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Uma sexta-feira de abril de 1870
by UDL Educação
uma sexta-feiRa de abRil de 1870.
Rozendo e Pedro Antônio caminhavam apressados. Eram acompanhados de um homem baixo, corpulento, usando óculos pequeninos que contrastavam com seu rosto gordo e a papada enorme, dando-lhe um aspecto curioso, devido, também, ao seu cavanhaque fino, que deixava o bigode cofiado, aberto em leque.
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Andavam apressados. Era o fotógrafo. A máquina era trazida por um rapaz esguio, alto e também trajado adequadamente.
O homem pequenino parou diante da porta do salão principal da casa. Seu ajudante também cessou abruptamente os passos. Aguardavam o retorno de Rozendo e Pedro, que conversavam no interior da sala com Ana Néri.
Pronto, Rozendo retornou, abriu as portas de par em par, então os artistas entraram e viram Ana e as crianças, juntas, no centro do salão. – Senhora, com o meu respeito, sei da fama que adquiriu por cuidar dos soldados na guerra desgraçada que acabou com o meu país. – Sim, meu senhor, que a fama seja o de menos. Fiz o que deveria ser feito! – retrucou, estendendo-lhe a mão, em cumprimento. – Oh! Oh! Se todos fizessem o que a senhora fez! Oh! Oh! – falava o homem enquanto gesticulava e a admirava.
Ana se fez séria. Emudeceu, constrangida. – Bem, bem! Vamos ao que interessa! – alentou Rozendo. – Pois, sim, sim, as crianças também? – quis saber o rapaz magricela. – Sim, meu senhor, as minhas crianças! – acatou a mãe.
O fotógrafo pôs as mãos na cintura e avançou em direção às crianças, que recuaram amedrontadas. – Não quero fotos minhas com tristeza ou cara murcha! Quero olhar bonito, cara alegre, tá bom? – disse, provocador. – Claro! Sim, vamos, sim, não é, crianças? – incentivou Ana, agarrando as duas menores. – Vamos arrumar a cena! – pediu o fotógrafo, puxando a menina maior. – Dona Ana, a senhora no meio, sentada. Vamos colocar aqui uma cadeira, para a senhora se sentar, certo?
Ana obedeceu prontamente. Sentou-se. O vestido pesado e armado avolumou-se demais.
Eram seis crianças, então o fotógrafo baixinho os organizou da seguinte maneira: – Senhora, sente-se e arrume a saia, pouse as mãos no colo. Junte-se às crianças, todas voltadas para mim, sim, isso. A menina maior fique às costas de Ana, em seguida, em sentido horário, o menino, isso, também crescidinho, agora, a outra menina, terceira em altura menor, aconchega-se à dona Ana, isso. Bem, agora estas
duas, juntem-se à terceira, juntinhas, carinhosas e uma pouse a mãozinha no coração da outra… Hummm… Hummm. Agora esta pequenininha fica junto ao colo, como esparramada… aí! Que gracinha, isso, isso, muito bem! Por fim, agora, esta outra fique também às costas de dona Ana e pouse a mãozinha direita em seu ombro… assim, isso, muito bem! Dona Ana, toque na mãozinha da pequenina, isso! A maior, aproxime-se mais. Temos uma foto!
Plaft! Pum! Pow!
Rozendo e Pedro Antônio aplaudiram, contentes. – Mãe, bonita foto teremos! – disse o filho, em aprovação. – Ganhamos uma boa recordação! – falou Rozendo em alto tom.
As crianças permaneceram junto a Ana Néri. Silenciosas sempre, acuadas diante dos desconhecidos. O fotógrafo acariciava duas delas, enquanto o magricela se aproximou do menino. – Vamos lanchar! É hora! – convidou Ana. – Sim! Sim! Estou com fome… muita fome! – quase gritou o fotógrafo. – Vamos logo, então, meu senhor! – insistiu Ana. – Parto em breve, Rozendo… – confiou Ana. – Sei disso, senhora. Que tenhas uma boa viagem!
Conversavam na sala de estar agora que a casa não servia mais como hospital. O silêncio percorria os corredores, enquanto a uma distância segura os gritos e
alaridos das crianças brincando preenchiam os espaços outrora preenchidos por gritos de dores e grandes sofrimentos. – Primeiro irei ao Rio de Janeiro. Serei fotografada, pintada… Homenageada! Terei que frequentar a Corte e ser exibida. – Que honra, senhora! O próprio Imperador e a Corte!
Ana se ergueu, andou pela sala a passos lentos, as mãos unidas à cintura. – Bem, bem, que tudo isso seja feito! Sou uma heroína que carrega nas costas o cansaço e a tristeza na cara! Espero que o pintor Victor Meirelles apreenda isto de mim: cansaço e tristeza! – Vestirá que cor? – O preto, por conta do meu Justiniano… – Sim, compreendo, senhora.
Olharam-se demoradamente, amigáveis. – Desejo abraçá-la, minha mãe! Posso? – pediu Rozendo, emocionado.
Os braços de Ana se abriram. – Claro! Claro, meu filho. Agradeço tudo que me fez! – disse Ana, alegremente.
Ana chegou ao Rio de Janeiro em 6 de maio de 1870. Em noite de gala, recebeu um álbum guarnecido
de madrepérola e prata, com as iniciais atfn e a dedicatória “Tributo de admiração à caridosa baiana por alguns compatriotas”. – Ah, que bonito! Não precisava… – murmurou.
Victor Meirelles a pintou em tela grande, de preto, com expressão de cansaço e tristeza no rosto. O Governo Imperial concedeu-lhe pensão anual e vitalícia de um conto e duzentos mil réis. Retornou à Bahia a bordo do vapor Arinos, em 5 de junho do mesmo ano. No dia seguinte, em sua casa, a Filarmônica Minerva e de Música do Corpo de Polícia, senhoras das famílias ilustres, foram felicitá-la. – Minha cara, fico feliz em vê-la e abraçá-la! – gritou Bárbara ao vê-la.
Abraçaram-se, contentes. Então outro grito e grande alvoroço, era Manuela que vinha ao seu encontro para também cumprimentá-la. – Querida! Querida! Viva entre nós! Que coragem! Sinto, sinto muito por tudo! – E puxou Ana de encontro a si.
Quando Ana abriu os olhos, viu no canto da sala, quieta, Sebastiana. Ao lado da negra estavam as crianças, atentas, parecendo aprovar a festa.
Encaminhou-se discretamente ao grupo, sua nova família. – Olá, Sebastiana, quero ficar por aqui! – Oh! Iá… sim, Iaiá!