ARQUITETURA EM MOVIMENTO UMA INTERVENÇÃO SOBRE TRILHOS JOSÉ GUILHERME CARRIEL GENEROSO
José Guilherme Carriel Generoso
ARQUITETURA EM MOVIMENTO UMA INTERVENÇÃO SOBRE TRILHOS
Trabalho Final de Graduação apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo. Orientador: Prof. Dr. Rafael Schimidt.
São Paulo 2022
ao meu eterno amigo e avô Santo (in memoriam)
AGRADEÇO À minha família, por todo carinho, amor e confiança. Em especial à minha mãe Janete, por todo cuidado, incentivo e apoio incondicional. É graças a ela que este sonho se tornou realidade. Esta conquista é nossa. Ao meu eterno amigo e avô José Jesus Generoso, meu querido Santo, por todo amor, incentivo nos estudos e por me proporcionar a ideia inicial deste trabalho, o qual é dedicado a ele. A todos os meus amigos da FAU Mackenzie que foram fundamentais para a minha formação acadêmica. Em especial agradeço aos meus amigos Clara, Gege, Felipe, Fernanda, Julia, Lais, Luiza e Stefany, por todo companheirismo nestes anos de formação. Estes amigos me proporcionaram risadas e apoio nas horas difíceis, e sem eles não seria possível chegar até aqui. Aos meus amigos. Em especial aos meus amigos João Pedro e Rafael, por me fazerem acreditar que isso tudo seria possível. Todo meu amor e gratidão a eles. À Laura por ser minha confidente, minha fonte de inspiração e de inteligência. Obrigado por sempre me estimular a ser o melhor de mim. Ao Math e seus pais, por todo suporte e carinho; obrigado pelos bons momentos em meio ao caos. Em especial ao Math pelo auxílio na produção deste trabalho. Aos professores que cruzaram meu caminho na FAU Mackenzie, responsáveis por todo aprendizado. Em especial aos professores Angelo, Alexandre e Celso, por me ajudarem na construção deste trabalho. Ao meu orientador, Rafael Schimidt, pelas discussões, orientações, aprendizados e auxílio na formulação e desenvolvimento deste trabalho. Ao ProUni (Programa Universidade para Todos) pela oportunidade de ingressar no ensino superior. Programas como estes abrem caminhos e transformam futuros, assim como o meu está sendo transformado. Apesar deste trabalho carregar meu nome, ele é construção do apoio e dedicação de muitas pessoas que estiveram comigo durante a graduação. Portanto, agradeço a todos que contribuíram.
SUMÁRIO INTRODUÇÃO
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CONTEXTUALIZAÇÃO 1.1 Território e identidade
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1.2 Breve histórico: antiga Estrada de Ferro Sorocabana
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1.3 Espaços residuais no território ferroviário
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ESTUDOS DE CASO
2.1 Vagón del Saber, Al Borde
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2.2 Trenzando, Daniela Gutiérrez
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2.3 Rolling Masterplan, Jagnefält Milton
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PROCESSO DE PROJETO 3.1 Área de intervenção
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3.2 Estudo preliminar
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3.3 Comboio cênico
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3.4 Comboio cinematográfico
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS
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INTRODUÇÃO A cultura do café foi o principal fator de desenvolvimento econômico da região oeste do Estado de São Paulo no final do século XIX e início do século XX. Tal desenvolvimento ocasionou a expansão da malha ferroviária, estabelecendo ligações diretas entre interior e litoral e, consequentemente, facilitando o escoamento das produções agrícolas, além de promover o transporte de passageiros. Um exemplo deste processo de investimento em infraestrutura ferroviária é a antiga EFS (Estrada de Ferro Sorocabana), que originalmente ligou a cidade de São Paulo até os Estados do Mato Grosso do Sul e Paraná e, posteriormente, até o porto de Santos, no litoral paulista. No entanto, com a implantação de uma política rodoviarista no país e o incentivo ao uso do automóvel, o transporte ferroviário passou por um processo de sucateamento e subutilização, principalmente a partir da metade do século XX. Tal desaceleração de investimentos nas linhas ferroviárias ocasionou a desativação de ramais (linhas secundárias que se conectam à linha tronco1) da Sorocabana, como é o caso do Ramal Piraju, desativado em 1966, bem como o encerramento dos itinerários de transporte de passageiros. Estas desativações e a priorização do transporte de carga contribuíram para a formação de espaços residuais no entorno das estações e da linha, principalmente nos aglomerados urbanos adjacentes à EFS. Sendo assim, observa-se uma infraestrutura ferroviária de grande extensão e abrangência territorial que prioriza o transporte de cargas, com exceção do trecho existente na RMSP (Região Metropolitana de São Paulo), onde a CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) articula o transporte de cargas com o de passageiros, na antiga linha da Sorocabana e em outras linhas ferroviárias paulistas.
1. Trecho principal das linhas de uma via férrea do qual derivam os ramais ou linhas secundárias. 9
Apesar do sucesso do modal ferroviário no transporte de passageiros na RMSP, o processo de sucateamento é contínuo nas regiões não metropolitanas, desperdiçando ligações territoriais eficientes e contribuindo com o apagamento da história, memória e identidade locais, ou seja, com o apagamento dos processos sociais e de formação do território brasileiro. A partir destas constatações é que se desenvolve a proposição de um novo uso na infraestrutura ferroviária da antiga Estrada de Ferro Sorocabana, a fim de requalificar os usos neste percurso. Tem-se por objetivo a investigação desta infraestrutura em cidades do interior do estado de São Paulo para o desenvolvimento de um percurso cultural sobre trilhos. A implantação do percurso cultural se estabelece a partir da adequação de vagões tipo plataforma2, com estruturas retráteis e desmontáveis, para receber dois usos âncoras: teatro e cinema, conformados em dois comboios3 definidos pelo uso. Juntamente à ação projetual no vagão, propõe-se um percurso com pontos de paradas temporárias em municípios com população de até 60.000 habitantes e com aglomerados urbanos no entorno da linha tronco da EFS, identificados como centros urbanos deficientes de espaços de manifestações culturais. Portanto, a proposta se qualifica como uma arquitetura itinerante que tem por objetivo requalificar espaços residuais no entorno da linha férrea a partir da apropriação do espaço ligada à manifestação cultural e à preservação da memória.
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2. Vagão com superfície plana e horizontal utilizado para o transporte de contêineres, madeira e peças de grandes dimensões. 3. Série de vagões rebocados por uma locomotiva (veículo utilizado para reboque de vagões).
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CONTEXTUALIZAÇÃO
1.1 Território e Identidade O território tem como seu anterior o espaço. O espaço se caracteriza pelo físico, que antecede a apropriação antrópica, ou seja, é o espaço em branco que preexiste às ações coletivas e individuais inseridas no campo das relações de poder e de dominação (RAFFESTIN, 1993, p. 144). Desta forma: Ao
se
apropriar
de
um
espaço,
concreta
ou
abstratamente (por exemplo, pela representação), o ator “territorializa” o espaço. Lefebvre mostra muito bem como é o mecanismo para passar do espaço ao território: “A produção de um espaço, o território nacional, espaço físico, balizado, modificado, transformado pelas redes, circuitos e fluxos que aí se instalam: rodovias, canais, estradas de ferro, circuitos comerciais e bancários, autoestradas e rotas aéreas etc” (RAFFESTIN, 1993, p. 143).
Estas ações antrópicas no território podem ser caracterizadas por dois elementos fundamentais, sendo eles: o concreto e o simbólico. O caráter concreto está diretamente ligado ao material, ou seja, à política, à economia e ao ordenamento do espaço físico, enquanto o simbólico está associado ao sentimento de pertencimento e relações afetivas construídas a partir da subjetividade e das experiências individuais e coletivas no espaço. Na arquitetura, o conceito de lugar equivale ao de território, onde ambos possuem o espaço como “figura fundo”. Segundo Norberg-Schulz (2006), o lugar é a junção de fenômenos concretos e simbólicos, denotando um significado de lugar para além de uma simples localização. Tais fenômenos são produtos das experimentações do espaço pelo homem, constituindo um processo de busca pelo entendimento e identificação da natureza do próprio ser.
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Visualização, simbolização e reunião são aspectos do processo geral de fixar-se num determinado lugar; e habitar, no sentido existencial da palavra, depende destas funções. (NORBERG-SCHULZ, 2006, p. 453). Além disso, o lugar “de acordo com as circunstâncias locais, possui uma identidade peculiar” (NORBERG-SCHULZ, 2006, p. 448). Esta identidade peculiar é denominada como genius loci, conceito originado na Roma antiga, que caracteriza tal identidade como o espírito do lugar, ou seja, como essência e particularidades do lugar. Geralmente se entende o “ter lugar” num sentido quantitativo e “funcional”, com implicitações que remetem ao dimensionamento e à distribuição espacial. Mas as “funções” não são inter-humanas e similares em toda parte? É evidente que não. Funções “similares”, mesmo as mais básicas como dormir e comer, se dão de diferentes maneiras e requerem lugares que possuem propriedades diversas, de acordo com as diferentes tradições culturais e as diferentes condições ambientais. Dessa forma, [...] o lugar como um “aqui” concreto com sua identidade particular. (NORBERG-SCHULZ, 2006, p. 445).
Ainda, segundo Borges (2010, p. 2), no domínio das Ciências Sociais, o território possui três principais vertentes de análise, que se articulam entre o concreto e o simbólico, sendo estas: jurídica-política, simbólica-cultural e econômica. Enquanto jurídica-política, as relações de territorialização estão ligadas ao exercício de poder no espaço controlado e delimitado. Na vertente simbólica-cultural, o território está atrelado à apropriação afetiva de uma identidade territorial, à memória e ao sentimento de pertencimento, se caracterizando por ser um “produto da apropriação feita através do imaginário e/ou da identidade social sobre o espaço” (HAESBAERT, 2004, p. 40). Já na vertente econômica, o território se caracteriza como fonte de recursos e geração de riquezas.
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Tais vertentes podem ser observadas na formação do território político brasileiro que foi estabelecido a partir de uma visão eurocentrista, baseado na dominação europeia sobre terras indígenas sul-americanas a partir do final do século XV e início do século XVI (Figura 1.1.1). Comumente, utiliza-se o termo “descobrimento” para se referir à chegada dos portugueses às terras brasileiras, caracterizando o europeu como ator único e principal da territorialização de um espaço visto como passível de “descoberta” e exploração. A partir disso, projetos distintos se sucederam no processo de construção de uma narrativa de identidade e territorialização das terras portuguesas no Novo Mundo: de modo concreto, a partir dos tratados de delimitação de terras (Tratado de Tordesilhas e de Madrid, por exemplo) e da exploração de recursos naturais para abastecimento da metrópole; e de modo simbólico, na imposição da cultura eurocêntrica e apagamento dos grupos étnicos originários.
Figura 1.1.1) Recorte do mapa do Brasil, 1556. Fonte: GASTALDI, 1556 in Biblioteca Digital Nacional, 2003.
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No entanto, estas terras já constituíam um território ocupado por povos indígenas originários (do latim indigena(ae), “natural do lugar que habita”) detentores de culturas, conhecimentos e apropriações afetivas e simbólicas do espaço, que foi dissolvido e sobreposto pelos colonos. Observa-se este processo, por exemplo, no Plano das Aldeias, também chamado de Plano Civilizador, que teve por propósito a conversão de nativos à fé cristã, encabeçado pelo padre Manuel da Nóbrega (superior dos jesuítas no Brasil Colônia), no século XVI (Figura 1.1.2). Este plano se baseava no agrupamento da população indígena nos chamados aldeamentos, a fim de catequizá-la e posteriormente ocupar suas terras, garantindo a conversão, ocupação do território e contingente de mão de obra escrava para a economia colonial. Tal processo de conversão à fé cristã como estratégia de dominação de terras e de povos é observada desde os registros de Pero Vaz de Caminha, na expedição comandada
Figura 1.1.2) Óleo sbre tela: padres Anchieta e Nóbrega na cabana do Pindobuçu. Fonte: Benedito Calixto, 1920.
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Figura 1.1.3) Principais expedições bandeiristas entre os séculos XVI e XVII. Fonte: SILVA, 1949, p. 36.
por Pedro Álvares Cabral que chegou ao Brasil em 1500, o qual escreve em sua carta referente ao primeiro contato com os povos originários: Parece-me gente de tal inocência que, se homem os entendesse e eles a nós, seriam logo cristãos, porque eles, segundo parece, não têm, nem entendem em nenhuma crença. E portanto, se os degredados, que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala e os entenderem, não duvido que eles, segundo a santa intenção de Vossa Alteza, se hão de fazer cristãos e crer em nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque, certo, esta gente é boa e de boa simplicidade. E imprimir-se-á ligeiramente neles qualquer cunho, que lhes quiserem dar. E pois Nosso Senhor, que lhes deu bons corpos e bons rostos, como a bons homens, por aqui nos trouxe, creio que não foi sem causa. Portanto Vossa Alteza, que tanto deseja acrescentar a santa fé católica, deve cuidar da sua salvação. E prazerá a Deus que com pouco trabalho seja assim. (CAMINHA, 1500).
Sendo assim, observa-se que o processo de exploração do território brasileiro se estabelece a partir da dominação portuguesa sobre os povos originários e da apropriação dos conhecimentos indígenas ligados ao território, visto que as primeiras expedições portuguesas terra adentro, partindo do litoral, se utilizaram de saberes e trilhas indígenas já estabelecidos. Estes foram massivamente utilizados, inicialmente, pelas missões de catequização e, posteriormente, utilizados entre os séculos XVI e XVIII pelos bandeirantes, durante as violentas expedições denominadas Bandeiras Paulistas (Figura 1.1.3). Estas expedições tinham como pontos iniciais, principalmente, as cidades de São Paulo e de São Vicente, rumo ao interior do Brasil, em busca de riquezas, ampliação do
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território português sobre terras espanholas (por meio do princípio do uti possidetis4), e captura, escravização e assassinato de indígenas (Figura 1.1.4). Vale pontuar que a cidade de São Paulo era um ponto estratégico por se tratar de um ponto de entroncamento entre importantes trilhas indígenas. Em 1627, os bandeirantes Antônio Raposo Tavares e Manuel Preto partiram de São Paulo e se utilizaram do Caminho do Peabiru, principal trilha indígena que ligava a costa do oceano Atlântico (litoral paulista, paranaense e catarinense) à costa do oceano Pacífico (território chileno), para atacar as reduções do Guairá (missões jesuítas espanholas), no atual estado do Paraná, que até então fazia parte do território espanhol. Este ataque resultou na destruição das reduções e no violento assassinato de indígenas. O Caminho do Peabiru, bem como os caminhos abertos pelas Bandeiras, são percursos que definiram as principais vias de comunicação territorial contemporâneas no
Figura 1.1.4) Combate de botocudos em Mogi das Cruzes, 1920, Oscar Pereira da Silva, óleo sobre tela. Vê-se ao centro o personagem do bandeirante atacando indígenas. Fonte: SILVA, 1920 in acervo do Museu Paulista, 2020. 4. Do antigo direito romano, que considera a propriedade da terra para quem efetivamente a ocupa. Tal princípio permitiu que os portugueses ficassem com as terras por eles tomadas além do limite de Tordesilhas. 18
Brasil, estabelecendo um processo de palimpsesto5. As principais rodovias paulistas reproduzem esta dinâmica, como por exemplo o traçado das vias Raposo Tavares e Fernão Dias. Este processo também ocorreu com o desenvolvimento do traçado e construção das linhas ferroviárias no estado de São Paulo, como é o caso da antiga Estrada de Ferro Sorocabana. A EFS teve sua operação iniciada em 1875, inicialmente conectando a capital da província de São Paulo até o município de Sorocaba. A demanda de sua construção se deu pela necessidade de ligar dois pontos comerciais estratégicos do território. A partir daí, a expansão da linha tronco se projetou para o oeste paulista em busca das regiões da cafeicultura já estabelecidas e, posteriormente, buscou novas terras cultiváveis no extremo oeste do estado. Segundo Darcy Ribeiro, no livro Os índios e a civilização (1996, p. 97): Funcionando à base da existência de matas virgens, a marcha do café tornou-se uma fronteira em contínua expansão. Nos primeiros anos deste século essa fronteira já alcançava as florestas que se estendem do vale do Tietê ao vale do Paranapanema e daí ao Paraná. Até então aquelas matas só haviam sido atravessadas por bandeirantes que se dirigiam para Mato Grosso e Goiás, no preamento de escravos ou em busca de minas, ou que serviam à comunicação entre o Paraguai e São Paulo.
Até o final do século XIX, as terras da porção oeste do estado paulista eram consideradas terras pouco exploradas e despovoadas, comumente chamadas de sertão paulista (Figura 1.1.5). Com a construção da Sorocabana nesta região, uma ação de aspecto colonizador, impulsionou-se o desenvolvimento econômico, fomentando a especulação de terras próximas às estações ferroviárias recém-construídas e a consequente fundação de cidades. Conforme SOUZA (2015, p. 47): 5 “Cidades também podem ser lidas como palimpsestos: elas resultam do acúmulo de sucessivos “textos” parcialmente apagados, que guardam sentidos e memórias materiais de diferentes épocas.” (JAYO, 2018).’ 19
Em 1909, o prolongamento da linha tronco já havia passado por Manduri, Bernardino de Campos, Santa Cruz do Rio Pardo, Ourinhos e atingiu Salto Grande, que corresponde ao km 472, sendo o ponto zero na capital. Em 1914 os trilhos chegam à cidade de Assis. A partir desse ponto a Companhia avançou sobre terras ainda virgens derrubando a mata, expulsando indígenas, trazendo colonos e imigrantes para o cultivo do café e semeando cidades até a fronteira com o rio Paraná.
Ao denominar o Oeste como “terrenos despovoados”, assume-se o mesmo caráter colonizador estabelecido com a chegada dos portugueses em terras brasileiras no século XVI, desconsiderando a presença e contribuição dos povos originários na construção do território. Contudo, nas matas do oeste de São Paulo e do Paraná, havia a ocupação por parte
Figura 1.1.5) Recorte do mapa da Província de São Paulo, 1886. Fonte: Arquivo Nacional, 2017.
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Figura 1.1.6) Recorte mapa etno-histórico do Brasil. Fonte: NIMUENDAJÚ in Portal IPHAN, 2017.
dos povos “conhecidos como Guaianá, Coroado, Bugre ou Botocudo, de língua kaigang” (RIBEIRO, 1996), que transformaram o espaço em território anteriormente à chegada dos colonizadores (Figura 1.1.6). Apesar da negação da presença destes povos, o percurso de extensão da Sorocabana, ao buscar a cafeicultura e novas terras cultiváveis, se utiliza dos caminhos preexistentes de ligação territorial. Observa-se a coincidência das rotas indígenas, em especial o Caminho do Peabiru, com o traçado da linha ferroviária em questão (Figura 1.1.7). Embora possuam semelhanças, os percursos se diferem devido ao desenvolvimento tecnológico: enquanto os indígenas traçam caminhos baseados na caminhabilidade, a ferrovia possui recursos de engenharia para vencer obstáculos e acidentes geográficos. Sendo assim, conclui-se que a formação do território brasileiro se fundamenta na sobreposição de camadas sociais, culturais e étnicas, estabelecendo um processo de palimpsesto.
Caminho do Peabiru Trilhas secundárias Sorocabana Figura 1.1.7) Mapa: o Caminho do Peabiru e a Estrada de Ferro Sorocabana. Fonte: MAACK, 2002, com edição do autor, 2021.
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1.2 Breve histórico: antiga Estrada de Ferro Sorocabana A antiga linha da EFS, no Estado de São Paulo, atualmente integra três redes sob concessão da Rumo Logística SA, sendo elas: RMP (Rumo Malha Paulista), responsável pelo trecho São Paulo – Mairinque; RMO (Rumo Malha Oeste), responsável pelo trecho Mairinque – Botucatu; e RMS (Rumo Malha Sul), que opera o trecho Botucatu – Presidente Epitácio. Sua criação se deu por iniciativa de Luis Matheus Maylaski, um imigrante húngaro que se estabeleceu no município de Sorocaba, interior de São Paulo, em meados do século XIX, e se tornou um empresário influente na região. O impulso para tal se deu pela preservação da economia local, uma vez que esta passava por um momento de desaceleração do comércio de animais empenhado pelos tropeiros e necessitava se modernizar para respaldar as atividades econômicas pujantes, ou seja, facilitar o escoamento da produção de algodão e trazer maquinários para o funcionamento da Real Fábrica de Ferro São João do Ipanema, no atual município de Iperó. Ao mesmo tempo que se planejava uma ligação ferroviária entre São Paulo, capital da província, e Sorocaba, se formalizava a criação da Companhia Ituana, estrada de ferro entre São Paulo e Itu. Maylaski e sua comitiva propuseram a extensão da Ituana até Sorocaba, no entanto, por falta de recursos e impedimentos políticos, a proposta foi negada. Sendo assim, optou-se pelo projeto de uma nova ferrovia: a Companhia União Sorocabana. Em 5 de junho de 1872, a Sorocabana teve a aprovação do projeto orçamentário, bem como a aprovação das plantas da linha férrea que ligaria São Paulo à Real Fábrica de Ferro, tendo suas obras iniciadas no dia 13 do mesmo mês. Foram adotados dois prazos para a construção, sendo oito anos para a entrega do trecho de São Paulo a Sorocaba e dez anos para a conclusão da extensão até a Real Fábrica. No entanto, a inauguração da linha foi realizada às pressas, pois nos meados dos anos 1870 a produção de algodão entrou em declínio devido à concorrência estadunidense, fazendo com
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que os produtores locais questionassem os investimentos na construção da ferrovia. Logo, a inauguração do trecho até Sorocaba se deu em 10 de julho de 1875 (Figura 1.2.1) e no ano seguinte do trecho até a Real Fábrica (Figura 1.2.2). A estratégia adotada pela Companhia para superar a crise algodoeira e garantir sua sobrevivência se deu por duas principais ações: a implantação de novas estações ao longo do trecho existente e a expansão da linha até os territórios da cafeicultura na região oeste do Estado de São Paulo. “As Companhias possuíam algumas maneiras de crescer. A mais importante era através da expansão da linha em regiões ainda não exploradas por outras firmas e a mais simples era construir estações em locais em que a linha já existisse.” (SOUZA, 2015, p. 37). A partir de 1879, a Companhia União Sorocabana já planejava a extensão da ferrovia até o município de Tietê. No início da década seguinte, conquistou a autorização junto
Figura 1.2.1) antiga estação de Sorocaba, 1889. Fonte: DURSKY, 1889 in Itaú Cultural, 2021.
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Figura 1.2.2) Fábrica de Ferro São João do Ipanema, 1889. Fonte: DURSKY, 1889 in Itaú Cultural, 2021.
ao governo para expandir a linha até Botucatu. No mesmo período, a Ituana disputava os territórios e áreas de interesse da Sorocabana. No entanto, no ano de 1892, a Ituana foi diluída e incorporada à sua principal concorrente, dando origem à Companhia União Sorocabana e Ituana (Figura 1.2.3). Em geral os planos não surtiram grandes efeitos e a expansão ferroviária transcorria sem nenhum planejamento geral. A responsabilidade sobre os traçados futuros da ferrovia nunca esteve nas mãos do estado, sempre quem deteve esse poder foi o capitalista, seja ele um grande fazendeiro do café ou industrial – sempre seguindo interesses de mercados locais. A ferrovia foi um processo regional. Na época nem as bitolas das linhas foram regulamentadas para facilitar que os carros de diferentes empresas circulassem por determinada via; algo relativamente simples que facilitaria a integração entre diferentes. (SOUZA, 2015, p. 41 – 42).
Figura 1.2.3) Mapa das ferrovias da Companhia União Sorocabana e Ituana e da São Paulo Railway, 1898. Fonte: SILVA, in Revista Brasileira de Geografia, 1954, com edição do autor, 2021.
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Seguindo o projeto de extensão baseado na lavoura cafeeira, facilitada pela fusão entre as duas Companhias, a ferrovia alcançou nos primeiros anos do século XX as regiões do Alto e Médio Paranapanema6. O Alto Paranapanema foi beneficiado pelo Ramal de Itararé, finalizado em 1909, criando um ponto de integração com as linhas da Companhia São Paulo – Rio Grande, com ligação ao Estado do Paraná. Neste período, a Companhia União Sorocabana e Ituana foi renomeada para Sorocabana Railway Company, uma vez que esta foi adquirida pelo grupo franco-americano Brazil Railway Company, que administrava as principais linhas férreas no sul do país, facilitando a integração das ferrovias entre os Estados de São Paulo e Paraná. Enquanto se expandia para o sul, a região do Médio Paranapanema se beneficiava com a ferrovia a partir da extensão da linha tronco, chegando em 1908 à cidade Ourinhos (Figura 1.2.4) e, em 1909, à Salto Grande (Figura 1.2.5), interior de São Paulo. Já em 1914, a expansão alcançava a cidade de Assis, bem como ramais secundários partindo de municípios
Figura 1.2.4) Fotografia da inauguração da estação de Ourinhos, 1908. Fonte: Estações Ferroviárias, 2020.
Figura 1.2.5) Fotografia: inauguração da estação de Salto Grande, 1909. Fonte: Estações Ferroviárias, 2020.
6. Regiões do sudoeste do Estado de São Paulo, referentes à Bacia do Rio Paranapanema.
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adjacentes até a linha principal. A partir daqui, o prolongamento visionado pela Sorocabana compreende a busca por novas terras cultiváveis para a cultura cafeeira, uma vez que esta representava solidez na economia nacional. Além de terras cultiváveis a Oeste, buscou-se alcançar a divisa com o Estado do Mato Grosso do Sul, visando a integração com o comércio de gado, pujante na região. A partir disso, configura-se uma expansão de ação colonizadora sobre o oeste do estado, explorando terras consideradas, até então, como inexploradas. No entanto, tais terras eram habitadas por povos indígenas originários, que foram expulsos por este processo colonizador. Tal processo se caracterizou pelo avanço sobre matas virgens, destruídas para dar lugar ao cultivo do café, à linha férrea e à consequente formação de cidades. Novas estações foram construídas enquanto a linha se expandia, a fim de prover paradas técnicas para
expansão de 1872 até 1914 expansão de 1915 até 1922 Figura 1.2.6) Mapa do desenvolvimento da antiga Estrada de Ferro Sorocabana, 1945. Fonte: Acervo do Museu da Cia. Paulista in A Ferrovia Paulista, 2014, com edição do autor, 2022.
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as locomotivas, propiciando a especulação e a comercialização das terras em seu entorno, consolidando novas vilas e, posteriormente, cidades. No ano de 1919, durante as obras de expansão da linha até o Mato Grosso do Sul, a concessão da ferrovia cedida à Brazil Railway Company foi cassada, sendo adquirida pelo governo de São Paulo e enfim batizada como Estrada de Ferro Sorocabana. Com o governo estadual administrando as obras, a EFS alcançou a divisa dos estados em 1922 (Figura 1.2.6), tendo como ponto final a estação de Porto Tibiriçá, às margens do Rio Paraná, atual município de Presidente Epitácio, estando no quilômetro 842 da linha tronco. Os anos subsequentes à finalização da expansão a oeste foram de esplendor da EFS, se instalando um período de modernização da linha e das estações, como por exemplo a construção de uma nova estação na cidade de São Paulo, atual estação Júlio Prestes, localizada no bairro da Luz (Figuras 1.2.7 e 1.2.8). Esta possui um projeto arquitetônico
Figura 1.2.7) Segunda estação de São Paulo da EFS de 1904, 1913. Fonte: Estações Ferroviárias do Brasil, 2021.
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Figura 1.2.8) Atual estação Júlio Prestes, de 1938, nos meados do século XX. Fonte: Museu Paulista, 2018.
significativo, de autoria dos arquitetos Cristiano Stockler das Neves e Samuel das Neves, inaugurada em 1938. Outro exemplo deste período foi a posterior extensão da Sorocabana rumo ao porto de Santos, com o intuito de quebrar o monopólio da São Paulo Railway sobre o transporte ferroviário na ligação entre o Planalto Paulista e o porto. Sendo assim, a partir de 1927 iniciou-se a construção do trecho que tinha como ponto inicial a estação de Mairinque. No entanto, com a Crise de 19297 e consequente crise na indústria cafeeira nacional, as obras foram interrompidas e os investimentos diminuídos, fazendo com que o trecho entrasse em operação apenas em 1937. Este trecho rumo ao litoral, bem como a linha tronco a oeste e o Ramal de Itararé ao sul, foram modernizadas a partir de 1940, com um projeto de eletrificação da rede ferroviária (Figuras 1.2.9 e 1.2.10). Até 1969, o projeto recebeu grandes investimentos,
Figura 1.2.9) Locomotiva elétrica da EFS, 1945. Fonte: Biblioteca Nacional Digital, 2022.
Figura 1.2.10) Locomotiva elétrica Loba da EFS, 1949. Fonte: Fabio Etchao in Pinterest, 2020.
7. A Crise de 1929 (Grande Depressão) foi uma forte recessão econômica internacional, iniciada nos Estados Unidos, durante a década de 1930. 29
a fim de proporcionar maior eficiência no sistema operacional de cargas e de passageiros, alcançando uma grande quilometragem eletrificada. Na linha tronco, a malha ferroviária foi eletrificada a partir da cidade de São Paulo até a estação de Assis. Apesar de se estabelecer como uma das companhias ferroviárias mais modernas e eficientes do país, a Sorocabana entrou em declínio a partir da metade do século XX. Entre os fatores que levaram à crise da companhia estão a falta de recursos para a manutenção e para o desenvolvimento do serviço ferroviário pelo Estado (gerando uma consequente dívida acumulada pelo déficit de investimentos no setor) e a competição com o pujante desenvolvimento da indústria automobilística e da política rodoviarista em território nacional. Outro fator de sobrecarregamento da companhia, contribuindo para com a sua crise financeira, foi a incorporação de companhias falidas, até então entregues ao Estado de São Paulo, à Sorocabana. Entre estas estavam a Tramway Cantareira, a Companhia de Navegação Fluvial Sul Paulista e a Estrada de Ferro Bragantina, que cooperaram para o aumento dos
linha tronco EFS ramal de Piraju Figura 1.2.11) Mapa do antigo Ramal de Piraju, s/d. Fonte: Acervo Municipal da Prefeitura de Piraju, com edição do autor, 2022.
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gastos por parte da EFS. Com a política rodoviarista efervescente, foram adotados novos impostos voltados ao suporte de seu desenvolvimento. O Decreto Federal nº 4.452 de 5 de novembro de 1964 definiu um investimento oito vezes maior ao setor rodoviarista em relação ao ferroviário sobre estes impostos arrecadados. Já em 1966, na tentativa de reerguer o setor ferroviário, o Decreto Federal nº 58.341 de 3 de maio de 1966 instalou um programa de erradicação de ramais antieconômicos em todo o território nacional, prioritariamente em localidades já atendidas por rodovias. Portanto, neste momento, houve a desativação de ramais na Sorocabana, a exemplo do Ramal de Piraju (Figura 1.2.11), que ligava a cidade de Piraju até a linha tronco na cidade de Manduri, já atendida pela Rodovia Raposo Tavares desde o ano de 1937. Com a desativação deste ramal, duas estações foram desativadas, sendo elas a Estação Ataliba Leonel (Figura 1.2.12) e a Estação de Piraju, tendo também seus trilhos removidos.
Figura 1.2.12) Estação Ataliba Leonel, atualmente desativada e sem trilhos. Fonte: do autor, 2021.
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Já no início da década de 1970, foi fundada a FEPASA (Ferrovia Paulista S/A), unificando todas as redes ferroviárias estaduais pelo governo do Estado de São Paulo. Fizeram parte desta fusão: a Companhia Paulista de Estradas de Ferro, a Estrada de Ferro Araraquara, a Estrada de Ferro Sorocabana, a Companhia Mogiana de Estradas de Ferro e a Estrada de Ferro São Paulo – Minas. A fundação da FEPASA se originou na tentativa de fortalecer o modal, por meio de investimentos para recuperação e modernização das malhas ferroviárias paulistas (Figura 1.2.13). No entanto, este fortalecimento esteve voltado ao transporte de carga, deixando o transporte de passageiros em segundo plano, com a intenção de extinguilo posteriormente. Em 1998, após desmantelar o serviço ferroviário estadual, a FEPASA foi incorporada à Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA), estatal federal de transporte ferroviário. No ano seguinte, a RFFSA, por meio do Plano Nacional de Desestatização (Lei nº 8.031 de 12 de abril de 1990), foi privatizada. Sendo assim, a antiga Sorocabana, bem como as demais linhas da
Figura 1.2.13) Locomotiva elétrica Loba da FEPASA, estacionada na Estação de Assis, 1993. Fonte: Fabio Etchao in Pinterest, 2020.
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extinta FEPASA, passaram para a administração da empresa privada FERROBAN (Ferrovias Bandeirantes). Posteriormente, no ano de 2000, a maior parte do percurso da Sorocabana foi arrematada para concessão pela ALL (América Latina Logística). Já sob concessão da iniciativa privada é que houve a suspensão da eletrificação nas linhas da antiga FEPASA, optando pela utilização de trens a diesel. Tal decisão se baseou na facilidade de gerir maiores trechos ferroviários com apenas uma modalidade de trens, já que os trechos eletrificados eram muito menores do que os não-eletrificados, evitando maiores gastos na manutenção simultânea de trens a diesel e elétricos. Ao priorizar o diesel como fonte de energia, perdeu-se a oportunidade de desenvolver uma malha ferroviária eletrificada moderna e sem emissão de poluentes. Neste mesmo momento, foi extinto o transporte de passageiros, tendo como exemplo o fim da linha de passageiros entre a cidade de São Paulo e a cidade de Presidente Epitácio, na antiga EFS, priorizando o serviço ferroviário ao escoamento de produtos agrícolas e minerais. O transporte de passageiros foi resguardado na Região Metropolitana de São Paulo, com a transferência das linhas da FEPASA da região metropolitana para a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos8, em 1996. Esta transferência se deu pelo processo de privatização da FEPASA, a fim de manter o transporte de passageiros sob comando do Estado de São Paulo. Atualmente, o percurso da antiga EFS é administrada pela empresa Rumo Logística, voltado exclusivamente ao transporte de cargas. No plano de administração da Rumo, este percurso integra, em sua maior parte, a Malha Sul, bem como a Malha Oeste, conectando com as malhas ferroviárias das regiões sul e centro-oeste do país.
8 Companhia Paulista de Trens Metropolitanos é a empresa responsável pelos serviços ferroviários de passageiros na Região Metropolitana de São Paulo e Jundiaí. 33
1.3 Espaços residuais no território ferroviário Como já visto, o território é caracterizado pela apropriação antrópica sobre um espaço, a partir de ações coletivas e individuais, associadas à política, à apropriação simbólicocultural e à economia. Tais aspectos de territorialização foram intrinsecamente almejados com a construção e expansão da Sorocabana e, posteriormente alcançadas, a partir do seu aspecto colonizador e diretamente ligado à memória afetiva destes espaços. A estrada de ferro se consolidou como influência ao longo dos territórios em seu percurso, seja na vertente política e econômica, a partir do intuito de escoar a produção agrícola, de impulsionar a ampliação de terras cultiváveis e de fundar cidades no oeste paulista, ou na vertente cultural, ligada à memória afetiva e à história das localidades em que a Sorocabana se instalou. No entanto, com o constante desmantelamento da Estrada de Ferro Sorocabana, a partir da metade do século XX, um processo de desterritorialização é observado ao longo do percurso da ferrovia. Ou seja, a subutilização da rede ferroviária da EFS, resultou em espaços residuais ao longo da via, principalmente nos ramais e estações desativadas a partir de 1966 e no entorno das estações ainda em funcionamento, mas que hoje são dedicadas exclusivamente ao transporte de cargas. Estações e suas áreas adjacentes que um dia foram vívidas, com passageiros transitando diariamente, dinâmicas econômicas pujantes, arquiteturas notáveis e com forte apelo na construção da memória local, hoje são espaços esquecidos em seu contexto, deixados à margem e ao esquecimento, constituindo apenas uma cicatriz urbana ociosa. Para ilustrar esta situação, três visitas ao território foram realizadas pelo autor. Os locais escolhidos foram o antigo Ramal de Piraju, nos municípios de Piraju e de Manduri, que possui duas estações desativadas (Estação Ataliba Leonel e Estação de Piraju), e a Estação de Ourinhos, bem como seu entorno, no município de Ourinhos (Figura 1.3.1).
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A estrada de ferro se consolidou como influência ao longo dos territórios em seu percurso, seja na vertente política e econômica, a partir do intuito de escoar a produção agrícola, de impulsionar a ampliação de terras cultiváveis e de fundar cidades no oeste paulista, ou na vertente cultural, ligada à memória afetiva e a história das localidades em que a Sorocabana se instalou. O Ramal de Piraju foi um linha secundária que ligava a linha tronco da Sorocabana a partir da Estação de Manduri, na cidade de Manduri, até a cidade de Piraju. Possuía uma estação intermediária, denominada Estação Ataliba Leonel, e tinha como ponto final a Estação de Piraju. Este ramal foi construído em parceria com a Companhia da ferrovia e a Câmara Municipal de Piraju, a fim de escoar a produção de café, pujante na região, tendo sua inauguração no ano de 1906.
Figura 1.3.1) Mapa dos locais de visita de campo (Manduri, Ourinhos e Piraju) e a cidade de São Paulo, 2021. Fonte: elaborado pelo autor, 2021.
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A Estação Ataliba Leonel, localizada na Fazenda do Governo Ataliba Leonel, no município de Manduri, foi o primeiro local visitado, no dia 5 de setembro de 2021. Inaugurada em 1906 (Figura 1.3.2), juntamente à inauguração do ramal, teve sua operação mantida até 1966, quando o ramal foi desativado. Após sua desativação, seus trilhos foram removidos e seu edifício completamente abandonado, servindo apenas para descarte de entulhos e materiais ferroviários antigos sem serventia.
Figura 1.3.2) Inauguração da Estação Ataliba Leonel, 1906. Fonte: Estações Ferroviárias do Brasil, 2018.
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Figura 1.3.3) Situação atual da Estação Ataliba Leonel, 2021. Fonte: do autor, 2021.
Figura 1.3.4) Situação atual da Estação Ataliba Leonel em estado de abandono, 2021. Fonte: do autor, 2021.
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Figura 1.3.5) Janela trancada na Estação Ataliba Leonel, 2021. Fonte: do autor, 2021.
Figura 1.3.6) Detalhe de uma das portas da Estação Ataliba Leonel, 2021. Fonte: do autor, 2021.
Figura 1.3.7) Materiais elétricos entulhados no interior da Estação Ataliba Leonel, 2021. Fonte: do autor, 2021.
Figura 1.3.8) Garrafas entulhadas na plataforma da Estação Ataliba Leonel, 2021. Fonte: do autor, 2021.
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Já no dia 6 de setembro de 2021, a visita foi realizada na Estação de Piraju, na cidade de Piraju. Assim como a Estação Ataliba Leonel, as instalações ferroviárias em Piraju foram inauguradas junto ao Ramal de Piraju, em 1906. O complexo ferroviário de Piraju engloba o edifício principal (Figura 1.3.9), inaugurado dois anos após a abertura do ramal, projetada pelo arquiteto Ramos de Azevedo, e dois galpões de armazenagem. A extensão da Sorocabana até Piraju, apesar de inicialmente ter o intuito de escoar a produção cafeeira local, posteriormente contribuiu para a chegada de migrantes e imigrantes à região, fomentando o desenvolvimento local. Além disso, nove anos após a abertura do ramal, uma linha de bondes foi instalada (Figura 1.3.10), ligando a Estação de Piraju até a cidade vizinha, Sarutaiá, a fim de transportar café e passageiros. Como a cidade possui o Rio Paranapanema em seu território, foi necessário a construção de uma ponte metálica para os trilhos do bonde (Figura 1.3.11). A obra foi supervisionada por
Figura 1.3.9) Estação de Piraju, 1908. Fonte: Livro Sorocabana Railway, 2001.
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Figura 1.3.10) Bonde na cidade de Piraju, 1930. Fonte: Coleção Gilberto Polanghi in Tramz, 2007.
Kermit Roosevelt, filho do ex-presidente estadunidense Theodore Roosevelt, que por sua vez, visitou a cidade em 1913 para conhecer a obra do filho e as instalações ferroviárias da cidade (Figura 1.3.12). Apesar da eficiência nos anos de funcionamento, a Estação de Piraju foi desativada em 1966, quando o ramal foi desativado a fim de cortar gastos da EFS. Com a retirada dos trilhos, as instalações ficaram em estado de completo abandono até 2009, quando um projeto de restauração foi iniciado por parte da administração municipal. Já no ano de 2013, o Conjunto da Estação Ferroviária de Piraju foi tombado como bem cultural de interesse histórico, arquitetônico, artístico, turístico, paisagístico e ambiental pelo CONDEPHAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo). Atualmente, o prédio principal abriga o Departamento da Educação de Piraju (Figura 1.3.13), enquanto os galpões de armazéns abrigam o Museu do Café, o Museu Histórico Constantino Leman e SENAI.
Figura 1.3.11) Ponte metálica em construção sobre o Paranapanema, 1913. Fonte: Library of Congress, 2010.
Figura 1.3.12) Rooosevelt, à esquerda, na Estação de Piraju, 1913. Fonte: Library of Congress, 2010.
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Figura 1.3.12) Prédio principal da Estação de Piraju, 2021. Fonte: do autor, 2021.
Figura 1.2.13) Prédio principal e plataforma da Estação de Piraju, 2021. Fonte: autor, 2021.
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Figura 1.2.14) Remanescente dos trilhos no entorno da estação, 2021. Fonte: do autor, 2021.
Figura 1.3.15) Entorno da Estação de Piraju, 2021. Fonte: do autor, 2021.
Figura 1.3.16) Antigo galpão de armazenagem, 2021. Fonte: do autor, 2021.
Figura 1.3.17) Antigo galpão: atual prédio do Senai, 2021. Fonte: do autor, 2021.
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O terceiro local visitado, no dia 11 de setembro de 2021, foi a Estação de Ourinhos, na cidade de Ourinhos, e seu entorno. Nesta cidade, a Sorocabana iniciou sua operação em 1908, com uma estação simplória (Figura 1.2.4), semelhante à Estação Ataliba Leonel. Neste momento, a ferrovia estava sob a administração da Brazil Railway Company, companhia responsável pelas ferrovias do sul do país. Sendo assim, facilitou-se a integração das linhas do sul com a Sorocabana a partir de 1915, fazendo de Ourinhos um ponto de entroncamento com a Rede de Viação Paraná – Santa Catarina. Com a alta demanda gerada pelo entroncamento ferroviário destas linhas, uma nova estação foi construída no ano de 1926 (Figura 1.3.18), uma vez que a primeira estação já não atendia o número de carga e de passageiros. Atualmente, a primeira estação de 1908 foi restaurada e é sede do Museu Municipal Histórico e Pedagógico de Ourinhos.
Figura 1.3.18) Segunda estação de Ourinhos, 1926. Fonte: José Carlos N. Lopes in Memórias Ourinhenses, 2008.
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Em 1969 uma terceira estação foi construída. Esta chegou a ser beneficiada pelo projeto de eletrificação (Figura 1.3.19), recebendo locomotivas elétricas, mas teve a infraestrutura desmantelada em 1999, assim como todo o trecho eletrificado da linha (Figura 1.3.20). Ainda hoje é possível observar ao longo da via locomotivas elétricas que foram descartadas e sucateadas pela companhia. Em 1999, após a privatização das linhas da antiga Sorocabana, além da desativação da rede eletrificada, o serviço de transporte de passageiros também foi desativado. Diferente dos outros dois territórios visitados, a linha férrea herdada da Sorocabana em Ourinhos permanece em pleno funcionamento para transporte de cargas e possui seu percurso imerso no perímetro urbano, cruzando a cidade de leste a oeste, e conectando-se às linhas paranaenses ao sul. Aqui, a linha férrea se transforma em uma barreira urbana, dotada de espaços residuais adjacentes à estação e à ferrovia.
Figura 1.3.19) Locomotiva elétrica em Ourinhos, 1995. Fonte: Estações Ferroviárias do Brasil, 2020.
Figura 1.3.20) Locomotiva elétrica abandonada em Ourinhos, 2021. Fonte: do autor, 2021.
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Os espaços residuais no entorno da estação já foram grandes pátios ferroviários, usados para manobras e para estacionamento de locomotivas, mas hoje, com a diminuição da demanda do serviço ferroviário, estes espaços ferroviários urbanos se transformaram em locais de descarte de lixo ferroviário e doméstico. Para além disso, estes locais se transformaram em uma espécie de cemitério de trens abandonados pela antiga concessionária da linha, a América Latina Logística (Figura 1.3.21). Os espaços residuais no entorno da linha férrea para além do entorno da Estação de Ourinhos, se assemelham ao que foi observado no entorno direto da estação; ademais, se configuram como uma espécie de barreira contínua entre dois lados de uma mesma cidade, dificultando a transposição e o diálogo entre ambos. Estes espaços, anteriormente territorializados com passageiros e funcionários em suas dependências durante todo o dia, hoje se transformaram em não-espaços, pois não se configuram na dinâmica cotidiana da cidade ao mesmo que não possuem identidade.
Figura 1.3.21) Esgoto a céu aberto no entorno da Estação de Ourinhos. Vê-se ao fundo os trens abandonados da ALL, 2021. Fonte: do autor, 2021.
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Estas situações constituem um processo de desterritorialização dos espaços ferroviários em zonas urbanas, bem como demonstram o processo de desvalorização e sucateamento do sistema ferroviário no interior do Estado de São Paulo. A partir desta leitura do território, podemos nomear estes espaços residuais identificados em visita de campo, de heterotopias. Heterotopias, segundo Foucault (2013, p. 19), são “utopias que têm um lugar preciso e real, um lugar que podemos situar no mapa”, ou seja, são espaços reais deixados às margens da dinâmica urbana e social. Estando às margens da sociedade, estes espaços se constituem em um processo de desterritorialização, sendo invisibilizados e apagados do entorno em que estão inseridos, qualificados como “lugares que se opõem a todos os outros, destinados, de certo modo, a apagá-los, neutralizá-los ou purificá-los. São como que contraespaços” (FOUCAULT, 2013, p. 20).
Figura 1.3.22) Edifícios abandonados no entorno da linha férrea em Ourinhos, 2021. Fonte: do autor, 2021.
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Ainda segundo o filósofo francês, “as heterotopias possuem sempre um sistema de abertura e de fechamento que as isola em relação ao espaço circundante” (FOUCAULT, 2013, p. 26). Este sistema de abertura e de fechamento pode ser observado na barreira urbana estabelecida pela via férrea no perímetro urbano. Enquanto barreira urbana, o espaço ferroviário se faz presente exclusivamente para serviços econômicos (transporte de carga), se fechando para o contexto urbano, havendo locais pontuais de abertura, como a Estação de Ourinhos, ainda que restrita a funcionários, e as transposições viárias e de pedestres ao longo da malha urbana (Figuras 1.3.23 e 1.3.24). Portanto, observa-se o processo de desterritorialização e consequente caracterização destas áreas residuais como contraespaços, passíveis de transformação e alvo de ações projetuais neste trabalho.
Figura 1.3.23) Transposição na linha férrea no centro de Ourinhos, 2021. Fonte: do autor, 2021.
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Figura 1.3.24) Transposição de pedestres na linha férrea de Ourinhos, 2021. Fonte: do autor, 2021.
Figura 1.3.25) Cobertura de antigo edifício da RFFSA, 2021. Fonte: do autor, 2021.
Figura 1.3.26) Barreira na via férrea em Ourinhos, 2021. Fonte: do autor, 2021.
Figura 1.3.27) Lixo ferroviário e vagões subutilizados no entorno próximo da Estação de Ourinhos, 2021. Fonte: do autor, 2021.
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ESTUDOS DE CASO
2.1 Vagón del Saber Arquitetos: Al Borde Local: Equador Ano: 2012
Integrante de um projeto realizado pelo Ministério da Cultura e Patrimônio do Equador, com o propósito de recuperar um sistema ferroviário sucateado, o Vagón del Saber é um vagão cultural móvel que tem por objetivo percorrer o país, criando um percurso com paradas em comunidades remotas, ampliando o acesso à cultura e à educação para além dos grandes centros. A reativação destas linhas ferroviárias em questão contribuiu para o resgate e valorização da história e patrimônio – ferroviário e cultural -, das comunidades que fazem parte do circuito sobre trilhos. A escolha do vagão para implantação deste equipamento cultural também tem a premissa de resgatar a memória ferroviária local. Trata-se de um
Figura 2.1.1) Vista exterior do vagão antes da restauração. Fonte: Al Borde, 2012.
Figura 2.1.2) Vista interior do vagão antes da restauração. Fonte: Al Borde, 2012.
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antigo trem de passageiros, modelo 1513 (Figura 2.1.1 e 2.1.2), que se encontrava abandonado e sem um bogie (conjunto de rodas), em consequência de um descarrilhamento. Todos esses anos de carregamento o deixaram deformado. Apesar de que lhe faltava um bogie e de estar descarrilhado, quando alguém o via não podia evitar o sentimento de respeito. Distinto a tudo o que vemos agora... já não fazem as coisas como antes. (NELSON in AL BORDE, 2012).
O vagão foi submetido a um processo de retrofit, por meio da recuperação do bogie e da caixa do vagão, além da requalificação de usos, uma vez que deixou de transportar passageiros e agora abriga um programa de cultura e de espaço público itinerantes. No processo de retrofit, além da recuperação citada anteriormente, intervenções foram realizadas na estrutura da caixa a fim de adaptar o vagão para possibilitar os usos
Figura 2.1.3) Vista exterior das arquibancadas recolhidas. Fonte: Al Borde, 2012.
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propostos, que englobam: apresentações musicais, teatrais, cinematográficas e atividades de capacitação às comunidades. Para isso, utilizou-se o conceito de Mínimo Múltiplo Comum: Para resolver este projeto multifuncional, buscamos aplicar a matemática básica às funções arquitetônicas. Tudo se resolve sob uma lógica de mínimo múltiplo comum, ou melhor, uma mínima função comum: a maior quantidade de funções com a menor quantidade de elementos. (AL BORDE, 2012).
É a partir deste conceito que o partido arquitetônico se estabelece, incorporando ao vagão estruturas retráteis e desmontáveis, ampliando a capacidade de usos a partir da versatilidade das formas incorporadas às funções. Podemos observar tais intenções projetuais na estrutura retrátil das arquibancadas (Figura 2.1.3 e 2.1.4), que são desdobradas quando há o uso teatral ou ativação de espaço público de convívio coletivo.
Figura 2.1.4) Vista interior das arquibancadas desdobradas sendo utilizadas. Fonte: Al Borde, 2012.
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Para além disso, observa-se tal decisão projetual na cobertura que se estende nas laterais do vagão, uma vez que estas são abertas somente quando o equipamento cultural está estacionado e necessita de ampliação de sua área útil para realização das atividades propostas (Figura 2.1.5). Esta cobertura é constituída por lona, que agrega benefícios ao projeto, pois se trata de um material leve, possibilitando fácil transporte e instalação, além de proteção contra radiação solar e chuvas, contribuindo para a proteção da arquibancada desdobrável (Figura 2.1.6). É atirantada por um sistema de cabos de aço, roldanas metálicas e braços metálicos
ateliê
cinema
cênico
Figura 2.1.5) Mosaico: plantas de usos, s/ escala. Fonte: Al Borde, 2012, com edição do autor, 2021.
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dobráveis fixados na lateral do vagão. Tal sistema também está presente na tela de projeção para uso do cinema aberto (Figura 2.1.7), que é recolhida quando não está em uso. Sendo assim, é a partir da cobertura que o projeto se desenvolve para além da área original do vagão, se estendendo para o espaços livres paralelos ao local de parada, ou seja, se apropriando do entorno de sua implantação, ampliando o espaço útil dedicado às atividades programadas. Este aspecto diz respeito ao partido arquitetônico, explorado desde a sua concepção inicial, que podem ser observados nos croquis dos arquitetos responsáveis (Figura 2.1.8).
Figura 2.1.6) Vista exterior com cobertura lateral estendida. Fonte: Al Borde, 2012.
Figura 2.1.7) Vista exterior do vagão com tela de projeção. Fonte: Al Borde, 2012.
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Figura 2.1.8) Croquis referentes à cobertura. Fonte: Al Borde, 2012.
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A partir da exploração dos ambientes adjacentes à implantação e da área original do vagão (36 m²), podemos observar no gráfico abaixo (Figura 2.1.9) a porcentagem dedicada a cada um dos usos adotados no projeto, baseando-nos nas informações fornecidas pelo escritório Al Borde e pela análise posterior do autor. Foram dedicados, aproximadamente, 30 m² para o uso de ateliês, 72 m² para uso cinematográfico, 72 m² para o uso teatral, além de
ATELIÊ
CINEMA
CÊNICO
DEPÓSITO
6 m² para apoio referente à área de depósitos, totalizando 180 m².
17%
40%
40%
3%
Figura 2.1.9) Grafíco de porcentagem de áreas do programa de necessidades do Vagón del Saber. Fonte: elaborado pelo autor, 2021.
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2.2 Trenzando Arquiteta: Daniela Gutiérrez Local: Chile Ano: 2016
Em funcionamento desde 2018, o Trenzando (Figura 2.2.1) é um equipamento cultural itinerante sobre trilhos que percorre as redes ferroviárias de norte a sul do Chile, a fim de reativar o patrimônio ferroviário nacional por meio da reutilização do sistema ferroviário existente, ampliando o acesso à cultura e à educação nas comunidades presentes ao longo da linha férrea, que totalizam mais de 170 localidades de interesse (Figura 2.2.2). Fruto de um concurso realizado em 2015, pelo Consejo Nacional de las Culturas, las Artes y el Patrimonio (órgão de políticas culturais ligado ao Ministerio de las Culturas, las Artes y el Patrimonio do Chile), o projeto foi idealizado pela Fundación A.C.T.O., encabeçado pela arquiteta Daniela Gutiérrez, com apoio do Fondart (Fondo Nacional de Desarrollo Cultural y
Figura 2.2.1) Imagem conceitual do projeto Trenzando. Fonte: Daniela Gutiérrez, 2016.
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las Artes), Fepasa (Ferrocarril del Pacífico S.A.) e EFE (Empresa de Ferrocarriles del Estado). A arquiteta responsável viu na malha ferroviária, sob concessão da FEPASA, a possibilidade de atingir lugares isolados dos grandes centros metropolitanos, escassos de investimentos em cultura e educação. Assim foi idealizado o projeto itinerante, cujo objetivo principal é fomentar a descentralização do acesso cultural e científico, ampliando as oportunidades de desenvolvimento em regiões não metropolitanas. Neste momento tinham em sua página web um incrível mapa com as estações, e descobrimos que esta rede chegava aos lugares onde mais se observa a desigualdade territorial, um tema que vinha discutindo com amigos de diferentes áreas disciplinares. Vimos que, de fato, nestas pequenas comunidades existem recursos valiosos, e estamos falando de 90% destes lugares com menos de mil habitantes e aos quais com sorte chega o Censo, mas não há dados culturais e sociais. (GUTIÉRREZ in EL DESCONCIERTO, 2017, tradução nossa).
Figura 2.2.2) Mapa do percurso e das estações ferroviárias da Red Sur habilitadas para transporte de carga. Fonte: Trenzando, 2018.
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Caracterizando-se como um projeto de âmbito arquitetônico e itinerante, o Trenzando se apropria de intervenções urbanas de escala nacional a partir do percurso dos trilhos que, somado ao equipamento cultural, se qualifica como um agente de cooperação territorial entre centros metropolitanos e não-metropolitanos. Sendo assim, integra a participação da população regional e local, apostando na descentralização do acesso a espaços de manifestações culturais e à educação, fortalecendo as identidades e culturas que coexistem em seu percurso de operação. O quase nulo transporte ferroviário de passageiros inviabilizou o uso dos trilhos e, para muitos povoados que foram fundados em seu entorno, hoje estes representam uma divisão do território e evasão de seus recursos. A centralização característica de nosso país não se traduz apenas na tomada de decisões e na distribuição de investimentos, mas também afeta a geração de conhecimentos, trocas e de todos os atores envolvidos neste processo (SILVA, 2018, p. 23).
Figura 2.2.3) Estação ferroviária de Diuquin, Chile. Fonte: Daniela Gutiérrez, 2016, in Revista Album, 2018.
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Além de se apropriar dos trilhos, o projeto tem o intuito de se reaproveitar da infraestrutura existente em relação às estações ferroviárias distribuídas nos mais de três mil quilômetros de vias férreas, que são utilizadas, principalmente, para o transporte de cargas. Apesar da infraestrutura em geral encontrar-se em bom estado, as estações (que possuem valor histórico e cultural), encontram-se em situação de completo abandono, com acesso restrito e estruturas comprometidas (Figura 2.2.3). Tal situação é consequência de um processo de sucateamento deste modal de transporte e dos contínuos cortes nas linhas de operação ao longo das últimas décadas. A partir disso, o Trenzando se articula para a incorporar tais estações sucateadas ao seu projeto de intervenção, recuperando não apenas suas estruturas arquitetônicas, mas
Figura 2.2.4) Residencia instalada no interior de uma estação. Fonte: Fundación ACTO in ArchDaily, 2018.
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também a memória local coletiva, a fim de utilizá-las como paradas e abrigos temporários do equipamento cultural (Figura 2.2.4). Apesar disso, o itinerário cultural não se limita à instalação em espaços fechados, uma vez que foi pensado em forma de contêineres, transportados por vagões plataforma e locomotivas de carga das empresas ferroviárias apoiadoras do projeto, que possibilitam a realização de atividades em seus espaços internos, bem como nos espaços abertos adjacentes às residencias (nome dado às paradas temporárias). Construído a partir da reciclagem de cinco contêineres, o programa do Trenzando se articula em seis usos principais (Figura 2.2.5), sendo eles: dormitório que comporta até dez pessoas, sanitários, cozinha comunitária, ateliê, sala multiuso e espaço cênico (uso voltado para apresentações teatrais e musicais, com posterior uso para projeções).
dormitórios
sanitários
cozinha
cênico
oficina
ateliê
geradores
Figura 2.2.5) Planta e corte referente aos usos, s/escala. Fonte: Daniela Gutiérrez, 2016, com edição do autor, 2021.
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Foram utilizados dois modelos de contêiner metálico, a depender do uso designado, sendo estes de 40’ (pés), que consiste em um contêiner de aproximadamente 12,00 x 2,44 m, e de 20’, de aproximadamente 6,00 x 2,44 m. Para o uso do dormitório, utilizou-se o modelo de 40’, totalizando 30 m². Para os sanitários e cozinha comunitária, adotou-se o modelo de 20’, totalizando 15 m² para cada uso; no entanto, a cozinha possui extensões de piso, através do atirantamento das aberturas laterais (Figura 2.2.6), ampliando sua área útil, totalizando assim 45 m². Enquanto isso, o espaço cênico e a sala multiuso dividem o mesmo vagão plataforma, uma vez que ambos os contêineres de 40’ são acoplados para maior facilidade de deslocamento e concordância com as alturas de transposição existentes nas linhas ferroviárias, além de potencializar o aproveitamento da capacidade do vagão. Sendo assim,
Figura 2.2.6) Cozinha comunitária aberta com atirantamento das aberturas laterais. Fonte: Fundación ACTO in ArchDaily, 2018.
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o contêiner dedicado à sala multiuso é alteado e travado acima do contêiner dedicado ao espaço cênico. Este último também conta com a ampliação de sua área útil, bem como acontece na cozinha comunitária, expandindo sua área de 30 m² para 75 m² por meio da abertura das vedações metálicas laterais (Figura 2.2.7), que são sustentadas por meio de suportes em madeira fixados no solo, e pelas coberturas desmontáveis que são erguidas nas residencias (Figura 2.2.8). Já para o ateliê, são dedicados aproximadamente 24 m². Apesar de estar implantado em um contêiner de 40’, este divide espaço com uma área de apoio referente aos geradores de energia. Neste mesmo contêiner, há uma potencialização do uso referente à sua cobertura, que se integra aos geradores presentes na unidade por meio da fixação de painéis solares, otimizando o consumo de energia no equipamento cultural. Esta potencialização também
Figura 2.2.7) Cozinha comunitária aberta com atirantamento das aberturas laterais. Fonte: Fundación ACTO in ArchDaily, 2018.
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ocorre nas coberturas dos sanitários e da cozinha, que são providas de reservatórios de água potável. A partir dos estudos em torno das áreas dedicadas a cada uso citados anteriormente, obtidos por meio das informações publicadas pela Fundación ACTO e pela análise do autor, é possível observar na Figura 2.2.9 a porcentagem referente a cada uma das áreas do programa de necessidades nesta intervenção itinerante.
Figura 2.2.8) Cobertura desmontável em lona e suportes metálcos. Fonte: Fundación ACTO, 2019.
SANITÁRIOS
DORMITÓRIO
GERADORES
12%
COZINHA
CÊNICO 37%
OFICINA
ATELIÊ 10%
19%
6,2%
12,5%
2,5%
Figura 2.2.9) Grafíco de porcentagem de áreas do programa de necessidades do Trenzando. Fonte: elaborado pelo autor, 2021.
2.3 Rolling Masterplan Arquiteto: Jagnefält Milton Local: Åndalsnes, Noruega Ano: 2010
Fruto de um concurso para um novo masterplan (Figura 2.3.1) na cidade norueguesa de Åndalsnes, o projeto produzido pelo escritório sueco Jagnefält Milton tem como proposta uma intervenção a partir da malha ferroviária existente na cidade. Tal projeto se configura como renúncia da produção de cidade a partir de novos quarteirões e ruas, criando uma proposta de cidade em constante movimento e adequação. A malha ferroviária existente é datada do início do século XX, quando a cidade foi integrada à Rauma Line (linha férrea que liga a região ao interior do país), tendo esta como ponto final da linha. A ferrovia mantém a operação para transporte de passageiros com grande apelo ao turismo, uma vez que Åndalsnes possui caráter turístico com a articulação
Figura 2.3.1) Rolling Hotel, 2010. Fonte: Jagnefält Milton in ArchDaily, 2010.
71
entre o transporte sobre trilhos e o aporte de navios cruzeiros na orla marítima de Romsdalsfjord. É a partir desta dinâmica turística local que o projeto é concebido, inserindo edifícios com programas diversificados que se deslocam sobre trilhos. Entre estes, foram propostos sanitários públicos, uma sala de concertos e um hotel (Figura 2.3.2), que são organizados e reorganizados na cidade a partir dos eventos sazonais, como shows, festivais e estações do ano, por exemplo. Ao norte da cidade, juntamente ao cais existente na orla do Romsdalsfjord, foi proposto um cais de banho (Figura 2.3.3) capaz de receber, por meio dos trilhos, as instalações públicas do cais e do hotel.
Figura 2.3.2) Implantação - masterplan, 2010. Fonte: Jagnefält Milton in ArchDaily, 2010, com edição do autor, 2022.
72
As instalações do cais incluem uma torre de serviço fixa (que aporta um mirante), ou seja, esta não é móvel como os outros equipamentos, dois módulos deslizantes de primeiros socorros (salva-vidas) e vestiários. Estas instalações se articulam com os módulos de programa hoteleiro (Figura 2.3.4), conformando uma infraestrutura passível de ajustes. Os módulos referentes ao uso do hotel se distribuem entre: cozinha, sauna, suíte, quartos individuais e duplos, além de uma guarita. Os quartos de hotel são dotados de sanitários e mobiliários flexíveis caracterizados como retráteis, como é o caso das camas nos quartos individuais e duplos (Figura 2.3.5). Além de atenderem à demanda hoteleira, estes dormitórios podem ser utilizados como unidades residenciais autônomas, pois se adequam às necessidades e localidades demandadas.
Figura 2.3.3) Cais de banho, 2010. Fonte: Jagnefält Milton in ArchDaily, 2010.
73
Esta proposta de cidade, baseada em edifícios itinerantes sobre trilhos, flexibiliza o espaço urbano, fazendo com que este se adeque às necessidades temporárias preestabelecidas, além de preservar a malha ferroviária existente. A partir disso, a proposta potencializa as dinâmicas de paisagem urbana, criando uma cidade em movimento, com conexões mutáveis e passíveis de constante reordenamento.
torre de serviço
primeiros socorros
sauna
quarto duplo
cozinha
vestiários
suíte
quarto individual
guarita
Figura 2.3.4) Usos no cais de banho; planta e corte. Fonte: Jagnefält Milton in ArchDaily, 2010, com edição do autor, 2022.
74
Figura 2.3.5) Isométrica: quarto duplo, individual e suíte, 2010. Fonte: Jagnefält Milton in ArchDaily, 2010.
75
3
PROCESSO DE PROJETO
O propósito existencial do construir (arquitetura) é fazer um sítio tornar-se um lugar, isto é, revelar os significados presentes de modo latente no ambiente dado. (NORBERG-SCHULZ, 2006, p. 454).
3.1 Área de intervenção O projeto aqui proposto tem o intuito de fomentar a territorialização dos espaços residuais que constituem cicatrizes urbanas deixadas pela ferrovia, bem como frear o processo de sucateamento e apagamento deste modal de transporte. Tal territorialização se fundamenta através da análise do território na vertente simbólico-cultural, com a intenção de valorizar e requalificar o espaço ferroviário em questão a partir da preservação da memória e histórias locais, e do incentivo à apropriação do espaço de caráter identitário, tendo como instrumento a proposta do projeto de cultura itinerante (Figura 3.1.1). A premissa para a utilização do sistema de cultura itinerante como instrumento de projeto se baseia em seu potencial de territorialização e na descentralização dos equipamentos tradicionais de cultura, que se concentram nos maiores aglomerados urbanos ao longo da via férrea da EFS, possibilitando o acesso a estes nos municípios de menor porte
Figura 3.1.1) Estudo de possibilidade de usos em área residual ferroviária na cidade de Ourinhos, São Paulo, 2021. Fonte: elaborado pelo autor, 2021.
79
que circundam a linha. Tratando-se de um sistema itinerante, a área de intervenção não possui implantação fixa, se configurando como percurso na extensão remanescente da linha tronco da antiga Estrada de Ferro Sorocabana, com paradas em áreas de manobras localizadas nos perímetros urbanos de interesse. Nos municípios que não houverem áreas de manobras, são propostos pequenas extensões da linha férrea para estacionamento dos comboios. A definição das paradas e do percurso foram estabelecidos a partir de critérios ligados ao número de cinemas, centros culturais, museus e teatros, presentes nos municípios que possuem aglomerados urbanos adjacentes à ferrovia, excluindo-se os municípios da RMSP. Estes dados foram coletados em pesquisa nos portais das prefeituras dos municípios, IBGE Cidades, Rede Social Brasileira por Cidades Justas e Sustentáveis e Rede Nossa São Paulo,
Figura 3.1.2) Mapa de número de cinemas, 2021. Fonte: elaborado pelo autor, 2021.
80
e Plataforma Dados Culturais, da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo. Tais dados foram analisados em paralelo aos dados referentes às populações municipais, tendo como norteador os indicadores do município de São Paulo, maior centro urbano do país e ponto inicial da ferrovia em questão, representados cartograficamente em mapas (Figuras 3.1.2, 3.1.3, 3.1.4, 3.1.5 e 3.1.6). A partir do cruzamento destes dados apresentados, observou-se uma menor incidência dos equipamentos culturais tradicionais nos municípios de até 60.000 habitantes. Estes municípios possuem uma predominância de desenvolvimento econômico voltado aos aspectos agrícolas, como consequência das motivações de suas fundações ligadas ao intuito de extensão da linha ferroviária da Sorocabana na busca de novas terras cultiváveis.
Figura 3.1.3) Mapa de número de centros culturais, 2021. Fonte: elaborado pelo autor, 2021.
81
Além disso, a predominância da presença destes equipamentos nos centros urbanos com mais de 60.000 habitantes revela a ausência de acesso ao consumo de bens culturais. Tal ausência é observada, por exemplo, na má distribuição de salas de cinema, que se caracterizam como equipamentos majoritariamente privados, localizados em shopping centers existentes nos médios e grandes centros. Aqui pode-se fazer um paralelo com o que Isaura Botelho (2004, p. 04), ao discutir os desafios para a gestão pública sobre os equipamentos culturais na cidade de São Paulo, observa: “o fato de que os deslocamentos físicos se tornam cada dia mais difíceis, pode-se dizer que a mobilidade territorial e o uso de equipamentos culturais se convertem, cada vez mais, em direito e privilégio das classes com maior poder aquisitivo”.
Figura 3.1.4) Mapa de número de museus, 2021. Fonte: elaborado pelo autor, 2021.
82
Portanto, o equipamento itinerante estabelece seu percurso no remanescente da antiga linha tronco da EFS, tendo por início o município de São Paulo e ponto final o de Presidente Epitácio, com paradas temporárias nos municípios com população até 60.000 habitantes, totalizando 34 localidades, sendo estas: Mairinque, Alumínio, Iperó, Boituva, Cerquilho, Jumirim, Laranjal Paulista, Conchas, Itatinga, Cerqueira César, Manduri, Óleo, Bernardino de Campos, Ipaussu, Chavantes, Canitar, Salto Grande, Ibirarema, Palmital, Cândido Mota, Paraguaçu-Paulista, Quatá, João Ramalho, Rancharia, Martinópolis, Indiana, Regente Feijó, Álvares Machado, Presidente Bernardes, Santo Anastácio, Piquerobi, Presidente Venceslau, Caiuá e Presidente Epitácio (Figura 3.1.7).
Figura 3.1.5) Mapa de número de teatros, 2021. Fonte: elaborado pelo autor, 2021.
83
Figura 3.1.6) Mapa de estimativa populacional por município, 2021. Fonte: elaborado pelo autor, 2021.
84
Figura 3.1.7) Mapa dos municípios selecionados para o percurso. Fonte: elaborado pelo autor, 2021.
85
3.2 Estudo preliminar A proposta projetual e a intervenção nos territórios adjacentes à Estrada de Ferro Sorocabana têm por intuito principal a concepção de dois comboios destinados a dois usos distintos: cênico e cinematográfico. O partido arquitetônico se baseia na qualificação dos equipamentos como estruturas itinerantes, projetando espaços que sejam passíveis de readequação e adaptação aos locais de implantação que lhe forem impostos. A partir desta premissa, se estabeleceu a necessidade de pensar o espaço dotado de estruturas desmontáveis, retráteis e modulares, a fim de estabelecer o aspecto itinerante ligado à construção. Como consequência, obtém-se a facilidade de deslocamento dos equipamentos culturais nômades, uma vez que tais arquiteturas se acomodam sobre vagões plataforma (Figura 3.2.1), que se limitam às dimensões máximas de três metros de largura e quatro
Figura 3.2.1) Vagão plataforma modelo carregando contêineres. Fonte: Trens Brasil, 2010.
87
metros de altura. Estas limitações se dão pela infraestrutura da linha ferroviária em questão, que demanda tais dimensões máximas devido às transposições, ou seja, à altura de pontes e viadutos no percurso. O vagão plataforma utilizado como base é o modelo PMC, utilizado pela América Latina Logística S/A, antiga operadora da linha. A escolha deste se deu pela maior liberdade criativa obtida para o objeto arquitetônico projetado, uma vez que este propicia uma base horizontal adequada para a construção do projeto, já que não possui caixas metálicas fixas à plataforma, diferente do que acontece com o vagão de transporte de passageiros (carro ferroviário). Para tanto, utilizam-se dois objetos do cotidiano popular como referência projetual das estruturas sobre os vagões: o guarda-chuva (Figura 3.2.2) e a caixa de ferramentas sanfonada (Figura 3.2.3). O guarda-chuva tem por princípio proteger o usuário por meio de um tecido de nylon, que se abre e fecha por meio de estruturas metálicas articuladas
Figura 3.2.2) Fotografia da estrutura do guarda-chuva aberto. Fonte: do autor, 2021.
88
Figura 3.2.3) Caixa de ferramentas sanfonada aberta. Fonte: Mercado Livre, 2021.
de forma circular. Tal dinâmica se tornou referência para o processo criativo das coberturas (Figuras 3.2.4 e 3.2.5). Já a caixa de ferramentas sanfonada, apesar de possuir uma dinâmica semelhante, possui por função principal a expansão da área útil, sendo norteadora da proposta para arquibancadas, e posteriormente para as coberturas. Para o comboio cênico, devido às condicionantes do vagão, bem como pela intenção de dinâmica de apropriação do espaço pelo usuário, buscou-se por referência espaços cenográficos não convencionais. A partir disso, tem-se por referência projetual principal o Teatro Oficina (1994), localizado na cidade de São Paulo, projetado pela arquiteta Lina Bo Bardi em parceria com o arquiteto Edson Elito. Neste projeto, o partido se estabelece na desfragmentação da relação do palco com a plateia, aproximando o público do espetáculo por meio da implantação do palco conformado como percurso, ou seja, como uma passarela central, onde seu entorno é dotado de galerias em estrutura de andaimes, acomodando o público em quatro diferentes níveis (Figura 3.2.6).
Figura 3.2.4) Croqui de estudo para cobertura. Fonte: do autor, 2021.
Figura 3.2.5) Croqui de estudo para cobertura retrátil. Fonte: do autor, 2021.
89
Sendo assim, a proposta para o teatro se inicia pela proposta de arquibancadas em ambas as laterais do vagão (Figura 3.2.7), com estruturas tubulares em aço semelhantes a andaimes, montadas diretamente no solo do espaço ferroviário de parada. Tal disposição possibilitou a liberação das áreas totais da plataforma do vagão, o que resultou na conexão entre dois vagões para a expansão do palco, devido à largura de três metros dos mesmos. Em paralelo, desenvolveram-se estudos para a cobertura do espaço cênico, baseados na forma das arquibancadas, no intuito de promover um pé direito amplo na área do palco e na otimização estrutural (Figura 3.2.4). No entanto, observando a estrutura do guarda-chuva, estudos e propostas foram realizados posteriormente, com foco na proposta de treliças metálicas articuladas, apoiadas em perfis metálicos centrais fixados nas laterais da plataforma. No entanto, tal ideia foi descartada, devido à consequente interferência na área livre do palco central (Figura 3.2.5).
Figura 3.2.6) Teatro Oficina: palco central e galerias com público. Fonte: Nelson Kon, s/d.
A partir destas experimentações é que se chegou ao projeto preliminar do comboio cênico, proporcionando a base estrutural para o posterior desenvolvimento do comboio cinematográfico. Manteve-se a dinâmica proposta da relação palco e plateia, constituindo estruturas metálicas tubulares para as galerias que se conformam nas laterais do vagão com cobertura curva (estrutura metálica e cobertura em lona), e a união de dois vagões para a formação contínua do palco por meio de um piso em madeira (Figuras 3.2.8 e 3.2.9). A partir disso, as extremidades dos vagões foram liberadas para intervenções ligadas ao programa de necessidades auxiliar ao espaço de apresentações (Figura 3.2.11) e para a implantação de circulações verticais para acesso ao vagão e aos níveis superiores das galerias.
Figura 3.2.7) Croqui: galerias em andaimes para plateia nos vagões de apresentações do comboio cênico. Fonte: do autor, 2021.
Figura 3.2.8) Perspectiva dos vagões do espaço cênico. Fonte: do autor, 2021.
92
106,40
103,60
101,60
Figura 3.2.9) Vagão cênico: corte transversal, s/ escala. Fonte: do autor, 2021.
93
Os aspectos ligados às estruturas retráteis e desmontáveis são observados, principalmente, nas galerias da plateia. Estas foram divididas em dois momentos de construção: a base estrutural, referente ao primeiro nível do teatro, é fixada à plataforma do vagão e, posteriormente, é desdobrada e apoiada diretamente no solo. Esta estrutura é dotada de perfis tubulares metálicos articulados, e se adequam às limitações de transposição da linha férrea, referente a larguras e alturas. O processo de desmontagem é demonstrado na Figura 3.2.10, logo abaixo, e está orientado pela numeração da ordem de articulação. Seguido da abertura desta estrutura e fixação no solo, perfis tubulares metálicos são encaixados individualmente, caracterizando a estrutura como pórticos modulares de dois metros de largura por dois metros de comprimento, formando quadrados que estruturam as galerias (Figura 3.2.11).
Figura 3.2.10) Processo de desmontagem da base estrutural, s/ escala. Fonte: do autor, 2021.
94
Figura 3.2.11) Perspectiva dos pórticos metálicos das galerias da plateia. Fonte: do autor, 2021.
Tais perfis tubulares metálicos individuais são encaixados, desencaixados e transportados internamente nos próprios vagões que aportam o palco, uma vez que estes só são utilizados quando o comboio está estacionado no município preestabelecido. Esta dinâmica de montagem e desmontagem é capaz de atender aos aspectos já discutidos, facilitando o deslocamento e possibilitando a adaptação em territórios variados (Figura 3.2.12), desde que planos (característica presente no entorno das estações ferroviárias do percurso da Sorocabana).
Figura 3.2.12) Perspectiva da possibilidade de parada temporária no território ferroviário da cidade de Cerqueira César, interior do Estado de São Paulo. Fonte: do autor, 2021.
95
A arquitetura pertence à poesia, e seu propósito é ajudar o homem a habitar. Mas é uma arte difícil. Fazer construções e cidades concretas não é suficiente. [...] isso significa concretizar o genius loci. Vimos que isso acontece por meio de construções que reúnem as propriedades do lugar e as aproximam do homem. (NORBERGSCHULZ, 2006, p. 459).
3.3 Comboio cênico Conforme já discutido, o presente trabalho tem como proposta fomentar a transformação de espaços residuais em lugares, se utilizando de dois comboios culturais como agentes transformadores, a partir das experiências por parte das populações locais ao se apropriarem destas arquiteturas. Norberg-Schulz (2006) evidencia que o papel da arquitetura é revelar significados aos espaços que nos são dados, ou seja, como um agente capaz de transformar espaços em lugares. A partir disso é que se propõe esta intervenção, possibilitando por meio da arquitetura o retorno de experiências e significados nos espaços residuais ferroviários. Apropriar-se do espaço e simbolizá-lo, individualmente e coletivamente, são processos que estão diretamente ligados às identidades locais de cada população, ou seja, enquanto projeto de arquitetura é necessário prezar pelo entendimento da pluralidade cultural e particularidades identitárias para as propostas projetuais. As propostas apresentadas, cênica e cinematográfica, tem por partido arquitetônico promover espaços de manifestações culturais itinerantes, aptos à serem transformados em lugares a partir da experiência local de cada parada do percurso. Além disso, a dupla intervenção tem por propósito dinamizar o percurso estabelecido, onde ambos possam transitar individualmente. O comboio cênico, por se tratar de um teatro itinerante, é dotado de um programa de necessidades voltado ao espetáculo. No entanto, propõe-se um espaço de apresentações pouco corriqueiro por meio de um palco central com aproximadamente vinte e quatro metros de comprimento e três metros de largura, idealizado a partir das dimensões dos vagões plataforma utilizados como base projetual. A partir da junção de dois vagões, conectados por um piso de madeira articulado implantado entre os vãos dos vagões, um corredor de espetáculos é concebido. Em continuidade ao piso do palco, foi pensado um vagão camarim como extensão do espaço de apresentações, estabelecendo um fluxo contínuo entre áreas de preparo e de apresentação por parte dos artistas.
97
98
99
N
4,60
0,00
PLANTA DE IMPLANTAÇÃO
HIPÓTESE DE PARADA TEMPORÁRIA EM CERQUEIRA CÉSAR, SP 10
0
10
20
9,80
Por se tratar de um equipamento itinerante de apresentações, preocupou-se em dispor de espaços para acomodação temporária e rotativa de artistas. Sendo assim, dois vagões de fluxo integrado foram projetados para abrigar sanitários e dormitórios, podendo ser acessados através do camarim ou de escadas desmontáveis propostas ao longo das aberturas dos vagões. Além disso, dois vagões foram dispostos para abrigar áreas técnicas, ou seja, vagões para depósito e para armazenagem das estruturas desmontáveis que conformam o comboio cênico. Ao lado é apresentado o quadro de áreas relativo a cada uso do programa de necessidades deste comboio, contabilizando a metragem quadrada e porcentagem de cada espaço. Para fins de compreensão, estes dados foram dispostos de forma comparativa com os estudos de caso Vagón del Saber e Trenzando, onde tiveram seus dados relativizados a partir da análise de espaços similares e de interesse.
N
vagão técnico
vagão técnico
vagão sanitários
vagão dormitório
0,00
0,
1,60
1,60
0
10
A
0,
PLANTA DO PRIMEIRO PAVIMENTO 10
vagão cama
20 1
VAGÓN DEL SABER
TRENZANDO
92% | 72,00 m2
64% | 90,00 m2
60% |
dormitórios
-
21% | 30,00 m2
08% | 36,50 m2
sanitários
-
11% | 15,00 m2
08% | 36,50 m2
08% | 6,00 m2
04% | 06,00 m2
16%
camarim
-
-
08% | 36,50 m2
área total
100% | 80,00 m2
100% | 141,0 m2
100% | 452,5 m2
espaço cênico
área técnica
270,0 m2
| 73,00 m2
vagões cênicos
B
arim
COMBOIO CÊNICO
,05
0,05 S
D
1,60
A
D
B
,05
S D
0,05
2
D
ELEVAÇÃO 01: COMBOIO CÊNICO DESMONTADO
ELEVAÇÃO 01: COMBOIO CÊNICO EM OPERAÇÃO
3
0
3
6
ELEVAÇÃO 02: COMBOIO CÊNICO EM OPERAÇÃO 2 0 2 4
PROCESSO DE DESMONTAGEM DA ESTRUTURA ARTICULADA
Por se tratar de um vagão cujas dimensões são limitadas por conta das transposições da linha férrea, somada à dinâmica de arquitetura itinerante, foi pensada uma estrutura retrátil e desmontável para a acomodação da plateia, utilizando perfis metálicos tubulares. Fixadas diretamente nas bases dos vagões de apresentações, estruturas articuladas foram dispostas a cada dois metros, dotadas de perfis de dez centímetros de diâmetro que se abrem e fecham, expandindo lateralmente a área útil do vagão em dois metros (ao lado representa-se o processo de desmontagem desta estrutura). Esta expansão possibilita a alocação de plateias laterais ao corredor de apresentações, além de prover a base estrutural para a montagem de um segundo piso de galerias laterais. A disposição de plateias no entorno do palco se conforma com o comprimento dos vagões, proporcionando uma experiência excêntrica pouco habitual quando se pensa em teatro, além de otimizar o espaço disponível de intervenções no entorno da linha férrea. Estas galerias de plateia são montadas a partir de peças metálicas encaixadas em ambos os sentidos, horizontal e vertical, dotadas de oito centímetros e seis centímetros de diâmetro, respectivamente, que foram baseadas nas corriqueiras estruturas de andaimes. Para a cobertura da plateia e dos vagões cênicos, uma cobertura em lona é atirantada a partir do ponto mais alto da estrutura metálica projetada para o suporte dos cabeamentos que estendem a lona, se prolongando para além da plateia. O intuito desta cobertura leve, além de facilitar o movimento itinerante, é de criar espaços abertos passíveis de apropriação, ou seja, um foyer não enclausurado, prolongando o espaço cênico para além da experiência sobre trilhos. O espaço sob a lona adjacente aos vagões é configurado a partir de pisos fixos em cada parada, de forma a integrar o entorno, até então residual, à experiência simbólica de se ressignificar o residual, criando caminhos antes inexistentes fomentando a apropriação do espaço com atividades durante e após as atividades proporcionadas pelos comboios.
107
CORTE A: CAMARIM E VAGÕES CÊNICOS
2
0
2
4
D
1,60
C
PLANTA DOS VAGÕES SANITÁRIO E DORMITÓRIO
CORTE C: VAGÕES SANITÁRIO E DORMITÓRIO
D
1,60
C
1
0
1
2
CORTE B: VAGÕES CÊNICOS
2
0
2
4
3.4 Comboio cinematográfico Os estudos apresentados anteriormente em 3.1, demonstraram a escassez de locais de reprodução cinematográfica nos municípios adjacentes à antiga Sorocabana. É a partir desta observação que o comboio cinematográfico se coloca como agente de transformação dentro desta proposta de intervenção, se fazendo presente nos espaços residuais postos. O acontecimento do cinema ao ar livre é comum em cidades do interior de São Paulo, geralmente em praças públicas e escolas, se qualificando como um agente de apropriação do espaço. Sendo assim, propõe-se um espaço aberto de cinema sob lona, a fim de proporcionar um constante festival cinematográfico pelos municípios do percurso preestabelecido, em paralelo ao acontecimento do comboio cênico. Este comboio se utiliza da mesma estrutura articulada apresentada no comboio cênico; no entanto, a quantidade de apoios são reduzidos. Utilizou-se apenas um vagão para a sala aberta de reprodução de produções visuais, com a mesma dinâmica de expansão da área útil para as laterais, ampliando o número de poltronas a serem alocadas. Nas extremidades do vagão, foram mantidas as estruturas metálicas sobrepostas, possibilitando a abertura e atirantamento da lona de cobertura. Neste caso, a lona além de garantir proteção de intempéries também proporciona um espaço de plateia para além do vagão e das estruturas dispostas, ampliando a interação das atividades do comboio com o entorno. Apesar de garantir um maior número de usuários com esta dinâmica, o vagão por si só predispõe de um número menor de assentos em relação ao teatro. Isto ocorre por conta das necessidades outras de uma plateia de cinema, motivo pelo qual optou-se por criar uma arquibancada com poltronas, garantindo melhor visibilidade para a experiência. Para tanto, foram utilizados módulos em madeira, com trinta centímetros de altura, dispostos de forma a garantir uma curva de visibilidade satisfatória, demonstradas no corte D.
119
N
1,60 4,60
0,00
PLANTA DE IMPLANTAÇÃO
HIPÓTESE DE PARADA TEMPORÁRIA EM CERQUEIRA CÉSAR, SP 10
0
10
20
9,80
Além de dispor de um vagão para o cinema, este comboio também conta com um vagão de ateliê (voltado para atividades educativas e artísticas, além de se qualificar como um espaço fechado de convívio), um vagão de sanitários (este aberto para uso público devido ao tempo de permanência no ateliê) e um vagão técnico para armazenamento e transporte das peças desmontáveis e poltronas. Ao lado está disposto o quadro de áreas e porcentagens referente ao comboio cinematográfico, juntamente com os dados de interesse quanto aos projetos Vagón del Saber e Trenzando, para fins comparativos.
N
vagão técnico
0,00
10
0
10
20
vagão ateliê
3
1,60
PLANTA: COMBOIO CINEMATOGRÁFICO
vagão ateliê
1,60
0,
TRENZANDO
COMBOIO CINEMA
cinema
67% | 72 m2
67% | 90 m2
46% |
91,50 m2
ateliês
28% | 30 m2
18% | 24 m2
18% |
37,50 m2
-
11% | 15 m2
18% | 37,50 m2
05% | 6 m2
04% | 06 m2
18% | 37,50 m2
100% | 108 m2
100% | 135 m2
100%| 204,0 m2
sanitários área técnica área total
ê
,05
VAGÓN DEL SABER
vagão cinema
0,05 D
1,60
D
4
1,60
0,05
N
0,05
D
1,60
1,60
1,60
1,60
1,6
0,05
PLANTA: CINEMA, ATELIÊ E SANITÁRIO
HIPÓTESE DE PARADA TEMPORÁRIA EM CERQUEIRA CÉSAR, SP
E
0,05
D D
1,60
PCR
2,80
D
4
PCR
D D
E
60
3
0,05
3
0
3
6
ELEVAÇÃO 03: COMBOIO CINEMATOGRÁFICO DESMONTADO
ELEVAÇÃO 03: COMBOIO CINEMATOGRÁFICO EM OPERAÇÃO
3
0
3
6
CORTE D: VAGÕES SANITÁRIO, ATELIÊ E CINEMATOGRÁFICO
2
0
2
4
130
131
CORTE D: VAGÃO CINEMATOGRÁFICO
2
0
2
4
ELEVAÇÃO 04: VAGÃO CINEMATOGRÁFICO
2
0
2
4
4
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para conquistar uma base de apoio existencial, o homem deve ser capaz de orientar-se, de saber onde está. (NORBERG-SCHULZ, 2006, p. 454).
Considerações finais Para que possamos compreender a nossa existência é fundamental olharmos para o passado, pois é este o artefato de entendimento dos processos de formação aos quais fomos sujeitos. Compreender nosso lugar no mundo e o presente depende do olhar atento aos acontecimentos passados. No entanto, apesar do passado nos elucidar sobre como chegamos até aqui, também é indispensável olharmos para o presente e para as pautas que direcionam o nosso futuro. Como visto neste trabalho, o processo de formação do território e da sociedade brasileira foi pautado em formas de dominações culturais, territoriais e econômicas, ou seja, decisões políticas que influenciaram o passado e o presente. O mesmo ocorreu no processo de sucateamento das ferrovias brasileiras durante o final do século XX e início do século XXI. Este processo resultou na destruição de um modal ferroviário oportuno e no apagamento histórico, contribuindo para a formação de espaços residuais dentro das grandes e pequenas cidades que, por ora, perderam seu genius loci, em favor de políticas que visam ao retrocesso. O projeto apresentado como proposta de intervenção visou a demonstrar a possibilidade de apropriações e de construções de narrativas contemporâneas, baseado no entendimento do passado e na aproximação com os espaços esquecidos nos quais estamos inseridos. A possibilidade de novas narrativas e de transformação se fundamenta na cultura, na arte e na educação (estando a arquitetura inserida nestes três), e na percepção de passado e presente, visto o desmantelamento cultural ocorrido em nosso país nos últimos anos.
139
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REFERÊNCIAS
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