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Conceitos introdutórios sobre bissexualidade e bifobias: aspectos sociais e históricos

EIXO 1 - GÊNERO, CORPO E SEXUALIDADES

CONCEITOS INTRODUTÓRIOS SOBRE BISSEXUALIDADE E BIFOBIAS: ASPECTOS SOCIAIS E HISTÓRICOS. Ana Beatriz de Sousa Cunha

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anabeatrixcunha@gmail.com Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Poliana Machado Gomes da Silva

poliana.machado@uece.br Centro de Humanidades - Universidade Estadual do Ceará (UFC)

1 APRESENTAÇÃO

Quais os conceitos de bissexualidade e bifobia ao longo da história? À vista desta pergunta, o presente estudo tem por finalidade refletir introdutoriamente sobre os conceitos de bissexualidade e bifobia, situando-os histórico-culturalmente. Acentua-se, todavia, que tais conceitos são escassos e precários no âmbito das ciências sociais e humanas, dificultando assim o processo de estudo e análise dos mesmos. Os primeiros relatos de bissexualidade datam da Grécia e do Japão Antigos, expressos somente nas vivências do gênero masculino. A história da bissexualidade, em seus primórdios, fora narrada e escrita por homens segundo perspectivas que (re)produziam as estruturas de opressão, dominação e exploração das mulheres. Evidencia-se, pois, o silenciamento e o apagamento de narrativas de mulheres bissexuais ao longo da história. No decurso histórico, o termo bissexualidade, em seu processo histórico e social, constituiu-se de formas distintas em cada época e cultura111 . Logo, foi utilizado: a) do século XVII ao início do século XX, para denominar corpos com genitálias ininteligíveis, não entendidas nem como masculina, nem como feminina; b) durante o final do século XIX, para pessoas com uma suposta combinação de masculinidade e feminilidade em âmbito psicológico, chamada por Kraff-Ebing de

11 Tendo por ilustração a Grécia Antiga, era comum que um homem mantivesse relações ao mesmo tempo com uma mulher, em constituição familiar, e com um adolescente. A última relação, no entanto, possuía cunho educativo, almejando-se a criação de um cidadão respeitável e sábio (MENGEL, 2009, apud, LEWIS, 2012). Algo semelhante ocorreu no Japão antigo. Era comum, no shudo da elite aristocrática japonesa, que um samurai adulto, casado com uma mulher e tendo filhos, tivesse uma relação sexual e afetiva com um aprendiz mais jovem, para ensinar-lhe o código moral dos samurais e dar-lhe uma iniciação nas relações sexuais.

“hermafroditismo psicossocial” (apud, LEWIS, 2012, p.26) e, por Freud, de “pré disposição bissexual” (apud, LEWIS, 2012, p.26); c) no século XX, para designar pessoas que sentiam atração afetiva/sexual por homens e mulheres, como um estágio de pré-sexualidade. À seguir, frisa-se o termo que contempla a população bissexual na contemporaneidade:

a bissexualidade pode ser considerada como uma orientação sexual em que mantem relações sexuais com uma pessoa do mesmo sexo e com uma pessoa do sexo oposto, relacionamentos esses que podem ser mantidos simultaneamente ou em tempos divergentes. (PAVONI, p.869, 2015, apud, SILVA,JÚNIOR, 2020). Apesar das diferenciações conceituais sobre a categoria bissexualidade, a mesma segue ocupando zonas de ininteligibilidade, ilegitimidade, ambivalência e dubiedade nas esferas sociais. Os processos de apagamento e deslegitimação da bissexualidade expressam o não reconhecimento das vidas, experiências e do sofrimento de pessoas bissexuais. Logo, o não reconhecimento da bifobia. Dessa forma, entendemos que a cultura ocidental, mais especificamente o colonialismo, impõe um modo de ser e estar no mundo focado em mono temas, monos afetos e mono deus, por exemplo, tendo tudo que ultrapasse tais segmentos tratados como desvios, abjetos ou perigosos (LAEGER, LONGHINI, OLIVEIRA, et al., 2019).

1.1 Interesse do trabalho

Aproximei-me desta temática, através de minhas vivências como mulher bissexual, estudante da Universidade Estadual do Ceará (UECE), passando a vivenciar experiências coletivas e singulares de bifobia em diversos espaços sociais, tanto na esfera familiar, como em espaços de militância universitária, rodas de amigos e relações amorosas tanto de minha parte, quanto na realidade de outras mulheres bissexuais a quais frequentam os mesmos espaços no presente universo da pesquisa. Dessa forma, com a reflexão acerca de inúmeras violências sofridas sempre na mesma perspectiva, com cunho bifóbico, trazendo assim aspectos de naturalização desse segmento, passei a me questionar sobre tais situações e o quão necessário se faz falar e aprofundar os diálogos e reflexões acerca do

presente assunto. “De acordo com Ulrich Goob (2008), o termo bifobia está relacionado ao processo de invisibilização e deslegitimação das experiências bissexuais, sendo usado para descrever reações negativas de pessoas heterossexuais, lésbicas e gays em relação às bissexualidades”. (LAEGER, LONGHINI, OLIVEIRA, et al., 2019, p.6).

Nesse hiato, é comum lésbicas e gays questionarem a legitimidade dessa sexualidade pela afirmação de que os/as bissexuais só sofrem discriminação quando se relacionam com o mesmo gênero. Além disso, evidencia-se que a imagem construída sobre a bissexualidade, tem feito com que mulheres bissexuais sejam facilmente erotizadas e se tornem objetos de assédio e violência sexual (EISNER, 2013, CORED, 2017, apud, LAEGER, LONGHINI, OLIVEIRA, et al., 2019, p.11).

Ademais,

“Com a polaridade das identidades em homo e heterrosexual, outras práticas foram se tornando invisíveis, ou mesmo, inconsistentes na lógica de representação ‘identitária’ . Outro ponto importante é a necessidade que temos em manter a coêrencia entre o sexo, gênero e desejo, isto é, a cada atribuição - masculina ou feminina - é esperada uma personalidade e um objeto de desejo sexual. Nessa lógica de representação, e assim inteligível aos olhos de muita gente que acredita na irredutibilidade da sexualidade, do sexo e do gênero. Assim, as práticas bissexuais acabam se marginalizando e o preconceito só aumenta a dificuldade delas se assumirem como práticas legítimas. ” (CAVALCANTI, 2012, P.81-81, apud, Silva, Junior, 2020, p.8). À título de exemplo, no Brasil12 , a partir dos anos 80, com o surgimento da AIDS, os/as bissexuais foram concebidos/as como “ponte bissexual do HIV”. Não parando por aí, atualmente ainda existe a concepção de que bissexuais são “vetores de doenças” – a exemplo da percepção de algumas lésbicas quando afirmam que as mulheres bissexuais são consideradas como “potenciais transmissoras de doenças”

12 2 No início dos anos 2000, surgiram os primeiros movimentos bissexuais formados em solo brasileiro, em prol do reconhecimento da bissexualidade pelo movimento social brasileiro. Destacam-se: o MovBi (Movimento de Bissexuais) e Bi-sides (o primeiro se tornou a primeira ONG brasileira de bissexuais) (Bi-SIDES, 2014, apud, LAEGER, LONGHINI, OLIVEIRA, et al., 2019) Ressalta-se que, segundo os mesmos autores, tais movimentos têm exigido entre as pautas, o econhecimento do termo bifobia para se referir às discriminações dirigidas a pessoas que se entendem como bissexuais.

– contagiosas – por se relacionarem com homens cisgêneros (FACHINI, 2004, apud, LAEGER, LONGHINI, OLIVEIRA, et al., 2019).

1.2 Justificativa

Diante do exposto acima, faz-se necessário tal discussão no âmbito das ciências sociais aplicadas e humanas, principalmente na esfera do Serviço Social. Salienta-se que seu código de ética de 1993, pauta o valor ético central da profissão na liberdade e em valores fundamentais para a condição humana. Desta feita, o debate de tais categorias urge de forma necessária a tais áreas do conhecimento, para se entender e lutar contra o repúdio propagado por ideologias do senso comum, que tratam tal orientação sexual em cunho pejorativo e efêmero, causando assim inúmeras consequências negativas aos indivíduos que a compõe.

2 METODOLOGIA

Propondo sucessivas aproximações com o objeto deste estudo, utilizou-se uma pesquisa de tipologia teórica. Esta é caracterizada por ser “dedicada a reconstruir teoria, conceitos, ideias, ideologias, polêmicas, tendo em vista, em termos imediatos, aprimorar fundamentos teóricos” (DEMO, 2000, apud, CALHEIROS, FREITAS, ALCARÁ, 2016, p.21). Para mais, a técnica de coleta de dados utilizada foi a pesquisa bibliográfica, sendo caracterizada por Gil (2008) como “aquela que é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos” (p. 50). Salienta-se que foi utilizado também a técnica de pesquisa documental, sendo aquela que:

"Vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa [...] Existem, de um lado, os documentos de primeira mão, que não receberam qualquer tratamento analítico, tais como: documentos oficiais, reportagens de jornal, cartas, contratos, diários, filmes, fotografias, gravações, etc. De outro lado, existem os documentos de segunda mão, que de alguma forma já foram analisados, tais como: relatórios de pesquisa, relatórios de empresas, tabelas estatísticas, etc. (Gil, 2008, p.51).

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Finalizo tal estudo, evidenciando assim os conceitos encontrados na trajetória

do presente trabalho, como o conceito de bissexualidade, a qual,

“a bissexualidade pode ser considerada como uma orientação sexual em que mantem relações sexuais com uma pessoa do mesmo sexo e com uma pessoa do sexo oposto, relacionamentos esses que podem ser mantidos simultaneamente ou em tempos divergentes. ” (PAVONI, p.869, 2015, apud, SILVA,JÚNIOR, 2020). Assim como, o conceito encontrado de bifobia, que estar relacionado de acordo com Ulrich Goob (2008), “ao processo de invisibilização e deslegitimação das experiências bissexuais, sendo usado para descrever reações negativas de pessoas heterossexuais, lésbicas e gays em relação às bissexualidades”. (LAEGER, LONGHINI, OLIVEIRA, et al., 2019, p.6). No entanto, com a pequena produção do conhecimento sobre a presente temática, dá-se um ponto de esperança a esses corpos que tanto sofrem em diversas esferas, sendo uma forma também de esclarecer as dúvidas que ocorrem na mente de pessoas bissexuais, pelas ideologias construídas socialmente de forma distorcida. Além do fato de conseguirmos construir junto ao coletivo processos de transformações sociais, que impulsionaram a alteração de ambos conceitos ao longo da história da humanidade.

REFERÊNCIAS

BUTLER, Judith. Quadros de guerra: Quando a vida é passível de luto?. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015. CALHEIROS, Freitas, Alcará. TENDÊNCIAS METODOLÓGICAS NA ÁREA DE ORGANIZAÇÃO E REPRESENTAÇÃO DO CONHECIMENTO: UMA ANÁLISE DAS COMUNICAÇÕES ORAIS DO GT2 DOS ENANCIBs DE 2014 E 2015, Londrina, 2016.

DEMO, P. Metodologia do conhecimento científico. São Paulo: Atlas, 2000. GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social, 6 ed, São Paulo: Atlas 2008.

JAERGER, Melissa. Longhini, Geni. OLIVEIRA, João. TONELI, Maria. Bissexualidade, bifobia e monossexismo: problematizando enquadramentos,. Revista de estudos indisciplinares em gêneros e sexualidades, Salvador, 2019. LEWIS, Elizabeth S.: “Não é uma fase”: construções identitárias em narrativas de ativistas LGBT que se identificam como bissexuais. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2012.

EIXO 1 - GÊNERO, CORPO E SEXUALIDADES VIVÊNCIAS DE MULHERES LÉSBICAS E A PSICOLOGIA BRASILEIRA: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA DE LITERATURA Jamyle Maria de Sousa Gonzaga

jamylemsousag22@gmail.com Universidade Estadual do Ceará

1 APRESENTAÇÃO Luis Fernando de Souza Benicio

luisf.benicio@gmail.com Universidade Estadual do Ceará

O presente trabalho constitui uma prévia de um trabalho de conclusão de curso no formato de artigo, em que buscamos analisar como a produção científica brasileira da psicologia tem retratado vivências das mulheres lésbicas, a partir de uma revisão sistemática de literatura (RSL). Destaca-se que para abordar essa temática, será necessário refletir sobre elementos constitutivos da lesbianidade no Brasil, sua influência e seus desdobramentos. Assim, abordaremos a lesbianidade a partir da definição de Toledo e Filho (2010), que a define como “processos de subjetivação relativos à orientação sexual e identidades política, sexual e de gênero de mulheres com relações/práticas homoeróticas que se auto-atribuem o nome lésbica ou similar”. A lesbianidade no Brasil é marcada pela invisibilidade em diversas áreas, aqui destacamos os movimentos sociais e o meio acadêmico. Fernandes (2018) afirma que, entre as décadas de 80 e 90, o movimento lésbico brasileiro não encontrou apoio no Movimento Homossexual Brasileiro, que se referia as lésbicas como "rachaduras" e "histéricas". Além disso, as lésbicas também não foram apoiadas pelo Movimento Feminista da época, que não levava em consideração suas pautas. Em relação ao meio acadêmico, a partir da década de 80, os estudos de gênero ganharam relevância e, nas últimas décadas, os estudos sobre homoafetividade. Porém, observamos que o debate e as produções científicas acerca dos aspectos e das singularidades da lesbianidade ainda são escassos, uma vez que quando se fala sobre homoafetividade, tende-se a focar na realidade dos homens gays, em detrimento das lésbicas e pessoas bissexuais. Guimarães e Vieira (2011) pontuam que o Brasil é um dos países onde as pessoas menos publicam,

estudam e leem sobre lesbianidade. Afirmam ainda que a maior parte das pesquisas acadêmicas brasileiras que abordam vivências LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queer, intersexuais, assexuais e demais orientações sexuais e identidades sexuais desviantes da heterossexualidade e cisgeneridade) expressam a hierarquia de gênero ao focar nos homens.No que se refere ao campo da psicologia, utilizava-se a terminologia “homossexualismo” para nomear as pessoas LGBT, em que o sufixo “ismo” refere se a uma condição patológica. O Conselho Federal de Psicologia (CRP), em 1999, publicou a resolução 001, que estabelece as(os) psicólogas(os) normas de atuação para o tema orientação sexual, e afirma que a homossexualidade não é uma doença e que essas(es) profissionais não poderão colaborar com projetos de tratamento e cura da homossexualidade. Entretanto, como aponta Barbosa (2014), cada grupo dentro da comunidade LGBTQIA+ apresenta sua individualidade, caracterizando a interseccionalidade das opressões, ou seja, violências que estão entrelaçadas. No caso das mulheres lésbicas, as opressões são duplicadas, triplicadas e até quadruplicadas, uma vez que são oprimidas pelo machismo, lesbofobia e, no caso de mulheres transexuais e negras, transfobia e racismo. Assim, entendemos como necessário buscar analisar se e como a psicologia tem contribuído para a compreender as vivências lésbicas.

1.1 Justificativa do trabalho

O presente trabalho busca tensionar a ciência para a visibilizar as vivências lésbicas. Entendemos que a ciência ocidental, que produz concepções de mundo, é construída por conhecimentos masculinistas, que analisa e produz estudos de forma tendenciosa, a partir de um ponto de vista machista. Essa ciência toma como sujeito ou objeto uma mulher universal, que é branca, ocidental, burguesa e heterossexual. Dessa forma, tensionar essa ciência a partir de uma perspectiva feminista possibilita uma visão ampliada, com maior capacidade para reconhecer a propensão androcêntrica, produzindo resultados objetivos, mais fieis ao mundo e desprovido de tendenciosidades (HARDING, 1993; HARAWAY, 1995). Desta forma, um trabalho que tematize as vivências lésbicas, diante de um sociedade heteronormativa e patriarcal, que invisibiliza essas mulheres em diversos aspectos, amplia os estudos na área podendo contribuir para futuras pesquisas em áreas acadêmicas. Além disso, possibilita a reflexão sobre a invisibilidade das

mulheres lésbicas nas produções científicas e as consequências disso.

2 OBJETIVO

Refletir, a partir de dados iniciais de uma revisão sistemática de literatura, como a produção científica brasileira da psicologia tem retratado vivências de mulheres lésbicas.

3 METODOLOGIA

O estudo trata-se de uma Revisão Sistemática, operacionalizada pela Plataforma de Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PePSIC) e pela Biblioteca Eletrônica Científica Online (Scielo), referente a produção de artigos científicos de 2010 a 2020. Utilizamos o protocolo PRISMA. Assim, o primeiro passo foi realizar as seguintes etapas para a submissão do estudo: 1) delimitação da questão norteadora; 2) coleta de estudos e evidências; 3) revisão do material e definição de critérios de exclusão/inclusão; 4) análise dos estudos selecionados; 5) apresentação de considerações finais sobre a revisão sistemática. Na primeira etapa, definimos como pergunta norteadora da nossa pesquisa a seguinte questão: “Como a produção científica da psicologia brasileira tem retratado vivências lésbicas?”. No segundo passo, realizamos a busca de artigos utilizando os critérios de idiomas (foram utilizados textos em português e em inglês), textos disponíveis e exclusão de materiais repetidos. Assim, foram utilizados os seguintes descritores, que foram combinados: “lésbicas”,“psicologia”,“Brasil”; “lesbofobia”;“violência”, “LGBT”, "psicologia" e “lesbianidade” . Foram encontradas 27 publicações no total. Após a busca, iniciamos o terceiro passo, que corresponde a revisão do material e as definições dos critérios de inclusão e exclusão. Foram utilizados os seguintes critérios de exclusão: a) teses e dissertações não foram incluídas, uma vez que o artigo consiste em uma monografia; b) artigos que não se relacionem com a pergunta norteadora; c) artigos que não estivessem dentro do período 2010-2020, uma vez que objetivamos analisar a produção de conhecimento mais recente construída no Brasil; d) estudos que não apresentavam relação com o contexto nacional. Assim, foram incluídos 14 artigos científicos na RSL, que foram analisados

a partir de estudos feministas e da psicologia social.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da RSL, observamos três temáticas que as produções científicas abordam acerca das vivências das mulheres lésbicas: o uso do termo lesbianidade na produção científica da psicologia brasileira, a constituição das mulheres lésbicas nas relações familiares e os processos de saúde-doença-cuidado de mulheres lésbicas. Em relação ao uso do termo lesbianidade, observamos que os artigos que utilizam o termo ou outros específicos para descrever as mulheres lésbicas e suas vivências, como “lésbicas”, “lesbofobia” e “lesbianismo”, destacam as singularidades dessas experiências. Entretanto, os trabalhos que utilizam termos como “homossexualidade” ou “lésbica” em conjunto com o termo “gay” não levaram em consideração as individualidades das mulheres lésbicas, focando nas vivências dos homens gays para definir a realidade da comunidade LGBTQIA+. Além disso, observamos que a maior parte das produções que levam em consideração as vivências das lésbicas possuem pelo menos uma autora mulher. Ao que se refere à segunda temática, os trabalhos discutem as suas relações filiais, parentais e conjugais. Assim, as(os) autoras(es) denominam de “homofobia familiar” as violências que a família comete contra as pessoas lésbicas/bissexuais/gays devido a sua orientação sexual. Afirmam que a maior expressão da homofobia familiar não é a expulsão das filhas lésbicas de casa, mas sim a violência indireta que ocorre cotidianamente. Entretanto, apenas um trabalho especifica as vivências lésbicas enquanto filhas, afirmando que as lésbicas rompem com o modelo de família nuclear burguesa ao buscar sua independência e autonomia e romper com a dependência e subordinação masculina. Ao que se refere a parentalidade, os artigos destacam que as (os) filhas (os) dos casais lésbicos não apresentam obstáculos em seu desenvolvimento cognitivo social-psico-sexual devido à orientação sexual de suas mães. Entretanto, o alto estresse maternal, devido aos desafios enfrentados relacionados à lesbofobia, acarretam efeitos negativos sobre a saúde mental e física dessas mulheres e para o bem-estar psicossocial de suas filhas(os), bem como causam depressão maternal. Em relação a conjugalidade, são escassos os estudos sobre a temática, uma

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vez que a maioria dos trabalhos encontrados em nossa RSL discutem a temática a partir da homossexualidade. Entretanto, afirmam que a legalização do casamento gera efeitos positivos para a saúde mental das lésbicas enquanto a homofobia gera efeitos negativos, porém pode estreitar os vínculos da relação. Pontuam ainda que casais lésbicos, quando comparados a casais heterossexuais, relatam viver relações mais igualitárias em relação a questões financeiras, de comunicação e de apoio. Por fim, ao que se refere aos processos de saúde-doença-cuidado de mulheres lésbicas, as(os) autoras(es) afirmam que as violências sofridas por essas sujeitas causam efeitos diretos em sua saúde física e mental. Observamos ainda que as(os) profissionais de saúde, tanto médicas(os) quanto psicólogas(os), possuem pouco conhecimento sobre diversidade sexual e, principalmente, sobre as vivências das mulheres lésbicas. Dessa forma, os trabalhos destacam que os cuidados em saúde, as produções científicas da área da saúde e as políticas públicas de saúde ainda não consideram e invisibilizam as singularidades das lésbicas. Portanto, as produções pontuam que as universidades, ao não possuir disciplinas específicas sobre diversidade sexual e sobre as vivências da comunidade LGBTQIA+, formam profissionais que partem do princípio que todas(os) as(os) suas/seus pacientes são heterossexuais e não produzem pesquisas que levem em consideração as especificidades das vivências lésbicas. Nesse sentido, observamos que as vivências lésbicas são invisibilizadas nas produções científicas da psicologia, em que, a maioria das publicações, analisam essas vivências a partir das experiências dos homens gays. Dessa forma, refletem o discurso hegemônico, machista e patriarcal da nossa sociedade, colocando as mulheres lésbicas e as lesbianidades em uma posição abjeta. Diante disso, ressaltamos que a ciência ocidental não é neutra, mas sim produz conhecimentos a partir de uma visão tendenciosa, machista, cisheteronormativa e racista, sendo necessário que seja tensionada para que se produza uma ciência que não coloque e reforce a mulher lésbica em um local de marginalidade e invisibilidade. Assim, faz-se necessário que a academia lance esforços objetivando visibilizar as vivências lésbicas, por meio da inclusão no currículo acadêmico de disciplinas que discutam a diversidade sexual e que leve em consideração as especificidades das lésbicas, entendendo que são mulheres que

sofrem opressões por seu gênero e sua orientação sexual. Para que forme profissionais que acolham e atendam as demandas das lésbicas, bem como construam políticas públicas que não idealizem suas vivências e respondam às suas necessidades cotidianas.

REFERÊNCIAS

TOLEDO, L.G., FILHO, F.S.T.; Lesbianidades e as referências legitimadoras da sexualidade, 2010.

FERNANDES, M.; O movimento das mulheres lésbicas feministas no Brasil, 2018.

GUIMARÃES, A.F.P.; VIEIRA,N.R.S; O Sexo implícito: a invisibilidade lésbica na mídia e na academia, 2011.

HARDING, S. A instabilidade das categorias analíticas na teoria feminista, 1993.

Haraway, D. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial, 1995.

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