Revista
#34
PIB da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas: abordagens teóricas e evidências empíricas
Memória e Pesquisa | Itaú Cultural
Itaú Cultural
Revista Observatório 34 : PIB da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas: abordagens teóricas e evidências empíricas / organização Itaú Cultural. - São Paulo : Itaú Cultural , 2023. il. ; PDF.
ISBN: 978-65-88878-73-6
1.Economia da Cultura. 2.Indústrias Criativas. 3.PIB - Produto Interno Bruto. 4.Cultura e Tecnologia. I. Instituto Itaú Cultural. II. Fundação Itaú para Educação e Cultura. III. Observatório Itaú Cultural. IV. Título.
CDD 330
Bibliotecária Ana Luisa Constantino dos Santos CRB-8/10076
ISSN 2447-7036
ISBN ISBN: 978-65-88878-73-6
DOI: https://www.doi.org/10.53343/100521.34
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Revista OBS 34 |
PIB da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas: abordagens teóricas e evidências empíricas
A Revista Observatório Itaú Cultural aborda nesta edição o processo de construção de uma metodologia para calcular o PIB da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas (Ecic) no Brasil, uma iniciativa do Observatório Itaú Cultural.
A presente edição conta com artigos de pesquisadores internacionais que foram consultados durante o processo e traz os resultados da pesquisa Delphi, realizada em duas rodadas com pesquisadores nacionais. Além disso, apresenta uma entrevista conduzida por Flávia Oliveira com Leandro Valiati, um dos pesquisadores que estiveram à frente desse processo, o qual destaca a importância de calcular um PIB para o setor, quais são as fontes e os indicadores que foram considerados, e os impactos materiais e imateriais do setor cultural e criativo, que está entre os dez setores mais importantes da economia brasileira.
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Mensurar para valorizar, valorizar para mensurar, por Danilo Santos de Miranda
O processo de construção do Produto Interno Bruto (PIB) da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas, por Gustavo Möller, Karina Ruiz, Leandro Valiati e Filipe da Silva Lang
Economia criativa no cenário de comércio eletrônico, por Diana Marcela Rey
Contabilização de bens culturais digitais gratuitos no PIB da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas: considerações metodológicas, por François Moreau
Participação cultural digital como elemento de produção, por Trilce Navarrete
A participação cultural na era digital. O que medir e por quê?, por Pier Luigi Sacco
Impactos da tecnologia digital na mensuração, monetização e participação cultural e criativa, por Marcelo Milan
Produto Interno Bruto da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas: uma abordagem pela ótica da renda, por Leandro Valiati, Filipe da Silva Lang, Gustavo Möller e Eduardo Saron
O processo de construção do PIB da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas do Observatório Itaú Cultural | Entrevista com Leandro Valiati e conduzida por Flávia Oliveira
Ensaio artístico, por Adriano Catenzaro
REVISTA OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL #34 PIB DA ECONOMIA DA CULTURA 7 8 10 12 17 26 36 44 54 63 74 107 112 Sumário Apresentação institucional Carta ao leitor
Apresentação institucional
Criado em 2006 com o objetivo de difundir conhecimento sobre questões referentes a gestão, economia e políticas culturais, o Observatório Itaú Cultural é um espaço que reflete, coleta, sistematiza, torna compreensível e dissemina informações sobre os setores cultural e criativo, atuando como um espaço de apoio ao desenvolvimento de políticas culturais.
Desde sua gênese pautado pelo espírito público da Fundação Itaú na produção e difusão de conhecimento, o Observatório Itaú Cultural promove ações para destacar o setor, com iniciativas voltadas para a pesquisa – como análises setoriais e o levantamento Hábitos culturais, parceria com o Instituto Datafolha – e a formação [com destaque para a Cátedra Olavo Setubal, parceria entre o Itaú Cultural (IC) e o Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP), o Curso de especialização em gestão e políticas culturais, com a Universidade de Girona (Espanha), primeiro desse gênero no Brasil, e o ensino a distância (EAD)].
Acompanhando os avanços da cultura e das indústrias criativas, que impactam cada vez mais a economia dos países, o Observatório inicia uma nova etapa de sua história. Ao reconhecer a centralidade de dados e evidências para a tomada de decisões no setor público e privado, em 2020 foram lançadas duas importantes iniciativas complementares: o Painel de dados do Observatório Itaú Cultural, plataforma que sistematiza dados e publicações sobre mercado de trabalho e empreendimentos, gastos públicos com cultura e comércio internacional; e o Mestrado profissional em economia e política da cultura e indústrias criativas, parceria entre o IC e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Considerando-se o desafio da produção de dados e estimativas econômicas confiáveis e internacionalmente comparáveis para o dimensionamento dos setores cultural e criativo no Brasil, a organização assume um novo compromisso ao propor um projeto de construção de um PIB da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas do Brasil. O processo de elaboração desse indicador e os resultados alcançados são apresentados nos artigos que compõem esta 34a edição da Revista Observatório.
Mantendo a missão e o compromisso do IC em produzir e disponibilizar dados e informações sobre os setores cultural e criativo, esperamos que essa nova iniciativa, em diálogo permanente com especialistas nacionais e internacionais, promova o aprofundamento de um espaço orgânico de pesquisa, formação e reflexão sobre o setor cultural, contribuindo para o pensamento crítico sobre a formulação de políticas culturais e, sobretudo, incrementando novas possibilidades de pesquisas e promoção do debate no nosso campo.
Boa leitura!
Eduardo Saron Presidente da Fundação Itaú
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Antera 09 | Imagem de Adriano Catenzaro
Carta ao leitor
A produção de dados e estimativas econômicas confiáveis para o dimensionamento da economia criativa tem sido um desafio no Brasil. Houve muitos avanços nos últimos anos, incluindo o Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural. Contudo, falta um indicador integrado que seja reconhecível internacionalmente e que possa dar uma dimensão simplificada, direta e compreensível do impacto econômico da criatividade para um público amplo. Para prover esse número, o Observatório propôs um projeto de construção do PIB da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas (Ecic) do Brasil. Os resultados desse processo são apresentados nesta edição.
O primeiro artigo, assinado por Danilo Miranda, destaca a importância de aprimorar as metodologias de mensuração, medição e contabilização para tornar visível o impacto econômico da cultura no Brasil, assim como a relevância de estudos, como o desenvolvido pelo Observatório Itaú Cultural, para a formulação de políticas públicas e institucionais mais ambiciosas e bem estruturadas para o setor.
O segundo artigo é um relato das consultas feitas a especialistas nacionais e internacionais sobre quais seriam os melhores caminhos metodológicos para mensurar a economia criativa como um todo e as especificidades setoriais brasileiras. As contribuições dos especialistas nacionais foram coletadas utilizando-se o método Delphi e incorporadas ao cálculo. As colaborações dos especialistas internacionais foram integradas parcialmente e geraram mais quatro artigos para esta edição, que discutem como mensurar as inovações impostas pelas tecnologias digitais.
As fronteiras do digital são exploradas a partir de diferentes perspectivas e abordagens, trazendo questionamentos que vão desde a mensuração de fluxos do comércio digital, passando pela valoração de produtos gratuitos e do patrimônio digital, incluindo, ainda, questões sobre a participação cultural em ecossistemas digitais. Cada um dos artigos traz reflexões que jogam luz sobre uma extensa agenda de pesquisa. Uma discussão sobre esse cruzamento de abordagens é também organizada como artigo complementar.
Por fim, apresentamos a metodologia detalhada e os primeiros números do PIB da Ecic. Consideramos esses números como iniciais por serem fruto de um esforço contínuo de construção coletiva, que tende a ser aperfeiçoada e melhorada de acordo com a evolução dinâmica da economia criativa e com a obtenção ou a disponibilização de novos dados.
Boa leitura!
Catavento Pesquisas e Observatório Itaú Cultural
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Antera
| Imagem de Adriano Catenzaro
Mensurar para valorizar, valorizar para mensurar
DANILO SANTOS DE MIRANDA
Como gestor cultural, inicio estas considerações introdutórias assinalando o caráter estratégico da iniciativa de buscar ampliar e aperfeiçoar as formas de mensuração das contribuições da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas (Ecic) para o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
Preliminarmente, contudo, destaco a necessidade de ponderarmos de modo mais amplo acerca da importância das atividades culturais e criativas para o desenvolvimento humano e social no Brasil, com as oportunidades de sensibilização, criticidade, formação e invenção que elas facultam. Sem essa concepção de fundo, comprometida com o fulcro existencial e emancipatório da cultura, não é possível advogar em favor de sua relevância na vida dos cidadãos e cidadãs brasileiros –dado seu valor intrínseco.
Agrega-se a isso uma equação tripartida que, a despeito de sua aparente tautologia, faz enorme diferença se levada a sério: (1) a valorização dos setores culturais e criativos está subordinada à sua capacidade de influenciar a vida das pessoas;
(2) a aferição dessa influência depende de como ela é medida em suas diferentes dimensões, logo, dos instrumentos usados para tal; (3) por fim, e nisso reside a principal contribuição desta revista, esses setores tendem a ser mais valorizados conforme conseguem elevar o grau de abrangência e precisão da mensuração de seus feitos.
É sabido que essas realizações incidem na vida da população em termos de fruição, informação, entretenimento e elaboração simbólica. Seu impacto, todavia, também se processa na esfera econômica, uma vez que as práticas culturais e criativas representam fortes vetores financeiros, refletindo uma mudança de padrão nas formas de consumo, as quais têm sua ênfase cada vez mais deslocada dos produtos para os serviços.
Esse deslocamento, inclusive, é de suma importância para a atuação da entidade da qual faço parte na condição de diretor do Departamento Regional de São Paulo, o Serviço Social do Comércio (Sesc), na medida em que essa instituição se relaciona precisamente com o segmento do comércio de bens, serviços e turismo, afetado de maneira positiva por essas mutações estruturais.
Para ter maior clareza a respeito dos setores em questão, vale pontuar que eles podem ser decupados nas seguintes macroáreas: arquitetura, artes cênicas, artes visuais, atividades artesanais, cinema, design, editorial, moda, museus, música, patrimônio, publicidade, radiodifusão, tecnologia da informação e televisão. Esses são domínios em que vigoram lógicas não reprodutivas, antimecanicistas e, necessariamente, criativas, interpretativas e inovadoras.
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É difundida a percepção de que as searas culturais e criativas exercem papel relevante na economia brasileira, por sua capacidade de movimentar mercados nos âmbitos local, regional e nacional, gerando renda, emprego e outros benefícios monetários. Por outro lado, há que se intensificar esforços e aprimorar metodologias para a mensuração desse tipo de efeito. As estratégias de medição e contabilização ainda precisam avançar, e é isso que a pesquisa aqui apresentada explora de forma propositiva.
Essa problematização é essencial para uma percepção mais acurada das dinâmicas dos setores em questão, bem como para a formulação de políticas públicas e institucionais mais ambiciosas e mais bem estruturadas na área. O entendimento e a geração de visibilidade para os diferentes ganhos trazidos pelas atividades culturais e criativas são decisivos para o seu desenvolvimento e, por conseguinte, para o desenvolvimento econômico brasileiro.
O entendimento e a geração de visibilidade para os diferentes ganhos trazidos pelas atividades culturais e criativas são decisivos para o seu desenvolvimento e, por conseguinte, para o desenvolvimento econômico brasileiro.
Audaciosa, a investigação concentra-se exatamente neste ponto: como medir e tornar visível o impacto econômico da cultura no Brasil? Para isso, a pesquisa investe numa possibilidade específica de mensuração da contribuição dos setores culturais e criativos para o PIB do país, resultante de uma combinação inédita de fontes de dados.
Ela se vale de um método de cálculo pouco utilizado nos domínios da economia da cultura e das chamadas indústrias criativas, lançando mão de fontes alternativas às comumente apontadas pela bibliografia especializada. A título de exemplo, quando o tema é o levantamento estatístico e econômico, a Conta-Satélite da Cultura é a primeira que vem à mente. Usada por diferentes países do mundo, a ferramenta teve sua implantação testada no Brasil, mas não gerou os resultados almejados.
Outros esforços foram feitos no país, contribuindo apenas parcialmente para a estimação dos efeitos dos setores culturais e criativos na economia. Esses instrumentos favorecem estudos de impacto, mas com níveis de alcance limitados. O trabalho, portanto, aspira incrementar as formas de contabilização das atividades em questão, apresentando um novo modelo de cálculo da contribuição desses setores para o PIB brasileiro, demonstrando o quão significativa ela já é, e o quanto ela pode ser.
A pesquisa também sinaliza os avanços necessários nas bases de dados existentes nas suas modalidades de disponibilização, a fim de cobrir falhas metodológicas e cacoetes dos setores analisados. Para efeito ilustrativo, o cálculo do PIB de um setor depende de dados financeiros sobre transações, impostos e rendas e de informações a respeito de seus níveis de desagregação, o que acaba sendo limitado pela informalidade frequente nas áreas da produção cultural e criativa, comprometendo suas medições.
Soma-se a isso o fato de que o nível de desagregação presente nas contas nacionais por setor não permite, muitas vezes, separar o que é atividade cultural e criativa
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das demais atividades. Em vista disso, novas formas de coleta e manejo de dados, bem como o aperfeiçoamento de outras, mostram-se necessárias para uma efetiva mensuração financeira do setor. O estudo aplica ótica inovadora e usa bases de dados pouco exploradas para isso – o que o torna digno de atenção e desdobramento por outros pesquisadores e gestores.
É aí que as prestações de contas da Lei Rouanet surgem como trunfo de sua investigação, por espelhar remunerações das atividades culturais e criativas e por refletir particularidades quanto a suas consequências econômicas. O estudo se vale de quase 15 anos de prestações de contas da Lei Rouanet (Lei Federal de Incentivo à Cultura), relativas ao período de 2009 a 2022. Também propõe uso inovador de dados oriundos de outros levantamentos, que captam rendas geradas por via digital, além de incorporar, providencialmente, a informalidade nos cálculos.
É aí que as prestações de contas da Lei Rouanet surgem como trunfo de sua investigação, por espelhar remunerações das atividades culturais e criativas e por refletir particularidades quanto a suas consequências econômicas.
Para isso, lança mão de uma fórmula matemática como base prospectiva de mensuração, que reflete (A) o peso dos setores culturais e criativos no PIB brasileiro, (B) a massa salarial de seus trabalhadores, (C) a massa de lucros e (D) os royalties, remunerações oriundas de digitalização, direitos autorais e aluguéis, além de (E) artifícios para corrigir os efeitos da informalidade.
Os dados da Lei Rouanet permitem a visualização de inúmeras atividades econômicas e modelos de contratação, revelando-se uma via favorável para o cálculo de verbas destinadas a projetos, salários, contratações temporárias e suplementares e, ainda, aos aluguéis de recursos materiais e técnicos, imprescindíveis para a mensuração de um conjunto tão multifacetado.
Os cálculos das massas salarial e de lucros se dão a partir de diferentes pesquisas e bases de dados, algumas fornecidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Capaz de cobrir grande parte das empresas formais dos setores em questão, o estudo inclusive previne-se das distorções provocadas pela informalidade. Saliento a relevância dessa preocupação para o campo cultural, sobretudo após o advento da pandemia de covid-19, em 2020, quando a precarização do trabalho cresceu exponencialmente.
A combinação de distintas bases de dados visa a uma cobertura nacional mais eficiente, prenunciando a obtenção de medidas mais acuradas dos setores em tela. Eis uma conquista do estudo, que na composição de fontes aponta para um possível mosaico representativo de nossa realidade. A pesquisa aqui apresentada propõe, assim, uma nova forma de cálculo para o PIB dos setores culturais e criativos através do uso de bases de dados inusuais e da introdução de variáveis ainda não utilizadas. Destarte, ela subsidia resultados mais consistentes com a realidade dos setores.
Trata-se de um esforço louvável, uma vez que provê recursos metodológicos caros aos setores de que somos parte integrante. O uso de expedientes concatenados busca estar à altura da complexidade do campo estudado, ao passo que tal campo
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é marcado por diversos traços que escapam a uma análise dura e previsível: informalidade, trabalho não remunerado, discrepância entre a remuneração de nomes consagrados e a dos demais, segunda ocupação etc. Pensar uma realidade complexa a partir de ferramentas sofisticadas, esse é o principal mérito da contribuição aqui apresentada.
COMO CITAR ESTE ARTIGO
MIRANDA, Danilo Santos de. Mensurar para valorizar, valorizar para mensurar. Revista Observatório Itaú Cultural, São Paulo, n. 34, 2023.
DANILO SANTOS DE MIRANDA
é diretor regional do Sesc São Paulo. Especialista em ação cultural, é formado em filosofia e em ciências sociais, tendo realizado estudos complementares na Pontifícia Universidade Católica (PUC) e na Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo, e no Management Development Institute, em Lausanne, na Suíça. Foi presidente do Comitê Diretor do Fórum Cultural Mundial, em 2004, e presidente do Comissariado Brasileiro do Ano da França no Brasil, em 2009. Atua como conselheiro em diversas entidades brasileiras.
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Cabana | Imagem de Adriano Catenzaro
O processo de construção do Produto Interno Bruto (PIB) da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas
Este artigo busca resumir o processo de construção do Produto Interno Bruto (PIB) da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas (Ecic), que foi dividido em duas fases principais. A primeira, composta de oficinas com especialistas nacionais para consulta sobre novas tendências setoriais. A segunda, também uma consulta com especialistas nacionais, por meio da metodologia Delphi, buscando definir as especificidades nacionais relevantes para essa mensuração. Todos os resultados aqui indicados foram ou serão incorporados ao cálculo final apresentado neste volume. A contribuição específica dos especialistas internacionais compõe os demais artigos.
INTRODUÇÃO
A cultura e a criatividade são as expressões maiores da singularidade de um povo e fundamento simbólico de uma sociedade, influenciando, portanto, as diversas dimensões das relações sociais constituídas em um território (MILAN et al., 2019). Por isso, não é surpresa que este tenha sido o fundamental objeto de estudo das ciências sociais contemporâneas, aparecendo nas principais discussões propostas principalmente pela antropologia e pela sociologia. Especificamente no que diz respeito ao campo econômico, o debate é mais recente: a questão da cultura e da criatividade tem se deslocado para o campo da economia tanto devido ao seu potencial dinamismo da atividade econômica quanto em razão da entrada de novos padrões de consumo e paradigmas tecnológicos que levam nossas sociedades a valorizar cada vez mais o consumo de bens e serviços intangíveis, que possuem valor subjetivo, no lugar de produtos.
A criatividade surge como alternativa para a geração de renda, emprego e riqueza. A cultura e a criatividade tomam relevância no contexto dos estudos econômicos a partir do momento em que elas passam a ter valor econômico.
A crescente preocupação com a importância da atividade econômica cultural e criativa é em parte relacionada ao declínio da importância das indústrias tradicionais, ao desemprego nessas áreas e ao declínio econômico generalizado (OAKLEY, 2004). A criatividade surge como alternativa para a geração de renda, emprego e riqueza. A cultura e a criatividade tomam relevância no contexto dos estudos econômicos a partir do momento em que elas passam a ter valor econômico.
A Economia da Cultura e das Indústrias Criativas, assim, vem ganhando destaque na literatura e aos olhos dos formuladores de políticas públicas, conforme as rendas
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GUSTAVO MÖLLER, KARINA RUIZ, LEANDRO VALIATI E FILIPE DA SILVA LANG RESUMO
per capita aumentam e os padrões de consumo migram de produtos para serviços (RODRIK, 2016; BUCKLEY; MAJUMDAR, 2018). Essa mudança estrutural revela o potencial gigantesco de um setor que outrora era marginalizado ou subestimado pelos economistas. Essa maior atenção ao setor está fazendo com que países desenvolvam pesquisas e centros de estatísticas para melhor entender as capacidades de geração de renda, empregos e encadeamentos que os setores culturais e criativos (SCC) podem proporcionar.
O Produto Interno Bruto (PIB) é um dos principais indicadores utilizados internacionalmente para a comparação entre economias, sendo também utilizado como proxy para a “saúde” da economia de países, regiões e unidades federativas, entre outras unidades espaciais.
Nesse sentido, o Produto Interno Bruto (PIB) é um dos principais indicadores utilizados internacionalmente para a comparação entre economias, sendo também utilizado como proxy para a “saúde” da economia de países, regiões e unidades federativas, entre outras unidades espaciais. Quando se fala de setores, essa declaração também é válida, isto é, o PIB de um determinado setor, ou a contribuição desse setor para o PIB nacional, ajuda a conhecer sua importância e seu potencial. Nesse sentido, o PIB setorial é um indicador-chave para o desenvolvimento de políticas setoriais e, a depender da relevância do setor, pode ser usado inclusive para fomentar o desenvolvimento em nível nacional.
Ao mesmo tempo, ao falarmos em um setor tão dinâmico como é o criativo, devemos atentar para as suas especificidades no momento do cálculo desse PIB setorial. Pensar a economia criativa em países em desenvolvimento envolve uma série de desafios específicos, como a diversificação econômica e a geração de empregos qualificados. Como argumenta Reis (2008, p. 20), isso torna central definir
não como medir, mas sim o que medir: encontrar as características de economia criativa adequadas a cada país ou região, identificar suas vantagens competitivas, sua unicidade, seus processos e dinâmicas culturais, as redes de valor criadas e o valor agregado potencial da intangibilidade de seus produtos e serviços.
De forma a capturar quais são essas especificidades de maneira estruturada, foram propostas duas dinâmicas de consultas concomitantes. A primeira foi feita com quatro especialistas internacionais, que foram convidados a participar de duas oficinas de discussão sobre os setores criativos. Nessas oficinas, eles trouxeram os pontos principais que creem ser essenciais para entender o setor atualmente e no futuro, e foram convidados a fazer propostas que pudessem capturar o que não está sendo medido na Ecic pelas técnicas tradicionais. Os artigos com as propostas metodológicas por eles formuladas para complementar o cálculo do PIB são parte desta revista.
A segunda consulta foi feita com especialistas nacionais para checar quais são as especificidades da Ecic no Brasil. Nesse contexto, a metodologia Delphi foi utilizada para permitir maior amplitude de respostas. O Delphi é um método de análise qualitativa reconhecido como um instrumento científico para a obtenção de conhecimentos de especialistas. Ele permite estruturar processos de comunicação a fim de obter resoluções para problemas complexos, mesmo que os indivíduos selecionados estejam geograficamente distantes (LINSTONE;
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TUROFF, 2002; GRISHAM, 2009; OKOLI; PAWLOWSKI, 2004). Para isso, o método Delphi se estrutura em uma série de interações mediadas pelos pesquisadores, em duas ou mais rodadas de coleta de dados. Enquanto os resultados obtidos por essas rodadas são explorados na terceira seção deste artigo, na próxima seção resumimos os resultados extraídos dos especialistas internacionais.
Pensar a economia criativa em países em desenvolvimento envolve uma série de desafios específicos, como a diversificação econômica e a geração de empregos qualificados.
ESPECIALISTAS INTERNACIONAIS: CONTRIBUIÇÕES METODOLÓGICAS
Os encontros com especialistas internacionais foram focados na discussão sobre mensuração da Ecic por meio do PIB e quais são suas limitações. De maneira bem direta, nas ciências econômicas, o PIB de um país ou região representa a produção de todas as unidades produtoras da economia (empresas públicas e privadas produtoras de bens e prestadoras de serviços, trabalhadores autônomos, governo etc.) num dado período (ano e trimestre, em geral), a preços de mercado. Tradicionalmente, o PIB é medido por meio da identidade macroeconômica da contabilidade nacional na qual as óticas da renda, produto e despesa, por definição, produzem o mesmo resultado. Em outras palavras, o sistema de contas nacionais (SCN) estabelece que o PIB pode ser medido por meio da soma das rendas, dos produtos (através dos seus valores monetários) ou das despesas (ou gastos) de um país.
Ao falarmos sobre o setor criativo de maneira geral, esse método de cálculo muitas vezes não capta as dinâmicas mais inovadoras do setor. Ao reunirmos quatro especialistas de diferentes regiões do mundo e com diferentes especialidades, o intuito foi procurar, nas discussões com eles, possíveis ideias de valores gerados pelo setor criativo que não são necessariamente captados nos cálculos tradicionais1 .
Ao todo, foram realizados dois encontros imersivos, entre os meses de março e junho de 2022. No primeiro encontro, foram apresentados aos especialistas pela equipe de pesquisa os dados disponíveis nas bases oficiais brasileiras e a análise sobre a primeira rodada do Delphi, assim como a divisão de categorias setoriais selecionadas, que está disponível e baseada no Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural. A dificuldade de mensurar os valores gerados a partir das mudanças no digital foi o ponto central da discussão, um consenso entre todos os especialistas. De maneira direta e não específica, foram destacados quatro grandes impactos da digitalização setorial e as dificuldades que eles impõem na mensuração.
Primeiro, a transição estrutural no sentido mais amplo e que afeta mais de um aspecto da nossa vida cotidiana: a maior convivência direta em “mundos virtuais” e os produtos e serviços que são gerados especificamente para eles. Um exemplo muito claro seria o do metaverso, no qual serviços tradicionais, como arquitetura, podem ser adaptados para serem prestados diretamente na construção de prédios completamente digitais, assim como a criação de artefatos (por meio de NFTs), que têm seu valor dentro de um contexto completamente inovador. Toda essa corrente de potenciais novos fluxos é de difícil mensuração e, até mesmo, de classificação dentro da nossa compreensão das atividades econômicas atuais.
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a transição estrutural no sentido mais amplo e que afeta mais de um aspecto da nossa vida cotidiana: a maior convivência direta em “mundos virtuais” e os produtos e serviços que são gerados especificamente para eles.
Segundo, o impacto nos modelos de negócio e o surgimento de um ecossistema digital que vai além do foco na venda do produto/serviço específico, extraindo valor das relações estabelecidas nos ecossistemas. Esse fenômeno está relacionado ao fato de que, para promover um certo produto, decisões que não seriam consideradas racionais do ponto de vista da economia clássica acabam sendo tomadas considerando-se o potencial de ampliação de consumo por meio do engajamento digital. Nesse sentido, o conteúdo produzido relacionado a um produto principal não é diretamente monetizável, mas passa a ser fundamental para a criação de valor econômico. A venda de um produto ou serviço cultural está atrelada à criação de conteúdos que não necessariamente têm valor por si só, mas que são fundamentais no conjunto. Mensurar o valor desse conteúdo que não é monetizável é um grande desafio.
Terceiro, o comércio digital dos setores criativos é diretamente afetado de duas maneiras. Primeiro, a exportação/importação de bens/serviços culturais pode ocorrer por meio de plataformas que são, a princípio, gratuitas, como o YouTube. A única maneira de medir o valor da disponibilização gratuita de conteúdo é muito imprecisa e normalmente ligada às propagandas inseridas. A capacidade de estimar o valor dessa exportação, contudo, permanece difusa, pela falta de disponibilização de dados de consumo real. Outro ponto em relação ao comércio digital diz respeito às próprias plataformas nas quais esse comércio ocorre e como esse fluxo poderia ser mais bem contabilizado. Apesar de perspectivas diferentes, os desafios impostos são relacionados, uma vez que é necessário saber quais são os caminhos percorridos por esses fluxos para melhor mensurá-los.
Por fim, um último ponto levantado, que está parcialmente relacionado ao terceiro, é o de como a revolução do digital criou bases de dados coletivas de conhecimento compartilhado que não são monetizadas, como a Wikipédia, mas que geram valor por meio de seu uso. Ao fim, o desafio aqui é tanto na mensuração dos custos desses benefícios quanto na mensuração do valor gerado para os seus usuários. A diferença em relação ao terceiro ponto é que essas bases surgiram de vontade coletiva e não necessariamente foram pensadas com intuitos comerciais.
As discussões acima apontadas geraram propostas dos especialistas de artigos que ajudassem a superar alguns desses problemas de mensuração do digital no PIB da Ecic. Essas propostas foram discutidas em um segundo encontro e, posteriormente, transformadas em artigos que fazem parte deste volume. As discussões também serviram de base para decisões metodológicas de inclusão de outras remunerações no cálculo do PIB da Ecic.
ESPECIALISTAS NACIONAIS: CONTRIBUIÇÕES
METODOLÓGICAS E RESUMO DO ESFORÇO
A consulta a especialistas nacionais ocorreu por meio do método Delphi em duas rodadas de coleta de dados: a primeira, de caráter exploratório, consistiu na aplicação de questionário aberto, de participação on-line, voluntária, individual e anônima. O questionário era composto de três questões abertas, sem limites de caracteres ou tem-
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po para resposta. A primeira questão versava sobre quais especificidades brasileiras deveriam ser consideradas para a elaboração do cálculo; a segunda, sobre os aspectos a serem considerados na definição das atividades abarcadas; e a terceira, sobre quais indicadores os entrevistados consideravam essenciais. O questionário ficou aberto por 46 dias, entre 3 de fevereiro e 20 de março de 2022, e obteve a participação de 25 especialistas selecionados e convidados pelo Observatório.
Essas respostas, analisadas por meio da Análise de Conteúdo baseada em Sampaio e Lycarião (2021) e Bardin (2010), e apoiada em revisão bibliográfica2, foram sintetizadas em 14 afirmações que compuseram o questionário fechado aplicado na segunda rodada de coleta de dados, visando à verificação de consensos através da escala Likert de respostas, que variavam de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente), tendo 3 como ponto neutro (não concordo nem discordo). A estrutura das afirmações propostas, tendo em consideração a análise temática descrita, é apresentada no quadro 1, que se segue.
como a revolução do digital criou bases de dados coletivas de conhecimento compartilhado que não são monetizadas, como a Wikipédia, mas que geram valor por meio de seu uso.
Quadro 1: Estrutura do instrumento para a segunda rodada do método Delphi
Abordagem Dimensão
Informalidade
Desenvolvimento local
Comércio internacional
Produtividade e inovação tecnológica
O que mensurar
Desigualdade social
Democratização
Bem-estar e qualidade de vida
Sustentabilidade ambiental
Mapeamento dos agentes e das cadeias produtivas
Territorialidade
Externalidades
Setores
Como mensurar
Comparabilidade
Diversidade
Fonte: elaboração própria.
Esse questionário, também de participação voluntária, individual e anônima, aplicado de forma on-line, foi mantido aberto por 28 dias, entre 29 de abril e 26 de maio de 2022, e obteve a participação de 41 especialistas. Para a análise dessas respostas, optou-se inicialmente por seguir Scott (2006), compreendendo o grau de concordância como a frequência de respostas “Concordo totalmente” e “Concordo” e explorando as variações nas frequências verificadas na escala Likert. De forma complementar, também foram mobilizados outros elementos de estatística descritiva, como a média e o desvio-padrão.
Uma das possíveis desvantagens da metodologia Delphi está no risco de obtenção de falsos consensos. Entre outros fatores, esse risco está ligado à definição de um grupo de entrevistados demasiadamente homogêneo. Para tentar remediar esse possível
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viés, a aplicação do questionário na segunda rodada contou com questões que permitiram o levantamento de um perfil dos entrevistados. Nesse sentido, deve ser ressaltada a ausência de participantes autodeclarados pretos e indígenas, bem como a representação majoritária de participantes da Região Sudeste (59%) em detrimento das demais. Por outro lado, houve participação semelhante de homens (51%) e mulheres (41%), diversidade quanto ao perfil profissional e uma distribuição etária que reflete o perfil de especialistas proposto pela iniciativa – concentração etária nas faixas de 35 a 45 anos (24%), 46 a 60 anos (39%) e mais de 61 anos (29%).
A totalidade dos respondentes indicou como necessário incluir informações sobre o trabalho informal e arranjos a ele relacionados.
A análise das respostas obtidas durante a segunda rodada do método mostra que, apesar da ampliação no número de respondentes, as temáticas que se destacaram durante a primeira consulta aos especialistas se mantiveram como aquelas com maior grau de concordância na segunda. Primeiramente, os especialistas indicam a necessidade de captar informações sobre a informalidade no setor. A totalidade dos respondentes indicou como necessário incluir informações sobre o trabalho informal e arranjos a ele relacionados, como a intermitência do trabalho e a polivalência dos trabalhadores criativos. Segundo, a necessidade de mensurar para além das realidades centrais. Reconhecendo a dimensão continental do país, é preciso criar instrumentos que abarquem as múltiplas realidades regionais e locais brasileiras, considerando fatores como a diversidade de expressões e atividades artístico-culturais presentes e a existência de arranjos e custos diferenciados entre as regiões. Terceiro, os especialistas apontaram a necessidade de compreensão mais apurada das dinâmicas socioeconômicas do setor cultural brasileiro. De acordo com os especialistas, cabe a uma mensuração econômica do setor captar informações sobre os processos relacionados à desigualdade social brasileira, com destaque à democratização do acesso e da produção cultural, às disparidades de gênero e de raça/cor, à mobilidade social e à concentração e/ou distribuição de renda. Por fim, outro tema relevante foi a necessidade de o trabalho desenvolvido possibilitar uma mensuração recorrente. Nesse sentido, é trazida a importância da construção e/ou mobilização de instrumentos de mensuração que possam ser aplicados com uma periodicidade frequente, gerando séries históricas que permitam compreender a dimensão econômica do setor cultural brasileiro ao longo do tempo.
Ainda que com diferentes graus de concordância entre os especialistas, todas as temáticas emergentes no início da pesquisa seguiram se mostrando relevantes para a construção do PIB. Desta feita, sua mensuração é entendida pelos entrevistados como um desafio necessário à compreensão da dimensão econômica da cultura brasileira, capaz de subsidiar futuras ações e políticas para o setor. E, consonante com os apontamentos trazidos pelos entrevistados, cabe levar em consideração o uso periódico e recorrente dos instrumentos que serão construídos para possibilitar mais do que uma fotografia, um acompanhamento das dinâmicas do setor.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo pretendeu traçar um panorama da construção metodológica do PIB da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas para introduzir ao público o trabalho desenvolvido. A pretensão principal foi a de demonstrar que as esco-
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lhas e os focos metodológicos estão baseados em discussões com especialistas nacionais e internacionais do setor e que se tentou levar em consideração todos os pontos levantados.
Dos especialistas internacionais, destacamos que todas as discussões relativas às transformações digitais foram bastante pertinentes e basearam a relevância da reestruturação pela qual passamos. Ressaltamos, contudo, que poucas das contribuições já foram inseridas no cálculo, uma vez que exigiriam um esforço maior de pesquisa. Em relação aos especialistas nacionais, destacamos que foi possível agregar dados para suprir boa parte das preocupações levantadas, principalmente em se tratando da informalidade e da precarização do emprego no setor, das especificidades regionais e sociais e da garantia da replicabilidade contínua da metodologia. Os detalhes sobre o cálculo desse PIB podem ser conferidos no artigo final deste volume.
COMO CITAR ESTE ARTIGO
MÖLLER, Gustavo et al. O processo de construção do Produto Interno Bruto (PIB) da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas. Revista Observatório Itaú Cultural, São Paulo, n. 34, 2023.
GUSTAVO MÖLLER, sócio fundador da Catavento Pesquisas, é bacharel em relações internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestre e doutorando em estudos estratégicos internacionais na mesma instituição. Atua como consultor na área de economia criativa e da cultura desde 2014.
KARINA RUIZ, pesquisadora associada da Catavento Pesquisas, é bacharela em relações internacionais e mestra em políticas públicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Desde 2017, atua como pesquisadora em economia criativa. É pesquisador associada da Catavento Pesquisas. (ORCID: https://orcid.org/00000002-2314-5152)
LEANDRO VALIATI
é economista e ph.D. em desenvolvimento econômico, com pós-doutorado em indústrias criativas pela Universidade Sorbonne Paris 13 (França). Atualmente atua como professor na Universidade de Manchester, como professor de Indústrias Criativas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e como professor visitante e pesquisador na Universidade Queen Mary de Londres (Reino Unido) e na Universidade Sorbonne Paris 13.
FILIPE DA SILVA LANG, pesquisador da Catavento Pesquisas, é formado em economia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e mestre em Economia da Indústria e da Inovação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). ORCID (https://orcid. org/0000-0002-9641-8449)
NOTAS
1. Os especialistas, que são também autores de artigos neste volume, são Diana Marcela Rey (Colômbia), Pier Luigi Sacco (Itália), François Moreau (França) e Trilce Navarrete (natural da Cidade do México e residente na Holanda).
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2. A análise qualitativa das respostas foi realizada através de uma análise de conteúdo. Adicionalmente, utilizou-se a abordagem caracterizada por Linstone e Turoff (2002) como lockeana, interessada em compreender as possíveis posições de compromisso. Essa abordagem se mostrou mais aderente aos temas em que as respostas dos entrevistados tiveram um baixo nível conflitivo ou indicaram uma busca por posições intermediárias. A partir desses casos e a fim de não ignorar divergências metodológicas importantes para a pesquisa, foram elaboradas as afirmações sobre como mensurar os temas sugeridos.
REFERÊNCIAS
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Imagem de Adriano Catenzaro
Economia criativa no cenário de comércio eletrônico
DIANA MARCELA REY
RESUMO
Antes de 2020, a relação entre o comércio eletrônico e a economia criativa nos levava a pensar em Netflix, iTunes ou Amazon. No entanto, a correlação entre os dois ecossistemas já ia além desses exemplos mesmo antes de 2020, quando o mercado mundial foi profundamente transformado.
Nesse momento, a extensa rede de agentes criativos foi forçada a entender a lógica por trás das transações B2B, B2C, C2C, B2G e G2C1, interagindo com novos e antigos intermediários digitais (marketplace, portais de pagamentos, carteiras digitais etc.), e a oferecer uma experiência omnicanal ao cliente. Por essa razão, hoje qualquer proposta de medição da contribuição econômica de bens e serviços criativos deve considerar os canais off-line e on-line (plataformas, lojas on-line, redes sociais etc.) para oferecer um retrato preciso da economia criativa.
Assumindo esse desafio, este artigo apresenta uma análise holística da literatura sobre a economia criativa no campo do comércio eletrônico, revisa os principais indicadores para medir o comércio eletrônico e define as principais provisões técnicas a serem incluídas como fonte de dados para o Produto Interno Bruto (PIB) da economia da cultura e das indústrias criativas brasileira, que constam no estudo MCC-ENET, produzido pela Câmara Brasileira de Economia Digital e pela empresa Neotrust. Este artigo deve ser entendido como uma base inicial para definir uma agenda de pesquisa consistente para este campo inexplorado: as estatísticas de comércio eletrônico para a economia criativa. Em 2019, o comércio eletrônico brasileiro2 cresceu 16% em relação a 20183. Um ano depois, o aumento anual foi de 41%, mostrando a rapidez com que as pequenas e médias empresas (PMEs) adotaram o ambiente digital para sobreviver durante a pandemia de Covid-19. Por outro lado, 2020 não foi um ano fácil para a economia criativa4 (EC). A restrição à circulação humana imposta mundialmente representou uma contração para as indústrias culturais e criativas em suas receitas que variou entre 20% e 40%, aproximadamente, nos diferentes países, segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco)5
Nesse cenário complexo, as indústrias criativas das PMEs fortaleceram sua presença virtual, enfrentaram o desafio de entender o ecossistema do comércio eletrônico e adotaram seu novo paradigma: a experiência omnicanal6 do cliente. No entanto, a relação entre economia criativa e comércio eletrônico não é uma novidade. Antes de 2020, a literatura registrava um amplo espectro de indústrias criativas que comercializavam seus produtos por meio de plataformas especializadas (marketplaces) e lojas on-line, mesmo que a terminologia, as vicissitudes e os desafios do comércio eletrônico permaneçam imperceptíveis às partes interessadas e às políticas públicas.
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Para entender essas contradições, este artigo levantou algumas questões: como a EC e o comércio eletrônico foram integrados? Quais desafios fortalecem a correlação entre os dois ecossistemas? Quais indicadores monetários poderiam ser medidos para capturar o fluxo econômico de produtos criativos comercializados pelos canais de comércio eletrônico?
As respostas estão divididas em três partes. A primeira analisa a literatura sobre a EC na área de comércio eletrônico e identifica aspectos conceituais para uma agenda interdisciplinar. A segunda destaca os principais indicadores para medir o comércio eletrônico. Já a terceira oferece diretrizes para estimar as transações econômicas de produtos criativos adquiridos em lojas on-line
DA PLATAFORMIZAÇÃO PARA A RESILIÊNCIA
A literatura sobre as estratégias de comércio eletrônico da economia criativa permanece fragmentada. Até o momento, os estudos que abordaram esse tema focam em três perspectivas: a plataformização do contexto cultural, o uso de tecnologias digitais e, recentemente, a literatura da resiliência.
A expansão de Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft, grupo de empresas conhecido como Gafam, fomentou o interesse pela plataformização do conteúdo cultural. Nessa perspectiva, essa literatura tem se concentrado tanto em anunciar os benefícios para a visibilidade da EC como em enfatizar os efeitos contraproducentes da concentração da oferta cultural on-line em poucos portais.
Seguindo o lado positivo dessa perspectiva, em 2012 Eang7 destacou três benefícios das plataformas para o setor editorial: (i) geram acesso rápido a mais produtos de nicho e de difícil acesso nas redes de distribuição física; (ii) prolongam a vida útil dos produtos culturais, porque, diferentemente das redes físicas, intimamente ligadas à venda das tendências, as plataformas permitem a oferta de produtos de diretórios mais antigos; e (iii) resolvem a gestão do crescente estoque de produtos culturais pelas livrarias físicas.
Por outro lado, a abordagem crítica da plataformização mostrou os efeitos adversos das estratégias de mercado do tipo Spotify para a pluralidade de mídia, para garantir a independência dos produtores culturais e evitar a influência dos proprietários dessas corporações. Poell e Nieborg sublinharam as situações problemáticas geradas por esse canal de comércio eletrônico. Para eles: “mercadorias culturais contingentes são inerentemente dependentes de plataforma, seus produtores são efetivamente cúmplices na aceitação de mecanismos econômicos, estratégias gerenciais e estruturas e infraestruturas de governança que se traduzem em desproporcionalidade, dependência e desigualdade”.
É interessante que as pesquisas da plataformização conseguiram captar as repercussões negativas dos marketplaces e das lojas on-line na EC e, ao mesmo tempo, contribuíram no desenvolvimento da segunda perspectiva desta análise da literatura: o uso de tecnologias digitais para promover novas práticas de cocriação, coprodução e consumo entre artistas e audiências. Usando as lentes das habilidades
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A literatura sobre as estratégias de comércio eletrônico da economia criativa permanece fragmentada.
digitais, Leng Li8 sintetizou três efeitos positivos da rápida adoção das tecnologias da informação pelas PMEs. Primeiro, as indústrias criativas foram habilitadas a personalizar produtos, oferecendo-os como ofertas exclusivas. Segundo, por meio da tecnologia, as empresas criativas visam a segmentos de clientes (fãs ricos) e modelos de receita (preços premium ou preços diferenciados com base na exclusividade), e, finalmente, a gestão digital do relacionamento personalizado com o cliente permite a produção e a entrega eficiente dos produtos para públicos de diferentes segmentos.
Mais tarde, as crescentes oportunidades para as PMEs no ambiente digital motivaram Abbasi, Vassilopoulou e Stergioulas a pesquisar o desenvolvimento de roteiros de tecnologia para as indústrias criativas entre 2013 e 2016 e a propor recomendações-chave para melhorar o uso de tecnologias emergentes pelos setores de arquitetura, design, jogos eletrônicos, mídia e editoras de e-books. O ano de 2020 foi crucial para catapultar a literatura sobre esse tema, considerando que a tecnologia era fundamental para a sobrevivência das PMEs durante as restrições impostas pela Covid (KHLYSTOVA; KALYUZHNOVA; BELITSKI, 2022). Em geral, essa abordagem privilegiou o estudo de como a tecnologia transforma o modelo de negócios da EC para melhorar a experiência do cliente off-line; mas, por outro lado, subestimou a análise de como a rede da EC adota a internet das coisas, wearables, 5G, big data analytics9 e tecnologias tridimensionais (3D) para monetizar sua produção cultural por meio do comércio eletrônico.
Por meio da tecnologia, as empresas criativas visam a segmentos de clientes (fãs ricos) e modelos de receita (preços premium ou preços diferenciados com base na exclusividade).
As consequências contínuas da pandemia impulsionaram o ressurgimento da literatura sobre resiliência, que queria demonstrar como a maioria das pequenas empresas e autônomos da EC lutou para se adaptar às novas mudanças, destacando especialmente os efeitos adversos sentidos por bibliotecas, museus e indústrias de entretenimento (AGOSTINO; ARNABOLDI; LAMPIS, 2020).
Tradicionalmente, a economia criativa tem sido caracterizada como resiliente a crises externas. Essa abordagem destacou como as capacidades e habilidades altamente desenvolvidas da EC para entender o rápido avanço tecnológico levaram os empregos obsoletos a se transformarem em ocupações criativas, em um exemplo significativo de resiliência (CAREY; FLORISSON; GILES)10. Entidades culturais e organizações internacionais também mapearam esse fenômeno. Em 2018, o Arts Council of England apresentou um relatório abrangente sobre resiliência na EC após analisar mais de mil enquetes sobre esse tema. Eles descobriram que a resiliência de longo prazo do setor cultural exige que as organizações sejam adaptáveis e mostraram uma incompatibilidade entre as atividades que as pessoas consideram essenciais para aumentar a resiliência e aquelas que, na prática, suas organizações estão realizando, seja porque não têm os recursos econômicos ou porque precisam de ferramentas não disponíveis. Nos últimos dois anos, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Unesco e o British Council produziram extensa documentação demonstrando como o impacto da Covid-19 varia significativamente entre os subsetores e países criativos.
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A partir do contexto brasileiro, Barreto e Todesco desenvolveram um dos poucos trabalhos que evidenciam a relação direta entre o comércio eletrônico e a resiliência da EC. Segundo eles, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae)11 informou, em 2020, que “PMEs da indústria criativa (indústrias culturais), turismo, academias e a indústria alimentícia tiveram impactos financeiros negativos de mais de 69%12”. Além disso, o estudo mostrou que “as vendas foram promovidas diretamente nas redes sociais (Instagram, Facebook, WhatsApp), as transações de pagamentos foram feitas através de aplicativos fornecidos por seus bancos e algumas PMEs, pela primeira vez, pagaram por anúncios online13”.
Essa abordagem destacou como as capacidades e habilidades altamente desenvolvidas da EC para entender o rápido avanço tecnológico levaram os empregos obsoletos a se transformarem em ocupações criativas, em um exemplo significativo de resiliência (CAREY; FLORISSON; GILES).
Além dessas três perspectivas, a falta de reflexão sobre a correlação direta entre a cadeia de valor da EC e os modelos, métodos, agentes e fases do comércio eletrônico é uma constante na literatura. Nenhuma pesquisa foi encontrada sobre como B2B, B2C e C2C, incluindo modelos de marketing G2B e G2Ca, se encaixam no contexto da EC. Não existe nenhum estudo interdisciplinar sobre os desafios de adaptar o método de pagamentos (carteiras digitais) e o canal de pagamento (portais) de acordo com o mercado da EC. Também não foi encontrado nenhum trabalho que apresente os problemas estruturais que ambos os ecossistemas compartilham e seus efeitos em suas cadeias de valor, considerando que eles são liderados por pequenas e médias empresas e operam principalmente como microempresas informais com sede domiciliar. Mas é ainda mais incrível como a discussão das experiências omnicanal na EC é invisível, o que é surpreendente considerando a constante demanda de agentes criativos para rentabilizar suas atividades culturais on-line
Sem dúvida, a falta de conhecimento da linguagem, das ferramentas e dos desafios do comércio eletrônico explica a ausência de literatura sobre esse tema. Pesquisas futuras deverão discutir esses assuntos baseando-se em uma perspectiva interdisciplinar e beneficiando-se de uma perspectiva geográfica mais ampla para relatar como a EC se adaptou ao omnicanal. Essa possibilidade de integrar canais de divulgação, meios de pagamento e espaços virtuais e físicos para o encontro entre os agentes da cadeia de valor não é um desafio pequeno para as redes criativas. O omnicanal envolve intensas transformações no modelo de negócios e no uso de tecnologias, com repercussões que podem ser cruciais para criar, produzir, distribuir e acessar produtos criativos.
Embora a literatura avance nessa direção e para os propósitos deste artigo, o caminho incipiente, mas eficaz, alcançado pelas estatísticas de comércio eletrônico não pode ser ignorado.
ESTATÍSTICAS DE COMÉRCIO ELETRÔNICO
PARA A ECONOMIA CRIATIVA
Os primeiros indicadores de comércio eletrônico foram desenvolvidos em 1999, acrescentando questionamentos a pesquisas setoriais existentes. Por exemplo, nos Estados Unidos, o Bureau of the Census iniciou um programa agressivo em 2000 para começar a preencher a lacuna de dados de comércio eletrônico, usan-
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do como principais fontes as pesquisas anuais dos fabricantes, do comércio, de serviços e do varejo14 .
Em todo o mundo, entretanto, o desenvolvimento de operações estatísticas específicas para capturar os fluxos econômicos por meio de canais on-line tem sido incentivado principalmente por consultorias privadas e empresas de pesquisa e enquetes, como Nielsen, Gallup e Gartner Group. Apesar de seus esforços, suas ferramentas de pesquisa têm sido muito controversas, considerando que geralmente utilizam métodos de amostragem e seleção de painel sem necessariamente representar a diversidade de indústrias no mercado on-line.
Na América Latina, já em 2010, entidades nacionais de estatística e câmaras de comércio eletrônico começaram a apresentar dados sobre essa indústria transversal. O Instituto Nacional de Estatística, Geografia e Informática do México gerou números do valor agregado bruto do comércio eletrônico para o período de 2013 a 2020. Na Argentina, a Câmara Nacional de Comércio Eletrônico produz dados anuais desde 2010. Enquanto isso, no Brasil, o desafio foi assumido por dois atores privados: Webshoppers/Ebit e Câmara Brasileira de Economia Digital. Cada um apresenta dados anuais sobre esse tema.
o estudo MCC-ENET financiado pela Câmara Brasileira de Economia Digital e elaborado pela empresa Neotrust foi considerado o banco de dados mais preciso para mensurar o comércio eletrônico da economia criativa como parte do PIB da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas brasileiras.
Depois de analisar os indicadores reportados, as categorias abrangidas e a desagregação dos dados de ambas as metodologias, o estudo MCC-ENET financiado pela Câmara Brasileira de Economia Digital e elaborado pela empresa Neotrust foi considerado o banco de dados mais preciso para mensurar o comércio eletrônico da economia criativa como parte do PIB da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas brasileiras. Em julho de 2022, entramos em contato com a empresa para explorar a possibilidade de relatar vendas de produtos criativos de acordo com três indicadores: média do valor do pedido (AOV, em inglês), número de vendas no varejo eletrônico e receita de vendas eletrônicas – uma proposta que foi considerada tecnicamente viável pela Neotrust. Caso o Observatório Itaú Cultural considere conveniente incorporar essa fonte de dados, devem ser contempladas as seguintes precisões técnicas:
1. MCC-ENET refere-se a produtos comercializados por marketplaces e lojas on-line no território brasileiro, formal ou informalmente. Esse escopo de análise tem duas limitações. Em primeiro lugar, os dados excluíram o valor dos produtos pedidos através das redes sociais e pagos digitalmente através de uma carteira digital ou transferência bancária on-line, o que não considera as particularidades da estratégia omnicanal da EC. Além disso, os dados de 2018 a 2021 excluem informações do Mercado Livre, um dos líderes em compras on-line do mercado brasileiro. Em segundo lugar, a base de dados não captura os fluxos econômicos para o comércio de bens e serviços adquiridos por brasileiros em estabelecimentos internacionais; o que supõe que, sob qualquer condição, para fins futuros, os dados possam ser usados para medir uma Tabela de Oferta e Uso, segundo a metodologia do Sistema de Contas Nacionais utilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
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2. O estudo para identificar os produtos em seu banco de dados utiliza o sistema internacional de Classificação Central de Produtos, CPC15 revisão 2, em nível de desagregação de cinco dígitos.s. Portanto, o Observatório deve preparar a lista de produtos criativos adicionando pelo menos três palavras-chave para o código CPC, com o objetivo de melhorar os parâmetros de pesquisa e garantir que os dados relatados correspondam efetivamente aos produtos criativos. Por exemplo, o caminho de mesa de crochê é um produto clássico comercializado no mercado brasileiro. Algumas lojas on-line podem classificar esse produto com o código 62532 (roupas de cama, mesa e banho, cortinas, cortinas de tela e artigos para a casa de diversos tecidos), e outras podem usar o código 28190 (outros tecidos de tricô ou crochê). Consequentemente, na lista de produtos, o projeto deve incluir o código 62532 e adicionar as palavras-chave tecidos, feitos à mão e artesanato para garantir que a informação possa ser incluída.
3. A dupla contagem de dados deve ser evitada. Conforme destacamos na análise da literatura, as práticas omnicanal são cada vez mais recorrentes nesse setor econômico, e marketplaces e lojas on-line tendem a interagir com os clientes por telefone, chat, plataformas on-line ou pessoalmente. Consequentemente, é muito viável que o MCC-ENET inclua dados fornecidos por estabelecimentos que não possuam duas unidades contábeis. Uma para comércio eletrônico e outra para suas vendas físicas. Como resultado, o MCC-ENET pode informar vendas que não são suficientemente precisas e se referem a vendas físicas, tradicionalmente capturadas por outras fontes de dados. Para evitar essa situação, o relatório deverá incluir dados exclusivamente de marketplaces e lojas on-line. Em casos excepcionais, devem ser consideradas as informações fornecidas por estabelecimentos com contas exclusivas para seu canal on-line
4. Por fim, antes de utilizar os dados fornecidos pelo indicador “Receita de vendas eletrônicas”, deve ser feito um tratamento estatístico especial por produto, considerando que esse indicador é calculado conforme os preços do comprador. Ao mesmo tempo, as outras fontes de cálculo do índice tendem a ser a preços básicos. Assim, os indicadores “Média do valor do pedido” e “Número de vendas no varejo eletrônico” serão vitais para comparar os resultados dos produtos vendidos on-line com os vendidos off-line, o que pode oferecer dados importantes para o exercício estatístico.
De acordo com essas indicações técnicas, será necessário realizar um tratamento estatístico especial para cada produto, limitando os dados disponíveis para medir os fluxos monetários gerados pelas vendas on-line de produtos criativos. Apesar disso, o exercício piloto é uma tarefa visionária para mensurar dados atualmente invisíveis na economia criativa e propor um mapa para preencher lacunas de informação, melhorar o sistema de registro e parametrização da base de dados MCC-ENET, assim como formular uma nova agenda de pesquisa para o setor.
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COMO CITAR ESTE ARTIGO
REY, Diana M. Economia criativa no cenário de comércio eletrônico. Revista Observatório Itaú Cultural, São Paulo, n. 34, 2023.
DIANA MARCELA REY
é especialista em economia criativa e economia digital. Coautora do Guia ibero-americano da conta-satélite da cultura, foi consultora da Unesco, do BID, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), da ONU-Mulheres, do Ministério de Tecnologias da Informação e Comunicação da Colômbia e de outras entidades internacionais.
Membro do Conselho Internacional do Centro de Evidências e Políticas das Indústrias Criativas (PEC).
NOTAS
1. B2B: business-to-business; B2C: business-to-consumer; C2C: consumer-to-consumer; B2G: business-to-government; G2B: government to business.
2. Para os fins deste trabalho, consideramos que “uma transação de comércio eletrônico é a venda ou compra de bens ou serviços, realizada por meio de redes de computadores por métodos especificamente desenvolvidos para receber ou fazer pedidos” (OCDE, 2011, p. 72).
3. Dados produzidos pelo relatório Ebit Webshoppers. Disponível em: https://www.mobiletime.com.br/ wp-content/uploads/2021/03/ Webshoppers_43.pdf. Acesso em: 30 jul. 2022.
4. A economia criativa pode ser definida como “um conjunto de atividades econômicas baseadas em conhecimento com uma dimensão de desenvolvimento e ligações transversais aos níveis macro e micro para a economia
geral; [...] considerando que o coração da economia criativa são as indústrias criativas” (UNCTAD, 2022, p. 5).
5. UNESCO Indústrias culturais e criativas diante da Covid-19: uma perspectiva de impacto econômico, p. 6, 2021.
6. O desafio do omnicanal é “uma abordagem emergente para o varejo que responde à natureza mutável de como os clientes compram em alternância entre lojas online e offline e o uso crescente de dispositivos digitais (por exemplo, smartphones e tablets)” (HICKMAN; KHAROUF; SEKHON, 2020).
7. EANG, Bora. Le commerce électronique de biens culturels: contributions empiriques. Economies et finances Télécom ParisTech, 2012. Français.
8. Leng Li selecionou mais de 80 casos de estudo para analisar a adoção de tecnologias digitais. Como conclusão geral, ele descobriu que a maioria dos casos usava tecnologias digitais para ampliar ou automatizar, em vez de transformar, suas construções de modelo de negócios.
9. Internet das coisas: rede de objetos que têm sensores, software e outras tecnologias para trocar dados e se comunicar entre si; wearables são dispositivos tecnológicos utilizados como acessório ou roupa; 5G: corresponde à quinta geração de tecnologia das redes móveis. É mais rápida para fazer downloads e uploads e tem maior cobertura; big data analytics: é uma tecnologia que permite processar dados estruturados e facilita a identificação de padrões de comportamento, descobrir correlações e tendências
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do mercado, e conhecer as preferências dos consumidores.
10. A tal ponto que esses três autores delinearam, em 2019, que “nos próximos anos devemos ver aumentos contínuos na participação da força de trabalho em funções criativas, desde que a oferta de habilidades possa atender às crescentes demandas” para responder aos desafios do mercado.
11. Os dados estão no relatório O impacto da pandemia do coronavírus nas pequenas empresas, 3a edição, publicado em 5 de maio de 2020.
12. KLEIN, Barreto; TABESCO, José. Crise da Covid-19 e respostas das PMEs: o papel da transformação digital. Knowl. Process Manag., p. 120, 2021.
13. Idem, p. 122.
14. Em 2017, John Murphy e Andrew Baer apresentaram um artigo na 32a Reunião do Grupo Voorburg sobre Estatísticas de Serviços de Nova Délhi, na Índia, para mostrar a evolução desse assunto. O nome do trabalho é Overview of E-Commerce Statistics United States Census Bureau [Visão geral das estatísticas de comércio eletrônico do Departamento de Census dos Estados Unidos].
15. Classificação de produtos padronizada internacionalmente definida pela Divisão de Estatística das Nações Unidas com o objetivo de facilitar a identificação dos produtos e garantir o uso de termos comuns nos sistemas de contas nacionais.
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Estrutura 2
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Imagem de Adriano Catenzaro
Contabilização de bens culturais digitais gratuitos no
PIB da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas: considerações metodológicas
FRANÇOIS MOREAU
RESUMO
Por terem custo monetário zero para os consumidores, e apesar de sua crescente importância, os bens e serviços culturais e criativos digitais são muito mal considerados nas estatísticas das contas nacionais e, principalmente, nas estatísticas do Produto Interno Bruto (PIB). Este artigo revisa abordagens metodológicas que podem permitir que legisladores e economistas superem essa desvantagem com ferramentas baratas e fáceis, com foco nos benefícios gerados por bens e serviços digitais gratuitos.
As décadas de 1980 e 1990 foram marcadas pela “culminância do interesse na contribuição econômica da cultura e das indústrias culturais e novas abordagens para a compreensão da relação entre cultura e desenvolvimento econômico” (UNESCO, 2009). Desde a primeira década do século XXI, há uma crescente valorização da importância econômica e social das indústrias culturais e criativas (ICC). Elas estão se tornando um dos segmentos mais dinâmicos da economia global. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), as indústrias culturais e criativas representam cerca de 3% do PIB da economia mundial e 30 milhões de empregos em todo o mundo. Throsby (2010) enfatiza que avaliar a contribuição das ICCs para o PIB requer capturar os efeitos diretos, indiretos e induzidos em outras indústrias.
Assim, de acordo com um relatório recente comandado pela Federação Internacional da Indústria Fonográfica (OXFORD ECONOMICS, 2020), a contribuição do setor da música para o PIB europeu chega a 37,6 bilhões de euros, dos quais 46% são gerados pelo próprio setor, que é a atividade econômica das gravadoras, dos estúdios e das editoras (impacto direto). O impacto indireto corresponde a 28% dos gastos do setor de música em insumos de bens e serviços do restante da economia. Os restantes 26% do impacto total são referentes ao impacto induzido, ou seja, ao pagamento de salários pelas empresas do setor de música e ao longo da sua cadeia de abastecimento.
PRECIFICAÇÃO DE BENS GRATUITOS E BENS PÚBLICOS
Entretanto, o principal problema com a avaliação da contribuição das ICCs para o PIB está ligado ao fato de o PIB dificilmente capturar o valor das transações econômicas que não são a preços de mercado. Os benefícios do consumo não pago são completamente desconsiderados nas contas nacionais (SOBOLEWSKI, 2021).
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Ainda assim, muitos serviços das ICCs são disponibilizados como bens públicos (recebem subsídios públicos sobre o preço pago pelos consumidores que não refletem o custo real) ou como serviços gratuitos com publicidade.
Basicamente, existem dois métodos possíveis para calcular o valor de uso dos serviços gratuitos: preferência revelada (PR) ou preferência declarada (PD). A PR usa dados de demanda real. Por exemplo, o modelo de preço hedônico estima o valor de uma característica ainda não precificada de um bem, comparando as diferenças de preços entre produtos ou serviços que possuem ou não essa característica não precificada (ou seja, impacto da proximidade do patrimônio cultural aos preços imobiliários). No entanto, os métodos de PR não são isentos de limitações: não permitem levar em consideração valores de opção e não uso1, precisam coletar muitos dados e estão sujeitos a problemas de confusão ou multicolinearidade2 (WILLIS, 2014). Os métodos de PD superam essas limitações derivando preferências e parâmetros de utilidade subjacentes de escolhas declaradas em uma pesquisa. As duas principais abordagens são avaliação contingente, com base em respostas a pesquisas que pedem às pessoas que relatem um valor para benefícios hipotéticos específicos [disposição a pagar (DAP)] ou danos hipotéticos específicos [disposição a aceitar (DAA)], e análise conjunta, que coleta dados de preferência ou escolha entre alternativas de múltiplos atributos.
Os bens culturais e criativos digitais são fonte de um estranho paradoxo quando se trata de medir sua importância econômica por meio de sua contribuição para o PIB. Eles são considerados de extrema importância para reduzir as barreiras de acesso à cultura para indivíduos social ou geograficamente desfavorecidos, mas na melhor das hipóteses são pouco ou muitas vezes não refletidos no PIB.
Os métodos de preferência declarada são agora considerados uma abordagem dominante em avaliações não mercadológicas (SOBOLEWSKI, 2021), e entre eles a avaliação contingente é de longe a mais popular, pois permite reproduzir um mercado hipotético no qual o bem em questão pode ser “negociado” (MITCHELL; CARSON, 1989). A natureza hipotética das escolhas usadas para a revelação de preferências é o principal alvo dos críticos (SOBOLEWSKI, 2021)3. No entanto, um programa de trabalho metodológico separado por duas décadas com o objetivo de reduzir o viés hipotético e melhorar o formato da pesquisa ajudou a refinar os protocolos de extração (por exemplo, JOHNSTON e colegas, 2017).
COMO MEDIR A CONTRIBUIÇÃO ECONÔMICA DOS BENS DIGITAIS?
Os bens culturais e criativos digitais são fonte de um estranho paradoxo quando se trata de medir sua importância econômica por meio de sua contribuição para o PIB. Eles são considerados de extrema importância para reduzir as barreiras de acesso à cultura para indivíduos social ou geograficamente desfavorecidos, mas na melhor das hipóteses são pouco ou muitas vezes não refletidos no PIB. Essas atividades de fato geram um grande excedente do consumidor, mas são invisíveis no demonstrativo de receita das empresas. Assim, a participação da tecnologia da informação (TI) no PIB permaneceu em torno de 5% nas últimas quatro décadas (BRYNJOLFSSON; COLLIS, 2020).
Se bens gratuitos sempre existiram e a questão de considerá-los no PIB não é nova, na era digital o que era exceção tende a se tornar comum. O crescimento do setor
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digital justifica que este seja o momento de levar em conta esse problema de forma completa. Para muitos bens culturais, bem como para mídias sociais ou notícias, a era digital significa que o custo marginal4 de produzir uma versão adicional do bem é quase zero. A demanda não é mais monetizada através da venda de um bem rival5 (a um preço muito superior ao custo marginal). Em vez disso, ou os consumidores obtêm o produto digital de graça, mas toleram algum anúncio, ou pagam uma taxa fixa para se beneficiar de um acesso ilimitado a um grande catálogo de conteúdo. Entretanto, as receitas de publicidade representam um mau preditor da satisfação dos consumidores (SPENCE; OWEN, 1977). Uma plataforma pode obter a mesma receita de publicidade de dois espectadores enquanto eles têm uma avaliação muito diferente do conteúdo e, portanto, um excedente do consumidor muito diferente. Da mesma maneira, as pessoas podem obter muito valor de conteúdo que não gera muita publicidade, como Wikipédia ou e-mail (BRYNJOLFSSON; COLLIS, 2019)6 .
Existem duas alternativas. Primeiro, estimar o valor de um bem ou serviço a partir do tempo que leva para consumi-lo. Segundo, estimar a quantia de dinheiro que um consumidor pediria para aceitar não acessar um bem ou serviço digital por um determinado período de tempo. Goolsbee e Klenow (2006) iniciaram sua linha de pesquisa baseada no valor do tempo. Eles enfatizam que, embora o uso da internet gere apenas custos monetários limitados, é uma atividade que consome muito tempo. Contabilizando os custos de oportunidade do tempo de lazer, eles usam pesquisas indicando a distribuição do tempo entre várias atividades e o valor monetário dessas atividades para estimar o valor da internet. Eles estimaram o valor mensal do uso da internet para os consumidores norte-americanos em aproximadamente US$ 300. Na mesma linha, Brynjolfsson e Oh (2012), estendendo os dados de uso do tempo na internet desde 2002, desenvolveram uma nova estrutura para quantificar o ganho de bem-estar de bens e serviços gratuitos na internet. Eles compararam as duas abordagens convencionais para medir os ganhos de bem-estar, ou seja, um modelo baseado em tempo e um modelo baseado em dinheiro, e descobriram que, no período de 2007 a 2011, o ganho incremental médio de bem-estar dos serviços digitais gratuitos na internet é de aproximadamente US$ 106 bilhões ao ano (cerca de 0,74% do PIB anual). Por outro lado, depender apenas de gastos baseados em dinheiro gera estimativas de bem-estar significativamente mais baixas, aproximadamente US$ 4,2 bilhões, o que é cerca de 1/25 da estimativa derivada do valor do tempo.
Eles compararam as duas abordagens convencionais para medir os ganhos de bem-estar, ou seja, um modelo baseado em tempo e um modelo baseado em dinheiro, e descobriram que, no período de 2007 a 2011, o ganho incremental médio de bem-estar dos serviços digitais gratuitos na internet é de aproximadamente US$ 106 bilhões ao ano (cerca de 0,74% do PIB anual).
A segunda alternativa é derivada da avaliação contingente. Ela visa medir os benefícios (o excedente) que os consumidores obtêm de produtos e serviços digitais gratuitos. Diferentemente do PIB, que é relativamente fácil de avaliar, porque se reflete no demonstrativo de receitas das empresas e nas despesas dos consumidores, o excedente não é diretamente observável. Felizmente, a revolução digital não apenas levantou desafios difíceis de medição, mas também criou novas e poderosas ferramentas de medição (BRYNJOLFSSON; COLLIS, 2019). Brynjolfsson e colegas (2019a, 2019b) propõem um método original no qual eles usam téc-
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nicas de pesquisa digital para executar experimentos massivos de escolha on-line examinando as preferências de centenas de milhares de consumidores. Dessa forma, eles têm a capacidade de estimar o excedente do consumidor para uma grande variedade de bens, inclusive os gratuitos que faltam nas estatísticas do PIB. Mais precisamente, seu método consiste em pedir aos participantes que façam escolhas: “Você prefere perder o acesso à Wikipédia ou ao Facebook por um mês?”, “Você deixaria de usar a Wikipédia por um mês por US$ 10? E por US$ 100?…”. Para controlar o viés hipotético e garantir que as pessoas tenham revelado suas verdadeiras preferências, eles seguem com experimentos em que os participantes realmente devem desistir de um serviço antes de receberem uma remuneração (BRYNJOLFSSON; COLLIS, 2019). O quadro 1, abaixo, ilustra essa metodologia com o caso de avaliação dos benefícios gerados pelo Facebook.
Quadro 1: Como avaliar os benefícios gerados pelo Facebook?
“Para medir o excedente do consumidor gerado pelo Facebook, recrutamos uma amostra representativa dos usuários da plataforma nos Estados Unidos e oferecemos a eles quantias variadas de dinheiro para deixar de usá-lo por um mês. Para verificar as respostas, alguns participantes foram selecionados aleatoriamente para receber os pagamentos e renunciar ao serviço durante um mês. Nós os adicionamos temporariamente como amigos do Facebook – com sua permissão, é claro – para confirmar que eles não fizeram login naquele mês.
Aproximadamente 20% dos usuários concordaram em parar de usar o serviço por apenas US$ 1; uma proporção igual se recusou a não o usar por menos de US$ 1.000. A remuneração média que os usuários do Facebook estavam dispostos a aceitar para não usar o serviço por um mês foi de US$ 48. Com base na pesquisa e no experimento de acompanhamento, estimamos que os consumidores norte-americanos derivaram US$ 231 bilhões em valor do Facebook desde sua criação em 2004.
[…] Pode-se pensar que o valor gerado pelo Facebook é contabilizado no PIB por meio de suas receitas publicitárias. Entretanto, nossas estimativas indicam que a plataforma gera um excedente médio do consumidor de cerca de US$ 500 por pessoa anualmente nos Estados Unidos, e no mínimo isso para usuários na Europa. Em contraste, a receita média por usuário é de apenas US$ 140 ao ano nos Estados Unidos e US$ 44 ao ano na Europa. Em outras palavras, o Facebook opera uma das plataformas de publicidade mais avançadas, mas suas receitas publicitárias representam apenas uma fração do excedente total do consumidor que ele gera.”
Esse método também pode ser usado para avaliar os benefícios de bens digitais que geram receita com tarifas e assinaturas de usuários. De acordo com o demonstrativo financeiro de 2021 do Spotify, o Arpu (Average Revenue per User, ou receita média por cliente) anual nos Estados Unidos é de aproximadamente US$ 26 (usuários gratuitos e pagos misturados). A avaliação anual dos usuários médios dos Estados Unidos de serviços de música é estimada por Brynjolfsson e colegas (2019a) em US$ 168 (cerca de seis vezes mais). Da mesma maneira, os usuários pagam entre US$ 120 e US$ 240 ao ano por serviços de streaming de vídeo, como Netflix, Hulu e HBO, enquanto o estudo acima estimou que o excedente do consumidor gerado por esses serviços é de cinco a dez vezes o que os usuários pagam para acessá-los (avaliação anual de US$ 1.173).
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Fonte: Brynjolfsson e colegas (2019a).
os usuários pagam entre US$ 120 e US$ 240 ao ano por serviços de streaming de vídeo, como Netflix, Hulu e HBO, enquanto o estudo acima estimou que o excedente do consumidor gerado por esses serviços é de cinco a dez vezes o que os usuários pagam para acessá-los (avaliação anual de US$ 1.173).
A partir dessa abordagem, Brynjolfsson e colegas (2019b) desenvolveram uma nova métrica para medir o PIB de produtos gratuitos com base no cálculo dos benefícios em vez dos custos; eles a chamaram de PIB-B. Por exemplo, eles estimaram que a soma dos benefícios do Facebook teria aumentado o crescimento do PIB em 0,05 a 0,11 pontos percentuais por ano em média nos Estados Unidos desde 2004.
CONCLUSÃO
O PIB-B é uma métrica alternativa que pode complementar a estrutura tradicional do PIB, quantificando as contribuições para o bem-estar do consumidor de bens culturais e criativos digitais gratuitos e outros bens e serviços culturais não comerciais (música ao vivo gratuita, dança…). Essa abordagem é relativamente barata e fácil de implementar periodicamente em um conjunto representativo de consumidores. “Realizar pesquisas em larga escala perguntando aos entrevistados quanto eles precisam receber para não usar determinado produto por determinado período de tempo e, em seguida, validar esses resultados executando estudos em menor escala com incentivos monetários reais” pode representar uma maneira pragmática de medir a contribuição para a atividade econômica de bens e serviços que de outra forma permanecem completamente ou amplamente fora do escopo das ferramentas de medição tradicionais (BRYNJOLFSSON; COLLIS, 2019).
COMO CITAR ESTE ARTIGO
MOREAU, François. Contabilização de bens culturais digitais gratuitos no PIB da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas: considerações metodológicas. Revista Observatório Itaú Cultural, São Paulo, n. 34, 2023.
FRANÇOIS MOREAU
é professor de Economia na Universidade Sorbonne Paris Nord (França) e codirige o conselho científico do LabEx ICCA, uma estrutura de pesquisa transdisciplinar e multiuniversitária sobre indústrias culturais e criativas financiada pela Agência Nacional Francesa de Pesquisa. É membro do Conselho Francês de Alfabetização e Propriedade Artística, realiza pesquisas sobre a economia digital e sobre a economia das indústrias de conteúdo e publicou extensivamente sobre este assunto nas últimas
duas décadas, além de ter liderado vários programas de pesquisa para o Ministério da Cultura francês e para a Agência Nacional Francesa de Pesquisa.
NOTAS
1. O valor de opção corresponde à possibilidade de se beneficiar de um bem ou serviço no futuro; os valores de não uso correspondem ao valor de existência (basta saber que o bem existe sem consumi-lo) ou valor de legado (preservar o bem para gerações futuras).
2. A multicolinearidade se constitui em um problema estatístico no qual duas ou mais variáveis explicativas possuem elevada intercorrelação (ou “perfeita” intercorrelação). Neste caso, impossibilita-se estabelecer a verdadeira relação/efeito dessas variáveis explicativas em relação
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a uma variável de interesse, que se deseja explicar. Na presença de multicolinearidade, portanto, dizse que as estimações do modelo são estatisticamente imprecisas (GUJARATI; PORTER, 2011).
3. Entre outras limitações dos métodos de preferência declarada, destacam-se (MITCHELL; CARSON, 1989; BATEMAN e colegas, 2002): comportamento estratégico (como comportamento parasitário), viés de ancoragem (a ordem de apresentação das escolhas possíveis tem impacto na avaliação) e viés de informação (o enquadramento da questão influencia a avaliação).
4. Custo, de produção ou aquisição, de uma unidade adicional de determinado produto e/ou serviço (PINDYCK; RUBINFELD, 2013).
5. Em economia, os bens podem ser classificados como rivais (ou não rivais) e exclusivos (ou não exclusivos). Diz-se que determinado bem é rival quando o consumo deste por uma pessoa reduz sua quantidade disponível para o restante da sociedade. Por seu turno, diz-se que o bem é exclusivo quando é possível, a um custo baixo, evitar que uma pessoa usufrua deste sem pagar. Bens públicos são ao mesmo tempo não rivais e não exclusivos, pois o custo marginal de fornecer tais bens a uma pessoa adicional é zero, e ninguém pode ser excluído da possibilidade de acessá-los (PINDYCK; RUBINFELD, 2013).
6. Para ilustrar as dificuldades do PIB em levar em conta as inovações digitais de forma completa, dificilmente há exemplos melhores do que o aumento da Wikipédia. Enciclopédias de capa dura, como Britânica e Universalis, costumavam custar vários milhares de dólares, o que significa que seus clientes as consideravam valer no mínimo essa quantia. Por outro lado, a Wikipédia é um serviço gratuito com muito mais artigos e uma qualidade quase equivalente. O aumento da Wikipédia diminuiu o PIB mundial desde que a enciclopédia impressa faliu no início dos anos 2010 e os consumidores foram privados das versões impressas. Conforme relatado em Brynjolfsson e Collis (2019), o valor médio que os consumidores norte-americanos atribuem ao serviço gratuito oferecido pela Wikipédia é de aproximadamente US$ 150. Portanto, o PIB dos Estados Unidos é subestimado em mais de US$ 40 bilhões.
REFERÊNCIAS
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Crises são
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números
Imagem de Adriano Catenzaro
Participação cultural digital como elemento de produção
TRILCE NAVARRETE
INTRODUÇÃO
No que diz respeito à questão de quais indicadores podem ser considerados essenciais para medir a contribuição e/ou os impactos da cultura na economia de um país, o primeiro passo é definir o escopo da “cultura”. Este texto se concentrará no patrimônio digital, que se refere ao conteúdo digital nato e digitalizado produzido por instituições patrimoniais, incluindo bibliotecas, arquivos, museus e sítios arqueológicos.
O patrimônio digital pode incluir uma representação do objeto, como uma foto ou modelo 3D, mas também pode incluir informações adicionais sobre o objeto, sua história, sua gestão, processos técnicos ou documentação associada. Considerar o patrimônio digital a partir dessa abordagem holística facilitaria a compreensão da contribuição do setor cultural além dos usos relacionados ao patrimônio.
Não há consenso internacional sobre o que constitui o patrimônio digital ou sobre a melhor forma de prestação de contas sobre ele. Alguns esforços têm sido feitos considerando a contribuição do patrimônio digital para a economia com base nos resultados e nas despesas. Na Europa, o projeto Enumerate fez um levantamento de dados estatísticos sobre a digitalização do patrimônio cultural, com o intuito de embasar decisões estratégicas sobre investimentos na área. No entanto, foram reportados dados em porcentagem em vez de números absolutos, gerando desafios metodológicos1. Houve também as estatísticas experimentais do Eurostat2 sobre a popularidade de patrimônios culturais. Para esse cálculo, o estudo fez um levantamento do número de visitantes das páginas da Wikipédia sobre mil Patrimônios Mundiais da Unesco, que se concentraram apenas na página sobre o site, mas negligenciaram as páginas que reutilizam o conteúdo desses mesmos sites ou instituições administradoras3 .
Uma alternativa é considerar a contribuição do patrimônio digital com base na renda gerada por sua digitalização. Esse tipo de cálculo, no entanto, ainda não está disponível. Ainda não existe um Spotify do patrimônio digital. As instituições patrimoniais estão cada vez mais optando por publicar seus dados com licenças abertas para estimular a reutilização a fim de gerar valor de um investimento geralmente subsidiado. Em vez de renda, uma medida de reutilização poderia servir para indicar o valor do patrimônio digital disponível. Medir o valor com base no uso implica risco de simplificar a escolha do consumidor com base na facilidade de acesso ou popularidade. No entanto, o uso é uma métrica que vale a pena explorar, particularmente quando ligado à criação de novos produtos e serviços.
As instituições patrimoniais estão cada vez mais optando por publicar seus dados com licenças abertas para estimular a reutilização a fim de gerar valor de um investimento geralmente subsidiado.
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Considerando a reutilização, grande parte da nova produção é realizada pelo consumidor ou pela multidão, em vídeos colocados no YouTube ou no TikTok, ou qualquer outro tipo de expressão nas mídias sociais4, com uma parte da produção sendo feita por robôs5. A produção e a reutilização de conteúdo patrimonial dentro ou fora do contexto patrimonial podem ser consideradas parte da participação cultural das novas gerações.
Neste texto, é feita uma proposta para considerar a contribuição do público como insumo de produção, tendo como foco o caso dos museus, mas com aplicação potencial em arquivos, bibliotecas e instituições culturais similares. As contribuições podem ser identificadas a partir de um consumidor geral, de centros acadêmicos e de pesquisa, ou de indústrias privadas, resultando em inovações específicas ou simplesmente contribuindo para uma infraestrutura de conhecimento global. Tal abordagem forneceria dados comparáveis entre regiões e escaparia da volatilidade de serviços e hardware nativo6 da prática digital atual, ao mesmo tempo que permitiria a captura de dinâmicas regionais e localizadas.
PARTICIPAÇÃO CULTURAL
Cada vez mais, as gerações mais jovens têm uma participação ativa em atividades culturais. Há uma noção simplista sobre participação cultural que a identifica apenas como a visita a um museu. Um relatório recente do Ministério da Cultura da Holanda sobre o Estado do Patrimônio Digital (KEMMAN, et al., 2021) identificou 77.724 visitantes exclusivos engajados por pouco menos de três minutos em websites de 176 museus holandeses durante 2020. Esse registro parcial é importante para o desenvolvimento de estatísticas sobre patrimônio digital e participação cultural. Espera-se que as estatísticas possam eventualmente abranger a presença digital dos museus em outros ambientes on-line, tais como mídias sociais e portais geográficos e temáticos.
A entrada na exposição física ou no site do museu on-line é uma modalidade simples de envolvimento com a instituição. A participação tem muitas outras expressões, incluindo a doação financeira ou a doação de tempo para realizar diversas atividades (ATECA-AMSTOY; GOROSTIAGA, 2020). Crowdsourcing é o nome dado à participação de consumidores no custo de desenvolvimento de novos produtos e serviços para além da empresa (NAVARRETE, 2020). A participação pode ter vários níveis de complexidade e habilidades exigidas para assumir diferentes formas de gestão, permitindo autoridade centralizada ou descentralizada, participação aberta ou fechada, e uma gama de relações entre o participante e o museu.
77.724 visitantes exclusivos engajados por pouco menos de três minutos em websites de 176 museus holandeses durante 2020.
A participação que leva a uma contribuição de inputs pode ser caracterizada como crowdfunding (contribuição financeira), geração de ideias (pesquisa e desenvolvimento como input), esforços agregados (geralmente microtarefas) e colaborações abertas (por exemplo, coprodução, copropriedade, cogestão) (NAVARRETE, 2020). As colaborações abertas são geralmente coordenadas pela instituição de patrimônio, mas existem outros exemplos sem coordenação central aparente, tais como a maior coleção de patrimônio 3D (uso de fotogrametria para capturar e mo-
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delar edifícios reais), VR (realidade virtual, em inglês) e AR (realidade aumentada, em inglês) do mundo, encontrada na plataforma SketchFab.
Não há informações sobre a contribuição nacional para essas plataformas globais, nas quais o conteúdo do patrimônio digital 3D, VR e AR é disponibilizado sem custos quando fornecido por instituições de patrimônio ou a um pequeno custo quando fornecido por particulares. Levando em consideração a contribuição nacional nesses portais, será possível eventualmente fazer uma comparação internacional sobre habilidades digitais, produção de capital intelectual, inovação nas indústrias criativas e geração de renda. Para isso, pode-se considerar o tamanho do conteúdo disponibilizado a partir de uma determinada região geográfica ou selecionar perfis nacionais7
Considerar a participação cultural como insumo de produção requer que os museus e as instituições patrimoniais alterem seu processo de produção para permitir contribuições de fontes externas e coletivas. Um exemplo é o Amsterdam City Archive, que redesenhou seu processo de produção para receber contribuições externas. O trabalho desenvolvido por esses colaboradores externos durante um ano e meio foi o equivalente à produtividade de uma equipe de funcionários contratados em tempo integral durante 18 anos (HOLTMAN; VAN ZEELAND, 2019).
Considerar a participação cultural como insumo de produção requer que os museus e as instituições patrimoniais alterem seu processo de produção para permitir contribuições de fontes externas e coletivas.
Que medida poderia captar essa contribuição coletiva coordenada? O cálculo do número de horas dedicadas às atividades, assim como a produção realizada, pode fornecer uma primeira visão geral desse tipo de participação. Isso pode ser comparado com a produção da equipe interna para estimar o equivalente em tempo integral na instituição, particularmente quando a participação ocorre em um site ou portal institucional. A tecnologia digital permite que todas as transações sejam registradas, e cabe ao museu ou à instituição coordenadora rever os dados registrados para analisar a escala de participação e contribuição.
Quando os dados são produzidos em sites de propriedade de empresas privadas, como todas as plataformas de mídia social, e conforme o tamanho dos dados aumenta exponencialmente, os esforços coordenados para colher e analisar o conteúdo produzido pelo consumidor podem ser uma estratégia viável. Como alternativa, podem ser considerados acordos com a plataforma privada para entregar algum tipo de relatório de utilização.
Além das contribuições dos consumidores participantes do público, a colaboração de outros centros de pesquisa e institutos de ensino superior tem sido geralmente negligenciada. É bem conhecido que os estudantes são mão de obra qualificada durante os estágios e fornecem resultados valiosos sob a forma de dissertação e recomendações para as instituições de patrimônio. Da mesma forma, muitos projetos acadêmicos fazem uso dos vastos bancos de dados dos museus em pesquisas sobre história, ciência da informação ou qualquer outra disciplina. Afinal, os museus possuem diversos tipos de coleções, e seus objetos são polissêmicos, podendo fornecer diferentes informações dependendo do contexto do espectador (NAVARRETE; MACKENZIE OWEN, 2016).
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Outras empresas, do setor privado ou público, também podem participar da criação e aquisição de valor. O Google é um exemplo com uma longa trajetória de aquisição de valor das coleções patrimoniais, por meio do projeto Google Books – que inclui em seus sistemas de busca vastas coleções de texto –, do projeto Google Art – avançando o reconhecimento de imagem –, bem como da simulação e, mais recentemente, do projeto Aria8 – fazendo uso de som e configurações 3D para fornecer seus serviços gerados por máquinas. Os consumidores dos serviços do Google se beneficiam de melhores resultados enquanto alimentam o sistema de aprendizagem.
Os museus são importantes contribuintes para a economia da informação, porque fornecem conteúdo de qualidade, estruturado, diversificado, confiável e sustentável que pode ser usado por indivíduos ou máquinas. No entanto, poucos museus estão cientes do valor de suas informações como recurso bruto e carecem de uma estratégia para lidar com essa questão.
A percepção do valor da informação está mudando a maneira como os consumidores interagem com os serviços e a maneira como as empresas operam. Enquanto a informação costumava ser colhida para uso interno e tomada de decisões posteriores, as empresas bem-sucedidas estão se envolvendo cada vez mais em ecossistemas de troca de dados para extrair informações de múltiplas fontes e fornecer maior personalização de serviços a seus consumidores, desenvolvendo uma gestão de dados confiável para fortalecer as partes interessadas (WEF, 2020).
Para os museus, isso significa vincular as informações sobre coleções a uma rede estruturada para disseminar esse conteúdo, enriquecendo seus serviços. Os ambientes de informação colaborativa têm maior valor, assim como os indivíduos e as empresas capazes de conectar conjuntos de dados. São poucos os museus no mundo que possuem os recursos e a visão para explorar a coleta de dados a fim de melhorar seus serviços. Um exemplo é o Rijksmuseum, em Amsterdã, que recentemente se associou a um pesquisador independente para identificar uma série de fotografias na coleção usando a busca inversa de imagens, um processo de encontrar informações para identificar as imagens por meio da localização on-line de imagens semelhantes9. Uma vez que as imagens são identificadas, seu valor de reutilização aumenta exponencialmente. Tal processo contribui para uma criação sustentável de valor em torno dos dados, ao desenvolver, vincular e expandir a informação disponível para todos.
Como calcular tais contribuições? Basta que um ator externo participe da criação do conhecimento para ser inserido no processo de produção do Rijksmuseum, melhorando seu banco de dados. Essa contribuição pode ser calculada de forma semelhante à de qualquer outro colaborador remunerado ou não remunerado por horas de trabalho e tipo de produção. Além disso, ela expande as informações disponíveis sobre as coleções para todo o setor patrimonial e para além dele, facilitando a reutilização para além da instituição do museu10. Ou seja, a participação cultural também pode contribuir para expandir o modelo de referência que compõe a infraestrutura global do
Para os museus, isso significa vincular as informações sobre coleções a uma rede estruturada para disseminar esse conteúdo, enriquecendo seus serviços.
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conhecimento, para a qual os museus são contribuintes-chave. Esse é um ponto importante, pois requer uma abordagem diferente para medir a dimensão econômica da participação cultural.
Medir a contribuição econômica da construção de uma infraestrutura de conhecimento, que pode ser usada por qualquer pessoa para criar sistemas híbridos, personalizados, onipresentes, participativos, compartilhados e fragmentados, para educação, lazer ou trabalho, seguiria um método semelhante ao da contabilização de qualquer outra forma de infraestrutura. As infraestruturas são um elemento de produção que permite que todos os indivíduos e empresas realizem seu trabalho.
a participação cultural também pode contribuir para expandir o modelo de referência que compõe a infraestrutura global do conhecimento, para a qual os museus são contribuintes-chave. Esse é um ponto importante, pois requer uma abordagem diferente para medir a dimensão econômica da participação cultural.
Exemplos podem ser encontrados em empresas que utilizam soluções de inteligência artificial, tais como o Google, alimentado pela infraestrutura de informação. Um exemplo do setor de museus é o projeto CHIM, destinado a desenvolver um chatbot para museus. Ele utiliza o banco de dados das coleções para permitir que um robô converse com o visitante do museu a respeito das obras expostas11 .
Considerando-se que os museus contribuem para a criação de uma infraestrutura de conhecimento nacional e eventualmente global e que a nova modalidade de participação se baseia na cocriação, surge uma série de desafios que dizem respeito à legislação necessária para otimizar a copropriedade. O mais importante, e relevante para esta discussão, é o desenvolvimento de indicadores sobre a contribuição dos museus e das instituições patrimoniais. Como discutido, uma maneira de tentar obter o escopo da contribuição é olhar a participação como elemento de entrada para a produção.
Dado o desafio da disponibilidade e organização de dados, uma opção é focar em um ambiente organizado no qual um número suficiente de participantes se engaje na reutilização e coprodução utilizando a base de dados de museus digitais. Um ambiente global disponível para pesquisa é a Wikipédia. O que se segue é o exemplo da contribuição dos museus brasileiros na construção de conhecimento na versão em português da Wikipédia12
WIKIPÉDIA BRASIL
Considerar o uso do conteúdo de museus na Wikipédia para medir a dimensão econômica da cultura serve para explicar o papel dos museus e das instituições patrimoniais como fornecedores de matéria-prima em uma infraestrutura de conhecimento. A matéria-prima refere-se aos materiais digitais disponíveis on-line que podem ser reutilizados como peças Lego para a produção de novos produtos e serviços; nesse caso, para a ilustração de artigos enciclopédicos. Estudos anteriores documentaram a dimensão potencial de alcance e reutilização quando o conteúdo do museu é disponibilizado como parte dos artigos “wikipedianos” (NAVARRETE; VILLAESPESA, 2021; NAVARRETE; BOROWIECKI, 2016), ainda que não tenha havido um estudo sistemático para contabilizar a contribuição econômica como tal.
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O investimento na digitalização das coleções é significativo. Estima-se que as instituições de patrimônio europeu gastam anualmente uma média de 450 mil euros na curadoria de coleções digitais (NAUTA et al., 2017). A digitalização de coleções inclui uma reprodução digital e metadados básicos para identificação geral da reprodução, bem como o posicionamento do objeto dentro da estrutura conceitual institucional utilizando thesauri padrão ou documentação contextual. O uso desse investimento para fins internos é parcialmente contabilizado na produção do museu, sob a forma de publicações, exposições e pesquisas. O uso externo do investimento, para desenvolver novos produtos e serviços além do museu, poderia ser contabilizado pelo excedente de dados produzido pelos editores e leitores da Wikipédia.
Analisar a Wikipédia na edição em português pode servir de exemplo. Existem 1.778 pinturas identificadas originárias de 79 coleções localizadas no Brasil, das quais 1.410 têm um artigo específico na Wikipédia. O Museu Coleção Paulista possui mais de 500 pinturas ilustrando artigos da Wikipédia, representando a maior coleção brasileira nessa plataforma, seguido pelo Museu Histórico Nacional, com 350 pinturas, Museu de Arte de São Paulo (Masp), com 220 pinturas, e Pinacoteca do Estado de São Paulo, com 220 pinturas.
Esses museus contribuem para a infraestrutura do conhecimento nacional, disponibilizando sua produção para que todos a consultem e reutilizem. Os artigos podem ser ilustrados pela própria instituição, por um editor da Wikipédia ou pelo público em geral. A contribuição para a infraestrutura do conhecimento brasileiro pode ser comprovada com base na participação dos usuários brasileiros, que representam mais de 70% dos usuários da edição em português da Wikipédia.
A popularidade dos artigos pode ser percebida no número de visualizações das coleções. O Masp recebe quase 550 mil visualizações mensais, seguido pelo Museu Imperial, com 300 mil visualizações, e pela Pinacoteca do Estado de São Paulo, com 270 mil visualizações. Além das dez coleções mais vistas, o restante das pinturas identificadas ilustra artigos que recebem menos de 50 mil vistas por mês.
Esta breve revisão de pinturas de museus brasileiros ilustrando a Wikipédia em português foi baseada nas obras identificadas no WikiData, a rede global que alimenta a maioria dos grandes projetos de dados. Dando um passo adiante, uma política nacional poderia sugerir a publicação de coleções no WikiData usando uma quantidade mínima de palavras-chave no campo “descrição” para identificar a pintura, bem como o uso de outros vocabulários, como declarações Iconclass13 , para aumentar a capacidade de localização e reutilização das coleções. Tais medidas contribuiriam para a disseminação de informações de qualidade sobre o patrimônio, aumentando a alfabetização digital, o vocabulário cultural e o enriquecimento geral do consumo cultural on-line.
CONCLUSÕES
As tecnologias digitais facilitam o acesso híbrido à informação patrimonial que pode potencialmente tornar-se a nova forma de participação cultural: personalizada, interativa, onipresente e em rede. As gerações mais jovens (com menos de 24 anos) relatam uma forma ativa de participação que geralmente envolve cocriação (KEMMAN et al., 2021).
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As tecnologias digitais facilitam o acesso híbrido à informação patrimonial que pode potencialmente tornar-se a nova forma de participação cultural: personalizada, interativa, onipresente e em rede.
Um novo conjunto de medidas pode considerar a dimensão econômica da cultura como (1) o fornecimento de dados de qualidade disponíveis para reutilização a fim de criar novos produtos e serviços, assim como (2) a contribuição para uma infraestrutura de conhecimento que permita uma criação sustentável de valor em torno de dados relacionados à cultura, desenvolvendo, conectando, enriquecendo e expandindo as informações disponíveis para todos. Enquanto a primeira abordagem pode se concentrar na produção das instituições relacionadas com o patrimônio, a segunda abordagem precisaria mais claramente contar com a participação ativa dos consumidores na recuperação do conteúdo relacionado ao patrimônio, particularmente para além de um ambiente cultural.
A disponibilidade de tais evidências, para documentar a extensão da reutilização dos dados do patrimônio digital como forma de participação cultural, pode lançar luz sobre o papel potencial dos museus como fornecedores de recursos primários na economia da informação.
Por último, os governos podem estimular o desenvolvimento de uma infraestrutura de patrimônio digital para o avanço do capital social, digital, cultural e econômico, incentivando o uso de padrões básicos e vocabulários organizados para facilitar a busca e a reutilização de informações.
A tecnologia digital pode permitir que museus e instituições patrimoniais inovem na prestação de serviços capazes de fornecer modelos empresariais participativos que contribuam para os bens comuns da cultura e do conhecimento, para todos.
COMO CITAR ESTE ARTIGO
NAVARRETE, Trilce. Participação cultural digital como elemento de produção. Revista Observatório Itaú Cultural, São Paulo, n. 34, 2023.
TRILCE NAVARRETE
é especialista nos aspectos econômicos e históricos do patrimônio digital, com especial interesse em inteligência artificial aplicada ao patrimônio cultural. Navarrete está terminando de escrever um livro sobre economia de museus digitais. É professora assistente na Universidade Erasmus, em Rotterdam, na Holanda, onde ensina a aplicação da teoria econômica ao campo da cultura. Como pesquisadora, concentra-se
na análise econômica e histórica para explicar as mudanças na cultura causadas pela adoção da tecnologia digital. Navarrete lidera o projeto da União Europeia chamado Recharge – que trata de modelos de negócios participativos no patrimônio cultural –, integra o consórcio do Instituto Europeu de Inovação para as Indústrias Culturais e Criativas, e contribuiu para vários projetos de pesquisa relacionados com a análise econômica da cultura digital (Riches, ViMM, Enumerate). Atua como consultora do European Group of Museum Statistics (EGMUS), é presidente do Documentation International Committee of the International Council of Museums (Cidoc) e membro da diretoria da
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International Association for the Economics of Culture (Acei) e do Early Music Festival na Holanda. Também atuou como consultora para a criação e avaliação de infraestruturas digitais na Europa. Navarrete é natural da Cidade do México.
1. Disponível em: https:// en.wikipedia.org/wiki/Enumerate_ (project)
2. Eurostat: órgão da União Europeia responsável pela produção de dados estatísticos.
3. Disponível em: https://ec.europa. eu/eurostat/web/experimentalstatistics/world-heritage-sites
4. As plataformas de mídia social mais conhecidas têm milhões de usuários globais. Não há nenhuma descrição de quanto conteúdo relacionado ao patrimônio está disponível diretamente, das instituições de patrimônio, ou indiretamente, dos participantes do patrimônio. O Facebook, com o WhatsApp, o Instagram e o Facebook Messenger, tem a maior fatia de usuários (https:// en.wikipedia.org/wiki/Social_ media).
5. Um exemplo é a coleção de robôs postando em nome de artistas famosos desenvolvida por Andrei Taraschuk: https://twitter.com/i/ lists/976556889981906945
6. O software é executado de forma nativa quando isso ocorre no hardware real do computador, e não por meio de emulação ou intervenção de outro programa. Esse estado é comum para a maioria dos programas de computador normais executados em um sistema.
7. Em 2017, a internet holandesa tinha 9 milhões de domínios registrados, dos quais 5,7 milhões eram domínios .nl, e menos de
1,6 milhão eram websites. De 2007 até 2022, a Biblioteca Nacional Holandesa arquivou 21 mil websites, representando 37 terabytes de dados, divididos em 21 coleções.
8. Aria é um projeto desenvolvido pelo Facebook Reality Labs para ajudar pesquisadores a construir o software e o hardware necessários para futuros óculos de realidade aumentada.
9. Disponível em: https:// www.bellingcat.com/ resources/2022/08/09/usingnew-tech-to-investigate-oldphotographs/
10. O exemplo dado da busca de imagens invertidas realizada na coleção do Rijksmuseum, em Amsterdã, identificou inconsistências na datação de coleções encontradas em outros grandes museus, incluindo o Getty Museum, a National Portrait Gallery, em Londres, e o Metropolitan Museum of Art, em Nova York. O uso de normas para ligar dados permite às instituições atualizar as informações de suas coleções em resposta à mudança na documentação.
11. Disponível em: https://www.dfki. de/en/web/research/projects-andpublications/projects-overview/ project/chim
12. Disponível em: https:// en.wikipedia.org/wiki/Portuguese_ Wikipedia
13. Classificação de biblioteca especializada em arte e iconografia. Foi concebida por Henri van de Waal, escritor e historiador de arte holandês, e desenvolvida por um grupo de estudiosos após a sua morte, em 1972.
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REFERÊNCIAS
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HOLTMAN, Marc; VAN ZEELAND, Nelleke (2019). Het jaar van 6 miljoen. Jaarverslag digitalisering 2018 Stadsarchief Amsterdam.
Amsterdam: Gemeente
Amsterdam Stadsarchief.
KEMMAN, M. et al. (2021). Stand van het Nederlands Digitaal Erfgoed 2021. Dialogic. Publicatinummer 2021.102.2137.
NAUTA, G. J. et al. (2017). Europeana DI2-Access to Digital Resources of European Heritage. Report Enumerate Core Survey 4. The Hague: Europeana.
NAVARRETE, T.; VILLAESPESA, E. (2021). Image-based information: paintings in Wikipedia. Journal of Documentation, v. 77, n. 2, p. 359380. https://doi-org.eur.idm.oclc. org/10.1108/JD-03-2020-0044
NAVARRETE, T.; BOROWIECKI, K. J. (2016). Changes in cultural consumption: ethnographic collections in Wikipedia. Cultural Trends, 25:4, 233-248, DOI: 10.1080/09548963.2016.1241342.
WORLD ECONOMIC FORUM (WEF) (2020). New Paradigm for Business of Data. Briefing paper. July 2020.
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Iglu | Imagem de Adriano Catenzaro
A participação cultural na era digital. O que medir e por quê?
PIER LUIGI SACCO
RESUMO
A participação cultural mediada digitalmente é muitas vezes considerada mais inclusiva do que a tradicional participação pré-digital. Entretanto, existe uma expectativa superotimista com relação à capacidade das ferramentas e plataformas digitais de ampliar o pool de produção de conteúdo cultural. A mídia digital atual, incluindo as redes sociais mais voltadas para a criação de conteúdo plug-and-play1, reflete uma lógica pré-digital de transmissão de conteúdo por uma elite de criadores. Precisamos considerar novas formas de participação digital fundamentadas na criação coletiva como paradigmas transformacionais de mudança comportamental e social.
A PARTICIPAÇÃO CULTURAL NA ERA DIGITAL: UMA VERDADEIRA REVOLUÇÃO?
Muitas vezes acredita-se que a era digital tenha provocado uma profunda revolução na participação cultural. Enquanto nos tempos pré-digitais havia uma grande lacuna entre produtores e usuários de conteúdos culturais e criativos, com os dois papéis rigidamente separados por arranjos institucionais complexos, como o gatekeepingM ou controle de acesso, para patrocínio e seleção de mercado para indústrias culturais e criativas, parece que a produção e a disseminação de conteúdos de ferramentas digitais derrubaram definitivamente tais barreiras (SACCO; FERILLI; TAVANO BLESSI, 2018). Entretanto, de fato, o potencial das plataformas digitais em possibilitar formas mais ativas de participação cultural ainda permaneceu, em sua maioria, inexplorado. A razão por trás desse impasse é o fato de que as plataformas digitais atuais replicam em grande parte a lógica dos meios pré-digitais.
Os produtores de conteúdo criativo nas redes sociais estão operando como difusores do ego.
Essencialmente, os produtores de conteúdo criativo nas redes sociais estão operando como difusores do ego: ou seja, eles transmitem conteúdo que está relacionado a si mesmos – sua persona, experiências, gostos, opiniões etc. (HUMPHREYS, 2018). Como consequência, as redes sociais podem ser vistas como uma coleção gigantesca de canais de televisão pessoais (em rede) que reproduzem, com reviravoltas próprias e em uma escala diferente, a lógica de certos formatos da televisão tradicional e, de modo mais geral, da mídia pré-digital. Não por acaso, o modelo de receita por trás desses canais pessoais deriva claramente dos canais tradicionais da indústria cultural: maximizar a audiência para vender “globos oculares” aos anunciantes (com a provável mediação da plataforma digital que torna tal conteúdo acessível) ou tornarem-se eles mesmos parte integrante da cadeia de valor da publicidade (RUNDIN; COLLIANDER, 2021). A construção de tal audiência requer estratégias específicas de mídia que diferem
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daquelas da mídia pré-digital, pois elas envolvem algumas formas de relações parassociais 2 com seguidores (LOU, 2021). Tais relações são mais ricas do que as relações unidirecionais possibilitadas pela mídia pré-digital, que só podem funcionar como projeções psicológicas do público sobre as celebridades (CLAESSENS; VAN DEN BULCK, 2015). Mas essa diferença não é significativa o suficiente para ativar uma verdadeira comunicação bidirecional 3 e, como consequência, os ecossistemas digitais reproduzem de maneira considerável a assimetria entre um número relativamente limitado de provedores de conteúdo e um pool muito grande ou um público passivo ( lurkers ) (SUN; RAU; MA, 2014).
Essas considerações se refletem nos resultados preliminares de pesquisas que investigam o quão inclusiva é a produção de conteúdo cultural e criativo em diferentes plataformas digitais. A regra mais amplamente aceita é a chamada 90-9-1: o pool de usuários consistiria em 90% de lurkers que basicamente não postam nenhum conteúdo e no máximo dão like, comentam ou compartilham conteúdo produzido por outros, 9% dos colaboradores que postam algum conteúdo e recebem relativamente pouca atenção, e 1% dos superusuários que atraem a maior parte da atenção e cujo conteúdo recebe a máxima exposição e circulação (BAEZA-YATES; SAEZ-TRUMPER, 2015). Tal distribuição reflete claramente a estrutura de desigualdade que prevalece na mídia tradicional, com a principal novidade de um buffer de criadores de conteúdo com alcance limitado que normalmente seriam filtrados pelos mecanismos tradicionais de seleção das indústrias de conteúdo pré-digital, e que encontram algum espaço agora. Mas, essencialmente, os ecossistemas de conteúdo digital são impulsionados pelos conteúdos postados pela elite equivalente a 1% de superusuários, não muito diferente do que aconteceu antes da produção digital e das ferramentas de disseminação que, pelo menos teoricamente, proporcionariam a todos uma chance de participar das conversas criativas. Até que ponto as análises reais das plataformas de conteúdo digital confirmam ou contradizem essa tendência?
Com nosso grupo de pesquisa, estamos atualmente investigando três plataformas muito diferentes: Wikipédia, TikTok e Twitch. A Wikipédia, o equivalente digital e aberto de uma enciclopédia, parece ser a plataforma mais seletiva entre as três, pois os requisitos para escrever ou editar uma entrada enciclopédica são relativamente altos em termos de conhecimento e especialização, não importa se a entrada é sobre uma noção científica complexa ou a biografia de um cantor de rock: em todos os casos, tem a ver com seleção e análise de múltiplas fontes, escrita clara e imparcial, logicamente consistente, e assim por diante. Por outro lado, o TikTok é uma plataforma baseada na produção de vídeos curtos que oferece todos os tipos de recursos on-line e plug-ins para permitir que praticamente todos possam se tornar produtores de vídeo, se assim desejarem. Nesse caso, os requisitos para participação ativa parecem muito menos obrigatórios, não apenas em virtude da facilitação técnica quanto ao uso de ferramentas de produção, mas também pelo fato de que qualquer tema de vídeo é permitido e não precisa preencher nenhum requisito específico de conteúdo que vá além de ser envolvente e atraente para os espectadores. Quanto ao Twitch, é uma plataforma que, apesar de hospedar diversos tipos de conteúdo, é essencialmente dedicada à cultura do jogo, e sua categoria de conteúdo mais con-
Os ecossistemas de conteúdo digital são impulsionados pelos conteúdos postados pela elite equivalente a 1% de superusuários.
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sumida são as transmissões ao vivo de usuários efetivamente jogando. Neste caso, a produção de conteúdo coincide com a performance ao vivo do jogador. É claro que pode haver níveis muito diferentes de habilidade ao se jogar um determinado jogo. Mas, de fato, tornar-se usuário, ou seja, jogar um jogo não importa o quão habilidosamente, é algo que na verdade não implica nenhuma barreira, senão a de aprender as regras do jogo, familiarizando-se com sua interface e comandos. Não há nem mesmo a barreira de se envolver em longas sessões de edição para refinar o conteúdo, como acontece com os vídeos do TikTok. É, literalmente, uma experiência de plug and play de produção cultural. Aqui imaginaríamos, então, que as barreiras implícitas à participação ativa são menos obrigatórias do que para o TikTok, e muito menos obrigatórias do que para a Wikipédia. Como consequência, seria de se esperar que, quanto mais plataformas tendessem a facilitar o acesso à produção cultural, mais amplo seria o nível de participação ativa observado.
Outra dimensão importante a considerar, além das barreiras técnicas à produção cultural, são as motivações para a produção. Um elemento-chave nesse sentido são os incentivos sociais à produção, ou seja, o nível de atenção/aprovação que está relacionado ao lançamento de um determinado conteúdo (VOGEL et al., 2014). Também aqui, as três plataformas diferem significativamente quanto aos tipos de incentivos sociais que elas oferecem. No caso da Wikipédia, embora a contribuição de usuários específicos possa ser rastreada, nenhuma entrada é realmente “assinada” por ninguém, de modo que o único reconhecimento real que um contribuinte pode obter é a reputação e aprovação entre os pares, ou seja, entre outras pessoas com conhecimento suficiente sobre a Wikipédia para serem capazes de perceber e avaliar a contribuição de usuários específicos. No caso do TikTok, ao contrário, o conteúdo é fortemente personalizado, e sua visibilidade é controlada e regulada por sofisticados algoritmos, que dão visibilidade não apenas às superestrelas pertencentes à elite dos superusuários, mas também aos usuários relativamente desconhecidos. No caso do Twitch, nenhum sistema de recomendação foi realmente implementado como uma escolha precisa para evitar o estrelato orientado por algoritmos com base na capacidade dos usuários de manipulá-los em seu benefício. Como consequência disso, esperaríamos que, nos três casos, as plataformas fossem projetadas de forma a evitar a prevalência excessiva de um número limitado de superusuários. No caso da Wikipédia, pelo fato de as contribuições não serem imediatamente visíveis; no caso do TikTok, porque o algoritmo também promove o conteúdo de usuários secundários; no caso do Twitch, porque não há algoritmo em funcionamento para ser manipulado.
No entanto, olhando para os resultados reais, que estão atualmente em fase de pré-impressão, verifica-se que, para todas as três plataformas, a divisão básica entre uma pequena elite de superusuários, uma parcela maior mas muito minoritária de colaboradores e uma grande maioria de lurkers passivos é confirmada em todos os casos. Portanto, parece que a grande divisão na participação digital ativa não é uma consequência direta do quão tecnicamente exigente é a produção de conteúdo, nem mesmo dos potenciais incentivos sociais para contribuir. A promessa de uma participação cultural maciça mediada digitalmente é, portanto, ainda e fundamentalmente, em grande parte não cumprida. Mas por quê?
A promessa de uma participação cultural maciça mediada digitalmente é, portanto, ainda e fundamentalmente, em grande parte não cumprida.
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DA EXPRESSÃO DO EGO À AÇÃO COLETIVA
O fato de que pode haver uma recompensa social atraente por postar algum conteúdo on-line em termos de atenção e aprovação não esgota na verdade todo o espectro de recompensas que estão relacionadas com a postagem. Certamente, um conteúdo postado pode estar atraindo pouca atenção e aprovação, ou mesmo grande atenção mas forte desaprovação. Para muitas pessoas, a perspectiva de um resultado ilusório para sua postagem pode ser um poderoso desestímulo para postar, e mais ainda quanto mais elas experimentam tal dinâmica sobre as postagens de outros (SCIARA et al., 2021). De fato, na medida em que os usuários desistem de postar (e assim desistem das recompensas sociais potenciais de sua atividade), a única maneira de obter alguma recompensa social é se juntar a muitos outros na apreciação coletiva de algum provedor de conteúdo popular ou se juntar a outros na desaprovação ou estigmatização de provedores impopulares (DUFFY; POOLEY, 2019). Em ambos os casos, a típica dinâmica social do estrelato que prevalece na mídia pré-digital é reafirmada na esfera digital. No caso da Wikipédia, a barreira psicológica está relacionada a não se sentir suficientemente habilitado a agir como um “especialista” e suportar o escrutínio crítico de outros especialistas. No caso do TikTok, a barreira psicológica é ser ignorado ou criticado por outros usuários em razão do conteúdo postado. No caso do Twitch, a barreira psicológica é não se sentir suficientemente confiante para atuar ao vivo na frente de um número potencialmente grande de pessoas. Portanto, na maioria dos casos, os usuários simplesmente preferem ficar em segundo plano e desfrutar de algumas recompensas sociais como apoiadores ou haters dos usuários mais famosos e visíveis.
Entretanto, pelas razões que acabamos de explicar, essa lógica de participação é, na realidade, mais derivada da mídia pré-digital do que verdadeiramente nativa dos ecossistemas digitais. A característica estrutural mais notável dos ecossistemas digitais, que se afasta da lógica de participação pré-digital estabelecida, é seu caráter “neo-oral” (IBRAHIM, 2018). Nas sociedades orais onde não existe nenhum dispositivo para a transmissão escrita de conteúdo criativo, a única possibilidade de circulação de conteúdo é por meio da memória e da reconstituição (ONG, 1988). Como consequência, a própria noção de autoria e de contribuições individuais é bastante vaga em tais contextos, pois qualquer usuário inevitavelmente reinventa o conteúdo que está transmitindo de acordo com o que se lembra, o que considera importante, o que mais gosta, e assim por diante. As plataformas digitais fazem claramente uso da escrita (e em uma escala e extensão sem precedentes). No entanto, o fato de os conteúdos escritos (muito menos imagens, sons etc.) não serem, com poucas exceções (como artigos acadêmicos de revistas), impressos em uma forma final que possa ser controlada e fielmente reproduzida, mas poderem ser manipulados e repostados infinitamente por outros usuários, implica a emergência de uma dimensão “neo-oral”, na qual o papel da autoria individual é subestimado em favor do papel criativo da manipulação coletiva de determinados materiais (AUTHORSHIP CONTESTED, 2015). Isto é mais evidente no caso dos memes, que são partes intencionalmente anônimas de conteúdo projetadas para serem infinitamente replicadas e manipuladas sem qualquer forma de propriedade intelectual ou controle criativo (GAL; SHIFMAN; KAMPF, 2016). Mas também conteúdos que surgem
Uma dimensão “neo-oral”, na qual o papel da autoria individual é subestimado em favor do papel criativo da manipulação coletiva de determinados materiais.
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originalmente como autorais podem ser facilmente absorvidos em processos de manipulação coletiva nos quais cada usuário é livre para construir sobre o trabalho de outros sem qualquer preocupação particular com o significado original ou a intenção estética (NAVAS, 2014).
Essas novas formas de “inteligência criativa coletiva” são as verdadeiramente nativas dos ecossistemas digitais e se baseiam na desconstrução da própria ideia de autoria e propriedade intelectual. Quando as pessoas participam dessas formas anônimas e massivas de produção de conteúdo em rede, os incentivos e desincentivos às contribuições de autor, que ainda operam fortemente em plataformas digitais como as que discutimos anteriormente, deixam de ser obrigatórios, e surgem novas formas de participação coletiva. Se quisermos um exemplo dessa nova lógica de participação, considere o experimento r/place realizado na Reddit que começou no Dia da Mentira de 2022 (e que replicou um experimento anterior semelhante realizado em 2017). O objetivo era colorir uma grande tela digital. Os usuários só poderiam decidir a cor de um único pixel entre 4 milhões de quadrados de pixels, e havia um tempo fixo que eles tinham de esperar antes de serem autorizados a colorir outro pixel. Claramente, a única maneira de obter resultados significativos e visíveis em tal ambiente era agir de forma altamente coordenada com outros usuários. Tal coordenação poderia permitir que um grande número de usuários se concentrasse em certas partes da tela para formar, digamos, sua bandeira nacional ou seu símbolo preferido etc. E foi exatamente assim que a dinâmica social se organizou espontaneamente. Por outro lado, pode haver também competição e até conflito entre diferentes comunidades para o controle de uma parte da tela. No total, mais de 6 milhões de usuários colocaram mais de 70 milhões de pixels, e toda a tela foi coberta por um mosaico de imagens e símbolos. A participação no experimento de 2022 representou um aumento de seis vezes no número de usuários em relação a 2017, apenas para dar uma ideia de como, no espaço de alguns anos, essa nova lógica de ação coletiva foi ampliada.
MEDINDO A PARTICIPAÇÃO MEDIADA DIGITALMENTE DE FORMA SIGNIFICATIVA
Se de fato queremos entender o potencial da participação cultural mediada digitalmente, faz pouco sentido nos concentrarmos na difusão individual do ego. A dinâmica mais interessante é a da ação coletiva. Uma vez que as pessoas tenham aprendido a coordenar na escala de centenas de milhares para compor juntos, digamos, a bandeira brasileira em uma tela digital, elas podem igualmente coordenar para implementar novos tipos de economia circular ou de reciclagem de resíduos. Quando tal lógica prevalece, as razões que impedem as pessoas de participar ativamente deixam de fazer sentido – e de ser obrigatórias. Em outras palavras, formas de participação cultural maciça e ativa mediadas digitalmente podem se tornar a base para formas muito complexas de ação coletiva verdadeiramente inclusiva, que podem ajudar os governos e as sociedades a enfrentar inúmeros desafios sob novos ângulos. Em vez de medir a participação como uma soma de comportamentos individuais, concentrando-se no volume individual de conteúdo ou nível de engajamento, é mais útil, portanto, considerar como um cer-
formas de participação cultural mediadas digitalmente devem ser abordadas como fenômenos auto-organizadores gerados por sistemas complexos.
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to padrão social de ação coletiva é realmente moldado, com que escalas de leis e estruturas de rede. Em outras palavras, formas de participação cultural mediadas digitalmente devem ser abordadas como fenômenos auto-organizadores gerados por sistemas complexos (ONYX; LEONARD, 2010).
A dinâmica real do sistema não é impulsionada por uma soma de comportamentos individuais, mas se desdobra na mesoescala por meio da negociação contínua de processos comportamentais de cima para baixo e de baixo para cima. Essa nova perspectiva nos permitirá voltar a considerar a cultura não apenas como um setor industrial promissor cujo interesse está na receita que ela gera e no número total de empregos que ela cria. A cultura, como tem sido durante muito tempo da história humana, pode voltar a ser uma poderosa força social que molda o comportamento coletivo de forma a permitir que nossas sociedades enfrentem nossos desafios evolutivos com novos instrumentos e abordagens. Nossa crescente compreensão dos circuitos biopsicocomportamentais, por meio dos quais os seres humanos respondem aos estímulos culturais, confirma que existe uma profunda lógica evolutiva sobre o motivo de a cultura ter sido esquecida e relegada a uma posição relativamente marginal na agenda política, mesmo sendo tão importante para os seres humanos (STERLING, 2020). Chegou a hora de corrigir isso. E levar a participação digital a sério em termos de sua medição e modelagem. O projeto de plataformas digitais verdadeiramente nativas pode ser o primeiro passo nessa direção.
COMO CITAR ESTE ARTIGO
SACCO, Pier Luigi. A participação cultural na era digital. O que medir e por quê?. Revista Observatório Itaú Cultural, São Paulo, n. 34, 2023.
PIER LUIGI SACCO
é professor de política econômica na University of Chieti-Pescara, conselheiro sênior do Centro de Empreendedorismo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), PMEs, Regiões e Cidades, pesquisador associado do Consiglio Nazionale dele Ricerche (CNR-ISPC), em Nápoles, e pesquisador afiliado da metaLAB em Harvard. Tem atuado como professor visitante, bolsista visitante da Harvard University, professor associado do Centro Berkman-Klein para Internet e Sociedade, da Harvard University, e conselheiro especial do Comissário da União Europeia para Educação, Cultura, Juventude e Esporte. É membro do conselho científico da
Europeana Foundation, em Den Haag, do Conselho Consultivo sobre Inovação Científica da República Tcheca, em Praga, e da Fundação para a Escola do Patrimônio e Atividades Culturais do Ministério da Cultura da Itália. Ministra regularmente cursos e palestras em grandes universidades ao redor do mundo. Atua e presta consultoria internacional nos campos do desenvolvimento local orientado pela cultura e é frequentemente convidado como palestrante principal nas mais importantes conferências de política cultural ao redor do mundo. Já publicou mais de 200 artigos em revistas internacionais e editou livros com grandes editoras internacionais.
NOTAS
1. Aqueles que não requerem configuração prévia do usuário para funcionar.
2. Um tipo de relação unilateral que uma pessoa anônima mantém com uma celebridade.
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3. Comunicação baseada na interação entre emissor e receptor.
REFERÊNCIAS
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Estrutura 5 |
Imagem de Adriano Catenzaro
Impactos da tecnologia digital na mensuração, monetização e participação cultural e criativa
MARCELO MILAN
RESUMO
O presente trabalho avalia as contribuições de Moreau, Navarrete, Rey e Sacco a partir do fio condutor da tecnologia digital. Moreau se concentra na mensuração do consumo criativo em condições de inexistência de preços monetários. Rey avalia como a economia criativa se utiliza do comércio eletrônico para circular bens e serviços. Navarrete considera como os museus e o patrimônio digital proporcionam insumos para novos produtos e para uma infraestrutura de conhecimento. Por fim, Sacco considera os limites da participação cultural e mostra as mudanças necessárias para uma democracia digital.
INTRODUÇÃO
A tecnologia em geral e a tecnologia digital em particular têm proporcionado grandes desafios para as atividades culturais e criativas e para aquele(a)s que se ocupam em oferecer reflexões sobre elas. Os trabalhos aqui avaliados representam uma amostra importante dessas questões. Todos têm como ponto comum os impactos das novas tecnologias na criação, produção, circulação comercial, acesso ou participação e na mensuração daquelas atividades em que a tecnologia reduziu os custos monetários de reprodução ou acesso a zero. O objetivo desta avaliação é sintetizar e articular as contribuições, proporcionando um recorte coerente, ao mesmo tempo que tece alguns comentários críticos a respeito.
Para organizar esse enquadramento, este trabalho propõe dois blocos analíticos: um primeiro considerando os efeitos da tecnologia digital nas transações econômicas das atividades culturais e criativas, apontando para os pressupostos necessários para que as plataformas de comércio eletrônico facilitem uma maior circulação dos bens e serviços (Rey) e os problemas de valoração que se impõem à mensuração dessas transações quando não há preço monetário (Moreau). O segundo bloco considera a questão da participação cultural e como a tecnologia digital a modula, reproduzindo modelos elitistas pré-digitais (Sacco) ou proporcionando insumos para novos produtos e para a infraestrutura de conhecimento (Navarrete).
MONETIZAR OU NÃO MONETIZAR, EIS A QUESTÃO
A contribuição de Rey avalia o impacto da tecnologia na comercialização de bens e serviços criativos, principalmente nas plataformas de comércio eletrônico, com referências à economia criativa e exemplos do setor cultural. Contudo, ela menciona também como o uso das tecnologias digitais e das plataformas estimula a cocriação, a coprodução e práticas de consumo entre criadores e consumidores. Ainda, a adoção da tecnologia da informação pelas pequenas e médias empresas
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(PMEs) permite personalizar produtos, almejar determinados perfis de consumidores e modelos de receita, além de gerenciar relações específicas com os clientes.
o uso das tecnologias digitais e das plataformas estimula a cocriação, a coprodução e práticas de consumo entre criadores e consumidores.
Rey mostra como a pandemia, por exemplo, levou as PMEs a se adaptarem à maior necessidade de efetuar transações via comércio eletrônico. A autora remete aqui à importância do omnicanal no varejo, com a convergência de diferentes modelos de negócios, formas de comércio e meios de pagamentos que conformam um ecossistema. Outro aspecto relacionado a esse ponto enfatizado por Rey é a resiliência do setor criativo, identificada pelo esforço para se adaptar às crises, principalmente por meio da tecnologia, com a criação de novas habilidades e capacidades. Essa adaptabilidade é essencial para a resiliência no longo prazo. A autora avalia que no Brasil, por exemplo, o comércio eletrônico contribuiu para a resiliência da economia criativa.
A plataformização proporciona outros benefícios, como uma maior visibilidade, embora as vantagens dependam do segmento criativo ou cultural. No setor editorial, por exemplo, é possível ter acesso rápido a produtos de nicho, há maior vida útil das publicações, e o gerenciamento de estoques cada vez maiores tem um baixo custo. Há, é claro, também críticas a esse fenômeno, como o acesso limitado às mídias e a perda de independência dos produtores e da pluralidade na mídia, além da influência dos proprietários das plataformas.
O cerne do trabalho de Rey remete especificamente à questão sobre qual parcela da produção cultural e criativa pode ser comercializada eletronicamente, isto é, negociada em plataformas digitais, com a tecnologia, neste caso, permitindo modificar não apenas a produção e a reprodução dos bens e serviços, mas também a sua distribuição. Para trabalhar essa contribuição em conjunto com o texto de Moreau, abordado a seguir, é importante notar que essa parcela de bens e serviços negociada eletronicamente assume a natureza de bens privados, que apresentam algumas características, como a rivalidade no consumo e a exclusão dos não pagantes via preço (é preciso pagar o preço informado para adquirir os produtos) (BENHAMOU, 2007; TOLILA, 2007).
Um problema destacado por Rey e que é familiar ao(à)s pesquisadore(a)s da economia da cultura e criativa é a reduzida disponibilidade de dados. E a literatura também não avança nessas questões. Apesar dos esforços de mensuração do comércio eletrônico ao redor do mundo e na América Latina, as estatísticas ainda não possuem recortes setoriais detalhados para identificar o peso da economia criativa. Rey aborda o indicador do MCC-ENET para mensurar o comércio eletrônico no Brasil, a partir do sistema central de classificação de produtos. As variáveis consideradas no indicador incluem o valor médio dos pedidos, o número de vendas do varejo eletrônico e a receita das vendas eletrônicas. Porém, esse indicador apresenta limitações, como a exclusão de agentes importantes no varejo, das transações internacionais e dos serviços de streaming. E há a dificuldade de enquadramento de alguns itens, como os produtos de crochê. Por fim, há o risco de os estabelecimentos reportarem vendas em estabelecimentos tradicionais e vendas virtuais, e preços ao comprador e preços ao produtor, com pouca diferenciação.
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Como elemento crítico, cabe ressaltar que, embora facilite as trocas, superando a barreira da distância física e dos custos e tempo de transporte, a tecnologia digital também pode excluir consumidores, pois impõe uma condição de acesso aos equipamentos de conexão que a materializam, modificando os “pontos de venda”, e, crescentemente também, aos meios de pagamentos eletrônicos. Ou seja, a realização de transações no comércio eletrônico, digital ou analógico, em geral tem um elevado grau de inclusão tecnológica. E não resolve uma questão de fundo: a formação necessária para consumir bens e serviços culturais em suas diferentes modalidades de distribuição. A facilidade de acesso proporcionada pelas tecnologias digitais possibilita a aquisição de produtos com baixa qualidade cultural, o que possivelmente se reflete em um volume menor de transações comerciais de maior valor simbólico.
embora facilite as trocas, superando a barreira da distância física e dos custos e tempo de transporte, a tecnologia digital também pode excluir consumidores.
nem sempre a monetização é tecnicamente e, principalmente, economicamente possível.
Com relação ao texto de Moreau, embora o título desta seção remeta a uma escolha, nem sempre a monetização é tecnicamente e, principalmente, economicamente possível. E, para que haja comércio de bens e serviços criativos, independentemente da modalidade desse comércio, é preciso que haja um preço monetário conhecido dos agentes. O comércio eletrônico abordado por Rey exige um conjunto de bens e serviços com valor monetário. Contudo, a contribuição de Moreau mostra que a economia criativa é muito ampla e inclui serviços sem preço monetário a ser pago diretamente pelo usuário ou consumidor, como Wikipédia e Facebook. Portanto, definidos os direitos de propriedade intelectual, surge a decisão de disponibilizar serviços sem pagamento pelos detentores do direito de distribuição (reprodução). Mas seriam esses serviços sem valor? Ou apenas sem preço monetário? Como incluí-los no Produto Interno Bruto (PIB) ou em outra métrica?
O trabalho de Moreau discute os problemas associados à mensuração do valor de bens e serviços criativos quando o seu custo monetário aos usuários é zero. Ou seja, eles têm valor de uso (são procurados), mas não têm preço (são consumidos sem desembolso monetário expressivo). Ele lista, então, dois métodos para avaliar o valor de uso dos bens e serviços sem preços monetários a partir da experiência dos consumidores ou usuários: preferências relevadas ou preferências declaradas (stated) por meio de valoração contingente.
O exercício de estimação do valor é geralmente hipotético, ou então lança mão dos métodos da economia experimental, como no caso do Facebook, com transações monetárias efetivas. Nesse experimento, o exercício tenta medir o quanto os usuários estariam dispostos a receber para ficar sem utilizar essa rede social por um mês. Os resultados mostram um intervalo com grande variabilidade, indo de US$ 1 até US$ 1.000, com valor mediano de US$ 48. Este seria, portanto, o valor mediano de uso de um mês de Facebook e que proporcionaria uma métrica diferente para o PIB, o PIB-B. Cabe notar que esse valor mediano representa um preço menor do que três pizzas tradicionais na cidade de Nova York, segundo a plataforma Slice.
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O problema da mensuração surge com o imaterial, pois sua reprodução não exige custos significativos, monetários ou de tempo.
Moreau mostra que o estudo proposto fornece estimativas de valor do chamado excedente do consumidor [diferença entre o preço pago e o preço mínimo que estaria disposto(a) a pagar para cada quantidade ideal a ser comprada] para outros serviços digitais de música e vídeo que são muito maiores do que os preços efetivamente pagos. Ou seja, os consumidores extraem um enorme benefício monetário desses serviços, mesmo não pagando diretamente por eles. Por outro lado, é intrigante que mesmo para transações com preços monetários conhecidos se aplica uma metodologia desenvolvida para estimar justamente o valor imputado dessas transações. De qualquer forma, os resultados do experimento com o Facebook mostram que as receitas objetivas alcançadas com a venda de espaço publicitário pela rede social seriam menores que o valor do excedente do consumidor estimado (seria melhor, para ela, cobrar – se fosse possível). Porém, o excedente do consumidor é uma relação entre preço e quantidade. E a quantidade é algo difícil de mensurar no universo digital, sendo necessário recorrer à medida favorita dos autores clássicos da economia: o tempo. É pouco provável escapar de alguma medida de tempo nestes casos. Por isso que a pesquisa aprovada por Moreau fixa a quantidade em um mês. É claro, o uso diário da plataforma é variável ao longo de um mês, adicionando outros desafios ao método.
Por sua vez, o caso ilustrado pela Wikipédia no trabalho de Moreau é igualmente interessante, pois a enciclopédia digital substituiu as volumosas enciclopédias em papel e couro, remetendo à diferença entre material e imaterial (GREFFE, 2015; TOLILA, 2007). O problema da mensuração surge com o imaterial, pois sua reprodução não exige custos significativos, monetários ou de tempo.
Alguns pontos importantes são levantados pelo texto de Moreau. Em primeiro lugar, como a contribuição seminal de Kahnemann e Tversky (1979) sobre a teoria dos prospectos mostra, a avaliação de “ganhos” (utilizar o Facebook) difere da avaliação de “perdas” (deixar de utilizar o Facebook por um período limitado de tempo) em termos absolutos. E essas avaliações dependem do ponto de partida a ser utilizado como parâmetro comparativo. Ou seja, o experimento não considera a distribuição de renda e riqueza dos participantes (que muitas vezes são atraídos pelo experimento para receber uma renda extra e, portanto, precisam de dinheiro). Para os muitos ricos que porventura utilizem o Facebook, não haveria valor disponível capaz de dissuadi-los de utilizar a plataforma por qualquer período de tempo. Talvez segundos ou nanossegundos. A abordagem do PIB-B igualmente deixa de lado questões como comportamento de vício, que possivelmente distorce a percepção do valor das coisas. Esses problemas derivam do fato de que o método de estimativa considera apenas um lado do mercado: a demanda ou o comportamento dos consumidores. Mas o preço também passa pelas condições de produção e de circulação (comércio). E aqui a tecnologia faz toda a diferença. A questão de fundo remete à diferença entre custo de produção (do protótipo pelo trabalho criativo) e custo de reprodução (que é próximo de zero a partir da tecnologia digital, com o trabalho de reprodução sendo praticamente automatizado e substituído pela computação).
Do ponto de vista da contabilidade social, o problema se coloca pela ótica da despesa, já que o serviço é provido sem um pagamento. Pelo método das partidas do-
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bradas, o consumidor não paga pelo bem e, logo, o vendedor também “vende” de graça. Mas nas economias capitalistas não há bens privados vendidos de graça. E o valor monetário é condição necessária para ter uma medida-síntese ou agregada de todos os distintos bens e serviços produzidos em um determinado território e período. Surge, assim, uma independência da avaliação da demanda (disposição a pagar) diante da oferta (condições tecnológicas de produção e distribuição ou reprodução). De qualquer forma, o serviço deveria entrar no valor do PIB ou, pelo menos, no valor do protótipo, como valor adicionado e como renda dos criadores. Essa questão remete à velha polêmica sobre a relação entre bem-estar e PIB e os indicadores alternativos, como o Índice de Progresso Genuíno (IPG), o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), da Organização das Nações Unidas (ONU), ou mesmo uma métrica de felicidade (FREY, 2009).
Ainda, podemos adicionar outros métodos de estimação ao problema criado para as indústrias culturais e criativas pela tecnologia digital. Há outros serviços “gratuitos” providos na economia e que precisam ser adicionados ao PIB. Por exemplo, durante muito tempo a metodologia de cálculo do PIB se deparou com problema semelhante, a saber: como valorar os serviços públicos não adquiridos no mercado, já que o PIB requer esse tipo de transação para ser calculado? A metodologia utilizada adotava a imputação de um valor dos serviços públicos com base no custo de produzi-los. A mesma questão ocupou as economistas feministas em relação ao valor do trabalho doméstico realizado sem remuneração, em geral pelas mulheres (WARING, 1988). A economia feminista mostra como os serviços domésticos têm enorme valor mas não são remunerados. Qual seria o valor se os serviços fossem ofertados em outras condições, isto é, por um profissional no mercado? O mesmo se coloca no caso do trabalho voluntário no terceiro setor.
O problema com a contribuição dos insumos pode, desta forma, se refletir no próprio preço dos bens e serviços. Por exemplo, os valores dos bens usados não entram repetidamente no valor do PIB quando são transacionados (“reproduzidos”), apenas quando são novos (criados). Um bem usado pode ser transacionado infinitas vezes (ajustando pela possível perda de qualidade) sem que o seu valor seja incluído no PIB (pela própria definição de PIB como fluxos líquidos novos).
Apenas a comissão dos vendedores entra no cálculo, como um serviço intermediário adicional. Questão idêntica surge no caso da valoração da programação da TV aberta. Os telespectadores nada pagam pelos serviços, que têm um custo para serem produzidos. O tempo de cérebro por meio da venda de anúncios, abordado por Tolila (2007), não captaria corretamente o valor da programação avaliado pelos telespectadores, segundo Moreau, assim como no caso do Facebook. Mas talvez as estimativas de valor do excedente do consumidor também não, dados os conhecidos problemas da valoração contingente (honestidade das respostas, proximidade no tempo etc.).
MODOS DE PARTICIPAÇÃO (E DE EXCLUSÃO)
As duas outras contribuições tratam da participação cultural na era digital. O provocativo texto de Sacco argumenta que a promessa de democracia cultural, mais que democratização (SILVA, 2021) por meio das tecnologias digitais, não vem sendo cumprida. Assim, a revolução na participação cultural ainda é uma promessa, pois permanece nas plataformas a lógica pré-digital de produção eli-
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tista para “massagear o ego” de pouco(a)s, além da persistente separação entre produção e consumo. As plataformas servem, na maioria das vezes, para a reprodução de modos particulares de vida nos moldes do formato da TV, com a existência de canais pessoais. O paradigma digital cria um potencial, mas que até o momento não foi realizado.
Diferentemente do modelo do PIB-B discutido por Moreau, o modelo de receita nas plataformas, segundo Sacco, segue o propósito de maximizar a audiência para vender espaço publicitário ou então se engajar na cadeia de valor do setor de publicidade. Mas nem tudo é repetição. A novidade surge nas relações parassociais, com o modelo de seguidore(a)s. Porém, a mudança não é suficiente para ativar canais bidirecionais de comunicação. Desta forma, os ecossistemas digitais reproduzem a assimetria entre poucos provedores de conteúdo e muitos seguidores passivos. A produção nesse universo não é, assim, inclusiva. O autor estima uma distribuição com proporções típicas de 90-9-1. Ou seja, 90% de usuários que apenas compartilham ou comentam a produção de outros, 9% de usuários com produção mas sem audiência, e 1% de superusuários com conteúdo que apresenta muita circulação e exposição. Alguns produtores digitais escapam de fato dos critérios ou filtros usuais de seleção da mídia tradicional. Mas prevalece a desigualdade. O fenômeno identificado por Sacco é equivalente ao que Benhamou (2016), no caso do patrimônio, chama de sistema do estrelato patrimonial (star system).
Como estudos de caso, a equipe de pesquisa de Sacco analisou três plataformas: Wikipédia (mencionada no trabalho de Moreau do ponto de vista do acesso livre), Tik Tok e Twitch. A primeira exige mais conhecimento e expertise do usuário, sendo limitada em termos de participação ampla. Trata-se de fato de uma enciclopédia para uso em pesquisas e atividades de aprendizagem e que exige rigor. O conhecimento requer autoridade. Como Sacco coloca, escrever e editar entradas requer trabalhar com múltiplas fontes, escrever de forma clara, lógica e não enviesada. A especialização do conhecimento dita a seleção de autore(a)s. O mesmo era válido para as enciclopédias publicadas seguindo a tecnologia desenvolvida por Gutemberg. A inclusão aqui não deveria ser avaliada pela capacidade de contribuir, mas pela capacidade de acessar, como analisado por Moreau, ainda que com outra preocupação.
No caso da plataforma de vídeos curtos Tik Tok, as exigências são menos restritivas, inclusive com a disponibilidade de recursos técnicos para produtores de vídeos. É apenas preciso alguma paciência em adquirir conhecimentos de edição para refinar o conteúdo. Com relação aoTwitch, a plataforma disponibiliza performances ao vivo de jogadores de jogos digitais, e praticamente não há barreiras à produção cultural (desde que o produtor conheça o jogo e saiba jogá-lo).
Sacco avalia, então, a questão da motivação ou dos incentivos sociais para a participação nas três plataformas: o nível de atenção ou de aprovação do conteúdo postado. No caso da Wikipédia, a aprovação passa pelos pares (poucos) que conhecem o assunto. Já no Tik Tok, o conteúdo é personalizado e a visibilidade é controlada
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Desta forma, os ecossistemas digitais reproduzem a assimetria entre poucos provedores de conteúdo e muitos seguidores passivos.
por um sistema de recomendação por algoritmos. Existe alguma simetria, pois usuários desconhecidos também podem ter audiência, mas existe a possibilidade de manipulação para atingir o estrelato. No Twitch não há algoritmo. Assim, seria de se esperar que, nos três casos, houvesse possibilidades de inclusão e maior participação, evitando a superexposição de uma minoria de produtores de conteúdo.
Porém, as pesquisas conduzidas pela equipe de Sacco mostram que prevalece o espírito da regra 90-9-1. E, como não há requerimentos técnicos significativos ou falta de incentivos sociais, qual seria a razão? Possivelmente a existência de outras recompensas, incentivando as pessoas a evitar uma participação cultural mais ativa. Haveria recompensa social apenas em se juntar à apreciação coletiva de algo popular (ou o contrário). Há, assim, barreiras psicológicas que reproduzem o sistema de estrelato pré-digital. Na Wikipédia, isso passa por não se sentir apto a contribuir e receber críticas de outros conhecedores. No Tik Tok, ser ignorado ou criticado. E, no Twitch, não ter confiança para ver seu jogo acompanhado por uma grande multidão.
Sacco identifica outra novidade neste caso: uma retomada do caráter novo oral no qual a autoria individual perde importância para a recriação (ou replicação) coletiva (e infinita) dos materiais (por exemplo, os memes). Essa nova forma de relação desconstrói a ideia de propriedade intelectual e de autoria e desenvolve uma nova lógica de participação coletiva. O exemplo fornecido é o projeto de arte colaborativa na plataforma Reddit (arte em pixels), que exige coordenação para que resultados estéticos significativos sejam alcançados. Para Sacco, essa característica coletiva é o aspecto interessante da participação cultural mediada por tecnologias digitais, pois remove as barreiras para a participação cultural ativa (e não apenas). As lições da coordenação da ação coletiva se projetam, então, para outros campos, como a economia circular e a reciclagem. E isso não se mede pelo volume individual de conteúdos postados ou pelo nível de engajamento, mas por diferentes escalas e formação de redes. Trata-se de um fenômeno de auto-organização com fortes implicações sociopolíticas.
O autor rejeita, desta forma, uma visão microeconômica ou aditiva do todo, isto é, o agregado como mero resultado da soma de comportamentos individuais. Ele adota, assim, a visão dos sistemas complexos. A cultura deixa de ser vista como um ramo industrial para ser uma força social que molda o comportamento coletivo. É sobretudo um traço evolucionário. O que Sacco propõe como típico dos ecossistemas digitais é parecido com a bricolagem abordada em Cuche (1999).
A tecnologia digital permite acesso híbrido à informação patrimonial, que pode ser a nova forma de participação cultural: personalizada, interativa (cocriação) e em rede.
Portanto, a mudança tecnológica sem mudança nos valores e comportamentos sociais seria simbolicamente e essencialmente vazia. A participação digital deve ser baseada em criação coletiva, como transformação do paradigma em termos de mudança social e comportamental.
Essa visão de participação cultural diverge daquela proposta por Navarrete. Para esta autora, a participação cultural na era digital deve ser analisada em termos dos insumos para produção cultural. Ela lembra que o patrimônio digital (nato
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ou digitalizado) inclui bibliotecas, arquivos, museus e sítios arqueológicos. A tecnologia possibilita não apenas a representação do patrimônio, mas também proporcionar informação. A tecnologia digital permite acesso híbrido à informação patrimonial, que pode ser a nova forma de participação cultural: personalizada, interativa (cocriação) e em rede.
Contudo, assim como no caso dos serviços criativos livres ou comércio eletrônico, não há consenso sobre como definir ou medir o patrimônio digital. As tentativas remetem aos mesmos pontos levantados no trabalho de Moreau: produto e gasto, produção e custo ou até número de visitas às páginas da Wikipédia sobre os locais dos patrimônios. Uma alternativa seria uma estimativa baseada em renda, mas não há serviços para capturar o valor gerado pela digitalização do patrimônio. O que tem sido feito, então, é considerar o reúso do patrimônio digital para gerar valor, ou seja, o patrimônio como insumo para novas produções. Mas isso depende da facilidade de acesso.
No caso do reúso, a produção é feita pelos consumidores ou mesmo por robôs. Navarrete considera o reúso uma medida da participação cultural das novas gerações. A contribuição dos participantes não se restringe ao consumidor, porém. Há também os centros de pesquisa ou universidades em que atuam desde estagiários até pesquisadores, assim como a indústria, cujo melhor exemplo é o Google, com seus projetos para livros e artes, que utilizam como insumo a produção dos museus. Trata-se, assim, de inovação ou incremento ao conhecimento. Participação, aqui, inclui todo e qualquer tipo de contribuição e criação. Visita a um museu é considerada participação. Mas e a visita à página eletrônica do museu? Um estudo feito na Holanda mostra um elevado volume de visitas (e isto remete a outra questão: a substituição de visitas físicas por visitas virtuais). Há, desta forma, vários tipos e perfis de participação. Aquela que se caracteriza como insumo do ponto de vista do público inclui financiamento (crowdfunding), Pesquisa e Desenvolvimento, ou P&D (ideias), e colaboração aberta (coprodução, copropriedade e cogerenciamento).
Assim como no caso do comércio eletrônico criativo e dos serviços criativos gratuitos, não há contabilização da contribuição nacional do patrimônio digital para as plataformas. Segundo Navarrete, essa mensuração poderia proporcionar alguma evidência das habilidades digitais, produção do capital intelectual, inovação e geração de renda. As medidas aqui incluem o conteúdo disponibilizado na rede mundial de computadores ou o número de horas de contribuição, já que há registro digital das horas computadas. Novamente, a economia clássica sugere possíveis caminhos.
Contudo, Navarrete alerta que os museus precisam mudar seu processo produtivo para permitir contribuições de fontes externas e coletivas. É necessário um marco legal para facilitar a copropriedade, dado que a participação envolve cocriação. Eles têm informação valiosa como matéria-prima, mas não têm estratégia para gerar valor. A matéria-prima neste caso é o material digital disponibilizado pelos museus para ilustrar, por exemplo, os artigos da Wikipédia. O investimento na digitalização dos acervos é significativo: na Europa, cerca de € 450 mil/ano. Mas esse investimento tem efeitos adicionais ao permitir o uso por participantes externos para a produção de novos bens e serviços. Como modelo,
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Navarrete defende que muitas empresas privadas atuam em ecossistemas para trocas colaborativas de dados e obtêm informações de múltiplas fontes para personalizar seus serviços.
Os museus precisam conectar suas informações sobre coleções às redes estruturadas, melhorando seus serviços no processo. Por exemplo, o Museu Nacional da Holanda (Rijksmuseum), em Amsterdã, atua para identificar fotografias antigas e aumentar o valor de reúso delas pela inclusão de informação antes inexplorada. Há neste caso também um ganho para o setor de patrimônio como um todo, na medida em que novas informações corrigem equívocos, por exemplo, na datação das obras. Trata-se de uma importante contribuição para a infraestrutura de conhecimento, que é um insumo para a produção como qualquer outra infraestrutura. A autora cita, ainda, o Projeto CHIM para desenvolver um chatbot para museus. E também a Wikipédia como sistema harmonizado com dados publicamente disponíveis.
Neste último caso, diferentemente de Sacco, Navarrete argumenta que os produtos digitais dos museus são reutilizados em coproduções por um grande número de usuários. E utiliza como ilustração a Wikipédia no Brasil, quantificando o uso do conteúdo dos museus brasileiros na plataforma. Há, assim, quase 1.800 pinturas de 79 coleções, sendo que quase 80% das primeiras ilustram artigos na Wikipédia. Elas estão identificadas na base WikiData e contribuem para a infraestrutura de conhecimento no país, com um elevado número de visualização das coleções. A sugestão de política cultural neste caso seria levantar e disponibilizar informações adicionais e resumidas sobre as obras. Assim, o reforço da dimensão econômica do patrimônio digital e da cultura requer dados de qualidade para reúso e criação (produto) e contribuir para uma infraestrutura de conhecimento baseada em informações, com a participação ativa dos consumidores. A política cultural adequada a essa realidade deve proporcionar infraestrutura para o patrimônio digital. Navarrete finaliza seu artigo enfatizando que o modelo de negócios participativo, a partir das inovações nos serviços dos museus, é para todos. Secco, como apresentado acima, levanta dúvidas sobre essa universalidade, apresentando desde restrições técnicas típicas da Wikipédia até incentivos sociais perversos.
Por fim, é importante ressaltar algumas limitações da abordagem proposta. A participação cultural do público, ao proporcionar uma contribuição na forma de insumo, muitas vezes se confunde com a natureza da instituição que a recebe, não pelo tipo de trabalho feito. Toda a “cadeia produtiva” ampliada que abastece as instituições culturais seria identificada como proporcionando participação cultural. Um eletricista voluntário revisando a fiação elétrica de um museu participa da contribuição cultural (em vez de contribuição técnica para uma instituição cultural). O pessoal da limpeza também proporcionaria uma contribuição cultural ao manter as dependências dos museus limpas. De forma mais precisa, caberia indagar sobre a natureza da participação cultural do ponto de vista dos insumos culturais produtivos efetivos. A participação cultural é sempre motivada de forma instrumental, como uma relação entre meios (insumos) e fins (cultura)? A motivação extrínseca (geração de valor monetário) supera a motivação intrínseca (simbólica)? A tecnologia digital muda as possibilidades de participação, de fato. Mas mudaria também a disposição a participar da cultura?
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CONCLUSÃO
Os trabalhos avaliados representam uma rica contribuição para o conhecimento sobre as transformações e os desafios proporcionados pelas novas tecnologias, em particular as tecnologias digitais, para a cultura e a criatividade. Por um lado, as plataformas permitem novas formas de circulação dos bens e serviços culturais e criativos, com o comércio eletrônico avaliado por Rey. Ao mesmo tempo, a tecnologia possibilita acessar serviços criativos sem qualquer desembolso monetário, o que remete a questões além do comércio. Como mensurar monetariamente atividades disponíveis de graça ao consumidor (mas nem por isso produzidas sem nenhum custo monetário)? Moreau aponta para o PIB-B, com base em valoração contingente, como resposta.
Ao mesmo tempo, o barateamento proporcionado pelas novas tecnologias, que no limite permitem reprodução a custo monetário nulo, também aponta para uma maior capilaridade da produção cultural. Contudo, o estudo de Sacco suscita dúvidas sobre o potencial democratizador das novas tecnologias e suas plataformas. Navarrete oferece uma visão mais otimista, considerando as diferentes possibilidades de interação entre os museus e o público por meio da digitalização. São muitas as questões que esses excelentes trabalhos proporcionam, apontando para novas possibilidades interpretativas e de pesquisa no campo da economia cultural e criativa.
COMO CITAR ESTE ARTIGO
MILAN, Marcelo. Impactos da tecnologia digital na mensuração, monetização e participação cultural e criativa. Revista Observatório Itaú Cultural, São Paulo, n. 34, 2023.
MARCELO MILAN
é professor associado no Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Deri/UFRGS). Atua também, na mesma universidade, como professor permanente no Programa de PósGraduação em Estudos Estratégicos Internacionais (PPGEEI) e no Programa de Pós-Graduação Profissional em Economia (PPECO), do qual é o atual coordenador. Desenvolve pesquisas com o Núcleo de Estudos em Economia Criativa e da Cultura (Neccult), também da UFRGS, tendo efetuado trabalhos para o então Ministério da Cultura e para o Itaú Cultural (IC).
REFERÊNCIAS
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Taipa | Imagem de Adriano Catenzaro
Produto
Interno Bruto
da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas: uma abordagem pela ótica da renda
LEANDRO VALIATI, FILIPE DA SILVA LANG, GUSTAVO MÖLLER E EDUARDO SARON RESUMO
O Produto Interno Bruto (PIB) é um dos principais indicadores utilizados internacionalmente para comparação entre economias. Nesse sentido, a contribuição de um determinado setor para o PIB nacional ajuda a conhecer a sua importância na economia nacional. Este artigo introduz uma nova via de cálculo do PIB para o setor da cultura e das indústrias criativas brasileiro. No lugar da tradicional ótica do produto, foi escolhida a da renda. Para a realização do exercício, foram utilizadas as bases de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Programa de Avaliação Seriada (PAS) e do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), além das prestações de contas da Lei Rouanet e de outras fontes externas para estimar a esfera digital.
INTRODUÇÃO
O tema das indústrias criativas ganhou atenção no final das décadas de 1980 e 1990 (UNESCO, 2009), após sua ampla adoção nas políticas públicas do Reino Unido como parte de uma busca por uma nova dinâmica de desenvolvimento econômico para responder ao processo de globalização emergente. Diferentemente dos tradicionais recursos utilizados nas eras industriais (capital, terra e trabalho), a criatividade é considerada um recurso ilimitado e que pode ser constantemente melhorado por meio da educação, da experiência laboral e da interação humana (DE JESUS, 2021). Em anos mais recentes, a Economia da Cultura e das Indústrias Criativas (Ecic) vem ganhando ainda mais destaque na literatura e aos olhos dos formuladores de políticas públicas, conforme as rendas per capita aumentam e os padrões de consumo migram de produtos para serviços (RODRIK, 2016; BUCKLEY; MAJUMDAR, 2018). Essa mudança estrutural vem revelando o potencial gigantesco de um setor que outrora era marginalizado ou subestimado pelos economistas. Tendo em vista o aumento da relevância do setor, alguns países vêm desenvolvendo pesquisas e estatísticas para melhor entender as capacidades de geração de renda, empregos e encadeamentos da Ecic. Atualmente, a Unesco (2022) estima que a cultura e a criatividade contribuem com 3,1% do PIB mundial e empregam 6,2% da massa de trabalhadores.
Saber a importância das atividades culturais e criativas para a economia brasileira é fundamental para proporcionar visibilidade a esse setor e promover o seu desenvolvimento, bem como o de toda a economia brasileira.
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A lógica é que existe um potencial especial de geração de crescimento econômico em setores que geram valor através da criatividade, especialmente com a crescente importância das atividades baseadas no conhecimento. Saber a importância das atividades culturais e criativas para a economia brasileira é fundamental para proporcionar visibilidade a esse setor e promover o seu desenvolvimento, bem como o de toda a economia brasileira. Segundo Valiati e Morrone (2014), os setores culturais e criativos desempenham uma função crucial nas economias, devendo ser parte integrante de qualquer plano econômico que vise à sustentabilidade do processo de desenvolvimento.
Entre as inúmeras maneiras encontradas na literatura sobre como medir a importância de um setor, podemos agrupar os esforços entre medições de impacto e de contabilização. No mundo, países como Portugal, França, Espanha, Canadá e – especificamente na América Latina – Colômbia, Costa Rica, Argentina, Chile e Uruguai desenvolveram as chamadas Contas-Satélites da Cultura (CSC), em um esforço de produzir estatísticas confiáveis. A CSC contempla um conjunto de informações econômicas (valor adicionado, consumo intermediário, exportações, importações etc.) cuja finalidade é mensurar as transações econômicas de determinados setores não diferenciados nas contas nacionais. No caso do Brasil, os esforços para o desenvolvimento de uma CSC foram realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pelo Ministério da Cultura. Infelizmente, esse esforço metodológico não produziu resultados consistentes e contínuos. Paralelamente, foram desenvolvidos outros esforços (VALIATI; FIALHO, 2017; FGV, 2018; FIRJAN, 2008; FIRJAN, 2022), que contribuíram para a estimação da contribuição da Ecic para a economia brasileira.
Os estudos acima mencionados podem ser traduzidos como estudos de impacto; o presente trabalho, por outro lado, busca apresentar um esforço mais profundo de contabilização das atividades da cultura e das indústrias criativas, por meio do cálculo do seu PIB. O PIB de um país ou região representa a produção de todas as unidades produtoras da economia (empresas públicas e privadas produtoras de bens e prestadores de serviços, trabalhadores autônomos, governo etc.), num dado período (ano, trimestre), a preços de mercado. Tradicionalmente, o PIB é medido através da identidade macroeconômica da contabilidade nacional em que as óticas da renda, do produto e da despesa, por definição, produzem o mesmo resultado em termos de cálculo. Em outras palavras, o Sistema de Contas Nacionais (SCN) estabelece que o PIB pode ser medido olhando as rendas, os produtos ou as despesas (ou gastos) de um país. No entanto, o cálculo do PIB de uma economia ou setor depende da disponibilidade dos dados financeiros sobre transações, impostos, rendas etc. e do nível de desagregação1 de ditos dados, o que faz com que a informalidade seja um grande limitante à medição de certos setores.
Tradicionalmente, o PIB é medido através da identidade macroeconômica da contabilidade nacional em que as óticas da renda, do produto e da despesa, por definição, produzem o mesmo resultado em termos de cálculo.
Por esses motivos, nos países em desenvolvimento as tentativas de calcular a contribuição para o PIB das atividades culturais2 e das indústrias criativas diferem de maneira significativa. Isso ocorre em grande parte devido à ausência de dados e às especificidades dos setores, tais como o segundo emprego, a informalidade e
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o trabalho não remunerado. Desse modo, é importante atentar para as especificidades do setor cultural a fim de minimizar os problemas de estimação. Por outro lado, a criação de novas ferramentas para coleta de dados, e a otimização de outras, torna-se parte relevante do processo de mensuração do setor.
Este artigo busca, além de criar uma frente de pesquisa ao utilizar uma nova ótica de mensuração do PIB, produzir recomendações direcionadas aos coletores de dados para construir uma melhor estrutura de medição. Assim, o PIB da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas brasileiro aqui proposto busca sinalizar necessidades de avanços na disponibilização e aperfeiçoamento da base de dados, simultaneamente cobrindo falhas metodológicas e nuances específicas do setor ainda não endereçadas pela literatura.
De acordo com esse objetivo, este artigo, para além desta breve introdução, está dividido da seguinte forma: a próxima seção busca apresentar os desafios metodológicos originados das especificidades da Ecic e os caminhos metodológicos escolhidos. Na seção seguinte, são apresentados os resultados do exercício de estimação, e, por fim, a última seção traz as conclusões e recomendações direcionadas aos compiladores de dados. Importante ressaltar que detalhes metodológicos do cálculo, assim como tabelas técnicas, encontram-se nos anexos deste artigo e serão referenciados conforme pertinente.
METODOLOGIA
O cálculo do PIB de uma economia ou setor depende da disponibilidade dos dados financeiros sobre transações, impostos, rendas etc. e do nível de desagregação dessas informações. Quando falamos da Ecic, nem sempre as pesquisas aplicadas pelos institutos de estatísticas conseguem capturar as nuances do setor. Muitas dessas nuances acarretam a falta de dados confiáveis que sejam capazes de prover uma estimativa mais precisa do setor.
Devido a essa precariedade, o desafio principal com que os pesquisadores se deparam é o de não cometer subestimação ou superestimação. No caso da primeira hipótese, alguns fatores que contribuem são a não uniformidade da atividade cultural; a falta de registro das atividades nas normas de classificação internacionais ou nacionais (por exemplo, os games); as dificuldades para medir as atividades secundárias e as remunerações oriundas da digitalização do setor; a geração de valor econômico através de intangíveis; a informalidade do trabalho, entre outros3 .
De outra forma, pode haver superestimação devido a um nível de desagregação baixo, o que faz com que se incluam atividades não relacionadas à Ecic nos cálculos. Sobre esse último fator, acreditamos que a contribuição da cultura e das indústrias criativas, quando medida pelo valor agregado, incorre em tais riscos. O baixo nível de desagregação contido nas bases de dados utilizadas pelos pesquisadores, por exemplo em termos de atividades econômicas, gera uma tendência a uma maior captura de ruídos durante os exercícios de estimação.
De maneira geral, o PIB vem sendo medido com base nas óticas do produto e da despesa (BURMAN, 1998; MONTOYA; FINAMORE, 2001; CRUZ; TEIXEIRA; GOMES, 2009; GUILHOTO et al., 2011; IBGE, 2004; IBGE, 2016), segundo as
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quais a soma da contribuição de setores, a um determinado nível de desagregação, permite o cálculo do PIB a partir das contas nacionais disponibilizadas pelo IBGE. Este artigo argumenta, primordialmente, que esses métodos de cálculo –embora utilizem dados robustos – acabam captando ruídos que podem levar a uma superestimação dos valores, já que o nível de desagregação presente nas contas nacionais por setor não permite separar o que é atividade cultural e das indústrias criativas das demais atividades.
Como solução, o trabalho em mãos busca utilizar uma ótica de cálculo inovadora para contornar tais dificuldades metodológicas. Ao avaliar as distintas abordagens utilizadas pela literatura especializada, argumentamos que a abordagem de cálculo do PIB pela ótica da renda pode gerar uma estimação da contribuição para o PIB da Ecic mais acurada ao tomar em conta dimensões e características específicas desse setor. Por dimensões entende-se o estudo separado e de característica mais micro da contribuição das empresas e dos trabalhadores para o PIB. Por características específicas da Ecic entendem-se as outras remunerações encontradas primordialmente nesses setores e as atividades econômicas que os compõem.
DELIMITAÇÃO DA ECONOMIA DA CULTURA E DAS INDÚSTRIAS CRIATIVAS
Além das dificuldades estruturais mencionadas, outro desafio metodológico que pesquisadores da Ecic enfrentam é a delimitação do setor. Entre as diversas metodologias encontradas na literatura, é possível dividir essas abordagens entre dinâmicas e estáticas. As últimas têm como característica a adoção de uma estrutura fixa para os setores criativos; em outras palavras, acreditam que os setores criativos são os mesmos independentemente da economia ou da composição do emprego no setor. Por sua vez, no modelo dinâmico de determinação, adotado neste artigo, reconhecemos que as atividades econômicas, bem como a composição do setor, podem variar de economia para economia e de um período para outro. Conforme economias, estruturas de mercado e requerimentos de habilidades mudam com o passar do tempo, a definição de quais seriam os setores criativos para um país também deve mudar. Ao escolher esse modelo, expressado aqui por meio do modelo de intensidade criativa, este trabalho busca contornar as dificuldades de delimitação e determinar, de acordo com a realidade da economia brasileira e suas características estruturais, onde se localizam as fronteiras da Ecic.
Como mencionado na introdução, o tema das indústrias criativas ganhou atenção no final da década de 1990 no Reino Unido. A lógica é que existe um potencial especial de crescimento econômico em setores que geram valor através da criatividade, especialmente com a crescente importância das atividades baseadas no conhecimento. Por seu papel pioneiro nessa discussão, o governo britânico também foi o primeiro a criar um debate sobre quais seriam as principais atividades econômicas dentro das indústrias criativas, por meio de seu Departamento de Cultura, Mídia e Esporte (DCMS). Ao longo dos anos, essa classificação foi se tornando mais sofisticada, refletindo um fluxo crescente de inovação criativa que se estende por toda a economia, além de atividades tradicionalmente reconhecidas como indústrias criativas. O trabalho de Bakhshi, Freeman e Higgs (2013) trouxe uma forma mais sistemática de avaliar quais setores poderiam ser agrupados como intensos no trabalho criativo.
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Seguindo essa metodologia, este trabalho adota a abordagem de determinação na qual os setores mais criativos são aqueles com maior percentual de trabalhadores criativos sobre o total de trabalhadores empregados. Trabalhadores criativos são definidos como aqueles empregados em ocupações que envolvem criação, inovação e diferenciação e que são realizadas com base nas capacidades intelectuais específicas do trabalhador individual. Para identificar os trabalhadores criativos de forma concreta, o modelo de intensidade criativa traduz esse conceito amplo em cinco critérios de avaliação.
O primeiro critério é a capacidade de engendrar novos processos: ou seja, resolver problemas ou atingir metas de forma inovadora, com o uso claro e frequente da criatividade. O segundo é ser resistente à mecanização, no sentido de que a atividade não pode ser realizada por uma máquina. O terceiro é a não repetição e não uniformidade de função. Mais diretamente, isso significa que, cada vez que a atividade é realizada, o processo de produção é diferente, dependendo das necessidades e dos contextos específicos da tarefa. O quarto critério é a contribuição criativa para a cadeia de valor: ou seja, a atuação do trabalhador em qualquer setor será inovadora e/ou criativa. Por fim, o trabalho produz interpretação, não mera transformação. O trabalhador realmente cria e inova, não apenas copiando, adaptando ou mudando a forma das coisas existentes.
O Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural aplicou os critérios supramencionados à realidade brasileira, mais especificamente nas observações da PNAD Contínua4, e definiu os seguintes setores como criativos, os quais serão adotados neste trabalho: moda; atividades artesanais; editorial; cinema, rádio e TV; música; desenvolvimento de software e jogos digitais; demais serviços de tecnologia da informação; arquitetura5; publicidade e serviços empresariais; design; artes cênicas; artes visuais; e museus e patrimônio. As atividades e ocupações que compõem cada uma dessas categorias setoriais podem ser conferidas nos anexos deste artigo.
METODOLOGIA DE CÁLCULO
Uma vez selecionadas as atividades econômicas e as ocupações setoriais, foram escolhidas as seguintes bases de dados para o cálculo: Relação Anual de Informações Sociais (Rais), Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), Pesquisa Anual de Comércio (PAC), Pesquisa Anual de Serviços (PAS), Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), Tabelas de Recursos e Uso (TRU) do IBGE para contabilização dos impostos e o histórico de prestação de contas da Lei Rouanet. Ao utilizar a Rais, nossa proposta é capturar a composição do tecido empresarial do setor cultural, já que ela cobre 97% das empresas formais brasileiras. A PNADc, por outro lado, cobre tanto o setor formal como o informal e será utilizada para medir a dimensão do emprego, possibilitando a mensuração da massa de salários, segundas remunerações e captura da informalidade do setor. Ao mesmo tempo, a base também será utilizada para calibrar o tecido empresarial do setor para a informalidade. As estatísticas sobre prestação de contas da Lei Rouanet nos ajudarão a entender melhor as dimensões não cobertas pelas duas outras bases de dados, a saber, a flexibilidade do emprego do tipo intermitente ou freelancer. A tabela 1 apresenta um resumo estatístico da amostra utilizada por cada base de dados.
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Fonte: elaboração própria.
De acordo com as identidades básicas da contabilidade nacional, o PIB de um país pode ser calculado pela soma do valor monetário dos produtos, das rendas dos agentes econômicos ou das suas despesas. Desta forma:
PIB=DIB=RIB
Onde PIB é o Produto Interno Bruto da economia calculado pela ótica do produto, DIB é a atividade de uma economia mensurada pela ótica da despesa e RIB é a atividade de uma economia medida pela ótica da renda. Como mencionado anteriormente, devido ao baixo nível de desagregação, entre outros motivos, argumenta-se que a ótica da renda é uma via de cálculo pouco explorada e que pode, para a Ecic, ser uma solução para lidar com as nuances e características do setor.
De maneira simplificada, com a finalidade de calcular o PIB pela ótica da renda, é necessário contabilizar a remuneração do trabalho, o excedente operacional bruto (EOB) e os impostos sobre a produção. Nesse sentido, consideram-se as seguintes variáveis: salários – renda do trabalho6; aluguéis – renda das instalações físicas; lucro – renda sobre o processo de produção; impostos – renda do governo.
O PIB da Ecic pode ser representado da seguinte forma:
PIBSCC=MS+ML+IMP+OR
Onde MS, ou massa salarial, é a soma dos salários dos empregados do setor; ML representa a massa de lucros, isto é, a soma dos lucros das empresas do setor; IMP corresponde aos impostos arrecadados pelo governo no setor; e, finalmente, OR agrupa as outras remunerações do setor, como é o caso daquelas oriundas da digitalização e da Lei Rouanet. A seguir, iremos explorar como cada um desses componentes foi calculado. Os detalhes de ponderações estatísticas mais específicas são apresentados nos anexos deste trabalho.
MASSA SALARIAL (REMUNERAÇÃO DO TRABALHO)
Conforme indicado pela literatura, devido à informalidade característica da economia brasileira, o uso da PNADc no lugar da Rais para inferir sobre a Ecic é crucial (DA SILVA; ZIVIANI, 2021). A Rais, por cobrir 97% das empresas formais brasileiras, vem sendo utilizada como um dos principais instrumentos para aferir sobre o mercado de trabalho das indústrias criativas no Brasil. Não obstante, seu uso como ferramenta principal de medição do setor gera uma série de problemas, sendo o maior deles sua falta de cobertura do setor informal. Dessa forma, a massa salarial
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Base Total Interesse Excluídas Amostra final Fator de expansão PNAD Ocup SCC 1 job 21.222.204 9.012.938 20.884.639 337.565 167.079.643 Ocup SCC 2 job 21.222.204 289.080 21.205.994 16210 7.721.642 Rais Lucro 424.462 424.462 60.988 363.474
Tabela 1: Resumo da amostra
(MS) da Ecic, ou a contribuição dos salários da Ecic para o PIB, foi calculada com base nas ocupações da Ecic presentes na PNADc7. Assim, devido à sua maior abrangência territorial e melhor cobertura das nuances do mercado de trabalho, a PNADc se destaca como uma base de dados sólida para capturar as dinâmicas do primeiro e segundo emprego.
Dessa forma, como estratégia para calcular a MS, foram utilizados os fatores de expansão disponibilizados pela PNADc. Com isso, cada observação contida na base de dados da PNADc passa a representar um determinado número de pessoas, podendo o mesmo exercício ser aplicado para domicílios 8 . No caso particular deste trabalho, cada observação de uma determinada ocupação e seu respectivo salário representa um número xis de ocupações e seus respectivos salários 9. A PNADc contém muitas opções de fatores de expansão; no entanto, em termos de descrição das variáveis que representam os fatores de expansão, elas não mudam de maneira significativa, o que dificulta o trabalho do investigador 10 .
O gráfico 1 apresenta o comportamento da MS por trimestre entre os anos de 2012 e 2021. Observa-se claramente o grande impacto da pandemia de covid-19 nos salários do setor após o primeiro trimestre de 2020 e uma potencial recuperação a partir do último trimestre de 2021.
Gráfico 1: Massa salarial trimestral da Ecic (inclui segundas remunerações e informalidade)
R$20.000.000.000
R$18.000.000.000
R$ 16.000.000.000
R$ 14.000.000.000
R$ 12.000.000.000
R$ 10.000.000.000
R$ 8.000.000.000
R$ 6.000.000.000
4.000.000.000
Embora o valor absoluto da MS da Ecic mostre uma tendência de aumento em termos absolutos nos anos mais recentes, é importante observar que, em termos relativos, a tendência muda de maneira significativa, revelando certa volatilidade.
Para o período de dez anos coberto pela PNADc, a MS da Ecic representou em média 0,19% do PIB nacional.
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R$
R$ 0 0,00% 0,05% 0,10% 0,15% 0,20% 0,25% 0,30% R$
Fonte: elaboração própria a partir de dados da PNADc.
2.000.000.000
2012 1 2012 2 2012 3 2012 4 2013 1 2013 2 2013 3 2013 4 2014 1 2014 2 2014 3 2014 4 2015 1 2015 2 2015 3 2015 4 2016 1 2016 2 2016 3 2016 4 2017 1 2017 2 2017 3 2017 4 2018 1 2018 2 2018 3 2018 4 2019 1 2019 2 2019 3 2019 4 2020 1 2020 2 2020 3 2020 4 2021 1 2021 2 2021 3 2021 4 MS valor absoluto MS trimestral
SEGUNDAS REMUNERAÇÕES
Neste trabalho, as segundas remunerações também são calculadas através da PNADc. A variável V405012, descrita como “valor em dinheiro do rendimento mensal que recebia normalmente nesse trabalho secundário”, é a escolhida para cálculo das remunerações oriundas de um segundo emprego em atividades culturais e das indústrias criativas.
Devido às dificuldades de captura de certas características da Ecic nas pesquisas, argumentamos que é necessário o desenvolvimento de fatores de correção para ajustar as estatísticas obtidas pelas pesquisas à realidade do setor. Apesar da importância do trabalho intermitente ou freelancer e das segundas remunerações, essas remunerações representam, na média, segundo cálculos preliminares, tão somente 1,82% da MS da Ecic. Argumentamos que muitos trabalhadores exercem funções criativas como segundo emprego, isto é, ganham uma renda extra atuando na Ecic enquanto têm como trabalho principal um emprego num setor não relacionado. Além disso, muitos empregos dos setores criativos têm trabalhos intermitentes ou freelancer, que se caracterizam por uma alta informalidade e não são facilmente capturados pelas pesquisas.
O gráfico 2 demonstra o comportamento das segundas remunerações em cada trimestre no período de 2012 até 2021. Na média, as segundas remunerações representam 1,82% da massa salarial da Ecic.
Gráfico 2: Segundas remunerações de acordo com a PNADc Fonte: elaboração própria a partir da PNADc.
Nesse sentido, uma vez que entendemos que o valor das segundas remunerações não é propriamente coberto pela PNADc, um cenário ideal seria o de adicionar um fator de correção à fórmula de cálculo do PIB. Dito fator de ajuste poderia ser calculado com base nos dados da Lei Rouanet. Apesar disso, a base não foi pensada para tal função e, portanto, não tem variáveis necessárias para a realização de dito exercício, já que não foi incorporado, por exemplo, o ano em que foi coletada cada informação. Como consequência, a base de dados apenas não permite comparações de remunerações.
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0,00% 0,50% 1,50% 2,00% 2,50% 3,00% 1,00% 2012 1 2012 2 2012 3 2012 4 2013 1 2013 2 2013 3 2013 4 2014 1 2014 2 2014 3 2014 4 2015 1 2015 2 2015 3 2015 4 2016 1 2016 2 2016 3 2016 4 2017 1 2017 2 2017 3 2017 4 2018 1 2018 2 2018 3 2018 4 2019 1 2019 2 2019 3 2019 4 2020 1 2020 2 2020 3 2020 4 2021 1 2021 2 2021 3 2021 4
MASSA DE LUCROS [EXCEDENTE OPERACIONAL BRUTO (EOB)]
Para calcular a massa de lucros, utilizamos a Pesquisa Anual de Serviços (PAS) e a Pesquisa Industrial Anual – Empresa (PIA-Empresa), ambas do IBGE 11. Tais pesquisas apresentam as estimações de receita bruta total das empresas segundo agrupamentos de setores específicos, em razão da ausência de amostra suficiente para estimar cada setor separadamente. A forma encontrada para estimar um valor de receita bruta apenas para os setores de interesse desta pesquisa é por meio da aplicação de dupla ponderação sobre o valor médio das receitas e despesas dos agrupamentos nos quais os setores culturais e das indústrias criativas estavam inseridos. As grandezas utilizadas para tal ponderação foram a massa salarial (soma dos salários) e a composição do tecido empresarial (tamanho das empresas) de cada setor presente nos agrupamentos no estado e ano correspondente. Para calcular a massa salarial e ponderação por tamanho das empresas, foram utilizadas as bases de dados da PNADc e da Rais para MS e tamanho das empresas, respectivamente.
Para calcular a ML12, foi extraído o total de empresas da Ecic da Rais. Nesse sentido, podemos argumentar que o exercício em mãos é capaz de cobrir pelo menos 97% das empresas formais da Ecic. É importante notar que, além das características já mencionadas, a Ecic apresenta uma predominância de micro e pequenas empresas, conforme demonstrado no gráfico 3. Dito fato estilizado é de imprescindível importância para controlar a ML para outliers13, já que valores para lucros muito altos no contexto de um setor com predominância de pequenas empresas podem distorcer consideravelmente os resultados do exercício. Como pode ser visto no gráfico 3, a participação de micro e pequenas empresas no setor supera de maneira considerável a participação das empresas de maior porte.
Gráfico 3: Empresas da Ecic por porte
Fonte: elaboração própria a partir de dados da Rais.
Por último, a não cobertura da informalidade gera dois efeitos sobre a ML. Primeiro, o número de empresas que constituem a Ecic diminui de forma significativa, o
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100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Sem empregados De 500 a 999 1.000 ou mais De 1 a 4 De 50 a 99 De 100 a 249 De 250 a 499 De 5 a 9 De 10 a 19 De 20 a 49 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021
que coopera para que ocorra uma subestimação dos valores. Segundo, o lucro médio do setor acaba sendo superestimado, já que empresas formais têm maior probabilidade de obter lucros maiores. Conforme mencionado anteriormente, essas dificuldades foram contornadas com o uso de uma dupla ponderação.
Assim como no caso da MS, o cálculo da ML da Ecic é um dos pilares para compreender a contribuição do PIB da Ecic para o PIB nacional. Para o ano de 2020, a ML da Ecic representou cerca de 2% do PIB nacional. O gráfico 4 mostra a evolução da ML desde 2012.
R$ 160.000.000.000
R$ 140.000.000.000
R$ 120.000.000.000
R$ 100.000.000.000
R$ 80.000.000.000
R$ 60.000.000.000
R$ 40.000.000.000
REMUNERAÇÕES EXTRAÍDAS DO DIGITAL
Apesar de sua crescente importância para a Ecic, o levantamento e a inserção nas contas nacionais dos dados de consumo de bens e serviços culturais e criativos digitais ainda são muito incipientes, especialmente nas estatísticas do PIB (MOREAU, 2022). Rey (2022) argumenta que existe também um campo inexplorado em termos de estatísticas no e-commerce para a economia digital, campo esse que ganhou força devido a uma tendência de “plataformização” dos bens e serviços oferecidos pela economia criativa e que vem gerando uma demanda aquecida pela monetização e disponibilização de bens e serviços culturais on-line. Todos esses fatores não são atualmente propriamente computados no cálculo do PIB dos setores criativos.
Uma das grandes dificuldades de mensurar o âmbito digital da Ecic está na característica de que muito do consumo desses bens não é pago pelo consumidor; em outras palavras, os serviços são oferecidos de graça, são trocados por dados dos consumidores (como no caso das plataformas digitais não transacionais) ou os consumidores são subsidiados pela compra de propaganda. Dessa forma, a menos que a
Uma das grandes dificuldades de mensurar o âmbito digital da Ecic está na característica de que muito do consumo desses bens não é pago pelo consumidor; em outras palavras, os serviços são oferecidos de graça, são trocados por dados dos consumidores (como no caso das plataformas digitais não transacionais) ou os consumidores são subsidiados pela compra de propaganda.
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Ano
R$ 0 0,00% 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 0,50% 1,50% 2,00% 2,50% 1,00%
ML ML valor absoluto R$ 20.000.000.000
Gráfico 4: Massa de lucros da Ecic
Fonte: elaboração própria a partir de dados da RAIS e da PNADc.
ótica da renda seja aplicada, dificilmente o âmbito digital da Ecic será capturado no cálculo do PIB (MOREAU, 2022)14 .
O gráfico 5 mostra a participação das remunerações oriundas do digital. O baixo valor observado não está necessariamente relacionado à pouca relevância da digitalização na Ecic. Apontamos que as dificuldades de medição dessas remunerações são a principal causa do baixo valor observado. A Unesco (2022) destaca que, em 2020, 62,1% do total das receitas globais de música gravada veio de streaming, e as assinaturas de vídeo sob demanda ainda estão aumentando. Dessa forma, é seguro dizer que existe uma defasagem entre o que se produz e aquilo que pode ser contabilizado quando se trata das remunerações oriundas da digitalização, principalmente da parte cultural.
800.000.000
600.000.000
Além das remunerações já mencionadas, o gig economy, um tipo de trabalho intermitente que tem como característica a contratação e realização pela internet, é outra consequência da digitalização que o trabalho não foi capaz de medir por falta de dados. Nesse sentido, é necessário aumentar a cobertura e inovar em termos de coleta de dados estatísticos para conseguir enfrentar os desafios de medição impostos pela economia digital. Acordos entre plataformas digitais e governos poderiam gerar uma fonte de informação estatística adicional para os institutos de estatística.
INDICADORES EXTRAÍDOS DA LEI ROUANET
Os dados da Lei Rouanet revelam um grande potencial, uma vez que a base de dados extraída permite a visualização de inúmeras atividades econômicas e modelos de contratação, sendo, assim, uma ótima via para cálculo do trabalho intermitente ou freelancer e para o desenvolvimento de uma proxy para os aluguéis (aluguel de equipamento de som, roupas, espaços de exposição etc.), tão importantes para a Ecic.
Os dados da Lei Rouanet 15 revelam um grande potencial, uma vez que a base de dados extraída permite a visualização de inúmeras atividades econômicas e modelos de contratação, sendo, as -
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R$
R$
R$
R$
R$ 1.200.000.000 R$ 0 0,0000% 0,0020% 0,0040% 0,0060% 0,0080% 0,0100% 0,0120% 0,0140% 0,0160% 0,0180% 0,0200% Ecad SCC digital 2017 0,017% 2018 0,016% 0,015% 2019 0,012% 2020 0,012% 2021
200.000.000 R$ 400.000.000
1.000.000.000
Gráfico
5: Rendas da digitalização
Fonte: elaboração própria a partir de dados do Ecad.
sim, uma ótima via para cálculo do trabalho intermitente ou freelancer e para o desenvolvimento de uma proxy para os aluguéis (aluguel de equipamento de som, roupas, espaços de exposição etc.), tão importantes para a Ecic. A base de dados extraída conta com quase 600 mil observações e cobre o período que vai de 2009 até o primeiro semestre de 2022. O gráfico 6, abaixo, apresenta a distribuição dos valores de todas as categorias consideradas aluguéis na base de dados da Lei Rouanet 16 .
Gráfico 6: Dados da Lei Rouanet (gráfico em log)
Apesar da riqueza encontrada nos dados extraídos e da possibilidade de serem feitas análises ocupacionais e de desigualdade de acesso à cultura por região e município, a base de dados não proporciona ao pesquisador um ferramental adequado para certas comparações, como é o caso da comparação entre remunerações. Como mencionado anteriormente, os dados da Lei Rouanet foram introduzidos com o objetivo de demonstrar o seu potencial dessas informações, apesar das restrições metodológicas que apresentam, principalmente a falta de informações sobre a data.
A tendência de queda observada no gráfico 7 pode ser explicada pela falta de uma unidade temporal na base de dados das prestações de contas da Lei Rouanet. Como consequência, a simples média da soma dos aluguéis entre os anos de 2009 e 2022 não permite que identifiquemos qual valor corresponde aos respectivos anos. Desta forma, o valor dos aluguéis extraídos da base de dados se mantém fixo, enquanto o valor do PIB varia, devido a fatores como a inflação e o crescimento da economia brasileira. O valor fixo dos aluguéis representa menos com o passar dos anos.
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preçomédio_1_99_log Densidade 0 0 1 2 3 5 10 15
Fonte: elaboração própria com base em dados extraídos do SalicNet.
Com a combinação de bases de dados, argumenta-se que seja possível o desenvolvimento de uma proxy para mensurar a massa de aluguéis da Ecic. Devido às limitações encontradas na base de dados da Lei Rouanet, o desenvolvimento da proxy fica como uma agenda de pesquisa. A análise dos dados da prestação de contas da Lei Rouanet mostra que as contratações do tipo intermitente ou freelancer17 representam 32,8% de todas as contratações da base de dados e, em termos de valor, representam 32,65% da soma das prestações de contas.
IMPOSTOS SOBRE A ECIC (REMUNERAÇÃO DO GOVERNO)
Assim como no caso dos lucros, salários e aluguéis, que são remunerações, ao adotar a ótica da renda, é importante calcular a remuneração do governo extraída da Ecic. Essas remunerações são os impostos pagos pelos agentes econômicos do setor e os impostos incidentes no exercício de produção criativa e cultural. Desta forma, seriam os impostos pagos pelos trabalhadores e empresas e os impostos sobre produtos, serviços e a produção.
Os impostos sobre produtos são aqueles pagos por unidade do bem ou serviço, que incidem sobre a produção, venda, importação, ou quando o bem ou serviço é exportado, transferido, entregue ou mesmo destinado ao consumo próprio e à formação de capital próprio. Já os outros impostos sobre a produção abrangem os impostos sobre a mão de obra utilizada ou remunerações pagas e taxas incidentes sobre o exercício de atividades econômicas específicas18
Desta forma, são contabilizados os impostos19 sobre: a remuneração dos empregados, formada pelos salários, pelas contribuições sociais efetivas e contribuições sociais imputadas; rendimento misto bruto; excedente operacional bruto; impostos sobre a produção e importação; e subsídios à produção e à importação (com sinal negativo)20
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Gráfico 7: Dados da Lei Rouanet
Fonte: elaboração própria com base em dados extraídos do SalicNet.
0,00000% 0,00002% 0,00004% 0,00006% 0,00008% 0,00010% 0,00012% 0,00014% 0,00016% 0,00018% 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021
Aluguéis na Lei Rouanet
Para calcular a remuneração do governo, foram utilizadas como base de dados as Tabelas de Recursos e Usos (TRU), mais especificamente as tabelas nível 20 – 2010-2020 – nível de divisão da CNAE 2.0, disponibilizadas pelo IBGE21. A tabela mencionada possui informações desagregadas por CNAE e possibilita a obtenção de informações das relações setoriais entre os agentes da economia brasileira (governo, famílias e empresas). O gráfico 8, abaixo, demonstra a remuneração do governo desde 2012 oriunda da Ecic.
Para o cálculo da remuneração do governo, foi extraído das TRU o total de impostos líquidos de subsídios para os setores de “artes, cultura, esporte e recreação23” e “informação e comunicação”. Como pode ser visto no gráfico 8, a arrecadação com a Ecic vem caindo nos últimos anos. Parte dessa queda pode ser explicada pelas políticas de austeridade colocadas em prática durante o governo Dilma, uma vez que a redução nos gastos públicos está associada a uma redução das receitas do governo (MELLO; ROSSI, 2017).
A baixa representação das segundas remunerações, aluguéis e remunerações extraídas do digital de certa forma distorce a composição e valor.
RESULTADOS
O gráfico 9 apresenta o resultado do exercício de mensuração do PIB da Ecic desagregado pela massa salarial, massa de lucros, remuneração do governo, aluguéis (Lei Rouanet) e remunerações extraídas do setor digital. Os valores apresentados são relativos ao PIB nacional a preços de mercado24. Como pode ser observado, o PIB da Ecic seguiu de perto a dinâmica da economia brasileira. Assim como no caso da economia brasileira, após 2015 o setor sofreu uma queda relativamente forte – derivada das políticas de austeridade e do consequente período de recessão –, seguida de um período de recuperação.
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Artes, cultura, esporte e recreação Informação e comunicação Remuneração do governo 0% 0% 0% 1% 1% 1% 1% 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 1,044% 1,002% 0,940% 0,876% 0,886% 0,896% 0,876% 0,861% 0,855%
Gráfico 8: Remuneração do governo sobre a Ecic
Fonte: TRU22 – IBGE.
A massa de lucros e os impostos representam uma parte significativa do PIB da Ecic. Argumentamos que essa dinâmica é uma consequência das características do setor, como é o caso da presença de pequenas empresas sem empregados e MEIs 25, e das dificuldades de mensuração já apontadas por este estudo. Em outras palavras, a baixa representação das segundas remunerações, aluguéis e remunerações extraídas do digital de certa forma distorce a composição e valor 26 .
Gráfico 9: PIB da Ecic
Além do PIB nacional, é muito comum o cálculo do PIB para segmentos menores de uma economia, como é o caso do cálculo do PIB dos estados e municípios, que no Brasil é feito pelo IBGE. Nesse sentido, os estados já conhecidos pela literatura se destacaram como os principais em termos de participação. O estado de São Paulo aparece como um outlier nesse contexto, já que sua participação no PIB da Ecic supera de maneira considerável a participação dos outros estados. Os estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul se destacam como o segundo grupo, já que sua participação é percentualmente muito próxima.
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Fonte: elaboração própria. 0,00% 0,50% 1,00% 1,50% 2,00% 2,50% 3,00% 3,50% Impostos ML Digital MS Lei Rouanet PIB Ecic 2,72% 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2,48% 2,79% 3,04% 2,29% 2,48% 2,37% 2,81% 3,11%
Gráfico 10: Estimação do PIB da Ecic, percentual de contribuição por estado
CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
Como visto anteriormente, a contribuição da Ecic para o PIB nacional representa aproximadamente 3,1% para o ano de 2020. Para 2022, argumenta-se que a recuperação pós-pandemia do setor fará com que a representação deste aumente, o que pode ser interpretado como uma contribuição sólida para o crescimento da economia brasileira. No entanto, e apesar dos avanços em matéria de reconhecimento da importância da Ecic nos últimos anos, o presente estudo mostra que esses avanços não necessariamente se traduziram em melhores estatísticas para o setor.
Não obstante seus melhores esforços, os pesquisadores da economia criativa acabam trabalhando com dados não tão precisos ou inexistentes, o que pode dar lugar a uma má formulação de políticas de fomento para o setor ou contribuir para maiores taxas de desemprego e informalidade. Como solução aos desafios estatísticos e metodológicos revelados por este estudo está a colaboração entre Estado e setor privado na produção de dados para melhor entender a Ecic.
Ao utilizar uma abordagem que inclui vários aspectos novos para o cálculo do PIB da Ecic, buscamos abrir uma nova frente de pesquisa na literatura do setor e, assim, fugir ou aprimorar o que vem sendo feito nos últimos anos pelos pesquisadores dessa área. As recomendações originadas a partir desse exercício são fruto das limitações encontradas durante sua realização, que neste caso se concentram nas limitações de dados, seja por não disponibilidade ou por disponibilização não adequada à pesquisa econômica.
• É muito importante para a Ecic a disponibilização de microdados sobre receitas e lucros, isto é, tornar público o acesso a dados muitas vezes já coletados pelas pesquisas existentes sobre esses itens.
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52,70% 8,12% 7,97% 7,95% 7,24% 5,097% 1,46% 1,36% 1,14% 1,08% 1,08% 0,90% 0,70% 0,65% 0,57% 0,41% CE 0,13% 0,13% 0,19% AL 0,35% 0,28% MA RO 0,13% 0,13% PI 0,03% AP 0,02% 0,02% RR 0,11% SP MG PR DF BA GO MS Fonte: elaboração própria.
• Disponibilizar e organizar uma base de dados sobre a prestação de contas da Lei Rouanet poderia agregar muito valor ao setor, criando uma ótima ferramenta para pesquisas sobre a Ecic. Entre as muitas aplicações possíveis está a do uso desses dados como ferramenta para identificar desigualdades de acesso à produção cultural.
• A informalidade na Ecic requer especial atenção, pois se trata de uma característica intrínseca que muitas vezes é o padrão de relacionamento entre os atores, e não uma condição, como visto em outros setores.
• A digitalização da Ecic avançou a passos largos nos últimos anos; ao mesmo tempo, também vem avançando a participação das rendas oriundas do digital no PIB da Ecic. No entanto, a capacidade de gerar estatísticas sobre as transações realizadas no âmbito digital não acompanhou esse desenvolvimento. Dessa forma, um esforço de mapeamento dessas transações poderia contribuir de maneira significativa para uma melhor mensuração do PIB do setor e compreensão das transformações derivadas da digitalização.
• O esforço mencionado anteriormente também é relevante para compreender e mensurar as exportações do setor, principalmente aquelas feitas através de plataformas digitais (streaming, freelancer etc.).
• É clara a predominância das MPMEs na Ecic. Formuladores de políticas devem ter uma especial atenção nessas empresas durante o processo de formulação de políticas.
• No que tange aos dados de Imposto de Renda (IR) desagregados por CNAE, foi encontrada uma grande diferença entre a descrição das informações disponíveis e a base de dados disponibilizada pelas agências oficiais e tão importantes para esse exercício. Desta forma, uma melhor disponibilização desses dados poderia melhorar a capacidade de mensuração do PIB Ecic.
• Acordos entre governos e plataformas digitais podem ajudar a mapear o gig economy27 e remunerações oriundas de streaming, plataformas de e-learning etc. que vêm revolucionando as relações no setor.
COMO CITAR ESTE ARTIGO
VALIATI, Leandro et al. Produto Interno Bruto da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas: uma abordagem pela ótica da renda. Revista Observatório Itaú Cultural, São Paulo, n. 34, 2023.
LEANDRO VALIATI
é economista e ph.D. em desenvolvimento econômico, com pós-doutorado em indústrias criativas pela Universidade Sorbonne Paris 13 (França). Atualmente é professor de indústrias culturais e criativas na Universidade de Manchester, no Reino Unido. Mantém posições como professor licenciado da Universidade Federal do Rio Gran-
de do Sul (UFRGS, Brasil), professor visitante na Universidade Queen Mary de Londres (Reino Unido) e na Universidade Sorbonne Paris 13 (França).
FILIPE DA SILVA LANG, pesquisador da Catavento Pesquisas, é formado em economia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e mestre em economia da indústria e da inovação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
GUSTAVO MÖLLER, sócio-fundador da Catavento Pesquisas, é bacharel em relações internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mestre e
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doutorando em estudos estratégicos internacionais na mesma instituição. Atua como consultor na área de economia criativa e da cultura desde 2014.
EDUARDO SARON
é presidente da Fundação Itaú para Educação e Cultura.
NOTAS
1. O nível de desagregação dos dados refere-se a quanto do dado bruto original é disponibilizado para consulta. Dados com nível de desagregação alto são aqueles em que é possível acessar unidades menores de dados, enquanto os de desagregação baixa são aqueles em que somente é possível acessar unidades maiores.
2. Valiati e Morrone (2014) definem a atividade cultural como um conjunto de produtos e atividades humanas cuja principal finalidade seja criar, expressar, interpretar, conservar e transmitir conteúdos simbólicos.
3. Adicionalmente, parte da produção cultural não é precificada, mas se caracteriza pela geração de encadeamentos, como é o caso de exposições de arte em museus, movimentos culturais independentes etc. Navarrete (2022) destaca também a contribuição econômica, porém não precificada ou contabilizada, da produção cultural presente nos repositórios on-line, museus online etc., enquanto Sacco (2022) discute sobre a incapacidade do Sistema de Contas Nacionais tradicional em capturar as novas produções culturais produzidas através das mais distintas plataformas digitais existentes.
4. Cauzzi (2019) demonstra que utilizar a Rais como principal instrumento para medir a
intensidade criativa da economia brasileira, por não retratar em seus dados o trabalho informal ou autônomo, configurações de trabalho comuns nas ocupações culturais e criativas, acaba enviesando os resultados do exercício de determinação da intensidade criativa. Nesse sentido, a PNAD Contínua, pesquisa realizada pelo IBGE, apresenta a vantagem de captar o trabalho informal juntamente com o formal.
5. Relembra-se que a arquitetura, no nível de desagregação disponível, está contabilizada juntamente com os serviços de engenharia, de atividades técnicas relacionadas à arquitetura e à engenharia e de testes e análises técnicas (quadro 2). Como os arquitetos fazem parte do grupo de trabalhadores criativos e os engenheiros não fazem parte, espera-se que o setor de arquitetura, separadamente, possua uma intensidade mais alta do que o setor de engenharia.
6. Além das variáveis mencionadas, os juros, renda do capital, deveriam ser inseridos no cálculo. No entanto, as bases de dados atuais não permitiram a inclusão dessa variável.
7. A PNADc substituiu a aplicação da PNAD Anual, encerrada em 2015, e busca acompanhar indicadores populacionais e sobre o mercado de trabalho formal e informal no país. Essa pesquisa possui periodicidade trimestral para a divulgação padrão e com maior conjunto de indicadores, todavia existem publicações mensais, anuais e variáveis que complementam as informações trazidas pela pesquisa. A PNAD e a PNADc vêm sendo utilizadas amplamente para estudos sobre o mercado de trabalho da indústria criativa e cultura (FERREIRA
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NETO; FREGUGLIA; FAJARDO, 2012; DA SILVA; ZIVIANI, 2021; OLIVEIRA; ARAÚJO; SILVA, 2013; MACHADO et al., 2021).
8. Informação detalhada sobre as variáveis pode ser encontrada no dicionário da PNADc: dicionario_ das_variaveis_microdados_ PNADC_maio_2015.xls (live.com)
9. Os fatores de expansão disponibilizados pela PNADc são calculados em nível dos municípios, isto é, a distribuição nacional é a soma das distribuições em nível de municípios.
10. A expansão da amostra foi feita através da variável V1028, que tem como descrição e referência técnica os seguintes textos: peso do domicílio e das pessoas 6 dígitos e 8 casas decimais; e peso trimestral com correção de não entrevista com calibração pela projeção de população.
11. Na PAS, foi utilizada a soma da receita bruta de prestação de serviços, de revenda de mercadorias e de outras atividades. No caso da PIAEmpresa, foi utilizada a receita total para empresas industriais.
12. Infelizmente os dados atualmente em domínio público não permitem uma análise mais elaborada da relação entre lucros e tamanho das empresas da Ecic, já que não é possível discriminar lucros pelo tamanho das empresas com as bases de dados utilizadas neste estudo.
13. Um valor que foge da média ou é atípico para a série apresentada, podendo representar prejuízo à interpretação dos resultados. O controle de outliers foi feito através do método winsorization, e mais detalhes podem ser encontrados no anexo deste documento. Winsorization refere-
se à alteração do valor de um outlier pelo valor da observação mais próxima que não é um outlier. No caso de valores muito altos, embora seja possível que a remuneração de um indivíduo seja tão elevada, como é o caso de um artista de renome, essa única observação não é representativa no que diz respeito ao universo.
14. Ao mesmo tempo, bens culturais ou tecnológicos, como músicas e repositórios na internet, geram mais valor do que o que se pode estimar à primeira vista. Em outras palavras, o benefício social desses bens não é contabilizado nos cálculos do PIB. E é de suma importância o desenvolvimento de ferramentas e iniciativas para melhor mensurar a contribuição desses bens e serviços para a atividade econômica (BRYNJOLFSSON; COLLIS, 2019).
15. Para extrair os dados da Lei Rouanet, foi utilizada uma ferramenta chamada web scraping (raspagem de dados), em que é feita uma extração de dados da web. O uso dessa ferramenta foi necessário devido à inexistência de uma base de dados estruturada.
16. Para chegar ao formato de distribuição apresentado no gráfico 6, os valores foram “winsorizados” para controle de outliers através de cortes nos centis 1 e 99.
17. Foram consideradas como contratação intermitente ou freelancer as contratações classificadas na base de dados como cachê, projeto ou serviço.
18. Disponível em: https://ftp. ibge.gov.br/Contas_Nacionais/ Sistema_de_Contas_Nacionais/ Notas_Metodologicas_2010/19_ margens_e_impostos_20200928. pdf. Acesso em: 11 dez. 2022.
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19. Fontes de informação e tipos de impostos recopilados: Imposto de Importação e Exportação; IPI; Imposto de Renda; IOF; Cofins; PIS/Pasep CSLL; CPMF; Outras Receitas Administradas pela RFB. Fontes de informação: STN; SiafiI; FGTS; Sesc; Sesi; Senai; Senac; DIPJ; Cempre (IBGE); Finbra.
20. Além dos impostos supracitados, é importante medir a arrecadação do Imposto de Renda sobre Pessoa Física (IRPF) das atividades econômicas da Ecic. Infelizmente, apesar de estar presente no site do governo brasileiro (https://dados.gov.br/ dados/conjuntos-dados/resultadoda-arrecadacao), existem poucos dados sobre esse tipo de arrecadação.
21. Disponível em: https://www.ibge. gov.br/estatisticas/economicas/ servicos/9052-sistemade-contas-nacionais-brasil. html?=&t=resultados. Acesso em: 13 dez. 2022.
22. Disponível em: https://ftp.ibge. gov.br/Contas_Nacionais/Sistema_ de_Contas_Nacionais/2017/ indice_de_tabelas.pdf. Acesso em: 13 dez. 2022.
23. O nível 20 de desagregação das TRU não permite a separação entre artes, cultura, esportes e recreação. Para tanto, seria necessário utilizar tabelas mais desagregadas, o que demandaria um esforço empírico e de tempo que foge ao escopo de tempo deste trabalho.
24. Sistema de Contas Nacionais Trimestrais | IBGE. (https://www.ibge.gov.br/ estatisticas/economicas/ contas-nacionais/9300contas-nacionais-trimestrais. html?=&t=series-historicas&utm_ source=landing&utm_ medium=explica&utm_
campaign=pib#evolucao-pib)
25. A presença de Microempreendedores Individuais (MEI) no setor infelizmente não pode ser medida com as bases de dados utilizadas neste estudo.
26. Em 2020, o PIB da Ecic foi composto da seguinte forma, em ordem decrescente: massa de lucros (2,04%); impostos (0,86%); massa salarial (0,20%), digital (0,01%) e Lei Rouanet (0,0001%).
27. O gig economy, ou trabalho intermitente, é uma das novas modalidades de emprego que estão ganhando força e impactando os mercados de trabalho ao redor do mundo, mas há anos está totalmente integrado na Ecic. Para alguns profissionais da Ecic, o trabalho intermitente é um complemento a uma remuneração principal que não necessariamente é oriunda de uma ocupação cultural ou criativa. No caso de atores, músicos, técnicos de TI e desenvolvedores, entre outros profissionais, a remuneração intermitente, na média, se caracteriza como sua principal fonte de renda. Desta forma, o gig economy pode ser utilizado por profissionais que buscam uma renda suplementar, empregos temporários durante períodos de transição laboral e flexibilidade. Em muitos casos, esse trabalho é desempenhado por meio de plataformas digitais que fazem a conexão entre empregadores, trabalhadores e clientes. Apesar da flexibilidade laboral e das oportunidades de empreendedorismo, a instabilidade nas remunerações e a ausência de direitos fazem com que esse tipo de trabalho seja caracterizado pela informalidade e receba status de precarização.
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Anexos
ANEXO A – BASES DE DADOS UTILIZADAS
Relação Anual de Informações Administrativas (Rais)
A pesquisa fornece informações sobre a atividade trabalhista formal no país, com dados relacionados a empresas e trabalhadores. Os dados coletados são fornecidos pelos empregadores e pessoas jurídicas, em regime anual. As bases de dados são apresentadas de duas formas diferentes: a partir da ótica dos empreendimentos e dos trabalhadores assalariados. A Rais, por cobrir 97% do emprego formal brasileiro, vem sendo utilizada como um dos principais instrumentos para aferir sobre o mercado de trabalho da cultura no Brasil. Não obstante, seu uso como ferramenta principal de medição do setor gera uma série de problemas, sendo o maior deles sua falta de cobertura do setor informal. Por esse motivo, Da Silva e Ziviani (2021) argumentam que a PNAD seria o instrumento mais adequado para medir o mercado de trabalho do setor da cultura.
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADc)
A PNADc substituiu a aplicação da PNAD Anual, encerrada em 2015, e busca acompanhar indicadores populacionais e sobre o mercado de trabalho formal e informal no país. Essa pesquisa possui periodicidade trimestral para a divulgação padrão e com maior conjunto de indicadores, todavia existem publicações mensais, anuais e variáveis que complementam as informações trazidas pela pesquisa.
Devido a sua maior abrangência territorial e melhor cobertura das nuances do mercado de trabalho, a PNADc se destaca como uma base de dados sólida para capturar as dinâmicas do primeiro e segundo emprego, assim como as respectivas horas trabalhadas, tão necessárias para o mapeamento e cálculo dos salários obtidos no setor cultural. Ao combinar duas bases de dados com cobertura nacional dos empregados formais, espera-se obter uma medida mais acurada dos salários recebidos no setor. Ao mesmo tempo, o uso da PNADc gera a possibilidade de captura das remunerações suplementares, isto é, trabalhadores com ocupação principal em outro setor, mas com segunda ocupação no setor cultural.
Pesquisa Anual de Comércio (PAC)
A Pesquisa Anual de Comércio (PAC)1 existe desde 1988 e tem como unidade de investigação a empresa comercial formalmente constituída cuja principal fonte de receita é a atividade comercial. Seu objetivo principal é levantar informações sobre as características estruturais básicas das empresas que sobrevivem da atividade comercial. São levantadas as seguintes informações econômico-financeiras: receitas bruta e líquida; margem de comercialização; número de empresas e de unidades locais; pessoal ocupado; gastos com pessoal; despesas financeiras, operacionais e não operacionais; compra e estoques de mercadorias para revenda; aquisições e baixas do ativo imobilizado, entre outros aspectos. A periodicidade da pesquisa é anual. Sua abrangência geográfica é nacional, com resultados divulgados para Brasil, Grandes Regiões e Unidades da Federação.
REVISTA OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL #34 PIB DA ECONOMIA DA CULTURA 94
1 Disponível em: Pesquisa Anual de Comércio | IBGE. Acesso em: 12 dez. 2022.
Pesquisa Anual de Serviços (PAS)
A Pesquisa Anual de Serviços (PAS)2 é divulgada anualmente e tem como objetivo o levantamento de informações do segmento empresarial da prestação de serviços não financeiros no país. Assim como no caso da PAC, a PAS investiga única e exclusivamente a empresa formalmente constituída cuja principal fonte de receita seja a prestação de serviços não financeiros.
A PAS foi lançada em 1998 com o objetivo de suprir os dados necessários à caracterização da estrutura da prestação de serviços não financeiros no país, excetuando-se saúde e educação. Atualmente, a pesquisa investiga empresas que atuam nos seguintes setores, formados a partir do agrupamento de classes da CNAE 2.0: serviços prestados principalmente às famílias; serviços de informação e comunicação; serviços profissionais, administrativos e complementares; transportes, serviços auxiliares dos transportes e correio; atividades imobiliárias; serviços de manutenção e reparação; e outras atividades de serviços.
As informações econômico-financeiras levantadas pela pesquisa são: receitas bruta e líquida; número de empresas; pessoal ocupado; gastos com pessoal; despesas financeiras, operacionais e não operacionais; aquisições e baixas do ativo imobilizado, entre outros aspectos. Sua abrangência geográfica é nacional, com resultados divulgados para Brasil, Grandes Regiões e Unidades da Federação.
Lei Rouanet – Lei Brasileira de Incentivo à Cultura
A Lei Rouanet (Lei no 8.313/91) é conhecida como o principal mecanismo de fomento à cultura do Brasil e instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac).
Para cumprir esse objetivo, a lei estabelece as normativas de como o governo federal deve disponibilizar recursos para a realização de projetos artístico-culturais.
Digital – Ecad, streaming e direitos de propriedade Os dados utilizados para o cálculo das remunerações oriundas do digital foram extraídos do Ecad, da base de dados da World Intellectual Property Organization (Wipo), das Contas Nacionais e das remessas do Bacen.
O Ecad exerce a função de elo que conecta compositores, intérpretes, músicos, editores e produtores fonográficos aos canais e espaços que consumidores utilizam para escutar música. O Ecad possui um dos maiores bancos de dados de obras musicais da América Latina, reunindo 16 milhões de obras musicais, 13 milhões de fonogramas e 305 mil obras audiovisuais3
2 Disponível em: Pesquisa Anual de Serviços | IBGE. Acesso em: 12 dez. 2022.
3 Informação retirada do site do Ecad. Disponível em: https://www4.ecad.org.br/ Acesso em: 13 dez. 2022.
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ANEXO B – SETORES E CATEGORIAS DA ECONOMIA DA CULTURA E DAS INDÚSTRIAS CRIATIVAS POR FONTE DE DADOS
Quadro 1: Setores criativos e categorias setoriais derivadas
CNAE 2.0
Domiciliar Setor Categoria
13002 Fabricação de artefatos têxteis, exceto vestuário
14001 Confecção de artigos do vestuário e acessórios, exceto sob medida
14002 Confecção, sob medida, de artigos do vestuário
Moda
13001 Preparação de fibras, fiação e tecelagem Atividades artesanais
16002 Fabricação de produtos de madeira, cortiça e material trançado, exceto móveis
32001 Fabricação de artigos de joalheria, bijuteria e semelhantes
58000 Edição e edição integrada à impressão Editorial
60002 Atividades de televisão
59000 Atividades cinematográficas, produção de vídeos e de programas de televisão, gravação de som e de música
60001 Atividades de rádio
Cinema, rádio e TV Música
62000 Atividades dos serviços de tecnologia da informação Desenvolvimento de software e jogos digitais
Demais serviços de tecnologia da informação
71000 Serviços de arquitetura e engenharia e atividades técnicas relacionadas; Testes e análises técnicas Arquitetura
73010 Publicidade Publicidade e serviços empresariais
63000 Atividades de prestação de serviços de informação
74000 Outras atividades profissionais, científicas e técnicas não especificadas anteriormente Design
90000 Atividades artísticas, criativas e de espetáculos
Artes cênicas
Artes visuais
91000 Atividades ligadas ao patrimônio cultural e ambiental Museus e patrimônio
Fonte: elaboração própria com base no sistema CNAE 2.0 Domiciliar, do IBGE (2019).
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Quadro 2: Ocupações criativas e categorias setoriais derivadas
1221 Dirigentes de vendas e comercialização
1222 Dirigentes de publicidade e relações públicas
2431 Profissionais da publicidade e da comercialização
2432 Profissionais de relações públicas
2161 Arquitetos de edificações
2162 Arquitetos paisagistas
2164 Urbanistas e engenheiros de trânsito
3118 Desenhistas e projetista¬s técnicos
7312 Confeccionadores e afinadores de instrumentos musicais
7313 Joalheiros e lapidadores de gemas, artesãos de metais preciosos e semipreciosos
7317 Artesãos de pedra, madeira, vime e materiais semelhantes
7318 Artesãos de tecidos, couros e materiais semelhantes
7319 Artesãos não classificados anteriormente
7534 Tapeceiros, colchoeiros e afins
7531 Alfaiates, modistas, chapeleiros e peleteiros
7532 Trabalhadores qualificados da preparação da confecção de roupas
7533 Costureiros, bordadeiros e afins
2163 Desenhistas de produtos e vestuário
2166 Desenhistas gráficos e de multimídia
3432 Desenhistas e decoradores de interiores
7316 Redatores de cartazes, pintores decorativos e gravadores
1431 Gerentes de centros esportivos, de diversão e culturais
2654 Diretores de cinema, de teatro e afins
2656 Locutores de rádio, televisão e outros meios de comunicação
3521 Técnicos de radiodifusão e gravação audiovisual
2354 Outros professores de música
2652 Músicos, cantores e compositores
1330 Dirigentes de serviços de tecnologia da informação e comunicações
2356 Instrutores em tecnologias da informação
2521 Desenhistas e administradores de bases de dados
2522 Administradores de sistemas
2523 Profissionais em rede de computadores
2529 Especialistas em base de dados e em redes de computadores não classificados anteriormente
3511 Técnicos em operações de tecnologia da informação e das comunicações
3512 Técnicos em assistência ao usuário de tecnologia da informação e das comunicações
3513 Técnicos de redes e sistemas de computadores
3514 Técnicos da web
2511 Analistas de sistemas
2512 Desenvolvedores de programas e aplicativos (software)
2513 Desenvolvedores de páginas de internet (web) e multimídia
2514 Programadores de aplicações
2519 Desenvolvedores e analistas de programas e aplicativos (software) e multimídia não classificados anteriormente
Publicidade e serviços empresariais
Arquitetura
Atividades artesanais
Moda
Design
Cinema, rádio e TV
Música
Demais serviços de tecnologia da informação
Desenvolvimento de software e jogos digitais
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Código (COD PNAD Contínua) Descrição Categoria
Código (COD PNAD Contínua) Descrição Categoria
2641 Escritores
2642 Jornalistas
2643 Tradutores, intérpretes e linguistas
Editorial
2621 Arquivologistas e curadores de museus Museus e patrimônio
2622 Bibliotecários, documentaristas e afins
3433 Técnicos em galerias de arte, museus e bibliotecas
2355 Outros professores de artes
2651 Artistas plásticos
3431 Fotógrafos
2653 Bailarinos e coreógrafos
2655 Atores
2659 Artistas criativos e interpretativos não classificados anteriormente
3435 Outros profissionais de nível médio em atividades culturais e artísticas
5241 Modelos de moda, arte e publicidade
Artes visuais
Artes cênicas
3434 Chefes de cozinha Gastronomia
Fonte: elaboração própria com base em IBGE (2019).
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Quadro 3: Códigos CNAE 2.0 e categorias setoriais derivadas
CNAE 2.0
Subclasse Descrição CNAE 2.0
7111100 Serviços de arquitetura
9003500 Gestão de espaços para artes cênicas, espetáculos e outras atividades artísticas
9001903 Produção de espetáculos de dança
9001901 Produção teatral
9001902 Produção musical
9001906 Atividades de sonorização e de iluminação
9001999 Artes cênicas, espetáculos e atividades complementares não especificados anteriormente
9001905 Produção de espetáculos de rodeios, vaquejadas e similares
9001904 Produção de espetáculos circenses, de marionetes e similares
9002701 Atividades de artistas plásticos, jornalistas independentes e escritores
9002702 Restauração de obras de arte
7420001 Atividades de produção de fotografias, exceto aérea e submarina
7420003 Laboratórios fotográficos
7420002 Atividades de produção de fotografias aéreas e submarinas
3212400 Fabricação de bijuterias e artefatos semelhantes
1623400 Fabricação de artefatos de tanoaria e de embalagens de madeira
1621800 Fabricação de madeira laminada e de chapas de madeira compensada, prensada e aglomerada
1629301 Fabricação de artefatos diversos de madeira, exceto móveis
1629302 Fabricação de artefatos diversos de cortiça, bambu, palha, vime e outros materiais trançados, exceto móveis
1622699 Fabricação de outros artigos de carpintaria para construção
1622602 Fabricação de esquadrias de madeira e de peças de madeira para instalações industriais e comerciais
1622601 Fabricação de casas de madeira pré-fabricadas
3211601 Lapidação de gemas
3211602 Fabricação de artefatos de joalheria e ourivesaria
3211603 Cunhagem de moedas e medalhas
6021700 Atividades de televisão aberta
6010100 Atividades de rádio
5914600 Atividades de exibição cinematográfica
5913800 Distribuição cinematográfica, de vídeo e de programas de televisão
6022502 Atividades relacionadas à televisão por assinatura, exceto programadoras
6022501 Programadoras
5911199 Atividades de produção cinematográfica, de vídeos e de programas de televisão não especificadas anteriormente
5911102 Produção de filmes para publicidade
5911101 Estúdios cinematográficos
5912002 Serviços de mixagem sonora em produção audiovisual
5912099 Atividades de pós-produção cinematográfica, de vídeos e de programas de televisão não especificadas anteriormente
5912001 Serviços de dublagem
7420005 Serviços de microfilmagem
7420004 Filmagem de festas e eventos
Categoria setorial
Arquitetura
Artes cênicas
Artes visuais
Atividades artesanais
Cinema, rádio e TV
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CNAE 2.0
Subclasse Descrição CNAE 2.0
Categoria setorial
6311900 Tratamento de dados, provedores de serviços de aplicação e serviços de hospedagem na internet Demais serviços de tecnologia da informação
6209100 Suporte técnico, manutenção e outros serviços em tecnologia da informação
6204000 Consultoria em tecnologia da informação
6201502 Web design
6201501 Desenvolvimento de programas de computador sob encomenda
6201500 Desenvolvimento de programas de computador sob encomenda (Desativado)
6203100 Desenvolvimento e licenciamento de programas de computador não customizáveis
6202300 Desenvolvimento e licenciamento de programas de computador customizáveis
7410202 Decoração de interiores
7410201 Design
7410299 Atividades de design não especificadas anteriormente
7410203 Design de produtos
5812302 Edição de jornais não diários
5812301 Edição de jornais diários
5812300 Edição de jornais (Desativado)
5822100 Edição integrada à impressão de jornais (Desativado)
5822101 Edição integrada à impressão de jornais diários
5822102 Edição integrada à impressão de jornais não diários
5821200 Edição integrada à impressão de livros
5811500 Edição de livros
5819100 Edição de cadastros, listas e outros produtos gráficos
5829800 Edição integrada à impressão de cadastros, listas e outros produtos gráficos
5823900 Edição integrada à impressão de revistas
7490101 Serviços de tradução, interpretação e similares
5813100 Edição de revistas
Desenvolvimento de software e jogos digitais
Design
Editorial
REVISTA OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL #34 PIB DA ECONOMIA DA CULTURA 100
CNAE 2.0
Subclasse Descrição CNAE 2.0 Categoria setorial
1413402 Confecção, sob medida, de roupas profissionais
1413403 Facção de roupas profissionais
1413401 Confecção de roupas profissionais, exceto sob medida
1340599 Outros serviços de acabamento em fios, tecidos, artefatos têxteis e peças do vestuário
1340501 Estamparia e texturização em fios, tecidos, artefatos têxteis e peças do vestuário
1340502 Alvejamento, tingimento e torção em fios, tecidos, artefatos têxteis e peças do vestuário
1412603 Facção de peças do vestuário, exceto roupas íntimas
1412602 Confecção, sob medida, de peças do vestuário, exceto roupas íntimas
1412601 Confecção de peças do vestuário, exceto roupas íntimas e as confeccionadas sob medida
1411801 Confecção de roupas íntimas
1411802 Facção de roupas íntimas
1351100 Fabricação de artefatos têxteis para uso doméstico
1359600 Fabricação de outros produtos têxteis não especificados anteriormente
1330800 Fabricação de tecidos de malha
1421500 Fabricação de meias
1354500 Fabricação de tecidos especiais, inclusive artefatos
1422300 Fabricação de artigos do vestuário, produzidos em malharias e tricotagens, exceto meias
1414200 Fabricação de acessórios do vestuário, exceto para segurança e proteção
1352900 Fabricação de artefatos de tapeçaria
1353700 Fabricação de artefatos de cordoaria
Moda
9102302 Restauração e conservação de lugares e prédios históricos Museus e patrimônio
9102301 Atividades de museus e de exploração de lugares e prédios históricos e atrações similares
9101500 Atividades de bibliotecas e arquivos
5920100 Atividades de gravação de som e de edição de música Música
7312200 Agenciamento de espaços para publicidade, exceto em veículos de comunicação
7311400 Agências de publicidade
7490199 Outras atividades profissionais, científicas e técnicas não especificadas anteriormente
7490105 Agenciamento de profissionais para atividades esportivas, culturais e artísticas
7319099 Outras atividades de publicidade não especificadas anteriormente
7319002 Promoção de vendas
7319003 Marketing direto
7319004 Consultoria em publicidade
7319001 Criação de estandes para feiras e exposições
6399200 Outras atividades de prestação de serviços de informação não especificadas anteriormente
6319400 Portais, provedores de conteúdo e outros serviços de informação na internet
6391700 Agências de notícias
Fonte: elaboração própria com base no sistema CNAE 2.0.
Publicidade e serviços empresariais
REVISTA OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL #34 PIB DA ECONOMIA DA CULTURA 101
Quadro 4: Agrupamentos da PAS e da PIA que incluem um ou mais setores criativos
REVISTA OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL #34 PIB DA ECONOMIA DA CULTURA 102
Agrupamento PAS/PIA Códigos CNAE
agrupamento PAS/PIA Setores criativos que estão no agrupamento PAS – Atividades culturais, recreativas e esportivas 90.01-9, 90.02-7, 90.03-5, 92.003, 93.11-5, 93.13-1, 93.19-1, 93.21-2, 93.29-8 90.01-9, 90.02-7, 90.03-5 PAS – Serviços técnicoprofissionais 69.11-7, 69.20-6, 70.20-4, 71.11-1, 71.12-0, 71.19-7, 71.20-1, 73.11-4, 73.12-2, 73.19-0, 73.20-3, 74.10-2, 74.20-0, 74.90-0 71.11-1, 73.11-4, 73.12-2, 73.19-0, 74.10-2, 74.20-0, 74.90-0 PAS – Manutenção e reparação de equipamentos de informática e comunicação 95.11-8, 95.12-6 95.11-8 PAS – Tecnologia da informação 62.01-5, 62.02-3, 62.03-1, 62.04-0, 62.09-1, 63.11-9, 63.19-4 Todos são criativos PAS – Serviços audiovisuais 60.10-1, 60.21-7, 60.22-5, 59.11-1, 59.12-0, 59.13-8, 59.14-6, 59.20-1 Todos são criativos PAS – Edição e edição integrada à impressão 8.11-5, 58.12-3, 58.13-1, 58.19-1, 58.21-2, 58.22-1, 58.23-9, 58.29-8 Todos são criativos PAS – Agências de notícias e outros serviços de informação 63.91-7, 63.99-2 Todos são criativos PIA – Confecção de artigos do vestuário e acessórios 14.1, 14.2 Todos são criativos PIA – Fabricação de produtos têxteis 13.1, 13.2, 13.3, 13.4, 13.5 Todos são criativos PIA – Fabricação de produtos de madeira 16.1, 16.2 Todos são criativos Fabricação de artigos de joalheria, bijuteria e semelhantes 32.1 Todos são criativos
2.0 no
Quadro 5: Equivalência entre setores PAS/PIA e categorias setoriais derivadas
CNAE 2.0
Subclasse Setor PAS/PIA Categoria
1340501 13.4 – Acabamentos em fios, tecidos e artefatos têxteis
1340502 13.4 – Acabamentos em fios, tecidos e artefatos têxteis
1340599 13.4 – Acabamentos em fios, tecidos e artefatos têxteis
1351100 13.5 – Fabricação de artefatos têxteis, exceto vestuário
1352900 13.5 – Fabricação de artefatos têxteis, exceto vestuário
1353700 13.5 – Fabricação de artefatos têxteis, exceto vestuário
1354500 13.5 – Fabricação de artefatos têxteis, exceto vestuário
1359600 13.5 – Fabricação de artefatos têxteis, exceto vestuário
1411801 14.1 – Confecção de artigos do vestuário e acessórios
1330800 13.3 – Fabricação de tecidos de malha Moda
1411802 14.1 – Confecção de artigos do vestuário e acessórios
1412601 14.1 – Confecção de artigos do vestuário e acessórios
1412602 14.1 – Confecção de artigos do vestuário e acessórios
1412603 14.1 – Confecção de artigos do vestuário e acessórios
1413401 14.1 – Confecção de artigos do vestuário e acessórios
1413402 14.1 – Confecção de artigos do vestuário e acessórios
1413403 14.1 – Confecção de artigos do vestuário e acessórios
1414200 14.2 – Fabricação de artigos de malharia e tricotagem
1421500 14.2 – Fabricação de artigos de malharia e tricotagem
1422300 14.2 – Fabricação de artigos de malharia e tricotagem
1622601 16.2 – Fabricação de produtos de madeira, cortiça e material trançado, exceto móveis
1622602 16.2 – Fabricação de produtos de madeira, cortiça e material trançado, exceto móveis
1622699 16.2 – Fabricação de produtos de madeira, cortiça e material trançado, exceto móveis
1623400 16.2 – Fabricação de produtos de madeira, cortiça e material trançado, exceto móveis
1621800 16.2 – Fabricação de produtos de madeira, cortiça e material trançado, exceto móveis Atividades artesanais
1629301 16.2 – Fabricação de produtos de madeira, cortiça e material trançado, exceto móveis
1629302 16.2 – Fabricação de produtos de madeira, cortiça e material trançado, exceto móveis
3211601 32.1 – Fabricação de artigos de joalheria, bijuteria e semelhantes
3211602 32.1 – Fabricação de artigos de joalheria, bijuteria e semelhantes
3211603 32.1 – Fabricação de artigos de joalheria, bijuteria e semelhantes
3212400 32.1 – Fabricação de artigos de joalheria, bijuteria e semelhantes
6391700 Agências de notícias e outros serviços de informação
6399200 Agências de notícias e outros serviços de informação
9001901 Atividades culturais, recreativas e esportivas
9001902 Atividades culturais, recreativas e esportivas
9001903 Atividades culturais, recreativas e esportivas
9001904 Atividades culturais, recreativas e esportivas
9001905 Atividades culturais, recreativas e esportivas
9001906 Atividades culturais, recreativas e esportivas
9001999 Atividades culturais, recreativas e esportivas
Publicidade e serviços empresariais
Artes cênicas
REVISTA OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL #34 PIB DA ECONOMIA DA CULTURA 103
CNAE 2.0
Subclasse Setor PAS/PIA
9002701 Atividades culturais, recreativas e esportivas
9002702 Atividades culturais, recreativas e esportivas
9003500 Atividades culturais, recreativas e esportivas
5811500 Edição e edição integrada à impressão
5812301 Edição e edição integrada à impressão
5812302 Edição e edição integrada à impressão
5813100 Edição e edição integrada à impressão
5819100 Edição e edição integrada à impressão
5821200 Edição e edição integrada à impressão
5822101 Edição e edição integrada à impressão
5822102 Edição e edição integrada à impressão
5823900 Edição e edição integrada à impressão
5829800 Edição e edição integrada à impressão
5812300 Edição e edição integrada à impressão
5822100 Edição e edição integrada à impressão
5911101 Serviços audiovisuais
5911102 Serviços audiovisuais
5911199 Serviços audiovisuais
5912001 Serviços audiovisuais
5912002 Serviços audiovisuais
5912099 Serviços audiovisuais
5913800 Serviços audiovisuais
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REVISTA OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL #34 PIB DA ECONOMIA DA CULTURA 104
CNAE 2.0
Subclasse Setor PAS/PIA Categoria
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Fonte: elaboração própria com base nos sistemas CNAE 2.0 e CNAE2.0 Domiciliar.
REVISTA OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL #34 PIB DA ECONOMIA DA CULTURA 105
Museu |
Imagem de Adriano Catenzaro
O processo de construção do PIB da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas do Observatório Itaú Cultural | Entrevista
O processo de construção do PIB da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas (Ecic) do Observatório Itaú Cultural resulta de um esforço conjunto contínuo, que conta com a colaboração de especialistas nacionais e internacionais sobre esse tema. Neste encontro, Flávia Oliveira e Leandro Valiati conversam sobre esse processo, abordando três aspectos: (1) a importância e as motivações do projeto; (2) os desafios; e (3) os resultados preliminares desse indicador.
Planejar e implementar políticas públicas para o crescimento e o desenvolvimento de qualquer país pressupõe a disponibilidade de indicadores e evidências econômicas confiáveis. Nesse sentido, identificar e mensurar o valor econômico de diferentes atividades, materiais e imateriais, se constitui em importante mecanismo para tomadores de decisão, públicos e privados. Entre esses mecanismos, o Produto Interno Bruto (PIB) destaca-se como um dos principais indicadores utilizados internacionalmente para a comparação entre economias, sendo também utilizado como termômetro para a “saúde” da economia de qualquer país.
Em face do declínio da importância relativa das indústrias tradicionais, gerando desemprego e mudanças estruturais na economia, cristaliza-se a crescente preocupação com a importância da atividade econômica cultural e criativa (OAKLEY, 2004)1. A criatividade surge, nesse sentido, como alternativa para a geração de renda, emprego e riqueza, reforçando a necessidade de mapear e mensurar o valor econômico das atividades a esta relacionadas. Contudo, refletir sobre um setor tão dinâmico como é o criativo requer um olhar atento às suas especificidades, especialmente considerando-se o cálculo do PIB setorial. Nesse sentido, o processo de construção do PIB da Ecic se pautou por quatro grandes balizadores, quais sejam: (1) estabelecer quais setores considerar nesse cálculo;
(2) mapear e identificar quais são as bases de dados disponíveis para a estimação do indicador econômico; (3) permitir a comparabilidade das estimações; e (4) oferecer a possibilidade de acompanhamento do PIB segundo séries históricas.
Prezando pelo caráter colaborativo do processo de construção do PIB da Ecic, as escolhas metodológicas para corresponder aos quatro objetivos balizadores foram dialogadas, mediante a consulta a especialistas nacionais e internacionais. De modo geral, essas consultas resultaram em cinco
REVISTA OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL #34 PIB DA ECONOMIA DA CULTURA 107
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pontos consensuais entre os especialistas: (1) incorporar informações sobre a formalidade e informalidade no setor criativo e cultural; (2) criar instrumentos que considerem as múltiplas realidades regionais brasileiras, levando-se em conta a diversidade de expressões criativas e atividades artístico-culturais; (3) captar aspectos relacionados à desigualdade social brasileira, expressa pelo acesso à cultura, por disparidades de gênero e de raça/cor, mobilidade social e concentração de renda; (4) possibilitar o acompanhamento periódico das estimativas de forma recorrente, segundo a consolidação de séries históricas; e (5) mensurar os valores gerados a partir dos impactos da digitalização do setor criativo, relativos ao acesso à cultura através de plataformas digitais, principalmente o streaming. Esses e outros importantes aspectos relativos ao processo e às motivações para a construção do PIB da Ecic podem ser acessados no primeiro vídeo da série, a seguir.
VÍDEO 1
Cabe destacar, ainda, que pensar sobre a economia criativa e propor indicadores econômicos passíveis de mensuração e acompanhamento periódico envolve uma série de desafios específicos, especialmente em países em desenvolvimento. Nesse sentido, emergem três importantes aspectos. Em primeiro lugar, ressalta-se que o Brasil possui uma histórica e consolidada tradição na produção e sistematização de bases de dados públicos. Contudo, em razão das especificidades e limitações inerentes às metodologias tradicionais de mensuração do PIB, coloca-se a necessidade de uma seleção de apenas algumas informações que correspondam a esse espectro analítico bastante restrito. Em segundo lugar, justamente em razão da superestrutura de desigualdades sociais brasileiras, é necessário incorporar informações sobre a formalização e informalização do emprego, bem como aspectos relativos à concentração de renda no setor criativo e cultural. Informações estas extraídas de bases de dados oficiais e já incorporadas no cálculo do PIB da Ecic. Por fim, evidenciam-se as especificidades inerentes à dinâmica do setor criativo e cultural, que se pauta por atividades que produzem impactos materiais e imateriais – como as “externalidades positivas” das práticas culturais, gerando sociedades mais diversas e inclusivas – e, portanto, que podem ou não ser passíveis de mensuração/valoração econômica. Desse modo, e em linha com as contribuições dos especialistas nacionais e internacionais sobre a digitalização do setor, destaca-se o empenho em já considerar em nossas estimativas do PIB da Ecic as informações sobre os direitos de propriedade intelectual, do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) da música. É justamente esses desafios, e a forma como são enfrentados, que o segundo vídeo da série aborda a seguir.
VÍDEO 2
Mais especificamente, sobre o valor do PIB da Ecic no Brasil, cabe novamente ressaltar que esse cálculo se constitui em um processo, em contínua construção e evolução, segundo o esforço constante de captar a totalidade e diversidade de dinâmica inerente ao setor, tendo em vista as bases de dados e os níveis de desagregação disponíveis. Em termos práticos, considerando-se a renda do trabalho formal e informal (massa salarial), a renda das empresas (massa de lucros) e outras fontes (até o momento correspondente aos dados do Ecad), o PIB da Ecic equivale a algo entre 2% e 3,5% do PIB brasileiro em 2020. Cabe ressaltar que, a despeito
REVISTA OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL #34 PIB DA ECONOMIA DA CULTURA 108
das limitações inerentes à tradicional abordagem de estimação do PIB, e mesmo das escolhas metodológicas adotadas, o setor cultural e criativo fica entre os dez setores mais importantes da economia brasileira2. Essas e demais informações sobre o valor estimado para o PIB da Ecic brasileiro podem ser encontradas no terceiro e último vídeo da série da entrevista da jornalista Flávia Oliveira com o professor e pesquisador Leandro Valiati.
VÍDEO 3
FLÁVIA OLIVEIRA
é jornalista. É comentarista na GloboNews e colunista no jornal O Globo e na rádio CBN. É podcaster no Angu de grilo. Integra o conselho deliberativo da Anistia Internacional Brasil e os conselhos consultivos das organizações Uma Gota no Oceano, Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), Observatório de Favelas, Agência Lupa, Rede Liberdade, Instituto Sou da Paz, Instituto Ibirapitanga, Perifa Connection e Museu do Amanhã.
LEANDRO VALIATI
é professor e pesquisador na área de economia da cultura e indústrias culturais no Brasil e no Reino Unido. Por intermédio de sua posição acadêmica, teve a oportunidade de desempenhar papel importante na construção e execução da política para a economia da cultura e indústrias criativas de todas as gestões do Ministério da Cultura entre 2010 e 2018.
NOTAS
1. OAKLEY, K. Not So Cool Britannia: The Role of the Creative Industries in Economic Development. International Journal of Cultural Studies, v. 7, issue 1, p. 67-77, 2004. Disponível em: https:// journals.sagepub.com/doi/ abs/10.1177/1367877904040606 Acesso em: 31 out. 2022.
2. Os dez setores com maior participação na composição do PIB brasileiro (IBGE, 2019) são, em ordem decrescente: indústria de transformação (12,0%); comércio varejista (11,3%); administração pública (10,2%); atividades financeiras (7,2%); educação (6,7%); saúde (5,1%); construção (3,9%); agricultura (3,2%); indústria extrativa (2,9%); e energia (2,1%).
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Juro 04 | Imagem de
Adriano Catenzaro
Juro 02 |
Imagem de Adriano Catenzaro
Ensaio artístico
ADRIANO CATENZARO
A produção do artista parte da aglutinação de recortes de materiais, em uma pesquisa que explora a experimentação gráfica com formas orgânicas e geométricas e o interesse por elementos visuais da paisagem urbana. Seu trabalho se situa entre as formas fluidas e o figurativo, utilizando a colagem em suportes de papel e os outros materiais. O resultado são obras com ampla diversidade cromática.
Selecionado para mostras e salões de arte, Catenzaro participa de exposições desde 2013. Em 2017, foi um dos selecionados da 2a mostra bienal Caixa de novos artistas e da 13a bienal internacional de Curitiba. Referência em ações de educação artística em escolas, Adriano Catenzaro também é autor e ilustrador dos livros Capitais brasileiras (2019) e O mistério da ilha desconhecida (2022).
SOBRE OS TRABALHOS
Durante mais de dois anos, Catenzaro retratou 1.056 símbolos arquitetônicos das 27 capitais brasileiras. As sobras de materiais dessa série foram utilizadas como elementos estruturais da série Moradas, fazendo uma analogia com o processo de construção de moradias.
As formas das estruturas membranosas do interior das flores serviram de base para a criação das composições da série Antera. O artista desenhou obras que representam um sistema de produção de pólen, como elemento essencial da propagação da vida no planeta.
Em Estruturas, o artista utiliza os recortes de papéis como elementos para desenhar estruturas de sustentação e aglutinação. Essas composições podem tanto representar prédios, edifícios, esqueletos arquitetônicos criados pela ação humana, como também teias, casulos, malhas de estruturas orgânicas criadas pela natureza. No final, tudo se funde numa simbiose, formando um organismo estrutural.
Uma extensa coleta de diversos cartões bancários descartados, documentos comprobatórios de pagamentos de impostos, papel-moeda e controle de salários deu origem à série Crise. Com esse material, o artista criou uma massa de números e fragmentos de documentos financeiros, com a ideia de uma colônia de fungos em movimento de expansão. A obra representa um organismo vivo, que cresce e se alimenta, tomando conta de todo o espaço. São os juros de créditos, empréstimos, multas e adiantamentos de recursos, que crescem de forma descontrolada.
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REVISTA OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL #34 PIB DA ECONOMIA DA CULTURA 112
COMO CITAR ESTE ARTIGO CATENZARO, Adriano. Ensaio artístico. Revista Observatório Itaú Cultural, São Paulo, n. 34, 2023.
ADRIANO CATENZARO
é artista visual e ilustrador. Nascido em 1979, em Curitiba (PR), onde vive e trabalha, é graduado em desenho industrial e pós-graduado em design de embalagens pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
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Cortiço | Imagem de Adriano Catenzaro
Estrutura 3 |
Imagem de Adriano Catenzaro