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Por outra(s) história(s) oceânica(s
EIXO 2 - GÊNERO, EDUCAÇÃO E COMUNICAÇÃO POR OUTRA(S) HISTÓRIA(S) OCEÂNICA(S)
Matthews Rocha Mello
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matthews.rocha@gmail.com Graduando em Oceanologia (FURG)
lucas lins
carneebatatas@hotmail.com Graduande em Oceanologia (FURG)
Caio Floriano dos Santos
santoscaiof@gmail.com Pós-doutorando pelo Programa de Educação Ambiental (PPGEA-FURG)
1 INTRODUÇÃO
Vem sendo disputado, no campo acadêmico da Oceanografia no Brasil, um outro projeto de currículo, mobilizado especialmente por discentes dos cursos de graduação que reivindicam outros conhecimentos necessários à formação acadêmico-profissional. A demanda por componentes curriculares que reconheçam e colaborem com diferentes grupos e dinâmicas sociais é latente em encontros acadêmicos e organizações de base estudantil; porém, a Ciência Oceanográfica presente nas Universidades é (ainda) resistente a propostas que desloquem seu perfil conservador. A Oceanografia hegemônica é performada29 e segue sendo legitimada sob a onto-epistemologia cartesiana e colonialista (Silva, 2019), que dita o que é ou não é (supostamente) científico e que, desde a violência epistêmica, inviabiliza os múltiplos corpos-territórios e seus modos de (re)produzir a vida (Moura, 2019). Entretanto, à medida que avançamos na compreensão desta crise socioambiental há tempos anunciada (e que agudiza com a pandemia de COVID-19), enxergamos a potencial contribuição de outra(s) história(s) na Oceanografia, repensada desde outros discursos e referenciada na luta por justiça dos grupos subalternizados.
1.1 Justificativa
29 Empregamos o termo no sentido da performatividade conceitualizada por Judith Butler, em que a performance é, ao mesmo tempo, produtora e reprodutora da norma/normatividade imposta (Butler, 2013).
Esta escrita emerge desta crise do ser (Quijano, 1992), buscando contribuir com as alternativas decoloniais, também a partir das/com as provocações da poética negra feminista (Silva, 2019), as quais se colocam a favor da vida frente às múltiplas dimensões de um corrente projeto de morte. A crise sobre a qual nos referimos está imbricada no modelo hegemônico, que se apropria, por meio da violência de todas as faculdades das mentes, corpos e outros territórios, com o pretexto do progresso econômico, do des-envolvimento30 . É um modelo que impõe uma (mono)cultura não apenas sobre o que se denomina natureza, mas também sobre o saber (Santos, 2002), e que tem na Universidade um lugar importante para sua (re)produção.
2 OBJETIVO
Assim, este trabalho tem o objetivo de refletir sobre o campo da Oceanografia a partir de um olhar que localiza a narrativa hegemônica como apenas uma das possibilidades, na potência de aberturas para outros fazeres oceanográficos.
3 METODOLOGIA
Partimos de leituras, assim como de vivências, que conversam e convergem com outras “áreas” do conhecimento (História, Antropologia, Sociologia, Filosofia etc.) de modo mais integrado, buscando proporcionar, especialmente a partir de uma perspectiva decolonial, uma leitura crítica da Ciência Oceanográfica.
4 CONSIDERAÇÕES
É preciso colocar que, frente a este modelo, nunca faltaram alternativas (Acserald, 2008), construídas coletiva e diariamente a partir das lutas dos movimentos sociais (indígena, negro, feminista etc.), que ao resistir e denunciar as violações de direitos fundamentais, produzem conhecimento e reivindicam justiça. Escrevendo outras versões da corrente história, os discursos dissidentes dos movimentos sociais conquistaram espaços na esfera pública e política, que sempre lhe foram negados (inclusive nas Universidades). Essas novas presenças, de mulheres pobres, pessoas negras, LGBTI+, com deficiência, de comunidades e
30 “Des-envolver é tirar o envolvimento (a autonomia) que cada cultura e cada povo mantém com seu espaço, com seu território; é subverter o modo como cada povo mantém suas próprias relações (...) entre si e (...) com a natureza” (Porto-Gonçalves, 2004, p. 39).
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povos tradicionais, dentre outros grupos sociais historicamente vulnerabilizados, tensionam os limites do projeto de Universidade pública brasileira – a pintam de povo e denunciam o racismo e sexismo na cultura brasileira (Gonzalez, 1984). Essas pessoas vêm disputando a produção de conhecimento, histórias que tentam ser contadas, mas são programadas ao esquecimento, para que apenas uma História, a do sujeito universal, seja pronunciada. Elas vêm questionando este panorama de precariedade da vida e da reprodução desta Ciência eurocentrada, racista, machista e cisheteronormativa, situada no paradigma do “descobrimento”, que padroniza as experiências e coloniza os diferentes modos de ser, saber e poder. As organizações estudantis da Oceanografia vêm tentando escrever outras histórias para este campo, expressa nos encontros acadêmicos locais e nacionais, debatendo e propondo mudanças coletivas para a formação profissional. Porém, esse discurso contra-hegemônico muito timidamente é escutado por quem discute e define o perfil da profissão. Vale lembrar que essa outra proposta não tenta negar ou deslegitimar o conhecimento que já foi produzido, mas problematiza seu caráter de unicidade, como absoluto e verdadeiro e, assim, causa ruído no senso comum, no discurso hegemônico, naturalizante, de suposta neutralidade científica, que expropria as pessoas de suas relações. Durante uma palestra-performance, no ano de 2016 vinculada ao Centro Cultural São Paulo (e reexibida em plataformas digitais), Grada Kilomba, que é professora, artista e escritora interdisciplinar, fez um exercício enquanto nos apresenta sua tese sobre a produção do conhecimento: “Que conhecimento é reconhecido e a quem pertence este conhecimento?”. Pedindo para que as pessoas começassem a conversar com quem estava ao lado, ou até mesmo sozinhas em voz alta, ela continuou a falar, e, inevitavelmente, um grande ruído tomou conta da sala. Era impossível escutar o que Grada falava. Ninguém a escutava, ninguém mais se escutava, tudo virou barulho, uma atmosfera caótica de palavras - que não quer dizer que dentro desse caos não haja experiências importantes e falas necessárias de serem ouvidas, mas ninguém conseguia de fato se ouvir. Este exercício foi pedagógico para demonstrar a dificuldade na produção de outras histórias, principalmente de mulheres negras. Não é que apenas uma história aconteça ou apenas um discurso seja importante, mas que apenas uma experiência prevalece, só um discurso tem sido digno de ser escutado: aquele tachado de científico, em detrimento de todas as outras produções, que sistematicamente são
programadas a (se) calar. Conhecimentos que tensionam este currículo tradicional têm sido considerados como irrelevantes para a formação, no máximo ofertados como extracurriculares, quando não tratados como insuficientemente científicos. Mas o que queremos com a Oceanografia? Fazemos coro ao que anunciam Caio, Marcela e Mariana, que “só fará sentido falarmos de Oceanografia Socioambiental se [o] pensarmos como campo de reflexão, mobilização e bandeira de luta, em que o discurso da neutralidade e da técnica, como único, emitidos pela [C]iência [O]ceanográfica, até o presente momento, sejam repensados a partir dos conceitos dos conflitos ambientais e da justiça ambiental. Bem como, um campo em que a prática da educação ambiental pode ser uma das possibilidades do agir da Oceanografia Socioambiental. ” (Santos et al., 2019, p. 56). Queremos disputar o campo da Oceanografia junto a essas pessoas que vêm questionando e trabalhando por um projeto diferente de sociedade e de Ciência, apontando não somente para as feridas coloniais, mas para os caminhos de transformação31 . Queremos que as pessoas pobres, negras, LGBTI+, indígenas, de povos de terreiros, da agricultura e pecuária familiar continuem nas Universidades, pintando o projeto branco de Universidade de colorido, desafiando o mundo com sua performance, com seu corpo presente, demonstrando que esse projeto (que também é um de sociedade) está em disputa, e que outro(s) são possíveis. Que a Oceanografia deixe de conhecer sobre elas, e passe a conhecer com elas. Queremos, enfim, escrever outra(s) história(s), que paute(m) a mudança radical em nossos padrões de vida, de relações, de conhecer, de pensar. A Oceanografia Socioambiental, como um eixo transversal à produção do conhecimento (Santos et al., 2019), não é um projeto inovador, tampouco pretende capitalizar ideias ou apaziguar conflitos e costurar discursos que não combinam. Nutrida pela decolonialidade, neste esforço da escuta para que nenhuma voz continue sendo proibida, pautamos a defesa de outras escritas e da diversidade da vida. Orientando-nos pelas perspectivas feministas antirracistas, nos é permitido debater com um olhar histórico, criando uma perspectiva sociológica sobre o conhecimento, importante para pensarmos em categorias que seguem sendo invisibilizadas. É o mesmo projeto que aprimora nossos sentidos para as
31 Na primeira escrita deste texto, utilizamos originalmente a noção de “caminhos de superação” , porém, como apontado por Vanessa Soares dos Santos (a quem agradecemos a contribuição), mais do que na esfera individual, trata-se de um processo coletivo, social, e, portanto, transformador.
interseccionalidades do ser e para a desconstrução da concepção biologizante e fixadora a partir da compreensão das diferenças da experiência (Gonzalez, 1984; Lorde, 2019; Lugones, 2014). Apenas assim poderemos, coletivamente, (des)organizar-nos e de(s)colonizar nosso pensamento. E é nesse marco que precisamos continuar a disputa pela produção de um novo currículo. Descolonizar o pensamento, e portanto apontar para uma outra formação, exige coragem para disputar um projeto político; exige transcender a negação de outros conhecimentos e construir junto com as outras ciências produzidas todos os dias em comunidades tradicionais, nas periferias, no cotidiano das mulheres negras, da comunidade LGBTI+ e das juventudes. Imaginemos outras vozes, que não sejam apenas de pesquisadoras(es), mas de todas as outras possibilidades que vem sendo deslegitimadas. Como seria saber e fazer Oceanografia quando esta Ciência assume a importância das interações sociais e as diversidades/dificuldades de ser? Como Grada nos alerta, não há escapatória. Precisamos dar um enterro digno a esta história colonial que nos aprisiona e assombra, para que, sem os fantasmas, possamos construir uma experiência mais bonita. E essa experiência só será possível pela organização política, pela desobediência epistêmica-poética frente à monocultura e à terra arrasada, articulando e situando os conhecimentos múltiplos.
REFERÊNCIAS
Acselrad, H. Sustentabilidade e articulação territorial do desenvolvimento brasileiro. II Seminário Internacional sobre Desenvolvimento Regional, Santa Cruz do Sul/RS, 2008. Butler, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão de identidade, Civilização Brasileira, 2013. Gonzalez, L. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Ciências Sociais Hoje, ANPOCS, p. 223-244, 1984. Kilomba, G. Descolonizando o conhecimento, São Paulo, Instituto Goethe, 2016. Lorde, A. Irmã Outsider: Ensaios e conferências, Autêntica, 2019. Lugones, M. Rumo a um feminismo descolonial. Estudos Feministas, 22 (3): 935-952, 2014. Moura, G. G. M. Construção da crítica à oceanografia clássica: contribuições a partir da oceanografia socioambiental. Ambiente e Educação, 24 (2): 13-41, 2019. Porto-Gonçalves, C. W. O desafio ambiental. Record, 2004.
Quijano, A. Colonialidad y modernidad/racionalidad. Revista del Instituto Indigenista Peruano, 13 (29): 11-20, 1992. Santos, B. de S. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Revista Crítica de Ciências Sociais, 63: 237-280, 2002. Santos, C. F. dos; Martins, M. S. L.; Mascarello, M. de A. Oceanografia socioambiental: O que queremos com isso?. Ambiente e Educação, 24 (2): 41-67, 2019. Silva, D. F. da. A dívida impagável, ed. Oficina de Imaginação Política, 2019.
EIXO 2 - GÊNERO, EDUCAÇÃO E COMUNICAÇÃO CINEMA IMPLICADO E PEDAGOGIAS TRANSGRESSORAS: PAUTANDO AS DISSIDÊNCIAS SEXUAIS E DE GÊNERO NAS ESCOLAS
1 APRESENTAÇÃO Julia Araújo Ferreira da Silva
juliaaraujofs@gmail.com Mestranda em Cultura e Sociedade (UFBA)
Este trabalho surge a partir de pesquisa realizada durante o curso de especialização em Cultura e Educação (Flacso Brasil) e desenvolvida com base em experiências cineclubistas realizadas por um coletivo do qual faço parte, chamado Fluxo Cineclube, com turmas de ensino médio de escolas da rede pública de ensino das cidades do Rio de Janeiro e Duque de Caxias durante o ano de 2019. A partir da exibição de curtas-metragens nacionais que trazem subjetividades dissidentes e dialogam com proposições transgressoras e contra-hegemônicas, buscou-se realizar discussões com os estudantes e professores presentes sobre desconstrução de normatividades e construção de imaginários e identidades, com foco em questões relacionadas às dissidências sexuais e de gênero. Tendo a escola como instituição que reflete as relações sociais do contexto histórico-cultural no qual está inserida, se configurando como um local de disputa de discursos, sendo ao mesmo tempo ambiente de regulação e normatização e também um espaço potente de questionamentos e transformação, busco dialogar como um cinema implicado32 - um cinema que esteja densamente vinculado ao mundo e a tudo que o constitui (SANTOS, 2020, p.10) - pode ser uma possibilidade de pedagogia transgressora que intervém nos imaginários e visões de mundo.
1.1 Justificativa
As atividades aqui analisadas ocorreram durante o ano de 2019, momento que marca o crescimento de uma onda conservadora na política e sociedade
32 Santos parte das sugestões da filósofa e artista Denise Ferreira da Silva acerca das possibilidades de destruição do Mundo Ordenado e da emergência de outros modos de ser e saber que permitem a Implicação como gesto fundamental da existência e do conhecimento. A travessia do Mundo Ordenado para o Mundo Implicado requer que deixemos para trás modos de saber, sentir e fazer. (2020, p.12)
brasileira refletido nos resultados das eleições presidenciais, que tem na questão LGBTQIA+, na educação e na cultura alguns de seus principais locais de embate, tendo o silenciamento do questionamento às normas e do pensamento crítico como caminho. Esse processo tem reverberado no ambiente escolar, criando uma tensão latente com relação ao debate de pautas relacionadas a gênero e sexualidade, já historicamente silenciadas nesses espaços. As professoras dos colégios participantes nas atividades aqui analisadas ainda reforçaram a relação desse silenciamento com a presença cada vez maior de discursos ligados a religiões evangélicas neopentecostais33 no cotidiano escolar por meio das famílias de estudantes e de alguns funcionários das escolas. Louro (2012, p.364) aponta que a educação tem se constituído historicamente como um campo disciplinador e normalizador, local do regramento e da obediência, a serviço da manutenção dos discursos hegemônicos. Ela nos propõe o estranhamento do currículo e das práticas no cotidiano escolar a partir da proposta de uma pedagogia queer34 , voltada para o processo da produção das diferenças, problematizando a instabilidade e precariedade de todas as identidades, trazendo como foco a potência dos questionamentos, não das certezas. As comunidades escolares são formadas por relações e indivíduos ativos, que ao escolherem seus discursos e metodologias assumem posicionamentos que reverberam e dialogam com a comunidade ao seu redor, sendo não só reprodutor, mas responsável pela constante reformulação das relações sociais. Estratégias possíveis são apontadas justamente por pedagogias críticas e radicais (HOOKS, 2013) que trazem o diálogo, a transgressão e o questionamento como caminhos, contestando os regimes de verdade e visando um processo de ruptura e desaprendizagem das normas. O momento atual, portanto, coloca a escola mais ainda como um local de disputa de discursos, visto que, apesar da onda
33 "[...] os protagonistas mais visibilizados do conservadorismo moral religioso nos últimos anos têm sido os evangélicos pentecostais que entraram, mais do que em qualquer outro momento, na disputa pela moralidade pública para maior controle dos corpos, dos comportamentos e dos vínculos primários. " (ALMEIDA, 2017, p.17) 34 Conexão proposta entre o pensamento queer e a educação. “Aposto na possibilidade dessa conexão e, para argumentar, preciso recuperar o queer como um conjunto de saberes (mais do que como uma teoria que lembraria sistematização e estrutura) e como disposição política. [...] Não são apenas novos temas ou novas questões que têm sido levantadas. São transformações que dizem respeito a quem está autorizado a conhecer, ao que pode ser conhecido e às formas de se chegar ao conhecimento. ” (LOURO, 2012, p.365)
conservadora, questionamentos às estruturas sociais que geram desigualdades têm se tornado mais presentes em produções culturais de grande alcance e, principalmente, nas redes sociais, o que leva esses debates ao cotidiano dos jovens.
2 OBJETIVOS
Esse cenário de tensão foi um dos impulsionadores para a realização das atividades cineclubistas aqui analisadas, na medida em que essa disputa de imaginários é uma questão em pauta também no cinema brasileiro contemporâneo, com diversos realizadores, curadores e coletivos buscando transformar o ambiente historicamente perpetuador de desigualdades estruturais e discursos hegemônicos que tem sido o cinema brasileiro, buscando estratégias para o reconhecimento e desmantelamento das estruturas de poder coloniais racistas e cisheteronormativas. Busco, então, pensar na possibilidade do cinema como pedagogia transgressora no sentido dessa cinematografia brasileira contemporânea estimular olhares críticos e opositivos35 para a sociedade e suas normas e estruturas, além de impulsionar fabulações de outros mundos possíveis. bell hooks (2018), dialoga com o pensamento de Stuart Hall (1989) para pensar como obras que rompem com as representações convencionais estereotipadas, racistas e sexistas, convidam o público a olhar de forma diferente, interferindo no processo de construção das identidades.
Cinematograficamente, oferecem novos pontos de reconhecimento, incorporando a visão de Stuart Hall de uma prática crítica que admite a identidade como algo que se constitui “não fora, mas dentro da representação” , e nos convida a ver o cinema “não como um espelho de segunda ordem, usado para refletir o que já existe, mas como aquela forma de representação capaz de nos constituir como novos tipos de sujeito e, assim, possibilitar que descubramos quem somos” . (HOOKS, 2018, p.300)
3 METODOLOGIA
As sessões cineclubistas foram realizadas com turmas de ensino médio de quatro escolas - três delas estaduais e um colégio federal – localizadas em bairros das zonas oeste e sul da cidade do Rio de Janeiro e no município de Duque de
35 Proposta de bell hooks, a partir da experiência de espectadoras negras, para questionar e confrontar esse cinema que fora reprodutor de estereótipos ou máquina de invisibilização, e construir novas possibilidades de imaginários. (hooks, 2018, p.298)
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Caxias, na Baixada Fluminense. Como uma das organizadoras do projeto, parto aqui das minhas observações no percurso de construção e realização das atividades. Entretanto, trago também como fonte, para dialogar sobre as reverberações dos debates nas comunidades escolares, entrevistas com professoras e um aluno, responsáveis por organizar as atividades nas escolas. Os curtas selecionados pelo cineclube e exibidos nas atividades analisadas fazem parte desse momento de ampliação da presença de visualidades contra-hegemônicas no cinema brasileiro e trazem a importância da representatividade – no sentido de indivíduos de grupos sociais historicamente invisibilizados estarem por trás e na frente das câmeras – para a construção de novas representações e imaginários. Privilegiamos filmes feitos no Rio de Janeiro, pois a proposta era contar com a presença, sempre que possível, de integrantes das equipes nos debates.
4 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS
Pretendo me ater à experiência de diálogo proporcionadas pelos curtas-metragens Afronte (2017)36 e NEGRUM3 (2018)37 , filmes que sugerem táticas de descolonização das imagens e do mundo a partir da articulação entre negridade38 e dissidências sexuais e de gênero (SANTOS, 2020, p.160). O primeiro, foi um dos filmes exibidos durante um evento da Semana da Consciência Negra em um colégio estadual da zona oeste da cidade do Rio de Janeiro e causou divergências entre os participantes, com alunos saindo da sala e indo até a diretoria questionar a validade da exibição daquele filme na escola, mas ao mesmo tempo sendo o filme mais aplaudido com agradecimentos no final por sua exibição. No debate posterior, o
36 Dirigido por Bruno Victor e Marcus Azevedo. Disponível em: https://vimeo.com/234141762 37 Dirigido por Diego Paulino. Disponível em: https://canaisglobo.globo.com/assistir/canal-brasil/negrum3/v/8366927/ 38 Santos toma emprestada a categoria da negridade como pensada por Denise Ferreira da Silva: “Enquanto a Categoria da Negridade, como índice de uma situação social consistente e repetidamente nunca deixa de significar a escravidão, eu proponho que ela também expõe como a capacidade produtiva expropriada dos africanos escravizados continua a produzir excedente (surplus) no presente global. Mais significativamente, apesar de sua expropriação ininterrupta, o trabalho (simbólico e econômico) negro não desapareceu (como os cientistas do homem previram e esperavam). Para além do capital – e suas arquiteturas coloniais, nacionais e imperiais –, Negridade sinaliza a capacidade criativa, uma qualidade somente perceptível quando se contempla o Mundo como Plenum e não como Universo (totalidade ordenada)” (FERREIRA DA SILVA, 2019, p.95-96 apud SANTOS, 2020, p.160).
curta levantou também discussões sobre seu caráter interseccional, ao ter sua presença naquela semana deslegitimada por um professor – um homem branco, que se identificou enquanto gay – por, segundo ele, só tratar das temáticas de gênero e sexualidade, não de questões raciais. Apontamento que foi rapidamente desmontado por um grupo de alunos, com comentários sobre diálogo entre os marcadores sociais que formam as identidades daqueles sujeitos presentes no filme, indo além de ideias como desigualdades e invisibilidade, e trazendo o foco também para as potências presentes nessas identidades não-hegemônicas. O segundo curta foi exibido em um colégio federal no município de Duque de Caxias, em um evento organizado pelos alunos, chamado Semana da Diversidade. Nessa instituição, segundo os alunos organizadores, havia bastante contato com produções audiovisuais e discursos de movimentos sociais, além de forte organização estudantil. Entretanto, o filme causou grande impacto por sua estética e construção narrativa fora dos padrões hegemônicos. Até hoje eu tô impactado com o filme NEGRUM3. É um filme totalmente fora da minha casinha, sabe? [...] É uma coisa muito forte. Eu fiquei ... eu acho que a expressão correta é sem palavras. Eu acho que até hoje eu não consegui digerir tudo daquele filme. [..] São muitas camadas, muita coisa, e é uma explosão. E por mais que tenha me soado um pouco extremo, no sentido de não ser familiar com o que eu tô acostumado a ver, eu acho que esse impacto é importante. Você dar de frente com a narrativa, com a história, com a vivência de pessoas, com a qual você não tá acostumado. Lidar com coisas com as quais você não tá acostumado te faz crescer. Isso é muito importante. (aluno do colégio federal) Nas relações criadas dentro das comunidades escolares os discursos contra-hegemônicos encontram brechas. Nas atividades analisadas, o cinema funcionou como ferramenta pedagógica, trazendo estéticas e visões de mundo diversas e impulsionando questionamentos que reverberaram nas comunidades escolares, e, assim, causaram tensionamentos nos silêncios e normas impostas naqueles espaços com relação a questões relacionadas às dissidências sexuais e de gênero. Citando novamente um dos alunos do colégio federal:
Uma narrativa, uma história, um filme – seja um curta, seja um longa – tem um poder muito grande de transmitir uma mensagem de uma maneira que realmente toca as pessoas. [...] E a gente pegar o cinema, que é uma arma tão poderosa na comunicação e usar isso pra disseminar nossos valores, nossas crenças, o que a gente acredita que deve ser um mundo melhor, eu acho que isso causa um
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impacto inimaginável nas pessoas.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Ronaldo de. A onda quebrada: evangélicos e conservadorismo. Cadernos Pagu, n. 50, Campinas, Epub 2017. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/cpa/a/Cr9ShrVJbCWsDHMrxTDm3wb/?format=pdf&lang=pt> Acesso em: 05 jun. 2021 CANDIDO, Marcia Rangel; MARTINS, Cleissa; RODRIGUES, Raissa FERES Júnior, João. Raça e Gênero no Cinema Brasileiro (1995-2016). Boletim GEMAA, n.2, 2017. Disponível em: <http://gemaa.iesp.uerj.br/wp-content/uploads/2017/06/Boletim_Final7.pdf> Acesso em: 01 jun. 2021 HOOKS, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. HOOKS, bell. O Olhar Opositivo: Espectadoras Negras. In: Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Fundação Clóvis Salgado, 2018. Pp. 291-300. Disponível em: <https://www.festcurtasbh.com/catalogos>. Acesso em: 05 jun. 2021 LOURO, Guacira L. Os Estudos Queer e a Educação no Brasil: articulações, tensões, resistências. Contemporânea – Revista de Sociologia da UFSCar. São Carlos, v. 2, n. 2, jul-dez 2012, pp. 363-369. Disponível em: <http://www.contemporanea.ufscar.br/index.php/contemporanea/article/view/87>. Acesso em: 05 jun. 2021 SANTOS, Matheus Araujo dos. Atravessando abismos em direção a um Cinema Implicado: negridade, imagem e desordem. In: Revista Logos, 52, vol 27, n.01., pp.11-24, 2020. Disponível em: <https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/logos/article/view/51522/33927> Acesso em: 01 jun. 2021 SANTOS, Matheus Araujo dos. O que o cinema quer da gente é coragem: negridade e dissidência sexual & de gênero nas produções da Rosza Filmes. In: REBECA, 18, ano 9, n.02, pp. 158-173. jul-dez, 2020. Disponível em: <https://rebeca.socine.org.br/1/article/view/704>. Acesso em: 01 jun. 2021