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Alerta de incumprimento
O impacto da pandemia nas contas dos Estados faz prever um forte crescimento do endividamento público. Analisámos as consequências para as economias desenvolvidas e emergentes.
Oaumento do endividamento público não é um dos Quatro Cavaleiros do Apocalipse, mas parece que vai ser um dos resultados desta peste moderna. A luta contra a pandemia vai exigir esforços fiscais extraordinários num cenário pautado por receitas fiscais mais reduzidas e despesas sociais e com a saúde muito mais elevadas. A despesa pública vai aumentar de forma generalizada, ainda que o seu impacto no endividamento e as suas consequências não sejam iguais em todos os países.
IMPACTO DESIGUAL A tempestade é a mesma, mas não estamos todos no mesmo barco. A pandemia não afetou todas as economias da mesma forma, nem as encontrou no mesmo ponto de partida, apesar de, conforme assinala Kim Catechis, responsável de estratégia de investimento da Martin Currie, “não existir nenhum país que não tenha sido afetado. No futuro, todos vão ficar mais endividados e, neste contexto, um rating de crédito BBB será considerado muito bom; o BBB será o novo investment grade”. Para dar um exemplo de como a pandemia está a influenciar os ratings do crédito soberano, Catechis salienta que “desde março, as agências de rating colocaram 54 países com perspetiva negativa, incluindo os EUA e o Japão”. A dívida pública nipónica já representa 236% do PIB; a dos EUA deverá atingir os 150%.
No entanto, na sua opinião, estes países contam com uma vantagem. “A grande diferença entre estas duas nações e as restantes é a seguinte: cada
ZONA EURO: DÍVIDA PÚBLICA/PIB EM %
120%
100%
80%
60%
40%
20%
0%
2006 2008 2010 2012 2014 2016 2018 2020 2022 2024
Fonte: Aegon Asset Management, Bloomberg, Refinitiv.
uma delas tem um trunfo na manga. Os EUA têm o dólar e o Japão tem o Banco Central. No caso dos EUA, a posição do dólar enquanto moeda de reserva mundial permite ao Governo continuar a emitir dívida sem ter de correr grandes riscos.
No caso do Japão, a maioria da sua dívida encontra-se nas mãos dos próprios japoneses: o Banco Central tem na sua carteira mais de 50% das obrigações do estado em circulação, o que, somado ao que detêm outras instituições e os investidores nacionais, significa que não sobra muito para os investidores internacionais” – explica.
Keith Wade, economista-chefe da Schroders, concorda com esta visão. “Na realidade, o Japão é um dos países menos vulneráveis nesta matéria; é mais provável que outras economias que, ao contrário da japonesa, depen-
ITÁLIA E ESPANHA SÃO CONSIDERADOS OS PAÍSES COM UMA SITUAÇÃO MAIS DELICADA NA EUROPA
dem muito do financiamento externo e/ou são consideradas um risco de crédito tenham problemas de financiamento. Muitos países de mercados emergentes inserem-se nesta categoria, mas também economias desenvolvidas, como Itália, que não controlam a sua própria moeda” – afirma.
Neste sentido, a Intelligence Unit do The Economist considera que
INCUMPRIMENTOS EM DÍVIDA EXTERNA DESDE 1800
PAÍS (Nº DEFAULTS)
Equador (10) Venezuela (10) Uruguai (9) Costa Rica (9) Brasil (9) Chile (9) Argentina (8) Perú (8) México (8) Turquia (8) Grécia (7) Rep. Dominicana (7) Nicarágua (7) Paraguai (7) Guatemala (7) Áustria (7) Colômbia (7) Espanha (6) Nigéria* (5) Rússia (5) Bolívia (5) Gana* (5) Tunísia (5) El Salvador (5) Alemanha (4) Portugal (4)
ANO
1800 1825 1850 1875 1900 1925 1950 1975 2000 2014 os países europeus que se encontram na pior situação são “Itália e Espanha, que já tinham posições fiscais mais fracas antes do surto de coronavírus. Os estados do sul da Europa ainda estão a recuperar de anos de austeridade, com elevados níveis de dívida pública, populações envelhecidas (mais vulneráveis a infeções mais graves pelo coronavírus) e défices fiscais constantes. O Banco Central Europeu vai agir com rapidez para atenuar as consequências, mas uma crise da dívida pública em qualquer um destes países iria criar uma enorme turbulência nos mercados financeiros”, assinalam.
No grupo dos países emergentes, Kim Catechis considera que os maiores riscos estão na “Turquia e Argentina, que apresentaram, regularmente, mais problemas nas suas relações com os investidores internacionais”.
Noutras zonas emergentes, o papel da China enquanto principal credor pode ser prejudicial às restruturações. A China é o maior credor individual de muitos países emergentes, sobretudo em África. Muitas vezes, os empréstimos estão associados à execução de projetos, são cobrados às taxas de juro de mercado e são apoiados por garantias. Um relatório publicado em junho de 2019 pelo Instituto da Economia Mundial de Kiel estimou que os países em desenvolvimento e de mercados emergentes deviam 380.000 milhões de dólares à China no final de 2017, comparativamente aos 246.000 milhões de dólares que deviam ao conjunto de 22 países que formam o Clube de Paris.
E a China não é um credor fácil. Que o diga a Zâmbia, o segundo maior produtor africano de cobre. Os
A OPINIÃO DE
ANA CLAVER GAVIÑA, CFA Responsável de negócio para a Península Ibérica e Chile, Robeco
“NO FUTURO, TODOS OS PAÍSES VÃO FICAR MAIS ENDIVIDADOS E, NESTE CONTEXTO, UM RATING DE CRÉDITO BBB SERÁ CONSIDERADO BOM; O BBB SERÁ O NOVO INVESTMENT GRADE” KIM CATECHIS, MARTIN CURRIE
credores chineses estão a condicionar o diferimento de uma dívida de 3.000 milhões de dólares correspondente a juros de mora por um montante de 200 milhões de euros. Em situações anteriores, a China confiscou alguns bens aos seus devedores em casos de dívidas não saldadas ou não restruturadas. Em 2018, ficou com um porto no Sri Lanka.
CONSEQUÊNCIAS Keith Wade considera que, apesar do apoio que os bancos centrais estão a dar aos governos, com taxas de juro em mínimos históricos, podem surgir três problemas a médio e longo prazo, caso os níveis de endividamento público se mantenham elevados. Primeiro, a independência dos bancos centrais será afetada: “a recuperação económica vai trazer a necessidade de uma política monetária mais rigorosa para uma proteção contra a inflação, o que fará com que as taxas subam e os custos da dívida aumentem. Esta medida não será popular entre os governos altamente endividados, que, provavelmente, vão pressionar os bancos centrais para que mantenham uma política de acomodação monetária”, destaca.
Segundo, irá manter-se a repressão dos aforradores. “Os investidores tiveram de fazer face às taxas de juro baixas desde a crise financeira de 2008. Estão a ser obrigados a assumir mais riscos. Além disso, vão ter de poupar mais dinheiro para atingirem os seus objetivos, o que reduz a procura e o crescimento da economia – é o paradoxo da poupança”, explica Wade.
Por último, o crescimento futuro ficará comprometido: “É provável que o maior problema causado por esta situação de elevado endividamento seja um possível travão ao crescimento futuro. Itália e Japão já demonstraram que os elevados níveis de dívida pública estão associados a um crescimento fraco”, estima.
E quais poderão ser as consequências para os mercados? Para Jacob Vijverberg, da Aegon AM, “as taxas de juro permanentemente negativas aumentam a probabilidade de vivermos ciclos de bolhas e crises”. É possível que tenha escapado um cavaleiro ao Apóstolo João.
Com o investimento sustentável a avançar a grande velocidade, o próximo desafio da indústria financeira situa-se em promover carteiras de investimento com estratégias focadas em evitar um impacto negativo sobre o nosso ambiente, e facilitar um impacto positivo certo, tangível e medível. Por tudo isto, a Robeco Spain aproveitou a celebração do 5.º aniversário dos ODS para alcançar um acordo com a FundsPeople (ES), e assim impulsionar os investimentos sustentáveis e de impacto, com especial foco no Objetivo 17: Alianças para conseguir os Objetivos. No pasado dia 18 de setembro foi celebrada a primeira reunião, de três por ano, que recebe o ImpactLab, primeiro na indústria financeira, e ação mais visível nascida dentro desta aliança entre a Robeco Spain e a FundsPeople (ES). Conta, além disso, com a presença de gestoras de impacto e dos principais atores do setor financeiro espanhol, como bancos, seguradoras e planos de pensões. O ImpactLab tem como objetivo impulsionar um espaço para a reflexão sobre o investimento de impacto, tanto nos ativos líquidos como ilíquidos, outra forma de reforçar a nossa atitude e cumprir e fomentar os ODS para favorecer o investimento de impacto.