8 minute read

Discussões sobre homossexualidade(s) masculina(s) em um canal do youtube

EIXO 2 - GÊNERO, EDUCAÇÃO E COMUNICAÇÃO DISCUSSÕES SOBRE HOMOSSEXUALIDADE(S) MASCULINA(S) EM UM CANAL DO YOUTUBE

1 APRESENTAÇÃO Anderson Moraes Pires

Advertisement

andeersonpires@gmail.com Universidade Federal do Ceará (UFC)

Kevin Samuel Alves Batista

kevin.sab@gmail.com Faculdade Princesa do Oeste

Francisco Henrique Cardoso da Silva

henriquecardoso220@gmail.com Faculdade Princesa do Oeste

Há uma ordem de gêneros e sexualidades que, de acordo com Borrillo (2010), concebe, por exemplo, a homofobia e o sexismo como uma ideologia organizadora das relações entre os sexos. No âmago dessa ideologia, ainda segundo o autor, o masculino está vinculado ao universo exterior e político, ao passo que o feminino reenvia à intimidade e à vida doméstica. Podemos ver que

A origem da justificativa social dos papéis atribuídos ao homem e à mulher encontra-se na naturalização da diferença entre os dois sexos: a ordem (chamada “natural”) dos sexos determina uma ordem social em que o feminino deve ser complementar do masculino pelo viés de sua subordinação psicológica e cultural (BORRILLO, 2010, p. 30). Nesta ordem, o sexismo contribui para a constituição da identidade masculina que, em nossa cultura, é alvo de uma vigilância que controla, e quase impede, as expressões físicas de amizade e de afeto entre homens (LOURO, 2000). Essa lógica de produção da cis-heterossexualidade desemboca também na rejeição da homossexualidade que, segundo Louro (2000), geralmente se expressa por declarada homofobia. Dessa forma, as experiências de pessoas que se percebem com interesses e desejos afetivos e sexuais distintos da norma heterossexual configuram-se violentas. Nesse ínterim, a homofobia se estabelece “como mais um importante obstáculo à expressão de intimidade entre homens. É preciso ser cauteloso e

manter a camaradagem dentro de seus limites, empregando apenas gestos e comportamentos autorizados para o ‘macho’.” (LOURO, 2000, p. 29). Prado (2010) menciona que a homofobia tem sido discutida como um dispositivo de vigilância das fronteiras de gênero que, inclusive, atinge todas as pessoas, independente da orientação sexual. Ou seja, é possível concordar que a homofobia se encontra não apenas na esfera individual e psicológica, e sim em dimensões sociais e politizadas. É importante demarcar que a tradição judaico-cristã fomentou a concepção de controle sobre o sexo que, consequentemente, fez com que os homossexuais fossem vistos como “cidadãos de segunda classe” (ARAÚJO, 2011). Apesar de ser bastante argumentado entre pesquisadoras/es da temática de gênero e sexualidade, e que também concordemos com isso, assinalamos também que as representações dos gays “criadas a partir do discurso jornalístico podem determinar e/ou intensificar o processo de marginalização dos homossexuais na sociedade, excluindo-os do exercício da cidadania e contribuindo para o crescimento da homofobia” (DARDE, 2008, p. 225). Alinhados com essa contribuição de Darde (2008), nos interessamos pela identificação dos discursos contemporâneos acerca das homossexualidades masculinas nas mídias digitais, especificamente no YouTube, que difere do texto jornalístico, o qual se relaciona majoritariamente com o conceito de verdade e objetividade, embora parta do olhar subjetivo de uma pessoa.

1.1 IMPORTÂNCIA / JUSTIFICATIVA

A escolha pela temática aparece, inicialmente, pelos atravessamentos pessoais do primeiro autor deste trabalho, pelo interesse em compreender, enquanto está experienciando, os fenômenos que atravessam a questão da masculinidade e da homossexualidade. É, em certa medida, uma forma de lutar contra um sistema fundado e mantido pela lógica cis-heterossexual. Também é um trabalho que se interessa pelos diálogos contemporâneos sobre homens e masculinidades. Visto que o Brasil continua a ser um país que mais se tem ocorrência de agressões e mortes contra homossexuais e, de modo geral, pessoas LGBTQIA+ (GASTALDI et al., 2021), este trabalho também se justifica pela necessidade de continuar questionando e analisando os discursos sociais que, nos últimos anos, têm

circulado nos espaços virtuais. A homofobia, nesse caso, é tensionada para além da aversão, desprezo, ódio ou medo – emoções negativas – no âmbito intrapessoal, pois Prado (2010) compreende que as instituições sociais também precisam ser vistas em conjunto com os “indivíduos” e “grupos homofóbicos”.

2 OBJETIVO

O objetivo deste trabalho é identificar e analisar as discussões sobre a homossexualidade masculina apresentadas pelo canal Quebrando o Tabu, no YouTube, durante o ano de 2020.

3 MÉTODO

Este trabalho tem abordagem qualitativa e se classifica enquanto uma pesquisa exploratória, com base na compreensão experiencial, e se relaciona com o nosso objetivo à medida que busca conhecer o universo dos significados (YIN, 2016).

O método utilizado é o de etnografia de tela, para conseguirmos construir significados e relacioná-los com os saberes que circundam os meandros do social (RIAL, 2005). De acordo com Rial (2005), a etnografia de tela exige longo período de contato com os materiais; registro em caderno de campo; observação sistemática; e escolhas de cenas mais aprofundadas. Assim, elegemos essas considerações da autora como critérios para a realização deste trabalho. O canal Quebrando o Tabu foi escolhido por nós porque tem destaque na plataforma do YouTube no que tange gênero e sexualidade. E estabelecemos como critérios de inclusão26: vídeos publicados no ano de 2020; vídeos públicos; e que

26 Vídeo um: Paulo Gustavo está cancelado? (https://www.youtube.com/watch?v=3ZHM56Y2gsw&t=1s) Vídeo dois: SER GAY NA ESCOLA É FODA! (https://www.youtube.com/watch?v=QXhkBwDppHw) Vídeo três: SAC QUEBRANDO: HOMENS NO CARNAVAL (https://www.youtube.com/watch?v=2kS1EcMROhI) Vídeo quatro: SAC QUEBRANDO: CASAMENTO GAY (https://www.youtube.com/watch?v=GVGx5ijs _ oY) Vídeo cinco: MEU RELACIONAMENTO ABUSIVO GAY (https://www.youtube.com/watch?v=mCv1R8gVjSg) Vídeo seis: ESSA É A DITADURA GAY ??? (https://www.youtube.com/watch?v=DaE5b8KTDG4) Vídeo sete: SAC QUEBRANDO: SAINDO DO ARMÁRIO (https://www.youtube.com/watch?v=MFZ5VBbu4o4) Vídeo oito: SAC QUEBRANDO: GÊNERO E SEXUALIDADE (https://www.youtube.com/watch?v=JyKwSzBubKk)

135

fizessem referência direta e indireta, no título ou na thumbnail – miniatura de imagem –, à homossexualidade masculina. A análise temática proposta por Braun e Clarke (2006) foi seguida, especificamente, as etapas de familiarização com os dados, busca, revisão e definição dos temas, e produção final da análise. As autoras consideram que a análise temática “deve ser vista como um método fundamental para análise qualitativa [...], pois fornece habilidades básicas que serão úteis para realizar muitas outras formas de análise qualitativa” (BRAUN; CLARKE, 2006, p. 04).

4 CONSIDERAÇÕES

O que chama atenção em todos os vídeos analisados é o modo como a mensagem é transmitida sem rodeios, sem maquiar as experiências e expressões utilizadas entre as pessoas LGBTQIA+, e que consegue estabelecer certa conexão com as pessoas que assistem aos vídeos – pessoas com diferentes identidade de gênero e orientação sexual, como observado nos comentários. Além disso, o humor foi utilizado, predominantemente, em quatro dos nove vídeos selecionados, no quadro “SAC Quebrando”, ação que consideramos fértil, pois ameniza o tom, mas que não abandona a seriedade em torno da temática, a exemplo de uma colaboração feita no vídeo “SAC QUEBRANDO: GÊNERO E SEXUALIDADE”: “Eu gosto de estimulação anal, porém, não sou gay. Meus amigos não entendem muito isso”.

Os vídeos se relacionam entre si, pois versam acerca da homossexualidade masculina a partir de temas que estão conectados. Assim, embora não tenha sido a primeira produção publicada no ano de 2020, elegemos o vídeo “SAC QUEBRANDO: SAINDO DO ARMÁRIO” como um possível ponto de partida, pois há uma pressão social a respeito desse momento (SEDGWICK, 2007) que deveria ser pessoal, mas se torna um grande acontecimento familiar, na escola e/ou ambiente de trabalho. O vídeo “SAC QUEBRANDO: HOMENS NO CARNAVAL” mostra sua importância com o tema deste trabalho a medida em que Vitor diCastro, apresentador e roteirista, fala: “[...] e eu não sei se você já percebeu, mas eu

Vídeo nove: Eles "SAÍRAM DO ARMÁRIO" para os pais (https://www.youtube.com/watch?v=2 _ Yruou2krI)

também sou um homem [gay]. E eu estou aqui pra te lembrar que homens gays podem ser muitos babacas, porque vivemos em uma sociedade machista” (sic). Nesse sentido, Louro (2000, p. 29) menciona que “Meninos e meninas aprendem, também desde muito cedo, piadas e gozações, apelidos e gestos para dirigirem àqueles e àquelas que não se ajustam aos padrões de gênero e de sexualidade admitidos na cultura em que vivem”. Assunto que é abordado no vídeo “SER GAY NA ESCOLA É FODA!”, onde Vitor menciona que, no contexto escolar, “não posso ser gay, não posso demonstrar uma feminilidade, não posso desmunhecar, não posso dançar do jeito que quero dançar, não posso falar do jeito que quero falar, porque todo mundo vai me zoar com isso” (sic). Em síntese, os vídeos do canal Quebrando o Tabu, no ano de 2020, conseguiram abordar a temática, do ponto de vista das reivindicações dos movimentos LGBTQIA+ brasileiros, de maneira responsável. Também conseguiram demonstrar que, apesar das dificuldades e impossibilidades de existências, é possível produzir uma narrativa que transmite o respeito à diferença e inclusão, pois não existe apenas uma maneira cristalizada de ser homem e homossexual.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Jair Bueno de. A (des)construção do discurso do corpo homossexual

masculino: uma trajetória histórica da desnaturalização dos dispositivos de

poder. 2011. 104 f. Dissertação (Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2011. BORRILLO, Daniel. Homofobia: história e crítica de um preconceito. Tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. DARDE, Vicente William da Silva. A construção de sentidos sobre a homossexualidade na mídia brasileira. Revista de Biblioteconomia e Comunicação (UFRGS), v. 14, p. 223-234, 2008. GASTALDI, Alexandre Bogas Fraga et al. (Orgs). Observatório de Mortes Violentas de LGBTI+ no Brasil - 2020: Relatório da Acontece Arte e Política LGBTI+ e Grupo Gay da Bahia. 1. ed. Florianópolis: Editora Acontece Arte e Política LGBTI+, 2021. 79 p. LOURO, Guacira Lopes. Pedagogias da Sexualidade. In: ______. (Org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Tradução dos artigos: Tomaz Tadeu da Silva. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 07-34.

YIN, Robert K. Pesquisa qualitativa do início ao fim. Tradução de Daniel Bueno. Porto Alegre: Penso, 2016. PRADO, Marco Aurélio Máximo. Homofobia: muitos fenômenos sob o mesmo nome. In: BORRILLO, Daniel. Homofobia: história e crítica de um preconceito. Tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. RIAL, Carmen Silvia. Mídia e sexualidades: Breve panorama dos estudos de mídia. In: GROSSI, Miriam; BECKER, Simone; LOSSO, Juliana; PORTO, Rozeli; MULLER, Rita de Cássia. (Org.). Movimentos Sociais, Educação e Sexualidades. 1. ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2005, p. 107-136. SEDGWICK, Eve Kosofsky. A epistemologia do armário. Cadernos Pagu, n. 28, p. 19-54, 2007.

This article is from: