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O QUE OS INFOGRÁFICOS DIZEM SOBRE O RACISMO NO BRASIL? .......................................... Renan do Socorro dos Santos Borges

RESUMO O QUE OS INFOGRÁFICOS DIZEM SOBRE O RACISMO NO BRASIL?

Renan do Socorro dos Santos Borges1

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Este relato apresenta uma prática pedagógica de leitura desenvolvida no âmbito do evento em alusão ao Dia Nacional da Consciência Negra, que ocorre todos os anos na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio José Maria de Moraes, em Barcarena-Pará.

Palavras-chave: Racismo. Infográfico. Consciência Negra. Leitura

INTRODUÇÃO

O Dia da Consciência Negra é celebrado no dia 20 de novembro. Esta data remete ao dia da morte de Zumbi dos Palmares – líder negro que lutou pela libertação dos escravos –, sendo inclusive feriado em centenas de cidades brasileiras. Nesse contexto, é importante citar a Lei 10.639, de 2003, que instituiu o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas públicas e particulares do Brasil ao mesmo tempo em que incluiu no calendário escolar o Dia Nacional da Consciência Negra. A Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio José Maria de Moraes oferece turmas do 7º ao 9º ano do ensino fundamental e turmas de 3ª e 4ª etapas da Educação de Jovens e Adultos (EJA) do ensino fundamental. Oferece também turmas do 1º ao 3º ano regular e turmas de 1ª e 2ª etapas da Educação de Jovens e Adultos (EJA) do ensino médio. Como componente da avaliação qualitativa desta instituição, todo bimestre ocorre um evento para apresentar temas como a Semana do meio-ambiente no primeiro bimestre; no segundo, ocorre a Festa Junina. Já no terceiro bimestre acontecem os Jogos internos da escola e no quarto bimestre o evento do Dia da Consciência Negra, em cuja programação ocorreu a atividade narrada neste relato. Todas as atividades levam em conta a participação, empenho e desempenho dos alunos. O tradicional evento do Dia Nacional da Consciência Negra na EEEFM José Maria de Moraes compõe não só o evento do dia 20 de novembro em cada um dos turnos, mas também outras atividades relacionadas à temática; ademais, é de responsabilidade dos professores da área de Ciências Humanas (incluindo-se aí os professores da grande área de Linguagens e suas Tecnologias). A Coordenação Pedagógica organiza os professores de cada turno em duplas para

1 Professor Classe I, nível A, Língua Portuguesa da Secretaria de Estado de Educação do Pará, lotado na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio “Cônego Batista Campos”, Barcarena-Pará. Especialista em Práticas de letramento e escrita para a educação básica pela UFPA.

ficarem responsáveis por cada uma das turmas e por um tema em particular para abordarem o assunto na turma e planejarem junto aos alunos uma apresentação para o dia 20. Ao final, os professores responsáveis se reúnem e avaliam cada um dos alunos de acordo com a participação, o empenho e o desempenho dos estudantes nas atividades em sala de aula e na apresentação final. Fiquei responsável pela única turma em que lecionava no colégio, 3º ano 01 da noite2 , juntando-me à professora Suely, de Sociologia, e ao professor Daniel, de Geografia, com o tema “Movimento Negro”. Obviamente, formamos um trio. Conversamos e, como eu me encontrava apenas uma vez na semana com a turma – as quatro aulas semanais de língua portuguesa aconteciam em um só dia –, eu apenas levaria algo a respeito do tema para abordar e os outros dois professores ficaram responsáveis por planejar o aspecto lúdico com a turma; e assim o fizeram. Decidi que levaria dados estatísticos.

1. DISCUSSÃO TEÓRICA

A atividade de leitura que narro aqui se baseia na estratégia que toma o foco na interação entre texto e leitor.

A concepção de leitura sob a perspectiva do texto constitui um modelo de processamento ascendente (“bottom-up”, em inglês [...]), isto é, um processamento que vai do texto para o leitor, como se ascendesse, considerando-se a posição do texto que normalmente está abaixo dos olhos (MENEGASSI; ANGELO, 2010, p. 17).

Já a Perspectiva do leitor

defende que o sentido é construído de modo descendente (em inglês, "top-down” [...]), isto é, vai do leitor ao texto, em uma visão inversa ao processamento ascendente. Desta forma, a obtenção do significado não se dá através de um procedimento linear, palavra por palavra, mas se dá sempre por força da contribuição do leitor, dos conhecimentos armazenados em sua memória, isto é, dos conhecimentos prévios (MENEGASSI; ANGELO, 2010, p. 21).

Logo, a Perspectiva a interação entre texto e leitor aproveita os aspectos básicos da leitura decodificadora e se utiliza dos conhecimentos do leitor para construir o significado do texto lido. Desse modo, a atividade propunha breve leitura compreensiva para construção de sentidos ao texto. Nessa perspectiva, procurei levar aos alunos a reflexão e a consciência a respeito da situação do negro no Brasil, em especial as práticas do que se convencionou chamar de racismo estrutural. Ou seja, pretendeu-se que os alunos pensassem sobre como os negros tem sido tratados no Brasil por algumas instituições (a polícia, por exemplo) e sobre como a pouca formação educacional dessa classe influencia desde sempre na pouca presença de negros em alguns espaços sociais formais. Além do mais, como professor de língua portuguesa, escolhi a prática de letramento leitura de infográficos, aliando letramento de práticas sociais e discussão sobre racismo. Essa dinâmica contempla as perspectivas de leitura já consolidadas.

2 Em 2020, deixei de lecionar para a turma do 3° ano noturno na escola José Maria de Moraes por causa do fechamento de algumas turmas no turno da noite. Dessa forma, concentrei minha carga horária apenas na escola Cônego Batista Campos.

A discussão dos alunos, por conseguinte, deveria tentar se alinhar a essas questões; que a leitura e a interpretação dos dados possibilitassem a eles perceberem a luta estrutural dos negros brasileiros. Entretanto, os alunos foram quase que surpreendidos pela atividade em questão, apesar de não ser de alta complexidade; eles apenas tinham tido contato com os outros professores, com quem tinham mais encontros durante a semana.

2. PERCURSO METODOLÓGICO

Nesta seção, apresento as estratégias e as ferramentas implementadas na aplicação da prática pedagógica em relato. Desde o primeiro contato com a turma, no início do ano letivo, eu prometera a eles fazer atividades em grupo sempre nos nossos horários das aulas, e o momento certo foi esse. Para uma classe do turno da noite, parece bem mais adequadas atividades desse tipo, já que os alunos são em maioria adultos, os quais têm afazeres diurnos e, portanto, pouco tempo dedicado aos trabalhos extraclasse. No dia desta prática pedagógica, disse que teríamos uma aula diferente, que formassem a equipes e seguissem as orientações escritas no quadro, que diziam: “Leiam as informações do cartaz da sua equipe e discutam entre si sobre o porquê desses números. Depois, devem socializar para a turma o que discutiram. A socialização começa às 20h30min”. Dos cinco cartazes, três traziam infográficos com informações sobre a situação do negro em relação à violência e dois continham informações que comparavam percentuais de nível de instrução de negros e brancos no Brasil. Os cartazes foram os seguintes: na Figura 1, os números que foram discutidos pela primeira equipe.

Figura 1

Cartaz com percentual da reação da população à morte de jovens negros Fonte: Revista Trip

abaixo:

Figura 2

Cartaz com percentual sobre a prioridade de abordagem policial a pretos e pardos Fonte: Revista Trip

Já a terceira equipe tinha a tarefa de refletir sobre os dados apresentados na Figura 3:

Figura 3 –

Cartaz com percentual de homicídios no Brasil, com destaque para a morte de jovens homens negros. Fonte: Revista Trip

Com relação aos cartazes com as informações educacionais, o quarto grupo ficou responsável pela Figura 4:

Figura 4

Cartaz com percentual comparativo de escolaridade de negros e brancos no Brasil Fonte: Portal Minas1

E a equipe 5, o último cartaz, que continha informações sobre a formação superior de brancos e negros:

Figura 5

Cartaz com percentual comparativo de negros e brancos com nível superior completo Fonte: Portal Minas1

Nesse ínterim, passando por cada equipe e acompanhando a leitura, pedi que cada integrante falasse o que achava dos dados e ao final chegassem a uma conclusão para socializar na frente da turma.

Diferentes pessoas lendo o mesmo texto apresentam variações no que se refere à compreensão do mesmo, porque variam os seus propósitos, seus conhecimentos prévios aqueles conhecimentos armazenados na memória do leitor ao longo de sua vida — suas atitudes, seus esquemas conceptuais, a cultura social de cada uma (MENEGASSI; ANGELO, 2010, p. 22). Os alunos desta classe tinham à época idades a partir de 17 anos, alguns com 20, 25 e duas com mais de 30. Poderiam ser respostas cognitivas e memoriais de épocas diferentes, bem recentes ou não. Era, pois, uma turma diversa, com a maioria de adultos; pessoas que, por estudarem à noite, subtende-se que trabalhem durante o dia. A princípio, pareceu algo interessante tanto para mim quanto para eles, pois eu nunca tivera feito atividades em equipe na turma. Provavelmente por isso, de início, os alunos foram relutantes em apresentar em forma de seminário.

Finalizei com alunos de cada grupo expondo suas reflexões a respeito dos dados. Em razão do nervosismo e da relutância em apresentar em pé de frente para a turma, chegamos ao consenso de formar um semicírculo com as carteiras e cada equipe, com os integrantes sentados, socializaram com a turma o que discutiram.

3. ANÁLISE DOS RESULTADOS ALCANÇADOS

Dentro da programação, levei para a sala do 3º ano do turno da noite alguns pequenos cartazes e solicitei que, divididos em grupos, analisassem os dados e dissessem o porquê daqueles números por meio da discussão em grupo e posterior socialização para todos da turma. Essa estratégia de leitura de infográficos objetivou levar os alunos da classe a refletirem sobre a situação do negro no Brasil. Cada aluno, com uma experiência individual, traria as contribuições para o grupo, contribuiria com as discussões, narraria fatos, exemplos. Seria preciso, portanto, recuperar informações para construir o significado para si e também para os colegas, numa leitura propriamente colaborativa. “Cabe ao leitor relacionar os dados textuais com o conhecimento já construído. As-

sim, os leitores acionariam o conhecimento prévio a partir de pistas fornecidas pelo texto escrito” (RODRIGUES; SOUZA, 2008, p. 4). Além disso, de acordo com Menegassi e Angelo (2010, p. 27),

os conceitos presentes no texto evocam uma cadeia de conhecimentos prévios, que estão presentes na memória do leitor, entre os quais as expectativas, que são a base para o estabelecimento de inferências, para as conexões que conferem coerência e significado ao texto, sempre a partir da interação do leitor com o texto.

Logo, nossa atividade contemplava aspectos de leitura com o objetivo de que os alunos lançassem mão dos conhecimentos armazenados na mente para interagir com o texto e construir o sentido para si. Para isso, os dados eram apropriados. Embora os dados tenham sido claramente expostos, inicialmente alguns alunos tiveram dificuldade em interpretar o próprio infográfico. De fato, por causa disso e da pouca prática com dinâmicas desse tipo, a atividade demorou bastante; contudo, o resultado das exposições foi engrandecedor. A maioria deles conseguiu interpretar as informações e discutir com os colegas e foram unânimes em relacionar o teor dos dados ao racismo estrutural por que passa a população negra no Brasil. No bojo da explicação do infográfico, vieram relatos dos próprios estudantes sobre momentos de racismo sofridos por eles mesmos ou situações que presenciaram. De acordo com uma das alunas da primeira equipe, a pele negra do seu irmão, que chegava para buscá-la todas as noites, trazia insegurança às outras pessoas que esperavam seu transporte. Outro aluno relatou uma situação ocorrida consigo mesmo. O estudante da turma – que se autodenomina negro e trabalha na empresa responsável pela limpeza urbana – sentiu-se ofendido quando, em um serviço de limpeza em uma das escolas da cidade, a senhora da cozinha teve que dizer para que não levasse um dos recipientes no qual servem a alimentação nas escolas. Ele dizia, no relato da atividade, que a prática foi por causa de sua cor e condição naquele momento, fatores que, infelizmente, geram desconfiança em algumas pessoas, fruto do racismo estrutural. Como mediador do que se tornou um debate, pude perceber que o assunto e a forma como foi colocado chamou muito a atenção dos estudantes, a dinâmica da atividade e a leitura e a interpretação de infográficos como prática de letramento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa prática pedagógica de leitura e interpretação de infográficos proporcionou aos alunos o debate de um tema que é muitas vezes latente na educação básica: o racismo. Mais que isso, foram levados a refletir sobre a sua própria situação enquanto jovens e adultos negros no Brasil do século XXI, relatando situações presenciadas e sofridas. Após o término da atividade, já na saída da escola, quando os alunos aguardavam o ônibus para enfrentar as estradas de volta para suas casas, duas alunas me chamaram e agradeceram pela aula que tiveram, tinham gostado da dinâmica. Ali, naquele momento, pude perceber a importância das aulas de língua portuguesa e de um profissional que se preocupa com a refle-

xão dos seus alunos. Hoje, com a explosão de atos antirracistas – sobretudo nos Estados Unidos com a morte de Jorge Floyd sufocado por um policial branco, além das recorrentes agressões a negros sobretudo pela polícia brasileira–, tenho a certeza de que eles estão mais observadores e críticos a respeito dessa problemática. Em apenas 4 horas de aula, pudemos, todos nós, lançar o olhar para uma situação muitas vezes destituída de importância, de visibilidade. Ah, os alunos também se destacaram na apresentação no dia de encerramento do evento. Foi o meu primeiro Dia da Consciência Negra neste colégio e foi também um momento de realização pessoal; os negros estavam em destaque! É, pois, função da escola, como instituição educacional que forma para a cidadania, e nossa, de professoras e professores, inclusive de português, discutirmos temáticas diversas e provocarmos a reflexão sobre os fatos da sociedade em que vivemos.

REFERÊNCIAS

MENEGASSI, José Renilson; ANGELO, Cristiane Malinoski Pianaro. In: MENEGASSI, José Renilson. Leitura e ensino. 2. ed. Maringá: Eduem, 2010. p. 15-40

MINAS1. Cotas foram revolução silenciosa no Brasil, afirma especialista. Disponível em: <https://minas1.com.br/posts/educacao/cotas-foram-revolucao-silenciosa-no-brasil-afirmaespecialista>. Acesso em 13 nov 2019.

REVISTA TRIP. Ser um jovem negro. Disponível em: <https://revistatrip.uol.com.br/trip/ser-umjovem-negro>. Acesso em 13 nov 2019.

SOUZA, Ana Cláudia de; RODRIGUES, Cássio. Aspectos do desenvolvimento e do processamento cognitivo da leitura: uma perspectiva psicolinguística. ReVEL. Vol. 6, n. 11, agosto de 2008.

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