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Tarde

A mulher de Antônio avançou e, solícita, abraçou o marido. – Vamos, levanta! O padre quer fazer as orações, meu bem!

Ana estava com dois grandes travesseiros apoiando-lhe as costas. O rosto tranquilo, os cabelos soltos, espalhados pelas espáduas; uma figura de mulher resignada, em preparação para a morte. Olhava e via, via a todos e seus pensamentos ora se confundiam com a notícia da morte do filho Justiniano…

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Fechou os olhos e abriu as mãos, que estavam pousadas no colo. – Vamos, padre, é hora de fazer o que se há de fazer!

O homem avançou e os fortes passos estalavam a madeira do assoalho. – Em nome do Pai…

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Acordou sobressaltada. Olhou em derredor. Na grande poltrona estava Tiana, sonolenta. – Estou no Paraíso…? – zombou e piscou os olhos à criada. – Não brinca assim, Nhá… que coisa!

Ana sentou-se com ânimo.

– Agora tenho força de uma vaca leiteira! Não entendo como estou a morrer e agora tenho fome, fome de cavalo. – Então coma, Nhá. – Me ajuda? – Claro!

Mal pronunciou essas palavras e Ana tombou nos travesseiros, imersa em uma forte dor. Tiana acudiu. – Ai! Ai! O que tem, Nhá?

Ana apertou-lhe as mãos. As duas se olhavam, mãos estreitadas e olhar severo. Súbito a dor cessou. Assim como veio, assim se foi. – Mais uma desta… e parto! – arfou Ana. – Nada! Nada, minha Nhá – dizia Tiana, enxugando o rosto da senhora, que logo se cobriu de gotas de suor. – Me busca na gaveta o retrato dele… fi-fi-filha.

Tiana olhou-a, sabia quem era, o retrato do filho perdido na guerra: Justiniano.

A moça levantou-se, cruzou o quarto enquanto uma forte rajada de vento agitava a cortina. Tiana caminhava com passos leves e o rosto já entristecido. Caminhando já avistava Justiniano em pé, as mãos cruzadas. O retrato perpetuava o que fora vida, agora lembrança. – Va-vamos, Tiana, me traz meu rapaz – pedia, com voz fraca, a heroína da guerra.

Ana tinha os olhos voltados ao teto, mas desejava contemplar o rosto do filho no retrato.

– Ele era meu bem!

Tiana trazia o retrato com passos apressados. – Fui pra guerra para protegê-los… meus filhos. – Nhá, fique calma! Fique calma! – dizia Tiana enquanto entregava o retrato, colocando-o no colo de Ana.

Um sorriso encheu seu rosto enrugado. Uma rajada de contentamento inundou o ser da moribunda. Ela não via a foto, via o filho querido. – Tudo bem, Justinho? Por que tá aí parado? Venha cá? Quero que fique perto de mim…

Tiana olhava tristemente, mas logo percebeu que era melhor abrir as cortinas, deixar o sol entrar. – É melhor chamar todos, Tiana, é melhor! – disse Ana, convicta.

A criada estacou em meio ao quarto por instantes e logo em seguida correu, abriu a porta e gritou: – Nhô Antônio! Nhô Antônio…! Venham todos!

Quando se voltou, Ana estava lívida, os olhos semicerrados, numa tranquilidade encantadora.

Foi o tempo de a família entrar no quarto, assustados, nervosos, atarantados… – Ma-mamãe? – Vo-vó! – Dona Ana!

Ana Néri tinha a cabeça inclinada para a esquerda e o rosto tranquilo, e segurava o retrato firmemente nas mãos.

– Pai nosso que estais nos céus… – iniciaram em murmúrios respeitosos.

Eram 16h30.

Tiana chorava num canto, com as mãos cobrindo o rosto.

Nhá, minha mãe, vai em paz, sussurrava entre o choro contido e o horror de ver morrer quem amava.

Segunda Parte

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