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Trans-identidades e educação – gênero e políticas para a população trans* na educação
EIXO 2 - GÊNERO, EDUCAÇÃO E COMUNICAÇÃO TRANS-IDENTIDADES E EDUCAÇÃO – GÊNERO E POLÍTICAS PARA A POPULAÇÃO TRANS* NA EDUCAÇÃO
Keo Silva
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keo.ech@gmail.com Doutorando Interdisciplinar em Ciências Humanas (PPGICH/UFSC)
1 APRESENTAÇÃO
A proposta deste trabalho é elucidar algumas reflexões sobre as trans-identidades na educação. A perspectiva de gênero compreendida neste trabalho, é de que gênero é uma construção social e a categoria transexual é um dispositivo biopolítico. Na educação, a invisibilidade nos materiais didáticos e as violências específicas relacionadas a população trans* indicam a importância de tematizar tais questões visando uma educação mais diversa e plural em diferentes espaços de educação formal. Abordarei questões como a presença e a evasão/expulsão de pessoas trans* dos espaços de ensino e as invisibilidades e apagamentos das trans-identidades nos materiais pedagógicos.
1.1 Justificativa do trabalho
A categoria gênero pode ser compreendida como uma estrutura fundamental na sociedade ocidental moderna; entendida por uma determinação atribuída no nascimento e determinada pelo alinhamento entre sexo/gênero (RUBIN, 1984). No entanto, há experiências que não correspondem a essa determinação. De maneira sucinta, o conceito de gênero pode ser entendido a partir da identidade de gênero e expressão de gênero, como desenvolve Jaqueline Gomes de Jesus (2012). Categorias que correspondem respectivamente amasculinidades e feminilidades, incluindo às categorias cis e trans; e como se externaliza o gênero de identificação através de atributos, performances, performatividade e vestimentas. O que é pertinente dentro dessa conceituação é que a identificação é expressada pelo sujeito e não por discursos de verdade como a medicina e a psiquiatria (BENTO, 2008). O alinhamento entre sexo e gênero corresponde a uma
ordem de gênero (CONNELL, 2014) em que a determinação biológica de sexo corresponde ao gênero atribuído. Esse alinhamento ganha o nome de cisgeneridade. Portanto, entendemos que cisgêneros são pessoas que se identificam com o gênero atribuído no nascimento. Segundo Amara Moira Rodovalho (2017) o termo cisgênero foi criado na década de 1990 por ativistas do movimento trans nos EUA, como uma forma de categorizar as pessoas não trans*.
2 O QUE SIGNIFICA O PREFIXO TRANS?
O termo trans* como termo guarda-chuva, pode ser usado para nos referirmos a diversas identidades, como travestis, transexuais e transgêneros. Incluindo aqui as pessoas não binárias.(KAAS, 2013). O dispositivo de transexualidade (BENTO, 2008) implica na construção de um modelo diagnóstico que pretende definir a ideia de “Transexual verdadeiro”. Podemos pensar a partir de um ponto de vista socio-antropológico, que transexual é uma das principais categorias biopolíticas utilizadas na regulação do corpo, que determinam um modo único de experiência trans*. Por isso, proponho pensar a partir de um conceito mais aberto a categoria trans*, como uma categoria política. As lutas por reconhecimento da população trans* no Brasil começam na área da saúde, sobretudo advindas dos movimentos de travestis e transexuais no enfrentamento do HIV/AIDS no final da década de 80, início da década de 90. (MISKOLCI, 2015) É a partir das reivindicações por acesso a saúde que emergem as primeiras políticas de reconhecimento e cidadania da população trans* no Brasil, como o Processo Transexualizador no SUS, onde surge a política de nome social, que tornou-se a principal demanda do movimento trans* dentro do campo da educação.
3 ALGUNS DADOS PARA PENSAR A REALIDADE DE PESSOAS TRANS NA EDUCAÇÃO
Os principais fatores de “evasão” é a falta de reconhecimento por parte da instituição de ensino e a não aceitação dos colegas e servidores da instituição, o que resulta o índice de evasão escolar de pessoas trans é de 82% nas escolas
brasileiras. De acordo com a socióloga Berenice Bento (2011) não se trata de evasão escolar, mas sim em expulsão, justamente pela falta de reconhecimento e respeito, sendo a escola um território reprodutor dessas desigualdades e normas. Nesse sentido, Luma Andrade (2015) nomeia esse fator como exclusão involuntária e Kaio de Souza Lemos (2020) denomina de processos de silenciamento, para pensar tais dispositivos de poder de acordo com Megg Rayara de Oliveira (2020). Além disso a pesquisa publicada pela ANTRA em 2018 informa que 90% das pessoas trans* no Brasil, que não concluem o ensino básico, encontram na prostituição uma das possibilidades mais viáveis de sobrevivência.
4 ALGUMAS QUESTÕES NA EDUCAÇÃO E AS TRANS-IDENTIDADES
Os debates e teorias sobre gênero e sexualidade nas escolas ganham visibilidade acadêmica, depois dos anos 2000. No entanto, as trans-identidades pouco aparecem como marcador das diversidades na escola, e só começam a emergir produções acadêmicas feitas por pessoas trans* (inclusive no campo da educação), depois dos anos 2010. Porém, ainda é importante evidenciar que poucas pessoas trans* estão nos espaços de ensino superior. De acordo com a pesquisa realizada pela Andifes (2018), além disso ainda são poucas as universidades públicas brasileiras que têm ações afirmativas para pessoas trans*. Anterior às ações afirmativas, a única política de acesso e permanência voltada à população trans* nas universidades era a política de nome social. As ações afirmativas e essas políticas demonstram a importância da autonomia universitária na criação de resoluções e políticas internas que garantam o acesso e também a permanência de pessoas trans* no ensino superior. Outras políticas no campo da Educação são também importantes e não se focam apenas na universidade. Exemplo disso é que desde de 2014 o nome social pode ser solicitado para a realização da prova do ENEM visando o combate ao preconceito e ao constrangimento e outra política importante é o Decreto 8.727 de 2016, que garante seu uso em instituições públicas. No caso das instituições de ensino básico, campo de principal dificuldade de permanência para pessoas trans*, há o parecer CNE/CP nº 14/2017 que normatiza nacionalmente o uso do nome social na educação básica. E em 2018, a resolução CNE/CP nº 1 define o uso do nome social de travestis e transexuais nos registros escolares.
5 CONSIDERAÇÕES
É interessante destacar a importância de abordar temáticas de gênero e sexualidade no campo educacional, sobretudo em relação às trans-identidades ainda são pouco abordadas. Cabe também destacar a importância de políticas destinadas à inclusão de pessoas trans* na educação como forma de promoção de cidadania e de uma educação mais diversa e plural e que elas não sejam vista apenas por uma perspectiva cisgenerificada, como aponta Thiffany Odara (2020), que se paute no combate à violência acometida contra pessoas trans* nos espaços de ensino.
REFERÊNCIAS
BENTO, B. Na escola se aprende que a diferença faz a diferença. Revista de Estudos Feministas, v.19, n. 2. maio-ago. 2011. pp. 548-559.
BENTO, B.. O que é transexualidade. São Paulo. Brasiliense, 2008.
CONNELL, Raewyn. Questões de Gênero e Justiça Social. Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.4, no 2, p.11-48, jan./jun. 2014.
JESUS, Jaqueline Gomes de. Orientações sobre identidade de gênero: conceitos e termos / Jaqueline Gomes de Jesus. Brasília, 2012.
KAAS, Hailey. “Trans* – Termo guarda-chuva”. Transfeminismo, São Paulo (SP), 02/2013. [blog] Disponível em: http://transfeminismo.com/trans-umbrella-term/. Acesso em: 18/07/2019.
LEMOS, Kaio Souza; MEDEIROS, Jarles Lopes de. O nome que sou: Práticas e experiências de pessoas trans na educação. Direitos humanos para a diversidade: diálogos transdisciplinares em educação. Torres, Antonia Lis Maria Martins (org.); et al. Organizadores: Antonia Lis de Maria Martins Torres, Jarles Lopes de Medeiros e Patrícia Helena Carvalho Holanda; Prefácio de Gisafran Nazareno Mota Jucá. - 1 ed. Campinas, SP: Pontes Editores, 2020. 308 p.
MISKOLCI, Richard. Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças/ Richard Miskolci. – 2. Ed. rev. E ampl., 2. Reimp. – Belo Horizonte: Autêntica Editora: UFOP – Universidade Federal de Ouro Preto, 2015. – (Série Cadernos da Diversidade; 6).
NOGUEIRA, Luma. Travestis na escola: assujeitamento e resistência à ordem
normativa/ Editora Léa Carvalho. 1 ed. Rio de Janeiro: Metanoia, 2015
ODARA, Thiffany. Travestilizando a Educação/ Thifanny Odara. 1ª Edição/ Salvador – BA. Editora Devires, 2020.
OLIVEIRA, Megg Rayara Gomes de. Nem ao centro nem a margem! Corpos que escapam às normas de raça e de gênero. 1ª Edição/ Salvador – BA. Editora Devires 2020. p.266.
RODOVALHO, Amara Moira. O cis pelo trans. In: Revista de Estudos Feministas, Florianópolis, 25(1): 422, janeiro-abril/2017.
RUBIN, Gayle. “Thinking sex: notes for a radical Theory of the Politics of sexuality”. Tradução: Pensando o Sexo: Notas para uma Teoria Radical das Políticas da Sexualidade Gayle Rubin.
http://especiais.correiobraziliense.com.br/violencia-e-discriminacao-roubam-de-trans exuais-o-direito-ao-estudo
http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2016/11/1834166-73-dos-jovens-lgbt-dizem-t er-sido-agredidos-na-escola-mostra-pesquisa.shtml https://antrabrasil.files.wordpress.com/2018/02/relatc3b3rio-mapa-dos-assassinatos2017-antra.pdf https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/05/ao-menos-12-universidades-feder ais-do-pais-tem-cotas-para-alunos-trans.html