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Capítulo 1

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Capítulo 4

Capítulo 4

1

Portugal, 1355

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Desvario. Loucura. Colheitas queimadas. Tanto sangue derramado…

Pedro não perdera apenas o controle sobre si. Perdera o controle dos homens que estavam sob o seu comando. Sabia disso, mas preferia não enxergar.

Ele amassou sem pressa a carta de sua mãe, a rainha Beatriz, mais uma entre tantas que recebera nos últimos seis meses, e a jogou para a frente, sem fazer pontaria. Ao encontrar o chão, a bola de papel deu uma cambalhota e rolou mais uma vez antes de parar. A brisa, que entrava pela abertura da tenda, estremeceu-a antes de, timidamente, começar a abri-la. A letra caprichada de Beatriz novamente tornou-se visível. Palavras que apelavam ao bom senso do filho falavam do amor a Deus e ao próximo. Beatriz pedia o impossível. Como perdoar a traição?

Não. Pedro iria até o fim. Destruiria a obra dele, daquele que lhe roubara o presente e o futuro.

Bocejou, exausto, espiando a manhã ensolarada fora da tenda. O mês de agosto mal começara.

O cerco que promovia à cidade do Porto já durava dias demais. No acampamento com seus homens, ele apenas esperava. Desde que devastara as terras ao norte do reino, aquele cerco era o primeiro obstáculo que enfrentava e, apesar de sua sede de vingança, hesitava em atacar. Talvez porque o prior Álvaro Pereira, responsável pela defesa da cidade, fosse um amigo, alguém de confiança que jamais tramaria contra ele.

Ergueu-se da arca onde se sentara. Pela primeira vez, sentiu as roupas folgadas. Emagrecera bastante. Alguns fios brancos tinham lhe tomado a barba e os cabelos castanho-claros, que lhe batiam aos ombros. Olheiras profundas lembravam as muitas noites insones. Há quanto tempo não sorria? E o riso alegre e solto, a companhia do povo em suas andanças noturnas, embaladas por vinho e canções? Onde tudo isso fora parar?

Agora só havia os corpos mutilados por sua espada nas invasões e nos saques contra sua própria gente.

Em um gesto automático, olhou para as mãos. No que se transformara? – Assassino! – gritou alguém, às suas costas. Perto demais.

Pedro reagiu como o guerreiro que aprendera a ser, o penúltimo da linha sucessória de tantos outros, forjados nas lutas contra os mouros. Ágil, tirou a espada da bainha e, enquanto se virava, rebateu o golpe com facilidade. A espada que pretendia matá-lo voou para longe. Sobrou apenas seu quase executor, uma jovem morena que usava roupas masculinas. Devia ter uns 17 anos, quase a metade dos 35 anos que ele completara em abril. – U-Uma mu-mulher?! – disse Pedro, gaguejando como de costume. Sempre ela, a gagueira que o torturava desde a infância nos momentos mais improváveis, seja fazendo com que repetisse sílabas ou provocando longas pausas que não deveriam existir numa frase.

Mesmo desarmada, a jovem avançou contra ele. Se conseguisse matá-lo com as mãos, era o que faria.

Com dificuldade, Pedro prendeu-a por um dos pulsos e teve de se livrar da espada para agarrar o outro. Ela se debatia, xingava, chutava-lhe as pernas. Para imobilizá-la, ele conseguiu girá-la e a aprisionou junto a si, apertando-a com seus braços. – Calma… – pediu.

Em vão. – Tu mataste gente inocente! – ela berrou. – Que mal eles te fizeram? Nenhum! Mas são os que sempre morrem quando os poderosos brigam entre si! Gente que tu devias proteger! Que rei serás, hein? Onde está tua justiça?

A gritaria atraiu quem falhara na vigilância da tenda, colocando em risco a segurança do infante, herdeiro do trono português. Dois soldados correram em seu auxílio. O criado Estêvão Lobato veio atrás deles.

A jovem foi arrancada da prisão improvisada. Recebeu um soco de um dos soldados e ia apanhar mais do outro. – Parai! – mandou Pedro.

Foi obedecido. A jovem caíra sentada. Sangue escorria-lhe do nariz e dos lábios, o lado esquerdo do rosto ficaria roxo e incharia. Ela ergueu o queixo altivo e dirigiu um olhar cheio de ódio a Pedro. Com um calafrio, ele reconheceu a intensidade daquele sentimento que também o movia desde que… – Diriges teu ódio às pessoas erradas – murmurou a jovem.

O anjo vingador resgatará tua justiça, sussurraram lembranças muito antigas na consciência ainda embotada de Pedro.

Lobato viu a espada que ela trouxera, esquecida em um canto, e deduziu o restante. – E o que faço com ela, senhor? – perguntou.

Pedro não hesitou. Naquele jogo imundo de conspirações, havia apenas uma pessoa em que poderia confiar todos os seus segredos. – Manda-a para a senhora.

Após inclinar de leve a cabeça, Lobato fez um sinal para que os soldados retirassem a prisioneira. Também ia sair, mas o infante tinha uma nova ordem. – Chama o prior – disse. Diante da surpresa do criado, ele foi direto. – Chega de matar inocentes.

Precisava de tempo e tranquilidade para planejar a vingança em detalhes. Só então agiria para punir os verdadeiros culpados.

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