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Salvador, 8 de agosto de 1865

Bárbara se aproximou carinhosa e abraçou fortemente Ana. – O que pretendes fazer agora? – Em menos de uma semana remeterei ao gabinete do presidente uma carta solicitando permissão para seguir ao sul! – Sim, Ana, faça isso – incentivou Manuela.

Ana se sentou então numa poltrona, absorta, enquanto as duas amigas a observavam. – Cuidarei o melhor possível dos feridos de guerra, como se fossem meus filhos – disse convicta.

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salvadoR, 8 de agosto de 1865.

Alguns dias depois, a carta de dona Ana Justina Ferreira Néri chegou ao gabinete do Exmo. Sr. Dr. Manuel Pinto de Sousa Dantas – mui digno presidente desta província –, com o seguinte teor:

“Ilmo. Ex. Sr:

Tendo já marchado para o Exército dois de meus filhos, além de um irmão e outros parêntes, e havendo se offerecido o que me restava nessa cidade, alluno do 6o anno de Medicina, para também seguir a sorte de seus irmãos e parêntes, da defesa do país,

offerecendo seus serviços médicos – como brasileira, não podendo ser indifferente aos sofrimêntos dos meus compatriótas, e, como mãe, não podendo resistir à separação dos objetos que me são caros, e por uma tão longa distância, desejava acompanhá-los por toda a parte, mesmo oppondo-se a este meu desejo, a minha posição e o meu séxo não impédem, todavia, estes dois motivos, que eu offereça os meus serviços em qualquer dos hospitais do Rio Grande do Sul, onde se façam precisos, com o que satisfarei ao mêsmo tempo os impulsos de mãe e os deveres da humanidade para com aquelles que óra sacrificam suas vidas pela honra e brio naciónais e intégridade do Império. Digne-se V. Ex. de acolher benigno este meu espontâneo offerecimênto, ditado tão sómente pela vóz do coração.”

Manuel Pinto primeiro leu sem dar importância a quem se tratava, porém, ainda sentado em seu gabinete, de súbito lembrou-se de Ana Néri. Releu a carta devagar, e em seguida deixou a mão cair sobre a mesa, ergueu a cabeça para o teto e suspirou emocionado. – Que mulher! Ana Néri não só quer ter os filhos lá na guerra no sul, como também quer seguir, estar lá! Que mulher! Ufa! Fazer o quê?!

Levou a carta para casa e a releu em voz alta para a esposa, que a ouvia também emocionada, sem conseguir pronunciar uma palavra sequer. Olhavam-se. O presidente da província baiana estava verdadeiramente admirado com tamanha e incomum abnegação de mulher! – Claro que devo aceitar! – Certamente, querido! – concordou a esposa. – O conforto de dona Ana é saber de perto sobre o irmão, os três filhos e os outros parentes, mesmo que cuidando de doentes em hospitais da campanha.

Manuel olhava a mulher, absorto, buscando uma solução adequada, que amparasse o valor de mãe de Ana Néri. – Expedirei ordens ao Conselheiro Comandante das Armas, ele a garantirá muito bem em seus projetos como enfermeira! – desabafou Manuel. – Sim, querido, entendo, mas o gesto dela é notável. Não é prática de mulheres brasileiras serem voluntárias durante guerras porque marido ou filhos rumaram para o campo de batalha! Que esse conselheiro possa notar que dona Ana é um exemplo único, pelo que me consta! – falou a esposa, tranquila e confiante. – Certo. Pessoalmente tratarei disso com o conselheiro. Agradecido, minha querida, pelo apoio a mim dado! – Beijou ternamente a fronte da mulher e logo se retirou.

E, assim, numa tarde, a poucos dias do envio de sua solicitação – enquanto tomava café ao lado de Justina e

dos olhos recriminadores de Manuela e Bárbara –, Ana Néri recebeu a resposta do presidente, o qual a elogiava em carta datada de 13 de agosto.

“[…] O rasgo do patriótismo e de abnégação com que V.M., depois de ter visto seguir para o campo de guerra, em que se acha empenhado o país, um irmão e dois filhos, e agóra o terceiro, como médico, se offeréce para, acompanhando-os em tão nóbre missão, prestar os serviços de humanidáde compatíveis com o seu séxo e idade, nos hospitais do Rio Grande do Sul, não póde deixar de ser benevolente acolhido por esta Presidência, que folga de louvar os sentimentos com que v.m., por esse ácto tão importante e digno de inveja, se torna recommendável ao país. Aceito, pois, tão espontâneo offerecimento, e vão ser expedidas órdens ao Conselheiro Commandante das Armas, com quem se entenderá V.M. para ser contractada como primeira enfermeira, e brévemente seguir para o Rio de Janeiro.”

Quem leu foi Bárbara, pausando ao repetir primeira enfermeira em voz alta. Manuela bateu palmas, festiva. – Hummm! Viva! Nossa primeira enfermeira! – gritou a loura, animada.

– Contratada pelo Conselheiro Comandante de Armas! – acrescentou Bárbara, de maneira elogiosa.

Justina, sentada diante das mulheres brancas, mantinha-se calada, observadora. – Aos cinquenta e um anos de idade irei ao sul do país para assistir em uma guerra! – disse, não muito empolgada, Ana Néri. – Mas não era o que pretendia? – indagou Bárbara e acrescentou, curiosa: – Por quê? Desistirás agora?

Sentada, a mulher apenas voltou a cabeça à amiga inquieta. Olhou-a firme, depois relanceou um olhar a Manuela e, por fim, sorriu a Justina. – Tenho palavra! Minhas perdas serão o lucro de meu vigor! Irei, sim, porque permanecer por aqui é uma inutilidade para o meu caráter! – exclamou e então se aquietou. Seu olhar se distanciou, o rosto tranquilo.

Meu coração arde e deseja ir logo! Fazer o quê? Como suportar tamanhas bobeiras dessas duas e outras, apesar de amigas?!

Terceira Parte

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