15 minute read
A 1ª VIAGEM: NAS ASAS DA CRUZEIRO DO SUL 12H - SÃO LUIS-RIO: 3 ANOS
"Digo: o real não está na saída nem na chegada: Ele se dispõe para a gente é no meio da travessia".
João Guimarães Rosa
Advertisement
Por sugestão da amiga Rita Stano, escrevo essas narrativas de viagem porque as viagens fazem parte intrínseca da minha trajetória, pois elas foram constantes, aliando mudanças familiares, projetos acadêmicos e passeios turísticos. Sou de natureza viajante e, juntamente à leitura, aos filmes e à música, é o meu hobby favorito. A maioria dos relatos vem dos diários de viagem que faço em cada uma; contudo, há algumas viagens (as de criança) sem nenhum registro e tive que contar com a memória para trazê-las à tona. Os registros fotográficos também eram bem poucos no início destas narrativas porque não havia esse hábito de hoje e porque era um ‘hobby’ caro.
A 1ª VIAGEM: NAS ASAS DA CRUZEIRO DO SUL 12H - SÃO LUIS-RIO: 3 ANOS
Anônimo
Aos três anos, fiz minha primeira viagem de avião. Com minha mãe e meu irmão Beto, saímos de São Luís-MA, para visitar os avós maternos e passar férias no Rio, voando pelas asas da Cruzeiro do Sul, em voo de 12 horas, com escalas em Fortaleza e Recife, não só para abastecer e deixar e buscar passageiros/as, mas, também, para se ir ao banheiro. (Passei anos ouvindo essa história da minha mãe...)
SÃO LUIS-RIO – 5 ANOS, NAS ASAS DA PANAIR – 12 HORAS
"Muito do que somos é onde nós fomos".
William Langewiesche
A segunda viagem de avião foi aos cinco anos, partindo de São Luís-MA, de mudança para o Rio de Janeiro, a família toda, nas asas da famosa Panair, em 12 horas de voo, com banheiro a bordo. Foi a primeira viagem dolorosa para mim: despedia-me da minha avó mais querida, Dinda, que eu ainda veria algumas vezes como visita no Rio, até sua morte quando eu tinha 10 anos. A perda dessa avó foi meu primeiro grande sofrimento, que se estendeu em uma falta eterna.
RIO-RESENDE: QUATRO FILHOS SERRA DAS ARARAS/FUSCA
"Viajar é colecionar memórias pelo mundo".
Anônimo
A segunda transferência do meu pai foi para Resende, a 2h30 do Rio. A família já tinha os quatro filhos e nos deslocamos dentro de um ônibus da Viação Cometa pela perigosa Serra das Araras, em cujas curvas fizemos inúmeras viagens depois, no Fusca comprado naquela cidade, naqueles dois anos de estada, morando na vila da Academia Militar das Agulhas Negras. Naquela época, deu-se início às diversas viagens que a família faria pelas cidades circunvizinhas, como Penedo, Aparecida, Itatiaia, Mauá, Volta Redonda. Ali tinha início meu deslumbramento pelas paisagens montanhosas que passavam pelas janelas do Fusca. Até hoje quando passo por aquelas serras fluminenses, vem-me à memória afetiva as mesmas sensações da infância.
RIO-SÃO LUIS: DE CARRO INDIANA JONES TUPINIQUIM "A felicidade não está na estrada que leva a algum lugar. A felicidade é a própria estrada".
Bob Dylan
Em 1967, retornamos ao Rio de Janeiro e a uma melhor condição financeira por conta da herança materna, que possibilitou ao meu pai comprar um Opala zero km, o Flecha Dourada, por ter a pintura desta cor, que o animou a realizar muitas viagens pelo interior do Rio de Janeiro (Miguel Pereira, Petrópolis, Teresópolis, Itaipava, Friburgo, Mendes), além de tours semanais pelo Rio para conhecer seus monumentos, praças, museus etc., e ainda a empreender a primeira grande aventura de atravessar seis estados brasileiros na viagem Rio-São Luís. A partir daí, algumas outras foram feitas com o mesmo espírito
aventureiro de conhecer um país ainda sem estradas asfaltadas, sem estrutura física de restaurantes e hotéis confortáveis pelas estradas, com poucos postos de gasolina, de cidades pobres e inóspitas. Anos depois dessas viagens que nós, filhos/as consideramos as melhores da vida, apelidamos nosso pai de “Indiana Jones Tupiniquim”, pois passamos por riscos, perigos etc., mas nunca tememos nada porque ele nos passava a energia da coragem e determinação, mesmo quando houve acidentes e problemas no carro, como a quebra do sistema de escapamento do carro, por uma pedra, e ficamos à deriva no meio do nada, depois de Petrolina-PE, em estrada de terra, pedras e buracos, aguardando a passagem de alguém. Graças à cesta-merenda da minha mãe, onde tínhamos água, frutas e pães até a chegada de um caminhoneiro, algumas horas depois, que nos rebocou, com um cabo de aço, até a cidade de Araripina-PE. E a do tanque de gasolina que foi perfurado também por uma pedra perto de Ouricuri-PE, e ali paramos para uma tarde toda de conserto. Ou da vez em que dois caminhões vinham na nossa direção em uma ladeira da BR-116, na Bahia, e meu pai teve que jogar o carro fora da estrada sem acostamento, mas, felizmente, com uma extensão de cascalho e mato. E ainda quando uma família de porquinhos iniciou a travessia da estrada e ficou um retardatário, quando não dava tempo de parar o carro, em Valença do Piauí-PI: era a vida dele ou a nossa. Ficamos inconsoláveis toda a viagem; contudo, a frente do carro foi toda destruída, mas as avarias só foram consertadas em São Luis-MA. Meu pai costumava parar no meio das estradas para vermos aqueles nordestinos de gibão, na caatinga cearense, em cima dos seus cavalos, com um vocabulário que só meu pai entendia, pois fora criado passando férias na fazenda do avô paterno. E da vez em que,na ida, passamos pelo rio Jaguaribe, no Ceará, que estava seco e Lígia e Gustavo tiraram fotos naquele leito vazio; e,na volta, o rio já estava cheio, quase batendo na ponte. Meu pai registrava tudo em fotos-slides e poucas sobreviveram às mudanças e ao mofo.
TERESÓPOLIS – AVÓS MATERNOS
"Viva a sua vida com uma bússola, não com um relógio".
Stephen Covey
Meus avós maternos compraram um apartamento em Teresópolis, bairro Araras, para veraneio, mas acabaram morando lá, devido ao agradável clima serrano. E ali se tornou nosso ponto de férias de inverno e de fins de semana maravilhosos, subindo a Serra dos Órgãos, de mão dupla e com muitos acidentes na sua estrada sinuosa e sem acostamentos. Coincidentemente, vários/as amigos/as tinham casa de campo ali e havia sempre programas variados para fazer, como tomar banho nas cachoeiras da Cascata dos Amores e subir os morros ao redor, como a Serra do Cavalo, de onde se avistava até o Dedo de Deus. E ali eu tive o meu primeiro namorado, René, aos 15 anos.
RIO-BSB: SAIR DO COLÉGIO/CULTURA DE CLUBE
"A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos não é o que vemos, senão o que somos".
Fernando Pessoa A segunda mudança traumática foi para Brasília. Tive que deixar o colégio de oito anos e amizades sólidas que tenho até hoje, além do ensino que me abriu o interesse para os estudos de forma prazerosa e construtiva. Brasília foi o único lugar que não gostei de morar, mas onde tenho grandes amigas/os. Dali só saía para as férias no Rio e Teresópolis. Foi o primeiro lugar que não foi desbravado pelo meu pai. Nossos fins de semana eram no Círculo Militar ou no Clube da Aeronáutica, e na boate do Iate Clube.
SUL COM SONIA E CLAUDIA (SÃO PAULO, PARANÁ E PARAGUAI) "Daqui a vinte anos, você não terá arrependimento das coisas que fez, mas das que deixou de fazer. Por isso, veleje longe do seu porto seguro.
Pegue os ventos. Explore. Sonhe. Descubra".
Mark Twain
Em Brasília, continuaram as viagens dos meus pais para São Luís, que eu não ia mais. Preferia passar minhas férias no Rio com os avós e ou tios/as e primas maternos. As únicas viagens significativas do período em Brasília foram feitas de ônibus com as amigas Sonia Vasconcelos e Claudia Meireles para São Paulo, Paraná e Paraguai. Neste país da ditadura de Stroessner havia toque de recolher e fomos encaminhadas por policiais à casa do meu tio Murillo por estar na rua fora do horário! Em São Paulo, andei no metrô recém-inaugurado (1977) e foi uma experiência inesquecível, com a doce amiga Angélica como nossa anfitriã e guia. No Paraná, ficamos em Curitiba, na casa de parentes de Sônia. Não me lembro de nada dali, só que não gostei da cidade (hoje, é uma das minhas preferidas). De lá, seguimos para Foz do Iguaçu, uma das maiores belezas aqüíferas que já vi na vida, sendo ciceroneadas por três tenentes do 34º. BIMTZ do Exército local, naqueles jipes que eu sonhara um dia em ter. Como havíamos deixado os namorados em Brasília, nem paqueramos os lindos tenentes, mas nos divertimos muito juntos. Ficamos hospedadas no hotel de Trânsito do quartel e fazíamos as refeições no quartel também. Foi bem inusitado e bacana. Outros hotéis de trânsito, onde me hospedei: Campo Grande, Natal, Olinda e Rio.
BSB-EUA (SAIR DO CEUB) / EUA: NEW YORK,
HANNA BARBERA, SEVEN SPRINGS, OCEAN CITY, VIRGINIA/EUA – CANADÁ "Viajar é mais do que a visão de pontos turísticos, é a mudança que acontece, profunda e permanentemente, no conceito sobre o que é a vida".
Miriam Beard
Em 1977, meu pai foi transferido para Washington D.C./EUA. Eu não quis ir porque iria me formar naquele ano, pois o curso de jornalismo era de três anos à época; contudo, meu pai me convenceu de que seria uma oportunidade única viver fora do Brasil, estudar comunicação em outra universidade, melhorar a língua inglesa etc.. Fomos Rio-New York pela Varig – a melhor empresa aérea que este país já teve. Era um luxo só o voo. Naquela época, havia assentos vazios a escolher, e eu viajei deitada, aos prantos, esticada em três cadeiras. De New York para -Washington D.C., fomos em uma empresa local. Ficamos hospedados no Linden Hill Hotel, enquanto o apartamento não ficava disponível. Fomos morar em Bethesda, Maryland, a quinze minutos de Washington D.C., no edifício Topaz House, na 4400 East-West Highway #332. Eu e Lígia logo fomos desbravar a capital americana nos fins de semana: o prédio do Watergate, John Kennedy Memorial, os monumentos a Jefferson, Washington e Lincoln, à Galeria Nacional, ao White Flint Mall, ao charmoso histórico bairro de Georgetown. E descobrimos as discotecas e restaurantes que freqüentamos aqueles anos: Paragon Discoteque, Winston’s, Deja Vu, Mr. Henry’s, Boccaccio e Farrel’s. A maioria já não existe mais...
Meu pai continuou fazendo viagens no seu Malibu prateado com meus irmãos, mas eu já não ia mais. Só fui a três delas: para a estação de esqui Seven Springs, na Pensilvânia, e para New York e o Canadá, com a família da querida amiga até hoje, Denise Silveira. Fiz algumas viagens com irmãos/ã e amigos/as pelas redondezas de Bethesda-MD, onde morávamos. Fomos para Luray Carverns e Great Falls, na Vírginia, com amigos, e ao parque temático de Hanna Barbera, Kings Dominion, também na Virginia, no meu Fusca alemão “Yellow bird” – neste parque andei no looping de duas voltas e foi uma grande aventura para mim que não gosta de brinquedos ousados; para New York de ônibus algumas vezes com as amigas Alzira, Stela ou Denise; para o balneário de Ocean City, em Maryland, no velho Maverick de Moses, meu namorado; para as históricas Williamsburg, Annapolis e Yorktown, na Virginia, e para Gettysburg, na Pensilvânia, de carro com meu pai; para o Shenandoah National Park, na Virginia, de carro com Roberto e Ligia.
Uma das maiores emoções em New York, àquela época uma cidade que praticamente tinha toque de recolher por conta da violência urbana das gangues e das máfias, foi visitar o recém-inaugurado maior prédio do mundo (1973), o World Trade Center, na Lower Manhattan. Do seu 110º. andar eu vi o mundo inteiro e escrevi uma poesia sobre essa sensação de estar no topo do mundo. O retrato das torres gêmeas feita pelo famoso fotógrafo Ralf Uicker enfeita uma das paredes da minha sala.
RIO & BRASÍLIA: ROTEIROS FAMILIARES
"O barco está seguro no porto. Mas não é para isso que os barcos são feitos".
William Shedd
De volta ao Rio, para morar com os tios Yvonne e Olympio, e as primas Dominique, Simone e Sonny, na Av. Vieira Souto, 208 ap.901, Ipanema – que eu costumava anunciar como “vida de barão sem gastar nenhum tostão!” A única viagem que fiz foi com eles, de 1ª classe na VARIG, para São Luís. Um espetáculo de viagem! Um luxo só! E também havia os “programas de barão sem gastar nenhum tostão”, pois ainda conheci as melhores casas de shows do Rio à época, como Canecão e Scala; restaurantes das estrelas, como Sal & Pimenta, Gattopardo e Dinho’s Place. As feijoadas de sábado do Hotel Le Méridien (o da cascata nos réveillons cariocas), em Copacabana, e os cozidos de domingo no Hotel Ceasar Park, em Ipanema. Em seguida, de volta a Brasilia, viajava pela VASP para o Rio, para São Luis e para João Pessoa. Nesta cidade, o avião sobrevoava as praias e meu pai saía para me buscar depois que via o avião passar! Roteiros familiares, aonde eu ia para passar tempo com a família e amigos/as, já que fiquei morando com a amiga de infância Cleozinha, na capital federal. Quando trabalhava na Secretaria de Comunicação (SECOM-PR), no Palácio do Planalto, peguei algumas caronas no avião presidencial que seguia para o Rio, nos fins de semana. Avião bem comum, igual ao das companhias aéreas da ocasião. A diferença era em voar juntamente com o presidente da República e ministros do Governo, algumas vezes.
NORDESTE COM MOSES
"Estou de malas prontas/Hoje a poesia veio ao meu encontro/Já raiou o dia, vamos viajar".
Maysa
Em 1980, meu noivo Moses estava morando em Salvador. Fui para lá para seguirmos de avião para Maceió, hóspedes do amigo José Beder, professor da UFAL, e sua família. Foram dias maravilhosos de descobrimento de um Nordeste que eu não conhecia ainda totalmente. Dali, aproveitamos para visitar minha prima Dominique, que estava morando em Olinda-PE. Ficamos em um hotel à beira-mar em Recife, que achei uma das cidades mais belas que já vira. Conhecemos a Ilha de Itamaracá, quando havia uma famosa prisão por lá e os carros eram revistados na entrada e na saída. Estendemos a viagem para as vizinhas João Pessoa e Natal – ambas muito provincianas, de bairros famosos como Tambaú e Ponta Negra, ainda sem asfalto. As areias das praias voavam pelas ruas. Não gostei de nenhuma das duas! (hoje eu adoro as duas!) Voltamos para o carnaval de rua de Salvador, quando seguíamos pelas ladeiras atrás do trio elétrico de Dodô e Osmar – um cordão de alegria, de simplicidade (sem abadás!) e já de muita gente mijando nas paredes ou nos postes! Só tenho estas duas fotos da viagem.