Avante, soldados: para trás (Material do Professor)

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MATERIAL DIGITAL DO PROFESSOR Uma história inspirada na Guerra do Paraguai DEONÍSIO DA SILVA

Domo 72 Via das Samambaias, 102 – sala 04 Jardim Colibri / Cotia - SP CEP: 06713-280

MATERIAL DIGITAL DO PROFESSOR – PNLD 2021 Ensino Médio Título da obra AVANTE, SOLDADOS: PARA TRÁS - UMA HISTÓRIA INSPIRADA NA GUERRA DO PARAGUAI ISBN 978-85-54177-19-5 (Manual do professor) Formato 135 mm x 205 mm Nº de páginas 224 Autor Deonísio da Silva Editora Domo 72 Gênero Novela Temas Diálogos com a Sociologia e com a Antropologia; Cidadania.

Sumário Carta ao professor 6 Sobre o autor 8 Propostas de atividades I 9 Pré-leitura 12 Leitura 14 Pós-leitura 15 Propostas de atividades II 22 Pré-leitura 26 Leitura 28 Pós-leitura 28 Aprofundamento 34 Sugestões de referências complementares 35 Bibliografia comentada 38

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Cara professora, caro professor, Avante, soldados: para trás é uma obra que proporciona o resgate de figuras marcantes de nossa identidade nacional, além de falar do cotidiano de soldados e oficiais de alta patente que acompanharam os eventos do maior conflito armado internacional ocorrido na América do Sul, a Guerra do Paraguai (1864-1870). Dotada de uma estrutura que prende a atenção dos estudantes do começo ao fim, a obra narra o campo de batalha tanto pela voz de um narrador onisciente quanto pelas missivas e relatos de guerra, recriando cenas e figuras de renome da história brasileira — como o Coronel Carlos de Morais Camisão — e internacional — como o se gundo presidente constitucional da República do Paraguai, Francisco Solano López. É, também, um livro que provoca reflexões sobre o papel da mulher, ontem e hoje, a partir do retrato da personagem Mercedes, para guaia recrutada para o primeiro batalhão feminino que Solano López mandara organizar. Não se deixa de lado nem mesmo o papel das ciências na guerra, por intermédio da descrição dos inventos em tecnologia do padre Landell. A escolha de personagens desse calibre revela atitude de coragem do autor, pois, ao escolher não apenas figuras tarimbadas dos livros didáticos, recria um passado estabelecendo conexões diversas, inclusive entre o próprio passado e o presente, abordando o papel da mulher na sociedade de hoje. Esses personagens fortes, reais ou fictícios, envolvem o leitor em uma trama que surpreende pela abordagem e pelo

Carta ao professor

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desfecho das relações entre eles. Bons exemplos disso são as incertezas do dia a dia no campo de batalha e do relacionamento entre Mercedes e o narrador, separados pela guerra, mas unidos pelo desejo.

Bom trabalho!

Além desse retrato abrangente do fato histórico, a força da trama de Avante, soldados: para trás reside no seu enredo, que costura situa ções em que se utilizam vários tipos textuais, como os relatórios de combate ou a descrição das lendas de fronteira mato-grossenses, no limite entre o Brasil e o Paraguai. Uma ficção histórica, que conta com a agilidade do gênero literário “novela”, o livro explora uma variedade das percepções, seja pelo olhar simples de um soldado de campanha, seja pelas falas de um visconde ou pela determinação de um coronel, e possibilita várias interpretações para um mesmo evento histórico. Esperamos que você note e explore todo o potencial dessa obra, que permite uma abordagem transdisciplinar: sua forma é literária, mas seu conteúdo é mais amplo, sendo possível relacionar o pano de fundo — a atmosfera de uma guerra recriada — com a área de Ciên cias Humanas e Sociais Aplicadas, por exemplo. Pode-se ainda refletir sobre a contribuição das forças armadas para o desenvolvimento de tecnologias, área própria da física e da química no âmbito das Ciências da DesseNatureza.modo, várias componentes curriculares se comunicam, atando-se laços do passado e do presente e criando-se oportunidades de pensar o contemporâneo em direção aos anos vindouros.

Sobre o autor Deonísio da Silva é doutor em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), além de professor titular e pró-reitor de Cultura e Ex tensão da Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro. É autor de mais de trinta obras, entre romances, contos, ensaios e livros infantojuvenis, escreveu também peças de teatro e roteiros para o cinema, e foi colunista das revistas Época, Veja on-line, Caras, do Jornal do Brasil e do Observatório da Imprensa.

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• Compreender as línguas como fenômeno (geo)político, histórico, social, variável, heterogêneo e sensível aos contextos de uso, reconhecendo-as e vivenciando-as como formas de expressões

Por meio do registro verbal que mimetiza as variantes discursivas de nossa língua, Avante, soldados: para trás é base para ampliar as formas de recepção do português escrito e do português falado, com respeito à sua pluralidade e às possibilidades de explicação e interpretação crítica da realidade.

Propostas de atividades I Para aulas de Língua Portuguesa

O trabalho proposto aqui com a obra contribuirá para o desen volvimento de algumas Competências da Educação Básica previstas da Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio (BNCC), destacadas a seguir.

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COMPETÊNCIAS ESPECÍFICAS DE LINGUAGENS E SUAS TECNOLOGIAS

• Compreender os processos identitários, conflitos e relações de poder que permeiam as práticas sociais de linguagem, respeitar as diversidades, a pluralidade de ideias e posições e atuar so cialmente com base em princípios e valores assentados na democracia, na igualdade e nos Direitos Humanos, exercitando a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, e combatendo preconceitos de qualquer natureza.

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O registro linguístico do livro Avante, soldados: para trás procura, por meio do discurso direto, reconstituir o registro oral da língua, variante estudada pela gramática descritiva. Além disso, há outros registros textuais no livro, como o da língua escrita formal e até mesmo um símile do relato de combate e de cartas da segunda metade do século XIX. Nesse ponto, o que se propõe aqui é estabelecer atividades sobre a variante popular e sobre a variante de prestígio (culta) da língua portuguesa, além de outras atividades de trans crição e reformulação das falas de personagens do livro.

Apreciar esteticamente as mais diversas produções artísticas e cul turais, considerando suas características locais, regionais e globais, e mobilizar seus conhecimentos sobre as linguagens artísticas para dar significado e (re)construir produções autorais individuais e coletivas, de maneira crítica e criativa, com respeito à diversidade de saberes, identidades e culturas. Avante, soldados: para trás reconstitui parte do imaginário das ga lopeiras, mulheres guerreiras que, como “centauras”, harmoniosas e velozes, uniam “força e beleza, duo raro numa guerra” — como des creve o narrador. Essa forte ligação entre texto e contexto é enaltecida por uma narrativa que valoriza as manifestações das regiões frontei riças do país, seja pelo seu registro verbal e catálogo de regionalismos (forma), seja pela descrição que faz de cenários que fogem dos centros urbanos (conteúdo). Além disso, e em vista da diversidade de saberes, identidades e culturas, o livro retrata as múltiplas manifestações da

identitárias, pessoais e coletivas, bem como respeitando as va riedades linguísticas e agindo no enfrentamento de preconceitos de qualquer natureza.

Compreender e posicionar-se criticamente diante de diversas visões de mundo presentes nos discursos em diferentes lin guagens, levando em conta seus contextos de produção e de circulação. Por meio da personagem Mercedes e da história de afirmação de po sições de uma combatente do sexo feminino, o livro se mostra crítico em relação às injustiças também de nosso tempo. As atividades aqui propostas procuram fazer com que os estudantes reflitam sobre o passado e o presente e sobre a conexão entre o livro e as suas próprias esferas sociais.

HABILIDADES DE LINGUAGENS E SUAS TECNOLOGIAS

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Debater questões polêmicas de relevância so cial, analisando diferentes argumentos e opiniões manifestados, para negociar e sustentar posições, formular propostas, e intervir e tomar decisões democraticamente sustentadas, que levem em conta o bem comum e os Direitos Humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global.

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formação do exército brasileiro, um retrato das identidades formati vas brasileiras, respeitando a pluralidade que é característica do país.

A campanha dos afrodescendentes durante a Guerra do Paraguai, em um país ainda escravocrata, mostra a posição dura e crítica do autor

As estratégias propostas para o trabalho nas diferentes etapas, pré-leitura, leitura e pós-leitura, favorecerão ainda o desenvolvimento de algumas habilidades também previstas na BNCC, selecionadas e indicadas a seguir.

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PRÉ-LEITURA

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Ao retratar as tensões na fronteira entre Brasil e Paraguai em fins do século XIX, o livro analisa e compreende as relações diplomáticas entre os parceiros do sul do continente. As atividades, incluindo as transdiscipli nares, procuram fazer com que os estudantes entendam o papel geográfico e político no Brasil na América Latina.

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Analisar criticamente textos de modo a compreender e caracterizar as línguas como fenômeno (geo)político, histórico, social, cultural, variável, heterogêneo e sensível aos contextos de uso.

Ao realizar pesquisas sobre a campanha brasileira na Guerra do Paraguai nos múltiplos meios digitais, sejam eles oficiais ou não, o professor e o aluno irão se deparar com várias possibilidades de abordagem de um fato histórico. Isso trará como resultado outras possibilidades de divulgação da história de seus protagonistas, também por meios digitais, com o objetivo de fomentar o conhecimento na rede e na escola.

Apropriar-se criticamente de processos de pesquisa e busca de informação, por meio de ferramentas e dos novos formatos de produção e distribuição do conhecimento na cultura de rede.

em relação a um regime cuja nefasta consequência construiu as bases para preconceitos raciais ainda existentes. O livro e as atividades propostas procuram dotar os estudantes de diferentes visões históricas e múltiplos pontos de vista a fim de construir um presente mais justo, igualitário e plural.

Qual o cotidiano dos soldados em uma guerra que marcou pro fundamente nossas relações sociais e com os países vizinhos? Quais

Para isso, antes de iniciar a leitura, é importante que alguns aspectos sobre o enredo, seus personagens e sua contextualização histórica sejam explorados. Lembre os estudantes de que existem várias maneiras de se narrar uma trama, tanto em relação ao gênero literário escolhido como pela maneira como os eventos serão relatados.

O Coronel Carlos de Morais Camisão é um dos protagonistas desta novela histórica que mistura personagens reais e fictícios. Do outro lado, a representação do Paraguai e de sua cultura se faz pela humanidade roubada de uma mulher guerreira, Mercedes, que por iniciativa própria resolve representar o seu país na Guerra do Paraguai (1864-1870). Desse modo, procure encaminhar esse bate-papo com os estudantes instigando o desenvolvimento da empatia pelos personagens da obra, pelo enredo e sua estrutura. Lembre-se de que, por se tratar de uma prosa literária que preza pela trama, atiçar o interesse é funda

Explore os conhecimentos prévios dos estudantes sobre o fato histórico. Primeiramente, pergunte o que sabem sobre a Guerra do Paraguai. Informe-os de que foi o conflito de maior duração e proporção de toda a história da América do Sul, quando Brasil, Argentina e Uruguai — a chamada Tríplice Aliança — enfrentaram o Paraguai em decorrência de conflitos de interesses políticos e econômicos. O obje tivo, aqui, é determinar o tempo e o cenário em que se passa a trama.

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foram as motivações da guerra e os meios pelos quais os conflitos se aplainam? Como era a vida dos soldados no dia a dia de combates? E como se desdobraram as vidas pulsantes dos ex-combatentes? Respon der a essas perguntas, bem como a outras que eventualmente sejam levantadas sobre episódio tão dramático, é a motivação que esperamos que os estudantes apresentem para ler a obra.

Avante, soldados: para trás está dividido em duas partes. Peça que os estudantes leiam o sumário e comentem as expectativas de leitura provocadas a partir dos nomes dos capítulos. Quais personagens farão parte da história? Em qual localidade se passarão os acontecimentos?

Importante: o vídeo destinado aos estudantes, que acompanha o conjunto desta obra, pode auxiliar nessa tarefa. Após esse aquecimen to, os estudantes estarão prontos para iniciar a leitura. LEITURA Durante a leitura, oriente os estudantes a identificar os persona gens: desde a primeira página aparece um “visconde”. Quem é ele? Um personagem fictício ou real? Quais outros personagens aparecem no enredo? É possível identificar quais são fictícios e quais são reais, além do Coronel Camisão? Você pode estabelecer um prazo para a leitura da obra — que, devido à sua estrutura, deverá ser lida na íntegra e individualmente pelos estudantes. Pergunte o que observaram sobre o tipo de narrador. O discurso é direto ou indireto? Temos um único narrador? Ou são vários narradores que se intercalam em seus relatos?

Após a leitura da primeira parte você pode combinar um momento de conversa para que os estudantes troquem suas impressões e alinhem as expectativas sobre a segunda parte da obra.

mental. Ressalte junto aos alunos não só essa sinopse, mas também os aspectos formais do livro: sua polivalência de olhares, sua cronologia fragmentada e as múltiplas possibilidades de leitura (literária, históri ca e até mesmo científica).

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Cumpre lembrar que uma obra literária procura sempre pelo interlocutor que não só a renove, mas a recrie. Assim, procure instigar os estudantes a se assumirem como os interlocutores críticos e ativos para esse livro.

No trabalho de pós-leitura, proponha primeiramente uma roda de conversa em que os estudantes possam manifestar suas impressões e ideias sobre a obra em sua totalidade. Depois, proponha atividades que favoreçam o estabelecimento de relações entre a obra e outros conhecimentos, sistematizando a compreensão e o significado da leitura. Atividade 1 Leia a seguinte passagem retirada de Avante, soldados: para trás. Pede-se atenção aos pronomes e formas de tratamento nela destacados: [...] De resto, os tratamentos pessoais eram insólitos. Desde o começo do século, por alvará de D. João VI, fora disciplinado seu uso com vistas a dirimir diferenças entre fidalgos. O rei percebeu que as ruas

PÓS-LEITURA

Estimule os estudantes a lembrar dos conceitos aplicados nas au las de Língua Portuguesa: a que gênero literário pertence a obra? Por quê? A opção de se ter como narrador uma primeira pessoa onisciente revela uma intenção para o desenvolvimento da trama? Por quê? É possível comparar a realidade apresentada no livro a situações e fatos do mundo de hoje?

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brasileiras eram mais estreitas do que as de Portugal e que isso seria causa de muita desavença entre os da corte. Não estava enganado. “Vossa Excelência” era tratamento dispensado a quem, em Portugal, an dava em carruagem de quatro cavalos, que as ruas do Rio de Janeiro não comportavam. Os fidalgos então se ofendiam com tratamentos inadequados. Mesmo os bispos, que faziam jus ao tratamento de “eminên cias” – todas elas brancas, pois a Igreja assim escolhia as cores e as hierarquizava tanto quanto aos cargos –, não podiam furtar-se a andar em charretes de um só cavalo e, nesse caso, eram confundidos com algu ma “senhoria”, já que “Vossa Senhoria” era o tratamento para quem andava em carroça de um cavalo só. Não houve problemas para quem andava a cavalo, que sempre fazia jus ao tratamento de “senhor”, tan to no Brasil como em Portugal. Quem andava sempre a pé era chamado de “tu” ou “você”, conforme a região em que circulava. (p. 64) Agora, converse com os estudantes. Essas marcas de tratamento estabelecidas pelos pronomes e outros termos permanecem até hoje? Por que o narrador faz uso desse levantamento? O destaque direcionado aos cargos reflete uma crítica à imobilidade social a que o país ainda está sujeito? Peça que os estudantes analisem essa e outras passagens do li vro, identificando e transcrevendo expressões semelhantes, a fim de

[...] Transcrevo o que colhi de ouvido e sentimento. Eu estava lá, mas os acontecimentos se espalhavam por muitos lugares. Nem tudo eu via. Nem tudo eu ouvia. São muitas as limitações de quem escreve. Maiores do que aquela de quem lê. Mesmo em tempos de paz. Eu estava em guerra. Servia ao meu país. Como soldado e escritor. Lutava e escrevia. O que recolhi, passo à posteridade. Aí vai, pois, a transcri ção do recorte do impresso, achado pelos soldados num peçoeiro perdido em campo de batalha. (p. 104)

criar um quadro que formalize os pronomes de tratamento vigentes na nossa língua culta. Essa atividade é importante para que os alunos entendam que essas escolhas são deliberadas e variam de acordo com as intenções comunicativas.

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Essa atividade colabora para o domínio de várias formas da linguagem, que podem alterar-se de acordo com o que exige o contexto de comunicação. Não se trata de decorar o pronome apropriado, mas de desenvolver a capacidade de operar as diversas situações comunicativas do discurso. Atividade 2 Leia duas passagens de duas obras diferentes. A primeira é do livro que você acabou de ler, Avante, soldados: para trás; a segunda é de Graciliano Ramos, na obra São Bernardo.

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Em seguida, proponha aos estudantes que comparem e estabele çam relações entre as duas passagens. Quais os problemas enfrentados pelos narradores em seus relatos? Por que eles fazem opção por um registro linguístico mais próximo da linguagem falada? Seria possível

[...] A princípio tudo correu bem, não houve entre nós nenhuma divergência. A conversa era longa, mas cada um prestava atenção às próprias palavras, sem ligar importância ao que o outro dizia. Eu por mim, entusiasmado com o assunto, esquecia constante mente a natureza do Gondim e chegava a considerá -lo uma espécie de folha de papel destinada a rece ber as ideias confusas que me fervilhavam na cabeça. O resultado foi um desastre. Quinze dias depois do nosso primeiro encontro, o redator do Cruzei ro apresentou-me dois capítulos datilografados, tão cheios de besteiras que me zanguei: — Vá para o inferno, Gondim. Você acanalhou o tro ço. Está pernóstico, está safado, está idiota. Há lá nin guém que fale dessa forma! Azevedo Gondim apagou o sorriso, engoliu em seco, apanhou os cacos da sua pequenina vaidade e replicou amuado que um artista não pode escrever como fala. — Não pode? — perguntei com assombro. — E por quê? (Graciliano Ramos, São Bernardo. Rio de Janeiro, São Paulo: Record, 1985, p. 8-9.)

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– Mas não fogem; acompanham o comandante. A responsabilidade é minha.

recontar os eventos de Avante, soldados: para trás de modo ainda mais erudito sem perder sua autenticidade? Em seguida, nesta atividade, propomos que os estudantes façam a transposição das indagações que movem cada um dos narradores anteriores para seu próprio registro da língua, sem que, claro, esse texto tenha caráter ofensivo ou lance mão de termos chulos. Cumpre lembrar que esses recursos, se por vezes são utilizados em obras literárias, exercem uma função que não é a proposta dessa atividade. Mas é importante lembrar que, ao dotar seus estudantes de um registro próprio da língua, a individualidade deles se revela também.

Atividade 3 Leia a seguinte passagem de Avante, soldados: para trás: [...] – Está certo. Escreva aí: a 7 de maio começamos a fugir. – Admiro sua sinceridade, meu comandante. Mas o verbo tem de ser outro. Fugir não fica bem para um militar. Que se dirá quando todos fogem?

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Eles podem criar um narrador em primeira ou terceira pessoa, ou ainda figurar aqueles pensamentos dos narradores-protagonistas de Avante, soldados: para trás, de Deonísio da Silva, e São Bernardo, de Graciliano Ramos, em uma história em quadrinhos ou outros modos de ilustração, por exemplo. O importante é explorar as potencialidades dos gêneros discursivos junto aos estudantes.

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– Está bem, francês. Xenofonte, pois sim. Só o nome me aumenta a sede. Fonte estranha essa que você soletra. […] (p. 157-158) Comente com os estudantes que nesse trecho um personagem faz uso de uma figura de linguagem chamada “eufemismo”. Ela consiste

– Escrevo apenas o que o senhor dita. Mas ponde ro. Uma coisa é o que o senhor faz com as balas, as espadas, os canhões. Outra, bem diferente, é o que podem as palavras. Se escrever aqui “fugimos a 7 de maio” ou “começamos a fugir a 7 de maio”, nunca mais terminaremos nossa fuga. Seremos submetidos a conselho de guerra, a corte marcial, onde nos cor tarão a todos, soldos inclusive. Viveremos do quê?

Diremos que estávamos seguindo nosso comandante? Cuidado com as palavras. Vamos usar um termo militar, concorda? A sociedade não haverá de aceitar que fugimos. – Engano seu. A sociedade aceita. Aceita tudo o que disseram para ela aceitar. Os que mandam é que não aceitam. Mas mudemos, então, para um termo militar, pois militar é o que dita, militar é o que es creve. Nisso nos entendemos, porque quem escreve é também o que luta. Escreva aí: a 7 de maio demos início à retirada. – Ficou melhor, comandante. Xenofonte também se retirou. Xenofonte não fugiu.

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em suavizar ou minimizar um ato ou um efeito que, em determina do contexto, poderia ter uma acepção menos agradável. É o caso de “fuga” e de “bater em retirada”: o primeiro denota covardia; o segun do, ação, ainda que em ambos o resultado seja o mesmo.

Com base nessa afirmação, a de que a “sociedade aceita tudo”, proponha aos estudantes que produzam um texto a partir da reflexão: vocês concordam com a afirmação do comandante? Hoje, a sociedade brasileira aceita tudo o que disserem para ela aceitar?

Uma outra figura de linguagem é o paradoxo criado pelo título do livro: “avante” quer dizer “para frente”; “para trás”, recuar. Essa escolha do escritor se dá em razão de uma contradição apenas aparente: o Coronel Carlos de Morais Camisão foi o responsável pela “retirada da Laguna”, momento de baixa do exército brasileiro na guerra retratado no livro. Na passagem, há ainda um outro recurso chamado “gradação”, em que ideias são somadas uma após a outra: “A sociedade aceita. Aceita tudo o que disseram para ela aceitar.”

Oriente os estudantes para que, em seus textos, organizem a estrutura dissertativa de modo a lançar mão dessas ou de outras “figuras de linguagem” na construção.

Para aulas de outras disciplinas O trabalho proposto aqui com a obra contribuirá para o desen volvimento de algumas Competências da Educação Básica previstas da Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio (BNCC), destacadas a seguir. Competências específicas de Ciências da Natureza e suas Tecnologias

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Propostas de atividades II

Analisar situações-problema e avaliar aplicações do conheci mento científico e tecnológico e suas implicações no mundo, utilizando procedimentos e linguagens próprios das Ciências da Natureza, para propor soluções que considerem demandas locais, regionais e/ou globais, e comunicar suas descobertas e conclusões a públicos variados, em diversos contextos e por meio de diferentes mídias e tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC). Ao retratar a história do hoje esquecido padre Landell (p. 89), que se empenha pelo reconhecimento de suas invenções na área da tecnologia (ver atividade a seguir relativa à cena), a obra abre a possibilidade para atividades que envolvam os conhecimentos e as linguagens próprios das Ciências da Natureza. As atividades aqui propostas procuram provocar nos estudantes a reflexão sobre o seu ambiente e o papel das ciências, seja na defesa do país, seja na área de atuação tecnológica, uma vez que o posicionamento empreen-

23AVANTE, SOLDADOS: PARA TRÁS - DOMO 72 - 2021 dedor individual, mediante suas proposições, pode transformar o ambiente em que eles vivem.

Competências específicas de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas

• Analisar processos políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais nos âmbitos local, regional, nacional e mundial em diferentes tempos, a partir de procedimentos epistemológicos e científicos, de modo a compreender e posicionar-se criticamente com relação a esses processos e às possíveis relações entre eles. Avante, soldados: para trás é uma novela que tem traços de ficção histórica. Como o pano de fundo da obra é a Guerra do Paraguai (1864-1870), espera-se que o estudante, por meio destas atividades, seja capaz de entender as consequências deste conflito para a população negra e os reflexos da abolição da escravatura no país, bem como o desenvolvimento diplomático entre os países do sul do continente.

• Analisar a formação de territórios e fronteiras em diferentes tempos e espaços, mediante a compreensão dos processos sociais, políticos, econômicos e culturais geradores de conflito e negociação, desigualdade e igualdade, exclusão e inclusão e de situações que envolvam o exercício arbitrário do poder. A Guerra do Paraguai (1864-1870) foi um grande divisor de águas para todos os países envolvidos. Espera-se que, com a atividade de comparação entre o Brasil do século XIX e do XXI, o estudante consiga entender como um conflito armado, nos dias de hoje, afetaria toda a cadeia produtiva dos países envolvidos e a influência das guerras em uma economia globalizada como a dos dias de hoje.

Consideramos essa habilidade por entender que a presença de per sonagens reais levantados pelo livro, como o padre Landell, por exemplo, atende ao registro do desenvolvimento tecnológico do país, além de reali zar o retrato historiográfico dramático das consequências dos conflitos bélicos para todos os envolvidos. Essa habilidade será contemplada em uma atividade cujo propósito será o da pesquisa e desenvolvimento de projetos

A luta de uma mulher, Mercedes, para se inserir numa esfera até então restrita é um mote desta obra literária. Espera-se que, por meio da leitura e das atividades propostas, os estudantes enten dam fazer parte de uma cultura em constante transformação, e que eles podem ser agentes de uma nova sociedade, mais inclusiva e menos desigual. As estratégias propostas para o trabalho nas diferentes etapas, pré-leitura, leitura e pós-leitura, favorecerão ainda o desenvolvimento de algumas habilidades também previstas na BNCC, selecionadas e indicadas a seguir. EM13CNT310 Investigar e analisar os efeitos de programas de infraestrutura e demais serviços básicos (saneamento, energia elétrica, transporte, telecomunicações, cobertura vacinal, atendimento primário à saúde e produção de alimentos, entre outros) e identificar ne cessidades locais e/ou regionais em relação a esses serviços, a fim de promover ações que contribuam para a melhoria na qualidade de vida e nas condições de saúde da população.

• Analisar as relações de produção, capital e trabalho em diferentes territórios, contextos e culturas, discutindo o papel dessas relações na construção, consolidação e transformação das sociedades.

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EM13CHS102 Identificar, analisar e discutir as circunstâncias históricas, geográficas, políticas, econômicas, sociais, ambientais e

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EM13CHS204 Comparar e avaliar os processos de ocupação do espaço e a formação de territórios, territorialidades e fronteiras, identificando o papel de diferentes agentes (como grupos sociais e culturais, impérios, Estados Nacionais e organismos internacionais) e considerando os conflitos populacionais (internos e externos), a diversidade étnico-cultural e as características socioeconômicas, políticas e tecnológicas.

O livro e as atividades irão propor que o estudante analise criticamen te, com dados disponíveis atualmente, o papel que as ciências tecnológicas cumpre no país, bem como o papel da mulher contemporânea na esfera pública brasileira.

por parte dos estudantes, com vistas a refletir sobre o papel do país no de senvolvimento de tecnologias.

EM13CHS101 Analisar e comparar diferentes fontes e narrativas expressas em diversas linguagens, com vistas à compreensão de ideias filosóficas e processos e eventos históricos, geográficos, políticos, eco nômicos, sociais, ambientais e culturais.

Ao lançar mão de diferentes registros de linguagem, o livro Avante, soldados: para trás permite que o estudante identifique, analise e compare diferentes fontes e narrativas expressas em diversas linguagens. As atividades a seguir relacionadas procuram fazer com que os estudantes entendam que as variantes culturais refletem, da mesma maneira, variantes sociais, geográficas e econômicas do país e da América do Sul.

PRÉ-LEITURA

culturais da emergência de matrizes conceituais hegemônicas (etno centrismo, evolução, modernidade etc.), comparando-as a narrativas que contemplem outros agentes e discursos.

Ao retratar o cenário de guerra, a obra viabiliza a realização de atividades que envolvam conhecimentos próprios das Ciências Hu

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EM13CHS103 Elaborar hipóteses, selecionar evidências e compor argumentos relativos a processos políticos, econômicos, sociais, ambientais, culturais e epistemológicos, com base na sistematização de dados e informações de natureza qualitativa e quantitativa (expressões artísticas, textos filosóficos e sociológicos, documentos históricos, gráficos, mapas, tabelas etc.).

Todo texto literário é uma obra que procura por um interlocutor capaz de dotá-la de novas e múltiplas análises. As atividades propostas devem fazer com que, após a leitura do livro, os estudantes formulem hipóteses sobre os acontecimentos descritos pelo enredo do livro. Como Avante, soldados: para trás tem características de ficção histórica, espera-se que os estudantes sejam capazes, por meio das atividades propostas, de elaborar uma leitura analítica do passado, com vistas ao mundo de hoje.

Por meio do relato de um soldado em campanha, a obra propõe que o estudante reflita acerca das circunstâncias sociais e das culturais de ma trizes conceituais. Espera-se que os estudantes reflitam sobre passado e presente no Brasil, sobre personagens fictícios e reais, mediante atividade analítica e propositiva.

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manas e Sociais Aplicadas. Avante, soldados: para trás apresenta carac terísticas de ficção histórica. A Guerra do Paraguai foi um divisor de águas para todos os envol vidos, afetando não só a área territorial de cada país, mas sua economia e população. No Brasil, o conflito deixou uma dívida pública enorme, fortaleceu o exército como instituição e marcou o início da decadência da monarquia, além de tirar a vida de milhares de brasileiros.

Mediante uma abordagem histórica da obra, a aula inicial poderá contextualizar o período entre dezembro de 1864 e março de 1870, quando aconteceu o conflito de maior duração e proporção de toda a história da América do Sul: a Guerra do Paraguai.

Espera-se que os estudantes, por meio das atividades, sejam capazes de entender as consequências dessa guerra para a população negra do Brasil, bem como para o desenvolvimento diplomático entre os países do sul do continente. Pode-se solicitar aos estudantes que, no decorrer da leitura, iden tifiquem os personagens históricos que representam a conexão entre realidade e ficção literária. Ou seja, o professor deve instigá-los a in dicar figuras que são conhecidas em razão de sua relevância histórica, independentemente do papel que exercem na narrativa. Alguns exem plos: o imperador Dom Pedro II; o presidente do Paraguai, Francisco Solano López; o Visconde de Taunay e o Coronel Camisão. Quem são essas pessoas e que papéis exerceram durante o conflito? Procure estimular os estudantes a estabelecer relações entre os personagens e os conhecimentos históricos que possuem.

Este é um livro que mistura realidade e ficção. Por meio do narrador — um soldado em campanha — e de suas relações com oficiais de alta patente e figuras da história nacional, o autor recria a realidade, imaginando como se deram os eventos que marcaram a vida do prota gonista. Na segunda metade do livro, o narrador enfrenta um dilema: o desejo por uma oficial do exército paraguaio e suas lembranças do arsenal de combate. São vários os personagens históricos presentes na obra, entre eles o imperador Dom Pedro II, o presidente do Paraguai Francisco Sola no López, o Coronel Carlos Camisão e o Conde d’Eu. É importante explorar com os estudantes os paralelos que a obra estabelece com a história do Brasil, criando diálogos entre realidade e ficção literária, bem como os vários retratos da sociedade e seus costu mes, em diferentes épocas.

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LEITURA

PÓS-LEITURA

Atividade 1 Leia os textos a seguir para responder à questão. O primeiro é retirado do livro Avante, soldados: para trás; o segundo, do jornal Folha de S.PauloTexto.1 [...] Mas, me diga, padre Landell, o pessoal me falou que o senhor tem aí uma invenção capaz de mudar o rumo da guerra.

29AVANTE, SOLDADOS: PARA TRÁS - DOMO 72 - 2021 – Uma, não. Várias.

– E de que calibre? Que munição utiliza?

– Não é desse tipo de arma que lhe trago a invenção, meu coronel. – Ah, não? Do que é, então? – É sobre comunicação.

– O telauxiófone, o caleófono, o anematófono, o telétiton e o edífono. O sargento Silva sorri. (p. 89-90) Texto 2 Há 160 anos, no dia 21 de janeiro de 1861, nascia em Porto Alegre Roberto Landell de Moura, um raro ta lento científico ainda não devidamente reconhecido no país, em que pese o esforço de vários brasileiros em resgatar a sua memória na última década. Padre Landell, como ele gostava de ser chamado, realizou a primeira transmissão “wireless” de voz humana por ondas de rádio da história da humanidade. A proeza aconteceu em 16 de julho de 1899, quando ele era

O padre Landell sorri com paciência. Não percebe que o coronel está fazendo uma ironia.

– E qual é sua invenção? – Não é só uma. – Ah, não? Então, o que é tanto que o senhor inventou?

Converse com seus estudantes sobre a importância da atuação dos empreendedores no ramo de tecnologia do país. Além do padre Landell, personagem histórico, há nomes do passado recente, como Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, César Lattes, Adolfo Lutz, entre muitos outros, e do mundo contemporâneo, como Suzana Herculano -Houzel, Marcelo Gleiser, Carlos Paz de Araújo, entre outros, que contribuem para o desenvolvimento das áreas da tecnologia. Durante, por exemplo, os momentos de crise, como a que todo o globo enfrentou durante a pandemia de Covid-19, as áreas de pesquisa das univer sidades públicas tiveram muito destaque. Proponha aos estudantes a realização de uma pesquisa sobre figuras históricas da ciência. Além disso, peça que busquem informações sobre o que são o telauxiófone, o caleófono, o anematófono, o telétiton e o edífono. Quais as reper cussões desses instrumentos para o desenvolvimento das ciências nos séculos XX e XXI (Texto 2)?

A divulgação desse trabalho pode ser realizada por meios físicos ou digitais, como a criação de um painel virtual na rede, por exemplo.

30 AVANTE, SOLDADOS: PARA TRÁS - DOMO 72 - 2021 pároco na capela de Santa Cruz, no bairro de Santana, zona norte da capital paulista [...]. (Eduardo Ribeiro, Folha de S.Paulo, Opinião, 20 de janeiro de 2021)

Atividade 2 [...] Nessa viagem, a carne animal, destinada a sustentar a carne humana, não sendo similar, deveria receber

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– Kosso, Kisso, Kaasso – disse Jacó enigmático. Como ninguém o entendesse, explicou: – Copo, bolso e ira, eu quis dizer. Com isso, nossos sábios, sempre ensinando por provérbios, preocupados com a síntese das lições a transmitir aos póste ros, quiseram dizer que nossa troca substancial com o universo é feita pela boca, com o que bebemos, comemos e falamos; pelo bolso, que simboliza os li mites de nosso poder ante o mundo; e pela ira, pois é controlando nossas emoções que vivemos melhor.

temperos apropriados, salgações, molhos, amaciamen tos, afagos, misturas, boa embalagem. Porque se tratava de viagem sem volta, a célebre partida sem retorno.

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– Jacó – perguntou o francês –, tenho notado que você, conquanto em geral bom cozinheiro, nos pra tos de carne é onde melhor excele. Você, por exem plo, não aprecia preparar peixe, pois não? – É que tenho medo de peixe, por vocês todos – disse Jacó. – Nem sempre posso contar com peixe fresco. E sempre que preparo peixe que não sei quando foi pescado, me lembro do mar Morto. Peixe me lembra esse mar e não outro, o da Galileia, que recebe todas as neves do maciço de Golan, as águas de tantos rios, aproveita tudo o que esses rios fazem e depois os deixa seguir até o mar Morto. Esse, sim, não deixa seguir mais nada. Retém tudo e mata toda forma de vida que vai parar em suas águas escuras e pesadas. (p. 139-140)

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Na obra, Deonísio da Silva retrata diferentes culturas que formam a identidade nacional do país. Note que, nesse registro do cozinheiro da tropa (Cap. 11, “O cozinheiro judeu”), o livro passa a relatar os costumes de alimentação e dos espaços geográficos que formam a identidade de um grupo étnico que muito contribuiu para a nossa formação. Que grupo étnico é esse? Onde ficam os espaços citados no trecho? Quais os territórios que, hoje, são alvo de disputa entre sírios, árabes e judeus? Quais os padecimentos pelos quais os últimos passaram durante o século XX? Por quê? A intenção dessa atividade é fazer com que os estudantes relacionem geografia, história e cultura, a fim de promover uma reflexão sobre os caminhos para que se desenvolva uma opção de paz entre esses povos.

Atividade 3 Em continuidade, proponha a seus estudantes que produzam um texto em que os papéis sociais do masculino e do feminino sejam pos tos em análise. Essa atividade de produção textual deverá destacar, por meio da reflexão em perspectiva, a existência de uma oposição entre a estrutura social arcaica e a nova maneira de enxergar os papéis dos gêneros hoje. Leia o trecho que segue, extraído do livro Avante, soldados: para trás, que serve como base para a produção textual: [...] Entardecia. Muitas alterações haviam ocorrido em Mercedes. Mocinha ainda, foi recrutada para o primeiro batalhão feminino que Solano López man dara organizar. No começo pulou de alegria. A guerra a libertaria da mãe, do pai, do avô, da avó, dos irmãos, daqueles cuidados amorosos que tanto a cerceavam. Encarnación era uma vila sem novidades. A guerra a

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levaria por muitos lugares. Nenhum terror, apenas viagens. Os treinamentos em Humaitá, entretanto, já lhe anteciparam as durezas que a esperavam. Mercedes era cheia de saúde, sagacidade e disposição. Sempre entusiasmada, contagiava a todas. Quando formaram o batalhão que deveria interceptar o ini migo ao norte, conquanto não ficasse tão feliz como quando saíra de Encarnación, não deixou de alegrar -se. Iria rumo a outras terras. (p. 182)

Nesta atividade, proponha aos estudantes que façam uma leitura interpretativa do texto levando em conta a participação da mulher nas instituições do Estado. Problematize a concepção de mulher explicitada na obra, relacionando as opiniões dos personagens à menta lidade da época e ao contexto de guerra. Mas procure conduzir essa análise em contraponto com o contexto contemporâneo: o assédio, a violência contra as mulheres, as discussões sobre igualdade de gênero

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Nessa atividade de produção textual, é importante que os estudantes exponham, em textos argumentativos, um ponto de vista a ser defendido, inclusive retomando o contexto histórico retratado no livro para retratar o mundo contemporâneo. É importante que eles projetem, a partir de dados de um país do presente, um Brasil do futuro.

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A aquisição de conhecimentos históricos e culturais favorece e fortalece a capacidade de argumentação dos estudantes. A obra lite rária, nesse sentido, deve obrigatoriamente fazer parte da produção textual, contribuindo para os argumentos.

Todo texto literário exige um contexto — em Avante, soldados: para trás, temos a história de um episódio da Guerra do Paraguai. É um livro construído, no mais das vezes, pelos relatos e digressões do narrador-protagonista e por meio do discurso direto — isto é, o diálogo das personagens. A proposta de aprofundamento, em uma abordagem interdisciplinar da Língua Portuguesa com as Ciências da Natureza, é instigar os estudantes a pesquisarem sobre os serviços prestados pelo padre Landell e a importância do legado deixado por ele para o desenvolvi mento das ciências tecnológicas no país.

Você também pode propor uma pesquisa sobre a participação das mulheres na Guerra do Paraguai. Forneça aos estudantes exem plos na literatura, como Diadorim, de Grande Sertão: Veredas , por exemplo, que se dispôs como jagunço a ir aos campos de batalha. Alguns outros exemplos também são apresentados no vídeo do estu dante, como a brasileira Jovita Feitosa e sua corajosa determinação em participar das batalhas.

Aprofundamento

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São várias as indicações de fontes diversas que podem enriquecer a leitura da obra. Selecionamos filmes e livros que contribuirão para a ampliação dos estudos e análises da temática, tendo como ponto de partida a leitura da obra.

O filme Guerra do Paraguay, dirigido por Luiz Rosemberg Filho, apresenta uma trupe teatral mambembe formada por três mulheres, que empurram sua carroça sem cavalo em meio a um cenário de fome e desolação. Elas encontram um soldado que anuncia que a guerra terminou e a nação brasileira é vitoriosa. Um quarto personagem, um índio paraguaio com o rosto mascarado e ensanguentado, testemunha os horrores da realidade brasileira daqueles anos — não muito dife rentes das mazelas de hoje. Guerra do Paraguay.

Sugestões de complementaresreferências

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Direção: Luiz Rosemberg Filho. Brasil: Li vres Filmes, 2016. (80 min.).

O curta-metragem A Guerra do Paraguai, de Laís Bodanzky e Luiz Bolognesi, faz parte da série Guerras do Brasil.doc. Em 1864, o Paraguai busca uma saída para o mar. Suas tropas passam pela Argentina, invadem o Brasil, sequestram o presidente da província de Mato Grosso e começam uma marcha para o Uruguai. Estava declarada a guerra. Por meio de entrevistas, o curta-metragem aborda o mais san grento conflito do hemisfério sul, que nasceu do acordo da Tríplice Coroa que unia Brasil, Argentina e Uruguai.

Netto perde sua alma Direção: Beto Souza e Tabajara Ruas. Brasil: Europa Filmes, 2001. (103 min.).

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A Guerra do Paraguai. Direção: Laís Bodanzky e Luiz Bolognesi. Brasil: Buriti Filmes, 2018. (26 min.).

Os livros Homens e mulheres na Guerra do Paraguai e Mulheres na Guerra do Paraguai contribuirão para ampliar a visão sobre a partici pação de homens e mulheres na guerra, proporcionando uma perspectiva humana dos fatos históricos e de como os eventos impacta ram as vidas dos combatentes. A obra Homens e mulheres na Guerra do Paraguai apresenta Elisa Lynch, uma aventureira anglo-irlandesa que viveu, no cenário da guerra do Paraguai, amores, ódios e paixões incontroláveis. A mulher que sonhou ser a imperatriz do Prata termi nou seus dias no ocaso e na miséria. Já a obra Mulheres na Guerra do Paraguai aborda os aspectos humanos ligados à presença da mulher em diferentes situações durante a guerra.

O filme Netto perde sua alma conta a história do general Antônio de Souza Netto, oficial brasileiro que foi ferido em plena Guerra do Paraguai. Em recuperação no Hospital Militar de Corrientes, na Argentina, ele percebe que coisas estranhas estão ocorrendo ao seu redor: o capitão de Los Santos acusa o cirurgião de ter amputado suas pernas sem necessidade e ele reencontra um antigo camarada, o sargento Caldeira, ex-escravo com quem lutou na Guerra dos Farrapos, ocorrida algumas décadas antes. Juntamente com Caldeira, Netto rememora suas participações na guerra e o período em que viveu no exílio no Uruguai.

FLORES, H. A. H. Mulheres na Guerra do Paraguai. Porto Ale gre: EdiPUCRS, 2010.

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PERNIDJI, J. E.; PERNIDJI, M. E. Homens e mulheres na Guer ra do Paraguai. Rio de Janeiro: Imago Editora, 2003.

BAPTISTA, F. Elisa Lynch: mulher do mundo e da guerra. São Paulo: Civilização Brasileira, 1986. Livro do gênero biografia que conta a história de outra personagem feminina importante da Guerra do Paraguai: Elisa Lynch.

COLOMER, T. A formação do leitor literário: narrativa infantil e juvenil atual. Trad. Laura Sandroni. São Paulo: Global, 2003. A formação do leitor literário é a descrição da pesquisa realizada na Espanha e contém um manancial de informações históricas sobre o de senvolvimento do gênero em todo o mundo. Oferece também instrumentos preciosos para análise e compreensão da produção editorial infantil e juvenil.

BACK, S. Guerra do Brasil: contos da Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro: Topbooks, 2010. Livro do gênero conto, com nove títulos, cada qual abordando um recorte biográfico ou episódio da Guerra do Paraguai.

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Bibliografia comentada

COLOMER, T. Andar entre livros: a leitura literária na escola. São Paulo: Global, 2007. É uma obra de consulta essencial para fomentar o trabalho com a leitura, tanto na escola como em outros espaços. Apresenta estratégias que compreendem desde a seleção de livros até a interpretação e a escrita, passando pelo estabelecimento de redes de informações.

GUIMARÃES ROSA, J. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

Narra em forma de memória a história do jagunço Riobaldo, que, junto a Diadorim, personagem que representa aquele “mundo às avessas”, luta para vingar a morte de um membro do bando. O livro promove re flexões sociais e existenciais sobre o sertão e o mundo.

Este livro apresenta mais de 30 tipos de atividades que estimulam a leitura de textos e a participação dos estudantes nas aulas. As dinâmicas facilitam a compreensão dos textos lidos e contribuem para a sistematização dos conhecimentos, além de auxiliar o professor na criação de situações motivadoras, sem necessidade de recursos especiais e aplicáveis a qualquer turma, independentemente do número de estudantes.

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RANGEL, M. Dinâmicas de leitura para a sala de aula. Petrópolis: Vozes. 1990.

É permitida a criação de obras derivadas deste material desde que não tenham fins comerciais, atribuam crédito ao autor e licenciem as criações sob os mesmos parâmetros.

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