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Estratégias de combate à violência doméstica contra a mulher em tempos de pandemia
EIXO 3 - GÊNERO, VIOLÊNCIA E VIOLAÇÃO DE DIREITOS ESTRATÉGIAS DE COMBATE À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER EM TEMPOS DE PANDEMIA42
1 APRESENTAÇÃO Jordianne Moreira Guedes
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jordguedes@gmail.com Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher
O presente trabalho aborda os números da violência contra a Mulher no Brasil e no Ceará, e as estratégias de combate a esse fenômeno em tempos de pandemia do novo Corona vírus. Com o isolamento social, imposto em decorrência da alta transmissibilidade do vírus e da doença, os índices de violência doméstica contra a mulher tiveram aumento, assim como o número de feminicídios no Brasil, considerando como parâmetro de análise o comparativo dos números entre os anos de 2019 e 2020. Diante de tais números, algumas campanhas foram lançadas pela sociedade civil e pelo poder judiciário, bem como movimentos feministas se mobilizaram para exigir do poder público mais transparência na comunicação, e mais celeridade no atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica. A violência contra a mulher pode ser interpretada como expressão máxima da desigualdade entre os gêneros43 , resultado de uma relação de poder baseada em traços de uma cultura patriarcal44 . O combate a essa cultura opressora passa por conquistas advindas de muitas lutas dos movimentos de mulheres, que se converteram em ações de cunho legal, refletidas na promoção de direitos e na punição de quem pratica a violência.
1.1 Justificativa
A escrita deste trabalho se justifica primeiro pela relevância da temática relacionada à violência contra as mulheres, bem como pela relevância da
42 Jordianne Moreira Guedes. Mestre em História pela Universidade Estadual do Ceará. Especialista em Estratégias de Enfrentamento à Violência contra a Mulher pela Escola de Saúde Pública do Ceará 43 o termo “gênero" ,torna-se uma forma de indicar ‘construções culturais’ - a criação inteiramente social de ideias sobre os papéis adequados aos homens e às mulheres. "Gênero" é, segundo esta definição, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado. (SCOTT.1995, p. 75) 44 Poder simbólico atribuído ao homem, controle da sexualidade feminina por ele, uso legítimo da força, de acordo com SAFFIOTI.
compreensão do contexto atual pandêmico, que trouxe consigo muitos problemas sociais, nos quais se insere o aumento da violência doméstica contra as mulheres e a necessidade da efetivação das políticas públicas voltadas para a prevenção e o combate a esse fenômeno. A Justiça em todo o Brasil, no ano de 2019, recebeu 563,7 mil novas denúncias, o que representou um aumento de 10% em relação ao ano anterior. Já no tocante às Medidas Protetivas de Urgência, em 2019 foram 70 mil decisões judiciais expedidas a mais do que em 2018, perfazendo um total de 403,6 mil, e representando um aumento de 20% em relação ao ano anterior. Esses dados são oriundos do Painel de Monitoramento da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
É nesse contexto que chega ao Brasil a pandemia do novo Corona vírus e as determinações de isolamento social, aproximando ainda mais vítimas e agressores, e deixando as mulheres em situação de risco mais severa. A partir dessa nova realidade, observa-se, no Ceará, no ano de 2020, uma queda no número de denúncias, se comparadas ao ano anterior, 2019, e um aumento nos casos de feminicídios. Tomando por base os registros feitos no mês de março de 2020, houve uma queda em relação ao ano de 2019, quando foram registrados, naquele ano, 1.924 denúncias, e em março de 2020, um total de 1.364, tendo ocorrido também, consequentemente, uma queda na expedição de Medidas Protetivas, 325 expedidas em março de 2020, contra 413 expedidas no mesmo período, em 2019. Já os números de feminicídios aumentaram em 22,2% em 12 estados do país, entre os meses de março e abril, se comparados ao ano de 2019, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Nesse contexto, os números do Ceará cresceram 33,33%, e dentre os estados do Nordeste, o de maior índice foi o Maranhão, com um aumento de 166,7% em relação ao mesmo período do ano anterior. Apesar da diminuição de denúncias nas delegacias, foi registrado, no País, um aumento nas chamadas telefônicas para os números 180 e 190, canais que dão acesso a centrais telefônicas ligadas ao Governo Federal, e à Polícia de cada
Estado. As ligações para o 180 tiveram um aumento de 15% em março de 2020, em relação a março de 2019. Os números supracitados demonstram uma situação de maior vulnerabilidade e risco imposta às mulheres, que em face do estreitamento no convívio cotidiano com seus agressores, estão mais expostas e menos capazes de realizar denúncia, já que têm a liberdade ainda mais cerceada. Daí surgirem campanhas que dão visibilidade às situações de violência doméstica e mobilizam a sociedade, chamando a atenção para esse fenômeno que não é novo, mas que apresenta agravantes na conjuntura atual. Dentre algumas, bastante veiculadas nas redes sociais e mídia em geral, estão a Campanha Sinal Vermelho, do Poder Judiciário, o vídeo “Call” do Instituto Maria da Penha, e a botão de denúncia do aplicativo do Magazine Luíza, que direciona para uma ligação ao número 180. No Ceará, mais especificamente em Fortaleza, no início do mês de abril, passados cerca de 15 dias do início do isolamento social, movimentos de mulheres, com destaque para o Fórum Cearense de Mulheres, manifestaram-se cobrando ao poder público uma maior transparência e efetividade nos canais virtuais de atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica, queixando-se de que os telefones informados não estavam funcionando a contento. Observou-se, a partir de tal pressão, uma resposta dos órgãos ligados ao Executivo e ao Judiciário, através de mais ampla divulgação dos canais de atendimento, demonstrando assim a importância e a força do monitoramento dos movimentos de mulheres. Após dois meses de isolamento social, já em maio de 2020, foi promulgada no Ceará, a Lei 17.211, que dispõe da obrigatoriedade de comunicação pelos condomínios residenciais aos órgãos de segurança pública, da ocorrência ou de indícios de violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente e/ou idoso, em caso de registro nos livros de ocorrência. No mês de julho, houve a promulgação da Lei federal 14.022, que inclui os atendimentos prestados a mulheres vítimas de violência doméstica nos serviços essenciais, e disciplina várias questões relacionadas aos prazos processuais, modos de denúncia e expedição das Medidas Protetivas, numa tentativa de desburocratizar os caminhos da denúncia e acelerar a tomada de providências para a proteção à mulher.
2 OBJETIVOS
● Apresentar dados relacionados à violência contra as mulheres no Brasil e no Ceará, antes e durante a pandemia; ● Apresentar estratégias de combate à violência doméstica contra a mulher idealizadas em 2020; ● Discutir sobre a violência doméstica e a importância da efetivação de políticas públicas voltadas ao seu enfrentamento
3 METODOLOGIA
Trata-se, o presente artigo, de trabalho realizado a partir de abordagem metodológica quantitativa e qualitativa, efetivada através de pesquisa documental e bibliográfica, a qual aliou levantamento de dados sobre a violência doméstica e familiar contra as mulheres à discussão baseada em conceitos e categorias de análise.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do panorama traçado a partir dos números de denúncias anteriores à pandemia e durante o período de isolamento social, dos casos de feminicídios, e das providências em termos de leis e campanhas de combate à violência doméstica contra a mulher, pode-se concluir que há uma atenção dos movimentos feministas, da sociedade em geral e dos governos voltada em maior ou menor escala para este fenômeno social. Contudo, sem o desdobramento necessário no que consiste na efetivação de políticas públicas de atendimento e proteção às mulheres, como, por exemplo, um maior número de equipamentos de atendimento, com mais profissionais e com programas e projetos de autonomia para as mulheres, não se terá uma mudança drástica nos números da violência. O investimento em políticas públicas voltadas para a proteção das mulheres é uma forma concreta de tocar nessa ferida exposta, que já necrosa.
REFERÊNCIAS
Aplicativo Magalu traz botão para denunciar casos de violência doméstica. UOL, São Paulo, 28 e maio de 2020. Disponível em: <https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/05/28/aplicativo-magalu-divu
lga-botao-para-denunciar-casos-de-violencia-domestica.htm.> Acesso em: 10 jul. 2020.
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SAFFIOTI, Heleieth. Gênero Patriarcado Violência. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2004. FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA (org.). Violência doméstica durante a pandemia de Covid-19. 2020. Ed. 2. Disponível em: <https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/06/violencia-domestica-covi d-19-ed02-v5.pdf>. Acesso em: 10 jul. 2020. SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, v.lS, n .2, jul./dez. 1990, traduzido da versão em francês.