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Coletivos feministas da universidade estadual do ceará: resistências plurais na pandemia
EIXO 2 - GÊNERO, EDUCAÇÃO E COMUNICAÇÃO COLETIVOS FEMINISTAS DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ: RESISTÊNCIAS PLURAIS NA PANDEMIA.
Teresa Cristina Esmeraldo Bezerra
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teresa.bezerra@uece.br Professora da Universidade Estadual do Ceará (UECE)
Paula Julia Rodrigues Barbosa
paula.julia@aluno.uece.br Graduanda em Serviço Social (UECE)
Rafaela Gomes Oliveira
rafa03.gomes@aluno.uece.br Graduanda em Serviço Social (UECE)
1 APRESENTAÇÃO
O seguinte trabalho relata alguns dos resultados do “OCUPA NAH” que aconteceu como atividade da pesquisa de iniciação científica “Coletivos Feministas Jovens: o enfrentamento à violência de gênero na Universidade Estadual do Ceará” (2020-21) e da pesquisa “Coletivos Feministas Jovens na Universidade Estadual do Ceará: resistências ao machismo na cultura juvenil Universitária” (2020-21)24 . O interesse para realizar essa pesquisa surgiu a partir da articulação e das lutas de jovens da Universidade Estadual do Ceará (UECE) contra os casos de violência de gênero que estavam acontecendo no Campus em 2016. Essa articulação de lutas, que contou com a organização do Coletivo Feminista Jana Barroso, que se constituía uma célula da Marcha Mundial de Mulheres na UECE, resultou na criação, por meio do Comitê de Segurança da UECE, do Núcleo de Acolhimento Humanizado às Mulheres em Situação de Violência da Universidade Estadual do Ceará (NAH-UECE). O Núcleo tem como objetivo principal o combate à violência de gênero contra as mulheres na UECE. Para tanto, acolhe as mulheres em situação de violência, realiza ações e campanhas de prevenção à violência, com a ajuda de coletivos
24 Se tratam de dois projetos de iniciação cienfica coordenados pela professora Teresa Crisna Esmeraldo na qual as duas autoras do trabalho são bolsistas.
feministas, além de desenvolver estudos e pesquisas sobre estes coletivos e outros temas por meio do Grupo de Estudos sobre Gênero e interseccionalidade.
1.1 Justificativa
Discutir gênero e feminismos em meio ao processo de recrudescimento do conservadorismo que vivenciamos no Brasil é de extrema relevância, em razão da importância dos movimentos e epistemologias feministas para o questionamento e a desconstrução das estruturas e padrões que sustentam as opressões de gênero, raça e classe em nosso país. Segundo dados da pesquisa do Instituto Avon sobre o tema violência contra a mulher no ambiente universitário (2015), a qual ouviu um total de 1.823 graduandos e pós-graduandos de todas as regiões do país, sendo 1.091 mulheres e 732 homens, 67% das estudantes entrevistadas afirmaram já ter sofrido algum tipo de violência na universidade. Ainda conforme a referida pesquisa a maioria das entrevistadas foram vítimas de assédio sexual (56%), violência psicológica (52%), violência sexual (28%) e violência física (10%). Para Lourdes Bandeira (2017, p.70), “a recorrência da violência contra as mulheres e os sofrimentos que esta produz exigem que sejam investigadas nas universidades brasileiras as dimensões rituais das sociabilidades que auxiliam a reprodução dessas violências de gênero no âmbito universitário”. Ainda segundo a autora, os códigos de honra e poder masculinos, construídos sob a hegemonia de uma lógica viril estão impregnados na cultura juvenil universitária brasileira, fazendo com que jovens universitários não reconheçam muitas formas de violência contra as mulheres. Esse cenário tende a se complexificar, no contexto da pandemia do Novo Corona Vírus, pois a partir de 2019, as pessoas foram obrigadas a mudar completamente o seu jeito de viver e de se relacionar, em razão das medidas de isolamento recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para conter a disseminação do vírus, evitar o colapso dos sistemas de saúde e preservar a vida. Neste sentido, os resultados da pesquisa aqui apresentados consideram este panorama cultural mais amplo no qual transitam as jovens universitárias dos coletivos feministas, convivendo em meio aos códigos e rituais de uma cultura
juvenil universitária ainda marcada por uma lógica viril, machista e patriarcal, que tende a se agravar e se complexificar no contexto da pandemia COVID 19. No cenário acadêmico, as estudantes universitárias passaram a ter que lidar com problemas relacionados ao isolamento social e ensino remoto, como lidar com os afazeres domésticos, o trabalho e as aulas ao mesmo tempo, sem contar com os problemas relacionados à falta de acessibilidade às aulas remotas, como também, às violências de gênero que são sofridas cotidianamente. Assim, o que se propõe aqui é apresentar os resultados de uma investigação sobre os desafios à organização e atuação das jovens universitárias no contexto da pandemia COVID 19, por intermédio de sua inserção em coletivos feministas plurais na Universidade Estadual do Ceará.
2 OBJETIVOS
Objetivo Geral:Investigar a organização e atuação dos coletivos feministas da UECE no contexto da pandemia COVID 19. Objetivos Específicos: Apreender as principais pautas e temáticas debatidas; Compreender os usos e apropriações das redes sociais; Captar os significados que as jovens participantes dos coletivos atribuem aos feminismos plurais;
3 METODOLOGIA
Considerando que o recorte do objeto desta pesquisa não se desvincula das ações realizadas pelo NAH, em parceria com coletivos feministas plurais dentro da UECE, optou-se pela metodologia da pesquisa ação, por se adequar à perspectiva dialógica adotada no trabalho do Núcleo. Segundo Thiolent (2009) a pesquisa ação se insere no âmbito da pesquisa qualitativa, na medida em que busca apreender os sentidos e significados que os sujeitos atribuem às suas experiências e práticas no cotidiano. Neste sentido, a metodologia da pesquisa ação se adéqua à dinâmica desta pesquisa, pois conforme Bueno (2009), tal metodologia surge a partir da necessidade do grupo ou comunidade, sendo realizada de forma coletiva, participativa, construtiva, conjuntiva, dialógica e interventora. Desse modo, por intermédio da pesquisa ação é possível realizar uma investigação ao mesmo tempo em que se constrói uma ação transformadora, no âmbito da prevenção à violência
de gênero na universidade, em conjunto com os coletivos feministas, seguindo as referências da pedagogia progressista de Paulo Freire, também citadas por Thiollent (2009). Como técnicas de pesquisa para apreendermos os modos como os coletivos se organizam e atuam no contexto da pandemia, utilizaremos a observação participante, o registro em diário de campo das lives, grupos de discussão, reuniões e rodas de conversa e demais atividades realizadas com e pelos coletivos nas redes sociais, a partir de uma perspectiva dialógica, além de acompanharmos de perto e de dentro as iniciativas propostas pelos próprios coletivos na UECE.
4 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS
Inicialmente, foi muito difícil ter contato com os coletivos feministas da universidade, pois alguns coletivos que anteriormente atuavam fortemente na UECE, com a pandemia e o processo de distanciamento social acabaram reduzindo suas ações por um tempo. A falta de acessibilidade à internet destacada pelas militantes como um dos um dos principais obstáculos que dificultaram a atuação desses coletivos durante a pandemia. Conseguimos mapear três coletivos feministas auto organizados25: Mulheres Uni-vos, Pratica Feminista e Ana Montenegro, e quatro coletivos com setoriais feministas na universidade: MST, RUA, Levante popular da juventude e o Setorial de Mulheres do Centro Acadêmico Livre de Serviço Social (CALSS). Posteriormente, após algumas tentativas conseguimos reunir as jovens de alguns coletivos feministas que estavam em ativa: RUA, Levante e Pratica Feminista e organizamos uma ação em conjunto, a ação que foi pensada se tratou de um conjunto de ocupações na página do Núcleo, denominada #OcupeNah, onde cada coletivo escolheu a temática que iria abordar. O primeiro coletivo a se colocar para fazer parte da ocupação foi o Coletivo RUA (Juventude Anticapitalista), coletivo formado por alunas de diversos cursos e que faz parte da frente Povo sem Medo. O coletivo que escolheu a temática sobre o feminismo negro para abordar nas páginas do NAH, o coletivo organizou posts e uma live que debateu a questão do feminismo negro. Uma das características
25 Ou seja colevos só para mulheres
principais da chamada Quarta Onda Feminista é justamente a ascensão dos feminismos plurais, acolhendo à crítica das feministas da Terceira Onda a ideia de um sujeito universal para o termo “mulher”, e as feministas dessa nova onda buscam pautas que acolhem as multiplicadas formas de ser mulher, e a forma como diferentes opressões podem se aglutinar na vida de cada uma delas (FISCHER,2018). Na ação de ocupação das redes do NAH o coletivo RUA apresentou a discussão sobre classe, raça e gênero, trazendo ao debate a abordagem sobre a interseccionalidade, pois “[...] a misoginia e o racismo atingem mulheres negras fazendo com que elas sofram mais vezes violências do que mulheres brancas [...]” (RUA, 2021). Ademais, as jovens vinculadas a este coletivo argumentaram sobre as desigualdades sociorraciais no país, onde mulheres brancas ganham um salário maior que o salário da mulheres negras e dos homens negros, e isto quando a população negra consegue estar inserida no âmbito do trabalho. Elas destacaram ainda que o “[...] feminismo que não pensa/aborda sobre o racismo é um feminismo excludente, pois as mulheres pretas não estão sendo representadas. Por isso [...] é importante adequar a realidade de cada mulher que vai ser atravessada por diversas violências” (RUA, 2021). Para elas, existe constantemente a necessidade de se debater um viés interseccional para a análise da realidade e, também, quando estamos discutindo temáticas feministas. Em suas postagens nas redes do NAH elas pontuaram que: “a interseccionalidade em nossas lutas é fundamental para abranger as diversidades. Nossos desafios se interpelam, e por isso precisamos falar sobre eles [...]” (RUA, 2021). O segundo coletivo que participou da ação foi o Coletivo Prática Feminista, formado por estudantes de Tauá tem uma independência maior em relação a partidos políticos, adotando a ideia de horizontalidade que é outra característica dos coletivos feministas de quarta onda (RIBEIRO; O’DWYER; HEILBORN, 2018). O Coletivo realizou ações por meio posts e reels, discutiu a questão da acessibilidade, dando continuação à perspectiva da necessidade de um feminismo que consiga observar a pluralidade de mulheres e de como os problemas de acessibilidade devem fazer parte da pauta feminista, pois excluir esse tema acarretaria em excluir mulheres com deficiência do movimento.
O terceiro e último coletivo da ocupação foi o Levante Popular da Juventude formado por estudantes de vários cursos da universidade e fazendo parte da Frente Brasil Popular sobre problemas relacionados a pandemia e ampliação de casos de violência contra a mulher. O coletivo além de produzir postagens, organizou uma Live que discutiu sobre a vida das jovens estudantes na pandemia e as problemáticas envolvidas no ensino à distância e o Home Office. Além de falarem sobre o feminismo popular, e de sua importância, o que também condiz com o conceito da quarta onda ser a voz dos feminismos plurais. Durante as ocupações, os três coletivos movimentaram as redes do NAH e deram visibilidade às suas pautas, expressando os feminismos plurais, que caracterizam a quarta onda do feminismo, resistido de diferentes maneiras para continuarem as suas atuações mesmo em um momento tão cheio de dificuldades como na pandemia.
REFERÊNCIAS
BANDEIRA, L.M. Trotes, assédios e violência sexual nos campi universitários do Brasil. In: Rev. Gênero. V.17. N.2. Niterói. 2017, p.49-79. FISCHER, Mariana Pimentel. Por que é importante falarmos em feminismos (no plural)?. In: Portal Geledés . Brasil, 2018. Disponível em: https://www.geledes.org.br/por-que-e-importante-falarmos-em-feminismos-no-plural/. Acesso em: 31 maio 2021
THIOLLENT, Michel. Metodologia da Pesquisa-Ação. São Paulo: Cortez,1985. RIBEIRO, L.; O’DWYER, B.; HEILBORN, M. L. Dilemas do feminismo e a possibilidade de radicalização da democracia em meio às diferenças: o caso da Marcha das Vadias do Rio de Janeiro. Civitas - Revista de Ciências Sociais, v. 18, n. 1, p. 83-99, 13 abr. 2018.