projeto já estruturado na escola foi uma excelente oportunidade, aproveitada para a socialização do trabalho com toda a comunidade escolar. A ação foi pensada com o intuito de levar os alunos à prática significativa da escrita, mediante a produção de poema, de modo a mostrarem suas percepções acerca de como se veem como estudantes, o que pensam a esse respeito e de que forma conseguem externar essa percepção por meio da escrita literária.

2. PERCURSO METODOLÓGICO

A escola Cruzeiro do Sul está localizada em uma região periférica da cidade de Belém e, como é a realidade das escolas públicas das periferias das capitais brasileiras, apresenta uma série de desafios que vão desde a infraestrutura até a pouca participação dos pais no acompanhamento escolar dos alunos, por exemplo. Estes, embora inseridos no universo da escrita nas suas múltiplas vivências sociais de letramento, não são expostos, fora do contexto escolar, à escrita literária de forma tão acentuada. Essa realidade reforça a necessidade de oferta na escola de oportunidades de contato com essa experiência de leitura para esses estudantes. O projeto “biblioteca Itinerante” vem ao encontro dessa necessidade. A atividade aqui apresentada faz parte das iniciativas guiadas pelo projeto. Desse modo, leitura, escuta e análise de poemas fazem parte das aulas de Língua Portuguesa e, claro, outros gêneros literários estão no percurso das aulas também. Não estão sendo apresentados nessa atividade os procedimentos didáticos do gênero poema a respeito, por exemplo, dos aspectos técnicos de produção como versificação, estrofe, seleção, métrica, rimas entre outros. Apresenta-se nesse relato uma atividade pontual de escrita de poemas com versos livres. A atividade foi organizada em sete momentos, que vão desde a

apresentação da proposta de trabalho aos alunos até a apresentação dos trabalhos deles em evento realizado na escola.

1ª etapa: Sabendo da peculiaridade que envolve a produção do gênero poema, mediante relatos deles que afirmavam, por exemplo, “não saberem escrever poemas”, para esse momento, sugeri um texto de referência no qual pudessem se basear. Pesquisas têm mostrado que uma das formas de apropriação de um gênero é a exposição/o contato com ele e, acima de tudo, o correto esclarecimento sobre as múltiplas situações de produção e de circulação dos gêneros discursivos. Nesse sentido, LOPES-ROSSI, por exemplo, argumenta:

Para o aluno ser capaz de agir como um sujeito ativo na produção de textos, no sentido de perceber as condições de produção e de circulação dos gêneros e de saber utilizar os recursos expressivos possíveis e necessários a cada caso, é preciso que tenha sua competência comunicativa desenvolvida (LOPES-ROSSI, 2002, p. 6).

O desenvolvimento dessa competência comunicativa não ocorre de uma hora para outra. É um trabalho contínuo em que as orientações do professor tendem a se tornar menos necessárias à medida que os alunos vão ganhando autonomia ao se apropriarem das condições de produção textual do gênero em estudo. Como os alunos sinalizavam ainda não ter esse domínio, foi selecionado o poema “Ser estudante”, coletado do microblog Agarra as palavras2 . A escolha desse poema foi feita pelo fato de o seu conteúdo se ajustar com grande propriedade ao objetivo pretendido para a atividade, além disso, poderia servir de suporte/referência durante a escrita dos alunos. Eis o poema escolhido:

Em um primeiro momento foi feita a leitura do poema. Os alunos puderam expor o que, para eles, significava ser estudante. Alguns aproveitaram a oportunidade para externar suas percepções de forma mais séria; outros, não deram muita importância, ironizaram, dizendo por exemplo, que ser estudante é “perder tempo”. Após descobrirem que o trabalho com esse poema resultaria na publicação de um livro a ser disponibilizado para a comunidade escolar, alguns

Ser Estudante

Ser estudante é Ser criativo, buscar o infinito, e estar feliz com isso. Ser estudante é pensar o futuro, transformar o mundo. Ser estudante é ter alegria, ficar de bem com a vida, trabalhar em harmonia. Enfim, ser estudante é viver em paz, buscando o algo mais, sem medo de errar, tentando melhorar. [Autor não identificado]

alunos imediatamente disseram não ter interesse. Disseram que não iam participar. Mesmo assim, todos foram orientados e motivados a participarem, uma vez que estavam envolvidas etapas de leitura e escrita e que, independente de publicação, seria importante participarem. Nesse primeiro momento, foram também feitas indagações a respeito do conteúdo do poema, sobre as impressões sugeridas pelo autor entre outras referentes ao fazer poético, objeto de reflexão em aulas anteriores.

2ª etapa: Os alunos deveriam produzir um novo poema, tendo como mote o já apresentado na aula, expondo suas impressões a respeito do que seria, na concepção deles, ser estudante. Foram orientados a manterem a estrutura do poema de referência (a ideia é que já tivessem uma base de estrutura a menos com a qual se preocupar), mas que poderiam mudar caso quisessem. Poderiam inserir rimas, usar sinônimos, dar outro título ao poema, entre outras ações. A orientação principal era que a temática fosse preservada, já que era um dos objetivos da atividade buscar essa percepção do que é ser estudante. A respeito desse momento cabe uma reflexão, o fato de ter sido dado apenas um texto como referência direcionou a produção dos alunos para um único modelo, ainda que eles já tivessem tido contato com outros textos de autores consagrados em aulas anteriores. Faltou, nesse momento específico, maior diversidade. Avalio que isso limitou as possibilidades de criação dos alunos. A maioria deles se limitou apenas a substituir palavras. Não desprezando o valor que essa estratégia tem, mas muitos textos não avançaram do texto original, de base, o que seria possível observar talvez se não tivesse sido dado a eles um modelo de texto.

3ª etapa: A terceira etapa foi dedicada à troca dos textos entre eles (da turma). A ideia era justamente, torná-los leitores reais dos poemas deles mesmos e realizar uma “avaliação horizontal” (Antunes, 2006). Esse momento, porém, precisou de intervenção bastante incisiva de minha parte, enquanto professor, uma vez que alguns alunos fizeram comentários pejorativos a respeito da produção de colegas. Ao pedir a eles que trocassem os textos entre eles, quão desagradáveis esses comentários, até mesmo depreciativos para com a escrita dos colegas, o que me levou também a refletir sobre os impactos das minhas escolhas naquele momento. Certamente esse episódio aconteceu porque não ficaram claras, para eles, as instruções; não ficou clara a postura de leitor; não ficou claro o respeito pela autoria do colega nem as convenções sociais que dizem respeito ao próprio uso da linguagem nesse momento/contexto. Reflexões assim são importantes, porque nos fazem aperfeiçoar essas ações. Uma fala que eu, professor, seria incapaz de reproduzir ao apreciar um texto de meu aluno, o colega de sala pode fazê-la e isso ser tão ou mais agressivo quanto seria a fala dita por mim.

Outra situação me chamou a atenção. Os alunos que não produziram os poemas sugeridos reclamaram por não terem textos para socializar. Surgiu um caso de um aluno que aproveitou o momento para escrever seu texto, mesmo às pressas, para poder realizar a troca com um colega. Nesse momento já foi possível notar como a mudança de leitor influencia no exercício da autoria. Como o professor seria o leitor, o aluno não viu importância na escrita. Quando percebeu que o leitor seria outro e que, com o texto, participaria de uma interação dinâmica, isso já mudou a perspectiva de escritor do aluno. Nessa etapa da atividade, a ideia era justamente que um colega desse sugestões ao outro, que entre eles, houvesse essa troca. Em caso de aceite dessas sugestões, poderiam reescrever, ajustar, obedecendo sempre, enfatizado desde o início, a singularidade de cada autor. Foi um momento rico.

4ª etapa: Reescrita. Nesse momento após recolhidos os textos e lidos (foram três semanas), devolvi os poemas para os alunos. Foram feitas observações com sugestões para o aprimoramento, levando em consideração aspectos de caráter linguístico, como acentuação e ortografia, por exemplo. Não houve interferência em aspectos como a seleção vocabular ou outros que dizem respeito à liberdade poética dos autores. A respeito da destinação de tempo para essa tarefa, também é importante refletir: poucos foram os momentos de reescrita, os alunos tiveram apenas dois momentos específicos destinados a essa ação. Entretanto, conhecemos a importância e a grandeza dessas etapas quando bem orientadas. Afinal, “se tomarmos a produção escrita como um processo e não só como o produto final, temos de levar em consideração as atividades de revisão, de releitura e de reescrita, que são necessárias para chegarmos ao resultado final desejado” (OLP, 2016). Avalio que deveriam ter sido reservados outros momentos para essa atividade, quando seria possível destacar outros aspectos a serem inseridos na revisão e na reescrita feitas por eles. Aos alunos foi dada metade de uma folha A4, a qual levaram para casa, onde iriam, considerando as sugestões dadas em sala de aula, fazer a reescrita do texto, para devolver no encontro seguinte. A ideia era padronizar o tamanho dos textos para a impressão, por isso foi dado espaço semelhante a meia folha apenas. Essa estratégia porém é preciso repensar nesse tipo de atividade. Na produção de poema de versos livres, por exemplo, é comum a escrita fluir e os textos serem longos. Ao limitar o tamanho do papel disponível para os alunos, esse princípio já pode estar comprometido. Portanto, uma orientação que deve certamente ser revista em nossas ações.

Além disso, os alunos foram orientados a não amassarem a folha de papel com o texto já reescrito. Orientei, ainda, que socializassem o poema com familiares antes de passarem para a folha definitiva, como outra forma de socialização e, consequente expansão de leitores. Alguns alunos infelizmente não devolveram os textos após esse intervalo.

5ª etapa:

Ilustração do poema. Esse momento foi pensado, justamente como forma de envolver a participação de alunos que estavam relutantes a participarem por, segundo eles, não conseguirem produzir o poema. Após devolvido o trabalho reescrito, os alunos iriam fazer uma ilustração simples, que tivesse relação com o conteúdo do poema - utilização da linguagem visual- e/ou expressassem a visão do autores sobre a temática. Poderiam trabalhar a personalização das margens entre outras ideias. Foi dada uma folha de rascunho de tamanho semelhante. Nesse momento também, para toda a turma, foi sugerida uma ilustração para a capa do livro. Em uma das turmas, havia duas alunas com grande habilidade para o desenho, as quais imediatamente foram apontadas pelos colegas como referência para produzirem a capa do livro. O comportamento recebeu minha negativa, afirmando que todos estavam com a oportunidade de produzir e depois haveria um momento em que eles escolheriam uma ilustração representativa. A mesma orientação foi dada para as três turmas. Mas poucos alunos se interessaram em se “arriscar” nessa tarefa. Eu acredito que isso, na visão deles, de repente tenha insinuado grande responsabilidade para alguém que não tem tanta habilidade para o desenho. Mas foi interessante observar que entre eles, eles conseguem reconhecer as habilidades de cada colega. Está nesse episódio a necessidade de diversificar as atividades de sala de aula, como forma de oportunizar a todos os alunos a chance de expor sua habilidade, seu ato criativo. Quando o professor se limita a conduzir/repetir as mesmas atividades, ele dificilmente vai conseguir alcançar todos os alunos.

Imagem 1: produção de aluno Imagem 2: produção de aluno

Fonte: arquivo pessoal do projeto

6ª etapa:

Seleção das ilustrações para a capa e para a contracapa. Como não houve muita produção, em média foram devolvidas umas dez ilustrações apenas. E, de fato, os alunos terminaram por escolher a ilustração das alunas sinalizadas na etapa anterior.

Fonte: arquivo pessoal do projeto

7ª etapa:

Edição. Esse momento, apesar de muito enriquecedor para os alunos, precisou ficar sob minha responsabilidade, devido à ausência, por exemplo, de um laboratório de informática na escola onde os alunos pudessem fazer digitalizações ou digitação dos trabalhos. Optei por digitalizar as produções para manter traços de autoria, como a personalização e estilo de letra. Levei a tarefa para casa, foram horas e horas, várias impressões incorretas, papel perdido, de fato um trabalho exaustivo. Após a matriz impressa, levei para a escola, onde finalmente foram reproduzidos vários exemplares a serem disponibilizados para a apreciação dos alunos-autores e, em seguida, expostos no evento da escola para toda a comunidade. Alguns poemas, entretanto, não puderam ser incluídos, pois a imagem não favoreceu a qualidade de impressão (alguns alunos haviam usado lápis, outros usaram canetas coloridas para destacar algumas palavras e, no momento da impressão, a imagem não ficou nítida). Quando os autores tiveram contato com a primeira versão do livro impresso, eles ficaram maravilhados. Os alunos que não produziram os trabalhos ficaram visivelmente decepcionados com o fato de não encontrarem os textos no volume. Porém, como o processo de diagramação do livro demorou muito, não havia mais tempo para a inserção de novos textos – em virtude de o evento em que seriam publicados já estar próximo. Percebi naquele momento uma experiência da escrita significativa. Como suas produções iam além da leitura do professor, os alunos deram mais sentido. O livro estaria exposto para a escola toda, os colegas poderiam emprestar. Esses e outros fatores estão diretamente ligados ao envolvimento dos alunos com a escrita. A esse respeito salienta Antunes:

Os textos que escrevemos, na sua grande generalidade, são textos que circularão socialmente, que terão outros leitores e cumprem, assim, determinada função social. Todo texto é escrito em função de um “para quê” qualquer e, naturalmente envolve um outro ou outros sujeitos[...] Os textos têm, assim, seus possíveis leitores, outros avaliadores, os quais não podem estar ausentes na hora em que o texto está sendo gerado e ganhando corpo (Antunes, 2006, p. 168).

Esses possíveis leitores, que podem ser seus colegas, inspiram atenções distintas daquelas motivadas pela figura do professor na construção de um poema ou de qualquer outro gênero. Em um texto que provavelmente vai circular no espaço fora da sala de aula, a ausência do poema do aluno, pode significar, para ele, sua própria ausência naquele evento.

Os alunos que não tiveram texto inserido na edição, foram chamados para dialogar e entender o motivo da ausência, foram instruídos para a elaboração e inserção na próxima edição. Mas fica aqui o registro, é preciso garantir esse tempo, essa oportunidade para que todos participem, é preciso que eles percebam o sentido de escrever. Isso sempre será um fator que os impulsionará nessa caminhada.

3. ANÁLISE DE RESULTADOS: REVISITANDO O PROCESSO

As práticas de sala de aula nos trazem aprendizados constantes ao passo que nos permitem crescimento, se nos abrirmos para a percepção dos acertos, das possíveis mudanças de caminho ou tomadas de decisão que poderíamos realizar de forma diferente. A conclusão desse percurso descrito salientou algumas dessas possibilidades. O aluno que sinalizou lá no início que estudar é perda de tempo pode ser um fator desestimulante para um trabalho exaustivamente planejado; por outro lado, pode ser uma excelente oportunidade para um diálogo, para se buscar entender a razão de tanto “desprezo” pelo ato de estudar. Dessa situação talvez surja a aproximação de que aluno e professor tanto precisam. A mediação do professor, nesse caminho pouco fácil de leitura e escrita, é desafiadora, porém gratificante. “Ensinar a escrever é uma tarefa nobre e complexa que merece o maior dos reconhecimentos sociais” (OLP, 2016). E, de fato, somente no processo é possível perceber a dimensão dos desafios enfrentados, seja qual for o gênero de texto transposto para aquela experiência. Os desafios de escrita, como já sinalizados no início deste relato, são muitos. E dependendo da comunidade escolar na qual nossa prática se manifeste, esse desafio pode ser ainda maior. O cuidado que precisamos ter no momento da leitura do texto deles, por exemplo, deve ser enorme. Há uma linha tênue que nos tira do papel de leitor e nos joga no papel de corretor. E se essa reflexão não fizer parte das nossas ações, corremos o risco de minimizar um trabalho tão maravilhoso pensado lá no início. O percurso das atividades me fez perceber isso também. O compartilhamento de texto tirou de alvo a correção, permitiu a apreciação de fato. Nesse momento em que os alunos fizeram a leitura dos textos, ocorreram intervenções minhas, como já explicado anteriormente, mas não direcionou a atenção do aluno para detalhes exclusivamente gramaticais. Há outras questões que podem enriquecer um trabalho como esse, a relação com outros colegas é uma delas. Nessa atividade, isso muito se deve ao tempo, não houve interação com professores de outras disciplinas. Seria essa uma oportunidade de trazer a colaboração dos professores de Artes, por exemplo, na construção das ilustrações, da mesma forma seria fundamental a participação de outros colegas, que poderiam colaborar no trabalho interdisciplinar dos alunos. Todos ganham com uma iniciativa assim; os alunos, pelo resultado de seus trabalhos e pela sua aprendizagem significativa; e o professor da turma, também porque expande sua aprendizagem e ainda pode dividir tarefas, o que torna o trabalho menos exaustivo e mais

prazeroso. Entretanto, tirando as questões aqui pontuadas, além das possivelmente levantadas por outras apreciações, o processo todo foi muito significativo. Gerou um movimento da escola como expectativa e surpresa de outras turmas. A apresentação no evento garantiu um tom diferenciado para os alunos. Os exemplares impressos foram inseridos entre os livros disponibilizados para empréstimos.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O êxito de uma proposta como essa, claro, depende muito da maneira como será conduzida e de como o espaço escolar pode fomentar, dando suporte ao trabalho. O apoio institucional nesse momento é fundamental. Trabalhar com a perspectiva do letramento implica uma mudança de comportamento de toda a comunidade escolar. O trabalho em sala de aula não pode ser mais isolado, precisa ocupar os espaços da escola, precisa agregar trabalhos já desenvolvidos por outros colegas professores. Precisa da participação familiar. Práticas de leitura e de escrita orientadas, para muitos alunos, só há na escola. Por isso a importância desses momentos. As ações aqui apresentadas podem ser melhor aperfeiçoadas, podem envolver outros agentes. É assim que se engrandece uma iniciativa. A circulação de textos dos alunos precisa sair da sala de aula. A escola, sendo um dos espaços formativos de vivência dos alunos, tem esse dever de partilhar essas experiências, mas fazendo isso de modo que os alunos se reconheçam, sintam-se sujeitos, para que entendam que ser estudante está muito além de estar em um banco de escola, ser estudante também é participar da vida pública como cidadão atuante, em constante formação.

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Irandé. Avaliação da produção textual no ensino médio. In: BUZEN, C.; MENDONÇA, M. Português no ensino médio e formação do professor. 3ª ed. São Paulo: Parábola, 2009, p.163-180.

JUSTO, Marcia; RUBIO, Juliana. Letramento: O uso da leitura e da escrita como prática social. Revista eletrônica Saberes da Educação. 2013. V.4, n.1.

LOPES-ROSSI, Maria A. G. O desenvolvimento de habilidades de leitura e de produção de textos a partir de gêneros discursivos. In: LOPES-ROSSI, Maria A. G. (Org.). Gêneros discursivos no ensino de leitura e produção de textos. Taubaté: Cabral, 2002. p. 19-40.

MONTERANI, G. N. O modelo ideológico de letramento e a concepção de escrita como trabalho: um paralelo. Acta Scientiarum. Language and Culture. Maringá, V-35. N. 2 p135-141.

Olimpíada de Língua portuguesa. Poetas da escola: caderno do professor: orientação para produção de textos [equipe de produção Anna Helena Altenfielder, Diego Grando, Melissa Fornari, Maria Alice Armelim]. São Paulo: Cenpec, 2016. (Coleção da Olimpíada).

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