20 minute read

O USO DO JORNAL PARA A ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS ....................................................... Claudia Telma da Cruz Lima

RESUMO O USO DO JORNAL PARA A ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS

Claudia Telma da Cruz Lima

Advertisement

O presente relato traz uma experiência pedagógica desenvolvida em uma escola da Rede Pública Estadual de Belém, onde utilizei o jornal como ferramenta pedagógica para alfabetizar crianças de uma turma do 3º ano do Ensino Fundamental. Por meio dele pude perceber como docentes e discentes juntos podem desenvolver o gosto pela leitura e escrita de textos diversos, despertando a curiosidade, a sensibilidade e a criatividade dos envolvidos.

Palavras-chave: Alfabetização e Letramento. Ensino Fundamental. Jornal

INTRODUÇÃO

Desde o ano de 2008, adentrei no Sistema Público de Ensino, atuando como professora alfabetizadora na Rede Estadual de Ensino e a partir de então tenho me deparado com as questões de educandos que não conseguem se alfabetizar no tempo certo. Em 2007, por exemplo, de acordo com o Censo Escolar, 8,7 milhões de alunos do Ensino Fundamental estavam com distorção idade-série, ou seja, ou estavam sendo reprovados ou entravam tarde na escola.

Em 2009, acompanhei a implementação do Ensino Fundamental de Nove Anos1 no Estado do Pará através de formações oferecidas pela Secretaria Estadual de Educação onde junto com outros profissionais da educação, pude conhecer melhor este novo modelo de ensino que já me deparava em sala de aula, uma vez que já atuava em uma turma com crianças de seis anos que iniciavam o Ensino Fundamental nesta perspectiva. O Ensino fundamental de 9 anos trouxe à obrigatoriedade a matrícula das crianças de 6 anos de idade no Ensino Fundamental com a intenção de ampliar o ingresso das crianças menores, mas com um currículo preparado para recebê-las e suprir suas necessidades cognitivas, emocionais e sociais e a ideia dos ciclos veio com este intuito além de diminuir o índice de reprovação escolar. Mas, concordo com Magda Soares ao afirmar que:

Se o ciclo funcionasse realmente com a característica que os ciclos devem ter, com atendimento a grupos diferentes entre si, com reforço para determinadas crianças, provavelmente se conseguiria chegar ao seu final com todos mais ou menos no mesmo nível (SOARES, 2009, p.11).

Por outro lado, para que o ciclo funcione bem, é necessário que os professores compreendam como deverá ser realizado o trabalho com ciclos; e o primeiro ciclo, chamado de ciclo de

1 A Lei 11.274/2006 torna obrigatória a matrícula das crianças de 6 anos de idade no Ensino Fundamental e estabelece prazo de implantação, pelos sistemas, até 2020.

alfabetização, traz consigo características bem específicas e que requer uma formação dos professores voltada a estudar as formas de aprendizagem das crianças deste ciclo. Ou seja, a formação precisaria vir antes da implementação do Ensino de 9 anos. Em 2012, tive a oportunidade de participar das formações ofertadas pelo Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa2 - PNAIC, do Ministério da Educação – MEC, aos professores alfabetizadores das redes estaduais e municipais do País. Durante as formações foi constatado o que já havia percebido em minha prática, que as crianças eram aprovadas, mas não dominavam o processo de leitura e escrita. E com o resultado da Prova ABC (depois, substituída pela ANA), pudemos verificar que as crianças que cursavam o 3º ano do Ensino Fundamental no Estado do Pará, apenas 22,2% tiveram rendimento esperado em leitura e 11,6% na escrita. Em 2020, com o intuito de aprofundar meus conhecimentos a respeito da temática em questão, fiz o curso Práticas de leitura e escrita: Letramentos possíveis ofertado pelo Cefor3 onde tive a oportunidade de estudar e discutir sobre o trabalho e desafios enfrentados como professora alfabetizadora. Ao final do curso, fui instigada a escrever sobre a minha prática e assim me senti desafiada a elaborar este relato de experiência, cuja atividade foi desenvolvida em 2013, época em que atuava no 3° ano:

O relato de experiência é um texto que descreve precisamente uma dada experiência que possa contribuir de forma relevante para sua área de atuação. É a descrição que um autor ou uma equipe fazem de uma vivência profissional tida como exitosa ou não, mas que contribua com a discussão, a troca e a proposição de ideias (UFJF, 2016, p.01).

Nesse sentido, trago uma problemática que se apresentava no P.P.P. da Escola e consequentemente na turma escolhida, pois 30% das crianças já tinham sido retidas pelo menos uma vez em sua trajetória escolar e encontravam-se num nível de alfabetização ainda silábico, com e/ou sem valor sonoro. Razão pela qual desenvolvi a proposta de trabalhar com o jornal, para auxiliar no processo de leitura e escrita dos educandos de uma Escola da região Metropolitana de Belém - PA. A experiência relatada teve por objetivo analisar, compreender a importância da leitura de textos diversificados para o processo de Alfabetização e Letramento, por meio da elaboração de um jornal, enriquecendo a dinâmica das relações sociais em sala de aula. Para ampliar o campo do debate me aportei aos objetivos específicos:  Identificar os diferentes textos encontrados em jornais impressos;  Diferenciar os textos conforme suas funcionalidades;  Apresentar a leitura de forma prazerosa, com o intuito de mantê-la viva e dinâmica na escola.

2 O PNAIC foi instituído por meio da Portaria nº 867, de 4 de julho de 2012, é um Programa integrado cujo objetivo é a alfabetização de crianças com até 08 anos de idade, em Língua Portuguesa e Matemática, até o 3º ano do Ensino Fundamental, das escolas municipais e estaduais, urbanas e rurais, brasileiras. 3 Centro de Formação dos Profissionais da Educação Básica do Estado do Pará

Desta forma, este relato nos traz diversas maneiras de trabalhar com a perspectiva de alfabetizar letrando que podem apontar perspectivas de que todos nós precisamos tornar possível a aprendizagem das crianças nas séries iniciais para que educandos se tornem autônomos na trajetória estudantil. Pois, saber ler é uma das primeiras tarefas de tornar-se livre, capaz de se apropriar de tudo o que lhe cerca neste mundo.

A Experiência foi desenvolvida na Escola Estadual de Ensino Fundamental Profa. Leonor Nogueira, inaugurada em março de 1991, que inicialmente ofertava ensino de 1ª a 4ª séries (séries iniciais) e a partir de 2009 passou a ofertar o ensino de 1° ao 5° anos (anos iniciais), em dois turnos de funcionamento (manhã e tarde), possui 12 salas de aula e atendimento Educacional Especializado, atendendo um total de 589 alunos em 2020 e mais da metade são atendidos pelo Programa Bolsa Família (P.P.P., 2020). A Unidade Educativa fica localizada no Bairro da Marambaia, em um conjunto habitacional de classe média, periferia de Belém. Entretanto, as crianças matriculadas na escola, em sua maioria são moradores da invasão do Canal Água Cristal, que fica por trás do conjunto, sendo que grande parte delas vive em situações precárias, sem pelo menos o saneamento básico. A população do bairro é formada por pessoas de classe média e de baixa renda, moradores dos conjuntos habitacionais e da periferia dos conjuntos, respectivamente. Sendo que estes últimos, em sua maioria, sobrevivem do trabalho informal. Conforme dados do P.P.P. (2020), dentre as profissões exercidas pelos pais dos educandos, a maioria são donas de casa 38%, seguido das domésticas 36%, dos autônomos que somam 25% e por fim dos estudantes com 15%. Apenas 10% estão no mercado formal, evidenciando que as famílias são de baixa renda e muitas delas são mantidas por mulheres. A Proposta Pedagógica da Escola é desenvolvida por meio de projetos4 com uma equipe de quatorze professores de Educação Geral, sendo dois do AEE, três de Artes, três de Educação Física, três técnicas pedagógicas, uma diretora e uma vice-diretora que acompanham os projetos desenvolvidos durante o ano, bem como as demandas diárias de trabalho que se apresentam no ambiente escolar. Porém, o início de cada ano letivo cria expectativas em relação ao trabalho que será desenvolvido com nossos alunos e alunas e ao mesmo tempo incertezas a respeito de como será a turma, as crianças, suas trajetórias de vida, seus conhecimentos, seus costumes, e tudo mais que envolve a formação de um sujeito. Como já referido anteriormente, em 2013 recebi a turma de 3º ano, com 30% dos estudantes apresentando níveis de leitura e escrita muito distantes do esperado. Pois, segundo os objetivos de aprendizagem apontados no PNAIC (2012, p.08), “o principal objetivo nesse ano de escolaridade é levar as crianças a consolidarem seus conhecimentos das correspondências som -grafia”. Ou seja, consolidar habilidades que já tinham recebido noções nos anos anteriores.

4 Família, escola e comunidade: juntos pela sustentabilidade socioambiental; Festival Artístico Cultural: a interpretação das artes pela leitura; Brincando de matemática: uma aventura lúdica na Escola Leonor Nogueira e Natal do Leonor: a festa do amor.

Todas essas questões motivaram não só o desenvolvimento da atividade, mas o trabalho docente como um todo. Afinal, nós professores temos uma grande responsabilidade em alfabetizar as crianças no fim do ano letivo, porém, na maioria das vezes, não contamos com estrutura física, formativa, financeira e de recursos pedagógicos para tal fim. Por isso, precisei buscar parcerias com outras professoras e técnicas da escola onde também trabalhava e desta forma pude contar com outras educadoras que já haviam trabalhado com o gênero jornal escolar.

DISCUSSÃO TEÓRICA

Sabemos que as crianças precisam estar alfabetizadas ao terminar o primeiro ciclo, mas o que pensamos sobre alfabetização? Segundo Magda Soares:

O alfabetismo não se limita pura e simplesmente à posse individual de habilidades e conhecimentos; implica também, e talvez principalmente, em um conjunto de práticas sociais associadas com a leitura e a escrita, efetivamente exercidas pelas pessoas em um contexto social específico (SP, 2008, p. 33).

Nesta definição, a autora já nos indica que não é apenas decodificar letras e fonemas e parte para um conceito bem mais amplo onde fala na aprendizagem da língua materna e a utilidade da língua no contexto social. Foi através das reflexões dela também que o termo letramento foi amplamente divulgado e muito utilizado no Brasil e apesar de letramento e alfabetização terem definições diferentes, os dois termos são interdependentes. Pensando desta maneira, é muito importante que possamos alfabetizar letrando, ou seja, fazer da leitura e escrita uma prática rotineira na vida das crianças de forma que compreendam as mensagens comunicativas de diversos tipos de textos e suas funcionalidades, trazendo assim, uma constante e reflexiva prática de leitura e escrita. É importante frisarmos aqui sobre a prioridade traçada na escola desde os primeiros dias da entrada dos educandos, iniciamos com uma avaliação diagnóstica para sabermos o nível de escrita que se encontra e selecionarmos atividades para que avancem no sistema de escrita alfabética (SEA). Nos reportamos ao que afirma Morais:

“a teoria da psicogênese nos ensina que a apropriação do sistema de escrita alfabética não ocorre da noite para o dia, mas, sim, pressupõe um percurso evolutivo, de reconstrução, no qual a atividade do aprendiz é o que gera, gradualmente, novos conhecimentos rumo à hipótese alfabética” (p. 52, 2012).

Desta forma, é após conhecer a turma, que traçamos uma metodologia para alcançarmos os objetivos propostos. Nos utilizamos, portanto, dos níveis de escrita definidos por Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1986) e de acordo com elas apresentam as seguintes hipóteses ou níveis de escrita: pré-silábica, silábica, silábica/alfabética e alfabética. Pré-silábica é o momento em que a criança escreve de forma aleatória, misturando símbolos, números e letras a fim de comunicar-se ou não com o outro, chamamos de silábica quando o educando já sabe que há diferenças entre desenhos, número e letras; este nível se divide em silábica sem valor sonoro, onde as letras são escritas aleatoriamente, e a silábica com valor sonoro onde começa a perce-

ber que há relação entre a fala e a escrita e começa a limitar-se em associar uma letra ou duas para representar um único som, já lê apontando para o que escreve, no silábico/alfabético o educando já consegue associar os fonemas (sons) com a grafia das letras mesmo que sua escrita esteja não convencional, às vezes escreve “ajuvakaiu” para A chuva caiu, por exemplo. Já no alfabético sua hipótese já consegue ser mais convencional, sua escrita obedece a uma regra ou outra e já é capaz de se comunicar com o outro através da sua escrita, mesmo que ainda com equívocos ortográficos. É importante deixar claro que nossa intenção em identificar os níveis onde as crianças encontravam-se era para elaborar atividades capazes de fazê-las refletir sobre as suas próprias hipóteses, podendo me apropriar sobre a forma de como a criança aprende e de que forma poderia intervir nessa aprendizagem. Pois, para Ferreiro e Teberosky (1986) é assim que as crianças se apropriam do SEA, de forma gradual e que dependendo de atividades direcionadas e estímulos para a reflexão sobre o SEA, os avanços são mais rápidos e significativos. Estamos aqui discutindo sobre o último ano de um ciclo e de acordo com os direitos de aprendizagem discutidos no Pacto Nacional pela alfabetização na idade certa, o terceiro ano finaliza o ciclo de alfabetização e a proposta seria para os alunos consolidarem a compreensão do sistema de ensino alfabético. Porém, como ainda não estavam nesse processo, foi necessário estimulá-los e apresentar diversas possibilidades de reflexões sobre a escrita alfabética e estimulá-los em atividades que envolvessem a consciência fonológica, atividades estas de suma importância e os cadernos do PNAIC nos auxiliou em sala de aula através de diversas sugestões a serem trabalhadas de acordo com os níveis apresentados nas diagnoses dos alunos

“As atividades que envolvem a reflexão fonológica auxiliam tanto os alunos que ainda não compreenderam que existe relação entre a escrita e pauta sonora, isto é, não perceberam o que a escrita representa, como os alunos que já compreenderam o princípio alfabético da escrita, mas apresentam dificuldades em relação som-grafia” (2012, PNAIC-Unidade 03, 11)

Além de tudo o que já afirmamos ser nosso foco, que é o da compreensão do sistema de escrita alfabética, temos também a missão de promover a formação e o desenvolvimento de leitores. Portanto, todos acabam ganhando mais se os grupos forem misturados de níveis. As crianças que estavam se apropriando do SEA escrevia sua hipótese para a escrita de algo, mas o outro apresentava outra forma de escrita e através do conflito, saíam da sua zona de conforto e passavam a compreender mais uma hipótese do SEA. Já as crianças que já compreendiam o SEA procuravam entender o significado e até buscar no dicionário a maneira convencional da palavra e conversar com os outros sobre suas descobertas. Nesse momento, todos acabavam aprendendo e através de desafios constantes, avançavam nos níveis em cada Avaliação Diagnóstica.

PERCURSO METODOLÓGICO

A primeira ação foi conhecer as crianças, suas histórias de vida e, também, sobre o que já sabiam a respeito da língua materna por meio de rodas de conversa, para que pudessem falar dos seus sentimentos. O próximo passo foi a aplicação de uma avaliação diagnóstica, na qual foi percebido que era preciso elaborar atividades variadas para que pudessem avançar nos níveis de escrita. Depois de verificarmos5 muitos alunos com a hipótese ainda silábica é que veio a proposta de apresentarmos vários tipos de textos como informativos, tirinhas, charges, possíveis de encontrá-los num único portador, refiro-me ao jornal que de certa forma encantou a turma e vimos que seria uma boa estratégia para consolidarmos os direitos de aprendizagens que ainda não tinham sido a estes nem introduzido, e oportunizaria o conhecimento de diversos tipos de textos informativos e também os literários como poesias, charges, histórias em quadrinhos, cartas e outros para que o universo da leitura fluísse de maneira natural e interessante. O Diarinho e o Liberalzinho, trazia na época textos direcionados ao público infantil, foi por aí que começamos.

É importante destacar que no primeiro semestre, as atividades de leitura foram realizadas em grupos e procurava sempre distribuir os dez alunos silábicos pelos grupos para que fossem ajudados pelos que já sabiam ler e escrever um pouco. Sempre auxiliava nas escritas individuais das crianças.

Posteriormente foi criada uma rotina de leitura diária em voz alta. Eu lia aos alunos para que percebessem sobre o que o gênero estava tratando e pudessem inferir através da leitura também das manchetes em destaque. Procurei mostrar o tipo de letras e cores das manchetes e o porquê de estarem sempre em diferentes partes do texto, ou seja, sua funcionalidade. Com a intenção de transformar a sala de aula em um ambiente alfabetizador, construímos um quadro de avisos onde nos manteríamos informados sobre algum comunicado da Direção da escola, horários de Artes e Ed. Física, por exemplo, e também de notícias sobre o bairro que encontrávamos nos jornais.

Trabalhamos com várias sequências didáticas e a primeira foi com uma tirinha da turma da Mônica onde pudemos conhecer as características da HQ, alguns personagens da tirinha, suas características e pesquisar sobre o escritor Maurício de Souza e sua família de artistas. Ainda levei para a sala de aula vídeos que mostrassem a trajetória do escritor no YouTube e procurei direcionar as atividades de escrita de acordo com os níveis da psicogênese. Em seguida, a proposta foi apresentada aos responsáveis em uma das reuniões e foi solicitado que deixassem uma mensagem de incentivo para seus filhos como estímulo à realização das atividades. Posteriormente, foi construído com a turma um “livrinho” denominado de “Meu primeiro glossário” contendo 26 páginas, sendo que em cada uma foi escrita uma letra do alfabeto e cada

5 A partir deste momento passo a me referir no texto em 1ª pessoa do plural, pois o trabalho teve a parceria da equipe pedagógica e de algumas professoras da escola citada.

criança possuía o seu, para registro diário. Nele, os alunos não-alfabéticos também realizavam o estudo de um texto e/ou escreviam algumas palavras com a letra inicial indicada. Já os alfabéticos escolhiam palavras do texto para escrever seus significados, quando necessário consultavam o dicionário, ou realizavam colagens no glossário. No decorrer da interação foi surgindo os diálogos com as crianças a respeito do que sabiam e/ou poderiam encontrar num jornal impresso. Os educandos foram orientados também a assistir o jornal na televisão para no dia seguinte socializar algumas notícias com os colegas, sendo instigados ainda a falar sobre o que gostavam ou não do periódico. A partir daí, trouxemos vários impressos e recortes de notícias para trabalhar com o gênero. Desse modo, as crianças podiam fazer destaques nas manchetes e responder questões básicas para o entendimento de um texto informativo. Montamos com essas atividades alguns álbuns com as melhores reportagens e textos de opiniões escritos pelos alunos e alunas. O trabalho foi desenvolvido no período de oito meses e no final do ano letivo foi socializada a experiência da turma com a apresentação do percurso metodológico utilizado e com o material impresso.

ALGUNS RESULTADOS

Durante as rodas de conversa surgiram assuntos variados como envolvimento de pessoas da família com drogas, maus tratos de meninas por seus padrastos e o trabalho infantil que muitas vezes impediam a dedicação nas tarefas de casa, e assim por diante. As crianças puderam conversar sobre diversos assuntos que as deixavam tristes ou alegres, isso criou uma união no grupo e passaram a se ajudar mais, principalmente para a realização de tarefas como produzir textos de gêneros textuais incluindo observações e pesquisas da vida cotidiana da comunidade onde estavam inseridos. É importante ser solidário com o outro, melhorar a autoestima traz grandes benefícios ao desenvolvimento de apropriar-se da leitura e escrita. Outra ação importante foi realizada durante o projeto do Festival Literário6, no qual foi lançada a proposta para as demais professoras de terceiros anos. Tarefa que não foi bem aceita pela equipe, pois o formato original da culminância previa que fosse realizada de outra maneira. Entretanto, acreditando na pesquisa do jornal e contando com o apoio da coordenação pedagógica, foi incluído o estudo do jornal, que além de inovar, poderia alcançar o objetivo da Escola no incentivo à leitura e escrita, utilizando os mais variados textos. As crianças queriam que seus textos fossem lidos por outras pessoas, por isso procuravam participar mais das atividades e caprichavam na escrita, aprenderam a reescreverem após cada leitura da produção deles e passaram a escrever cada vez melhor ampliando vocabulários e lendo em voz alta aos colegas, desenvolvendo a oralidade de maneira bem expressiva e espontânea.

6 No Festival Literário daquele ano, as turmas escolhiam um escritor ou escritora brasileiro(a) ou paraense, estudariam sobre ele ou ela, conheceriam algumas de suas obras e socializariam esta pesquisa com outras turmas de diversas maneiras: teatro, pinturas, cantigas, galerias de fotos, etc

Outra observação importante foi que o único lugar onde as crianças tinham acesso aos materiais impressos era na sala de aula, o que exigiu a organização de um cantinho da leitura, feito com a doação de gibis e livros infantis, além dos jogos e obras literárias do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE/PNLD7 . Os pais dos alunos e alunas também desempenharam um papel fundamental ajudando na produção do jornal, incentivando a leitura das crianças em casa e apoiando nas produções. Por fim, o jornal foi impresso e durante a culminância do Festival foram compartilhadas as experiências com toda a comunidade escolar e visitantes, disponibilizando também uma exposição de fotos e cadernos individuais, com as produções das crianças. Neste momento, as crianças mostravam suas produções e distribuíam o jornal da turma com muita propriedade. A turma iniciou o ano com 24 alunos e desses, 10 alunos eram silábicos e entre estes 6 sem valor sonoro. No final do ano, destas 10 crianças, 9 terminaram o ano letivo alfabéticas e apenas uma no silábico/alfabético. As crianças que não dominavam o sistema de escrita alfabética se interessaram na digitação dos textos dos outros alunos e iniciaram a reflexão sobre o sistema de escrita alfabética. Foi um grande avanço. Desta forma, podemos reafirmar a importância de entender os processos de aprendizagem dos alunos, sabendo como eles aprendem e que há um caminho a ser percorrido. Todos os alunos que já estavam repetindo o ano foram aprovados para o ano seguinte. Apenas uma criança não conseguiu aprovação para o 4º ano, mas já havia iniciado o nível silábico com valor sonoro, porém ainda precisava dominar melhor a leitura e escrita de maneira autônoma.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É necessário que digamos aqui que os caminhos traçados para alfabetizar letrando alunos que já encontravam desacreditados por alguns educadores, não foram fáceis! Mas, foram possível. Precisamos acreditar que todos os alunos são capazes de aprender e entender qual a maneira que cada um pode desenvolver seu processo de aprendizagem torna-se de extrema importância, pois somos seres únicos. O trabalho com o jornal possibilitou a pesquisa, uniu a turma e despertou um interesse pela leitura sem igual. Eles puderam escolher os tipos de textos para ler e se empenharam em ouvir a leitura dos textos feita pelos colegas, facilitando assim, a troca de experiências significativas. O respeito entre as crianças também é fundamental para o crescimento da autoestima. Fala -se muito em ler e escrever nas séries iniciais, mas o saber ouvir deverá estar em primeiro lugar. Por isso, iniciamos em conhecer as histórias de vida das crianças e ao finalizar tivemos a família como aliada do processo e com certeza causou uma mudança de comportamento e aceitação também em alguns lares.

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Plano Nacional de Educação. Brasília: MEC, 2014 Disponível em: http://pne.mec.gov.br/18-planos-subnacionais-de-educacao/543-plano-nacionalde-educacao-lei-n-13-005-2014

BRASIL, Secretaria de Educação Básica. Diretoria de apoio A Gestão Educacional. Pacto nacional pela alfabetização na idade certa: o último ano do ciclo da alfabetização: consolidando os conhecimentos: ano 3: unidade 3. Brasília: MEC, SEB, 2012.

BRASIL, MEC. Portaria nº 867, de 4 de julho de 2012. Institui o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa e as ações do Pacto e define suas diretrizes gerais. Disponível em: http:// www.lex.com.br/doc_23490618_PORTARIA_N_867_DE_4_DE_JULHO_DE_2012.aspx

FERREIRO, Emília; TEBEROSK, Ana. A Psicogênese da Língua Escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo; Paz e Terra, 1996.

MORAIS, Artur. Sistema de escrita alfabética como eu ensino. São Paulo: Melhoramentos, 2012.

SOARES, Magda. Simplificar sem falsificar. Entrevista cedida a Revista Educação. Guia da Alfabetização. São Paulo: Editora Segmento, edição especial nº 01, p. 6-11. 2009. SOARES, Magda. Alfabetização e letramento 5ª edição. São Paulo; Contexto, 2008. UFJF,Universidade Federal de Juiz de Fora , O Relato de Experiência. INSTRUTIVO PARA ELABORAÇÃO DE RELATO DE EXPERIÊNCIA, MinasGerais, 2016. https://www.ufjf.br/ nutricaogv/files/2016/03/Orienta%C3%A7%C3%B5es-Elabora%C3%A7%C3%A3o-de-Relato-deExperi%C3%AAncia.pdf 11/08/2020.

This article is from: