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XIV. Assunção, Paraguai, janeiro de 1870
by UDL Educação
XIV
assunção, paRaguai, JaneiRo de 1870.
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– a gueRRa acabou, minha filha! – falava alto a irmã Alfonsina. – Ficará conosco ou retornará ao Brasil?
Sentados em poltronas confortáveis estavam Rozendo, Pedro Antônio, Isidoro, as irmãs Pacheca e Luísa, enquanto no canto da sala vasta da Casa Mãe das Vicentinas encontravam-se, sentados ao chão, os seis órfãos.
Ana não viu mais irmã Alfonsina. Somente naqueles primeiros meses de aprendizagem da técnica de enfermagem. Os estágios furiosos, rápidos e práticos entre os feridos. Aprendizagem crua e espontânea.
Passados quase cinco anos, as mulheres se reencontraram. Alfonsina não era mais robusta e vigorosa: estava levemente encurvada e seus tremendos olhos azuis perderam o viço e o brilho intenso, contudo a delicadeza continuava no tom de voz e nos gestos. – Ana, me parece que você diminuiu de tamanho? O que fez? É isso mesmo? – brincou Alfonsina, quando se reencontraram na mesma sala, no dia anterior.
– Não, irmã, não diminuí de tamanho. Sempre fui baixinha, mas devem ser os quase treze quilos que perdi durante a grande guerra! – Então, menos mal, minha filha!
E abraçaram-se afetuosamente. E ali se encontravam para a forte despedida. – Irmã, bem que gostaria de permanecer, mas veja quantos filhos agora tenho! – A guerra trouxe novidades, não é, filha?
Todos olhavam Ana Néri. – Sim, irmã, as novidades tristes e aquelas felizes!
Rozendo pigarreou e se ergueu entusiasmado. – Volta, sim, mãe! Volta para o Brasil! – Rozendo também é seu filho, Ana? – perguntou Alfonsina, brincalhona. – Por usurpação, irmã! Ele chama a minha mãe de Grande Mãe! – intrometeu-se Pedro Antônio, enciumado.
Rozendo, que estava de pé, continuou entusiasmado, com gestos animados, encaminhando-se a Ana: – Pois bem, minha Grande Mãe, pois bem, retorne, sim, ao Brasil, à Pátria que soube honrar, porque soube que serás homenageada pelo Imperador! A Corte quer ver a senhora!
Ana enrubesceu e inclinou a cabeça, envergonhada. – O que é isso? O que fiz para tanto? – O que fez? – Rozendo pulou diante de Ana, ajoelhou-se, beijou-lhe as mãos e disse: – A senhora cuidou
bravamente dos feridos de guerra e até do inimigo, perdeu um filho e continuou na enfermaria. O que fez?! A senhora foi extraordinária!
Isidoro abraçou o irmão, chorando. Irmã Alfonsina se ergueu: – O Imperador d. Pedro ii quer homenagear Ana Néri, filho? Isso é verdade?!
Rozendo a encarou, sério. – Eu, por minha vez, compus umas coplas, que já sei de cor, que cantam os feitos de dona Ana:
Quando eu, a tão justo espanto, não sabia achar um termo, Dona Ana… Chamou-a enfermo, cuja voz chamou meu pranto. Pressurosa ela acudiu-lhe, ânsias de sede extinguiu-lhe… Cumpra o que ordeno… sossegue na esperança que lhe dou.
Rozendo declamava olhando-a, em frente a todos, animadíssimo.
Ana então se levantou, contrariada.
E esta? Que coisa! Cismaram em me ter como santa, heroica… eu? Eu? Como pode ser? Quero me socar em meu quarto, voltar para Bahia… e… caramba, Rozendo, isso é demais da conta!
O rapaz ainda desfiava seus elogios, então, para maiores ciúmes dos filhos presentes, declamava fascinado:
E ao véu em torno dos doentes, alegrando os descontentes Como as aves amanham, diziam da glória obreiros
– “Ela é mãe dos brasileiros, da caridade é a irmã”. – Basta! Chega dessas delongas, Rozendo! Para que isso, meu filho?! Tudo me envergonha por demais! – falava Ana num tom alto.
Mas não era escutada. Todos estavam voltados para Rozendo, que terminou seu longo poema, de pé, olhos no alto, braços erguidos. Então voltou-se para Ana Néri, cantando, com cadência na voz alinhada à medida dos versos, numa suavidade de tom quase em falsete:
E onde havia auxílio igual, Se ela fez, por duplo auxílio: – hospital – seu domícilio, Seu domícilio – o hospital?
Sem graça, sem conseguir mais falar, Ana se sentou e se deixou afundar na larga poltrona, enquanto todos batiam palmas – Rozendo mais ainda.