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A violência contra a mulher tem um culpado, o patriarcado
EIXO 3 - GÊNERO, VIOLÊNCIA E VIOLAÇÃO DE DIREITOS A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER TEM UM CULPADO, O PATRIARCADO Caroline dos Santos de Sant’Anna
caroline.santannna@gmail.com Assistente Social, graduada pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Resumo: A compreensão acerca da violência contra a mulher necessita passar pela discussão sobre o patriarcado, por isso, este trabalho busca apontar algumas reflexões que podem auxiliar nesse debate. Para isso, realizou-se uma pesquisa bibliográfica em fontes primárias, com o objetivo de construir uma perspectiva de análise que explicite a íntima relação entre a sociabilidade patriarcal com a ocorrência da violência contra a mulher. Por fim, aponta-se que ao estabelecer essa relação de causa e consequência, a extinção do problema só ocorrerá com a eliminação do patriarcado, que se mostra ser um grande desafio para toda a sociedade e que precisa ser enfrentado em conjunto com o Estado. Palavras- chave: Violência. Mulher. Patriarcado.
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Abstract: The understanding of violence against women needs to go through the discussion about patriarchy, therefore, this work seeks to point out some reflections that can help in this debate. For this, a bibliographical research was carried out in primary sources, with the aim of building an analytical perspective that explains the intimate relationship between patriarchal sociability and the occurrence of violence against women. Finally, it is pointed out that by establishing this relationship of cause and consequence, the extinction of the problem will only occur with the elimination of patriarchy, which proves to be a great challenge for the entire society and that needs to be faced together with the State. Keywords: Violence. Woman. Patriarchy.
1 APRESENTAÇÃO
A violência contra a mulher é um fenômeno que está presente em nosso cotidiano, entretanto naturalizar sua ocorrência aponta uma postura de conivência e de banalização com esse grande problema social. Este trabalho busca, a partir de uma revisão de literatura apontar que a violência contra a mulher é um fenômeno decorrente de um modo específico de sociabilidade, o patriarcado. Desse modo, a partir de uma discussão iniciada no trabalho de conclusão de curso, que constrói-se o debate aqui exposto, tendo como principal objetivo refletir a relação entre o patriarcado e a violência contra a mulher, sendo esta forma de estruturação da sociedade que vem violando e ceifando a vida de muitas mulheres. Compreende-se que há um longo caminho para a sua superação, mas só será com a extinção da hierarquização entre homens e mulheres que, os sujeitos poderão
viver em harmonia, com igualdade plena e, o Estado tem um papel fundamental nessa luta.
1.1 Justificativa
A sociedade contemporânea conta com inúmeros avanços nas discussões acerca da violência contra a mulher, pode-se notar, por exemplo, a abrangência da descrição das formas de violações45 que esse sujeito pode sofrer em seu cotidiano. Entretanto, ainda é evidente uma cultura de romantização nos relacionamentos, principalmente entre heterossexuais, que coloca o homem no papel de príncipe encantado, que de tudo faz para salvar e amar a sua “dama em constante perigo”. Esses papéis sociais atribuídos à homens e mulheres nas suas relações de íntimo afeto, são como caixas que os aprisionam em padrões propagados e reproduzidos socialmente, sem que haja uma reflexão crítica a seu respeito. Nesse sentido, ao construir uma análise sobre tal perspectiva, observa-se a naturalização de determinados comportamentos machistas, como inerentes às relações entre homens e mulheres, que difundem a discriminação e, por conseguinte, a violência. É importante ressaltar que entende-se como patriarcado a organização social em que coloca-se o homem em uma posição de superioridade em relação à mulher (SAFFIOTI, 2011). A partir disso, os locais, os costumes, os hábitos e as relações são moldadas para manter este padrão e, ações decorrentes desta organização, com base nesta mesma autora visam favorecer o homem, logo, são ações e comportamentos machistas, que dão vantagem ao macho. Assim são essas atitudes que nos visibilizam essa estrutura desigual e excludente da ordem de gênero, que também é atravessada por outras opressões. As discussões sobre tais comportamentos são essenciais na busca pela sua extinção, assim, ao abordar esta problemática, aponta-se uma importante reflexão acerca de tais padrões e, considera-se que um dos caminhos para sua superação, passa pelo debate e pela educação em gênero. Por isso, este trabalho justifica sua relevância social ao colocar em cena questões que para muitos passam despercebidos, mas que contribui para a manutenção dos elevados dados46 de
45 Ver art. 7º da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) 46 Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2020), em 2019, o crime de feminicídio teve um aumento de 7,1% em relação ao ano anterior, somando 1.326 mulheres assassinadas.
violência sofrida por mulheres em todo o país. Entende-se aqui que a violência contra a mulher é gerada a partir da diferença social constituída pelo patriarcado. Segundo Saffioti (2011), a ordem patriarcal de gênero consiste em um modo de hierarquizar a sociedade seguindo uma noção de superioridade dos homens em detrimento das mulheres. Essa autora ainda afirma que, esse modo de organização social define os papéis sociais desses sujeitos e, é através dessa separação que há uma socialização diferenciada para ambos. Portanto, é a partir dessa divisão que os homens assumem o papel de dominador nas relações e, as mulheres nessa organização sexista, ocupam o lugar de submissas, criadas para serem amáveis e frágeis. Ao compreender as problemáticas que estão envolvidas nessa forma de socialização, pode-se analisar o quão prejudicial elas são para homens e mulheres, que têm a sua vida em sociedade determinada a partir de padrões sociais desiguais, impedindo-os de expressar a sua verdadeira natureza, que certamente não preza pela exclusão e discriminação. Ao compreender a relação entre as inúmeras facetas de diminuição da mulher na sociedade, fica evidente como a violência cumpre um papel fundamental na manutenção da ordem patriarcal. Visto que, é através das atitudes violentas que assegura-se a submissão da mulher, afinal, é desse modo que, seja pela força física e/ou pelo poder, os homens conseguem que os outros sujeitos realizem os seus desejos (SILVA, 2005). Além disso, cabe observar que a sociedade se estrutura a partir de diferentes marcadores – gênero, raça, classe, geração e etc. – logo, todas essas clivagens agem em conjunto, uma vez que conformam as identidades dos sujeitos e, as suas respectivas hierarquizações atravessam e complexificam as exclusões vivenciadas (SAFFIOTI & ALMEIDA, 1995). A relação desigual entre homens e mulheres também possui um importante papel na legitimação do modo de produção capitalista, pois, enquanto o primeiro se coloca no campo produtivo da economia e das relações, à mulher é delegado o campo da reprodução, conforme analisa Nogueira & Passos (2020). Essa diferença sexual é convertida em uma diferença social, utilizada para assegurar a dominação de um grupo sob o outro e, a violência é um dos pilares para sustentar essa sociabilidade (SAFFIOTI, 2011). Sendo assim, a discussão sobre as relações entre homens e mulheres devem ter como pano de fundo noções acerca dos determinantes sociais e econômicos
dessa sociabilidade. Além disso, é a partir dessa concepção que pode-se compreender que os contos de fadas tão associados ao amor puro e inocente, por vezes tende a valorizar comportamentos machistas e abusivos, uma vez que, são produzidos seguindo os valores dessa sociedade.
2 OBJETIVOS
Este trabalho tem como principal objetivo apontar uma reflexão acerca da violência contra a mulher como fruto da sociabilidade patriarcal e, como isso está relacionado com o modo de produção capitalista. Para isso, é necessário apresentar a relação entre o patriarcado e o capitalismo, além de demonstrar a funcionalidade da submissão da mulher ao modo de produção capitalista.
3 METODOLOGIA
Utilizou-se a revisão de literatura, através da pesquisa bibliográfica para a construção deste trabalho. Cuja investigação teórica se deu a partir de temas como patriarcado, violência contra a mulher e divisão sexual do trabalho, para assim localizar autores que discutem tais perspectivas. Essa pesquisa se deu a partir de uma investigação prévia para a construção de uma monografia, utilizando essas referências como base para construir este trabalho e balizar esta discussão, abordando autores como Saffioti (2011), Nogueira & Passos (2020) e Silva (2005).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A discussão apontada neste trabalho teve como base a noção de que o patriarcado – que faz parte da estrutura da sociedade – tem normatizado os papéis sociais desenvolvidos por homens e mulheres. Nesse sentido, as concepções e imagens atribuídas à esses sujeitos transformam as suas relações de forma substancial e as prejudicam. Vale ressaltar que, ao comparar as consequências dessa estrutura, as mulheres são as mais afetadas (SAFFIOTI, 2011). Saffioti (2011) aponta que o patriarcado atua integrado ao capitalismo e ao racismo, logo, pode-se perceber que a socialização feminina preza pela submissão da mulher ao homem, restringindo-a ao ambiente doméstico e a essas atividades. Essa restrição contempla a lógica capitalista de reprodução da vida social, em que, cabe a mulher a manutenção da família, o cuidado com os seus membros e,
consequentemente, estará garantindo a permanência desse modo de produção, pois irá assegurar a reprodução da mão de obra proletária (NOGUEIRA & PASSOS, 2020). Nesse sentido, a análise de todo o contexto que envolve a violência contra a mulher deve considerar os inúmeros marcadores que atravessam a sua vivência em sociedade. Afinal, como bem discute Akotirene47(2018), os fenômenos atingem as mulheres de forma diferenciada a partir das suas identidades de raça/etnia, gênero, sexualidade, condição social, geração, deficiência e etc., logo, sua ação é em conjunto e complexa demais para se reduzir a análise de apenas um fator como determinante para a violência. Saffiotti (2011) argumenta que normalmente separa-se as categorias para que se possa investigar melhor a sua ocorrência, contudo, os sujeitos ao sofrerem as opressões não as vivenciam por um ou outro fenômeno separadamente, mas por sua ação conjunta. Assim, entende-se que racismo, patriarcado e classismo (assim como outros marcadores), agem em intersecção48 para oprimir e submeter as mulheres numa estrutura desigual e marcada pela exclusão deste grupo social. Outro ponto que deve ser considerado, diz respeito à sexualidade feminina, ainda repleta de tabu, pois segue a lógica de reprodução da vida social, conforme aponta Saffioti (2011). Ao manter a sexualidade como algo dissociado da natureza feminina, ao mesmo passo que a corresponde somente a reprodução humana, encontramos mais uma fonte patriarcal de submissão da mulher (SAFFIOTI, 2011). Nesse sentido, tem-se uma estrutura social muito forte, de benefício mútuo – para o capitalismo e o patriarcado –, em que a sua manutenção precisa ser assegurada através de outros mecanismos, como a cultura, o lazer e as artes, por exemplo. Considera-se que, a partir dessa estrutura patriarcal de dominação da mulher, são geradas violências, que estão presentes em todos os campos da vida social, seja na restrição da mulher ao espaço doméstico e/ou quando sua sexualidade é reprimida. As histórias fantasiosas de contos de fadas compõem o vasto acervo de instrumentos de limitação e dominação da mulher, para que esta cumpra o suposto papel que possui na sociedade: mãe, esposa e do lar. Não critica-se aqui que a mulher ocupe essas funções, mas argumentamos que, ela deve ter o direito de
47 Carla Akotirene é uma das autoras com maior destaque na discussão sobre interseccionalidade, recomenda-se a leitura de suas obras sobre o tema para aprofundar o conhecimento sobre o assunto. 48 5 Ver mais sobre Interseccionalidade em Akotirene (2018).
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escolher sob elas, mas toda a sociedade está organizada de modo a cercear sua liberdade e, a violência é um dos instrumentos mais cruéis utilizados para a manutenção dessa ordem. Portanto toda discussão sobre violência contra a mulher deve considerar inicialmente a estrutura patriarcal da sociedade, buscando desmitificar conceitos e paradigmas que permeiam o senso comum. Afinal, ignorando esse sistema de dominação, pode não haver mudanças significativas, haja vista que buscamos a igualdade de gênero e, para isso, discutir e eliminar o patriarcado se faz urgente. Por isso, pressionar o Estado por mais medidas de enfrentamento e educação em gênero precisa ser uma bandeira permanente de luta, uma vez que, são essenciais para evitar que mais mulheres sejam submetidas à violências por razões de gênero.
REFERÊNCIAS
AKOTIRENE, C. Interseccionalidade. São Paulo: Pólen, 2018. FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Ano 14. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2020. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-interativo.pdf. Acesso em: 12 nov. 2020. SAFFIOTI, H. I. B. Gênero, patriarcado, violência. 1ª ed. 2ª reimpressão. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2011. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/1741437/mod_resource/content/1/G%C3% A Anero%2C%20Patriarcado%2C%20Viol%C3%AAncia%20%20%28livro%20comple t o%29.pdf. Acesso em: 28 abr. 2020. SAFFIOTI, H; ALMEIDA, S. Violência de gênero: poder e impotência. Rio de Janeiro: Livraria e Editora Revinter, 1995. Disponível em: https://www.academia.edu/37152570/Heleieth_Saffioti_Viol%C3%AAncia_de_g%C 3 %AAnero_Poder_e_impot%C3%AAncia?auto=download. Acesso em: 28 abr. 2020. SANT’ANNA, C. Como uma mulher vítima de violência pode se tornar autora
de um delito? Um estudo de caso sobre a condição da mulher assistida pela
CEAPA, em Salvador – Bahia. 80f. Monografia (graduação) – Instituto de Psicologia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2020. SILVA, S. O serviço social frente à questão da violência doméstica: a realidade social revelada nas ações judiciais da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Comarca da Capital do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: PUC, Departamento de Serviço Social, 2005. cap. 2, p. 16 - 30.
NOGUEIRA, C.; PASSOS, R. A divisão sociossexual e racial do trabalho no cenário de epidemia do COVID-19: considerações a partir de Heleieth Saffioti. v. 33. Caderno CRH. Salvador, 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ccrh/v33/0103-4979-ccrh-33-e020029.pdf. Acesso em: 30 abr. 2021.
EIXO 3 - GÊNERO, VIOLÊNCIA E VIOLAÇÃO DE DIREITOS ABANDONO PATERNAL: REBATIMENTOS A PARTIR DA ANÁLISE DE PAPÉIS DE GÊNERO NAS FAMÍLIAS EM SITUAÇÃO SÓCIO-ECONÔMICA DE POBREZA Fernanda Gomes Duarte Cavalcante Anselmo
fernanda.duarte@aluno.uece.br. Mestranda no Mestrado Acadêmico em Serviço Social (MASS/UECE)
Maria Juliana Soares
juliana.soares@aluno.uece.br. Mestranda no Mestrado Acadêmico em Serviço Social (MASS/UECE)
1 APRESENTAÇÃO / INTERESSE DO TRABALHO A SER APRESENTADO
Este trabalho é resultado, especialmente, das discussões da disciplina Desigualdades de Gênero do Mestrado Acadêmico em Serviço Social, Trabalho e Questão Social (MASS) da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e de outras disciplinas importantes no debate de classe e raça. O tema em tela entrecruza categorias dos objetos das duas autoras deste ensaio, isto é, as discussões concernentes a família, aqui, recortadas para o abandono paternal e as discussões de gênero, recortadas para os papéis de gênero. É através deste entrecruzamento e a partir da compreensão que precisamos adensar esse debate no Serviço Social, que surge nosso interesse em estudar o abandono paternal alinhado à dimensão de gênero.
1.1 Importância / Justificativa do trabalho
A histórica desigualdade de gênero de mulheres e homens amplamente estudada em diversas áreas têm entre seus recortes a desigual requisição de homens e mulheres no exercício da parentalidade. Requisição desigual mesmo entre as famílias que vivenciam as determinações econômicas da condição de pobreza.
Nem a sociedade, tampouco o Estado, demanda homens e mulheres equitativamente quando se trata do exercício da maternidade e da paternidade. Desse modo, há uma naturalização do abandono paterno, compreendido neste ensaio como o abandono material e afetivo dos homens para com seus filhos, enquanto as mulheres socialmente não possuem escolha, senão fazer parte da
estatística de “quase 12 milhões de famílias formadas por mães solo” (Instituto de Psicologia da USP, 2019). Portanto, a justificativa deste ensaio deve-se ao fato da necessidade de ampliarmos o debate a respeito do abandono paternal nas pesquisas sobre gênero e, consequentemente, propagar os resultados socialmente, contribuindo para desconstruir o histórico papel de centralidade destinado às mulheres, costumeiramente compreendido como se fosse algo biológico e não social.
2 OBJETIVOS
Analisar os impactos do abandono paternal nas famílias em situação sócio-econômica de pobreza, alinhado aos papéis de gênero.
2.1 Objetivos específicos
Discutir a partir dos dados quantitativos e qualitativos a condição das mulheres/mães em situação sócio-econômica de pobreza que vivenciam a maternidade solo; compreender de que forma a dimensão de cuidado se apresenta para as mulheres/mães em situação sócio econômica de pobreza; discorrer sobre o abandono paternal em famílias que vivem em situação econômica de pobreza e suas articulações com os papéis de gêneros.
3 METODOLOGIA
A pesquisa em tela é de natureza quali-quantitativa e é de tipo bibliográfica, o que significa dizer que foi elaborada a partir do levantamento e análise de bibliografia de referência em cada temática, além do uso de dados acerca de abandono paternal. A pesquisa bibliográfica é feita a partir de material impresso ou digital (livros, artigos, etc) e permite ao pesquisador a possibilidade de realizar um panorama a partir da análise do conteúdo analisado (FONSECA, 2002). Dentro dos limites deste ensaio, buscamos responder os objetivos propostos a partir de estudo de cada categoria de análise, articulando-as, contrapondo-as, observando em que ponto se encontram, assim como onde se repelem com o objetivo de refletir a problemática do abandono paterno e sua relação com os papéis de gênero.