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Prazer, liberdade
from CDM 59
Temas como a masturbação e a satisfação sexual feminina ainda são considerados tabus sociais
Bruna Colmann Brunna Gabardo Isadora Deip Sabrina Ramos Sthefanny Gazarra
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Ilustração: Sabrina Ramos
Em uma galeria de mulheres em um pequeno salão, estão Ana, Maria, Gal, Elis, Cida, entre muitas outras que são impossíveis de nomear. Ou serão todas a mesma mulher? Uma deixou algumas roupas no varal, outra deixou a panela no fogão, outra ainda pensa em seus filhos, uma última perguntou o que faria com seu marido ao chegar em casa, antes que ele se acomodasse no sofá, pegasse uma cerveja e fosse dormir.
Elas se sentem acomodadas e incomodadas. Em um silêncio absoluto. Ligadas a homens, à família, pensando em quando eram namoradas e realmente se divertiam. Pensaram que a liberdade viria com a idade, dinheiro ou tempo, mas a mulher seria verdadeiramente livre um dia?
A assistente comercial Luana Masoni, de 20 anos, utiliza o espaço virtual para ampliar a visibilidade dos movimentos sociais dos quais participa. Em suas redes sociais e no seu círculo de amizades, ela notou um aumento do interesse por assuntos relacionados à liberdade sexual feminina durante a pandemia. “Estamos em um momento em que grande parte das pessoas não está saindo para ‘ficar’, como normalmente fazíamos. A partir daí, surge a questão da sexualidade voltada a nós mesmas”, relata.
Para Luana, a questão do autoconhecimento envolve o entendimento do próprio corpo, o olhar para si mesma sem se objetificar, violentar ou machucar, seja por meio de relações sexuais ou de hábitos construídos socialmente, como a depilação. “Nossa sexualidade tem que servir para nós, e não para os outros. Precisamos saber primeiro do que gostamos, para daí entrar em relações e saber falar o nosso ‘sim’ e o nosso ‘não’.” A assistente comercial também conta que encarava a masturbação como algo proibido, e que foi o diálogo
com outras mulheres que abriu portas para seu próprio conhecimento.
A assistente de marketing Rafaela Camargo, 21 anos, fala sobre sua evolução na busca por autoconhecimento e aceitação quanto aos gostos entre quatro paredes. A jovem conta que, quando perdeu a virgindade, chegou a pensar que “sexo não é tudo isso”, mas mudou de ideia à medida que colecionava experiências. Contudo, seu prazer não está apenas atrelado a figura de um homem, e ela nem mesmo precisa de outra pessoa para senti-lo.
Mantendo um relacionamento sério por quase cinco anos, Rafaela chegou ao extremo da monogamia: seus únicos momentos de prazer sexual eram ao lado de seu antigo companheiro. Após ser presenteada com um produto erótico por uma amiga, ela passou a dar mais atenção ao seu corpo e descobrir formas de satisfazer a si mesma, com uma frequência maior.
Sobre suas relações sexuais mais recentes, a jovem relata que os homens se dão por satisfeitos ao atingirem o ápice do prazer masculino. “Acaba o amor depois que eles gozam”, diz Rafaela sem se abalar, e completa: “Eu já me satisfaço, então tudo bem”. Apesar de não desgostar totalmente da relação com outras pessoas, ela encontra paz e prazer em si mesma de uma maneira única e insubstituível.
A maneira com a qual a mulher se relaciona com o corpo, entende e aceita as práticas sexuais ao longo da vida, começa a ser moldada em casa. A ginecologista Carolina Ferrari explica que essa compreensão varia de acordo com o modo em que os pais conduzem o diálogo sobre ciclo menstrual, métodos contraceptivos, uso de camisinha e a possibilidade de gravidez. Em contrapartida, ela ressalta a importância da educação sexual nas escolas, pois há lugares onde o diálogo não é adequado ou até mesmo não existe.
O desconhecimento, também atrelado a convicções religiosas e culturais, sustenta tabus. Por definição, tabu é uma proibição e quando o assunto é mulher são muitos os que existem. Historicamente, a existência da mulher é construída ora no silêncio ora na repressão. Enquanto homens são incentivados a estimularem-se desde que aparece o primeiro pelo pubiano, e o pai se orgulha do filho, as mulheres, desde a pré-infância são advertidas a sentarem sem deixar as pernas abertas, pois é inconcebível para o imaginário machista que a calcinha de uma criança apareça.
Há, também, um bloqueio em torno do ciclo menstrual, em algumas famílias é indecoroso falar sobre o assunto, e isso se reflete inclusive nas relações de trabalho. Carolina analisa que o mercado é puramente masculino e isto exerce um grande peso na forma como a mulher se relaciona com seu corpo, por conta da necessidade de se adaptar ao meio, muitas vezes optam por suprimir a menstruação.
A educação sexual é a melhor ferramenta para desmistificar os tabus e deve partir da natureza do sexo, segundo a ginecologista. “A primeira coisa é fazer a mulher entender desde criança que o sexo é uma coisa natural. Não é só para reprodução, ele é para o seu prazer, e não é uma coisa que você precisa ter vergonha, é uma coisa que você tem direito”. Além disso, Carolina salienta que o senso de responsabilidade ensinado às mulheres, estreitamente ligado à maternidade, bloqueia o intuito de merecimento para elas.
A ginecologista também observa que existe uma separação para a sociedade da mulher que é para o “casamento” e da mulher que é para o “sexo”. Ao contrário da mulher para o “sexo”, que entende as práticas e os rela
cionamentos com maior autonomia, a mulher para o “casamento” segue o ideal do romantismo da pureza, delicadeza e inocência. “Essa mulher não pode expressar o desejo sexual, não pode expressar o tesão, muito menos sozinha. E isso acaba levando muitas mulheres a nunca terem um orgasmo na vida”, comenta.
ORGASMO
A anorgasmia é uma condição na qual a pessoa tem dificuldade em atingir o orgasmo. De acordo com uma pesquisa do Projeto de Sexualidade da Universidade de São Paulo (Prosex), 55,6% das mulheres têm dificuldade para chegar ao orgasmo. As principais queixas são a dificuldade para se estimular e dores na relação. Segundo a ginecologista, um dos fatores que influenciam esse dado, é a falta de autoconhecimento do próprio corpo. Durante a pandemia do novo coronavírus, a mentora e sexóloga Cris Arcuri percebeu, por meio de seus atendimentos e de suas redes sociais, que muitos casais e solteiros começaram a questionar suas vidas sexuais: “Eu sempre falo que diante de uma mudança histórica [como a pandemia], o comportamento humano muda.”
Segundo dados levantados pelo portal Mercado Erótico, a venda de vibradores aumentou cerca de 50% entre março e agosto de 2020. E ainda de acordo com a Associação Brasileira de Empresas do Mercado Erótico, o setor de forma geral cresceu 12%.
Cris comenta que proporcionalmente à abrangência nas formas de comunicação, aumentaram as buscas por produtos sensuais e o modo como as pessoas vendem esses itens influencia na compra. Ela menciona ainda que o vibrador deveria ser um tópico da lista de cuidados pessoais: “Eu até brinco falando que domingo é o dia do autocuidado, de cuidar da pele e do cabelo; mas eu penso que a masturbação também deveria entrar nessa lista”.
De acordo com a sexóloga, o termo “liberdade sexual” ainda é desconfortável para as mulheres, pois a sociedade associa esse conceito a libertinagem ou sacanagem. “Quanto mais a mulher tiver a autoestima fortalecida e o autoconhecimento caminhando junto a isso, mais ela vai conseguir ser bem resolvida com a sua sexualidade.”
Segundo um estudo realizado em 2017 pela Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS), o Brasil era o líder mundial em cirurgias realizadas na região genital feminina, as chamadas ninfoplastias, sendo feitas 21 mil cirurgias dessas por ano. Cris explica que muitas pessoas não realizam tratamentos estéticos necessariamente porque gostam, mas sim porque foram inseridas em um ambiente que as ensinou a sempre tentar alcançar um corpo ideal.
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Confira dicas de produções que abordam a liberdade sexual da mulher.
As experiências de vergonha e autoculpabilização, principalmente o silêncio, se deram por conta das mulheres não terem a possibilidade de fazer uma união. A psicóloga e feminista Rafaela Courbassier explica que durante a história, as mulheres nunca estiveram ligadas umas às outras, sempre estiveram ligadas aos homens.
Citando Simone de Beauvoir, escritora e pensadora feminista, a psicóloga também aponta a reflexão sobre o corpo no feminismo, que ainda se submete a tabus e estereótipos que servem como desculpas para legitimar as mais evidentes discriminações e violências. “Eu não considero que existe, de fato, liberdade relacionada à condição de ser mulher”.
Rafaela analisa a representação da mulher na mídia com a intenção de transformar o feminismo em uma pauta lucrativa. Ela afirma que esse tipo de mídia não ajuda a provocar as mudanças necessárias, que seriam modificar as bases da sociedade, com a consciência de que os problemas das mulheres são também problemas coletivos: “O que é tão nocivo, é a ideia de que você pode, sozinha, enfrentar uma estrutura social inteira.”
A iniciação e liberdade sexual, implicações do casamento e a velhice são alguns dos temas que discorrem em relação à mulher e o tabu da sexualidade. A psicóloga comenta acerca da dificuldade da mulher, com os julgamentos e repreensões, em exercer essa liberdade e também a importância em se entender como um ser sexual ou não sexual.
Antes dos princípios do feminismo, o caminho que restava às mulheres era justamente o do casamento, e o de se tornarem boas esposas e mães. Odila Maria Raizel, 69, hoje divorciada, se casou aos 19 anos com seu primeiro namorado. Ela teve a primeira relação sexual com o marido e diz que a experiência foi horrível: “Eu não amava o meu marido, fiquei casada com ele por muitos anos, sem amor. E era do jeito dele, eu achava que tinha que fazer o que ele queria.”. A situação a fez questionar se gostava de homem ou até mesmo de sexo.
Após se separar, Odila diz que sua vida, hoje em dia, é para ela. “Se eu conheço alguém e der certo, deu. O que importa sou eu. Se eu quiser, se for bom pra mim, eu não estou me importando com ninguém”, comenta. A aposentada conta que sexo e relacionamentos eram assuntos proibidos na sua família, inclusive entre nove irmãs, mas hoje discute sobre o assunto abertamente com seus filhos e netos.
A mulher como protagonista
Aideia da falta de domínio da mulher perante o seu corpo tem raízes culturais e históricas. Filósofos como Platão e Aristóteles, viam no sexo feminino “um ser humano incompleto”, que deveria se colocar à disposição do homem. Aristóteles, em sua obra A Política, considera que “A força de um homem consiste em se impor; a de uma mulher, em vencer a dificuldade de obedecer.”
A liberdade feminina como propriedade do homem também pode ser observada na literatura. As personagens construídas pelo olhar masculino raramente retratam de modo fiel as particularidades e implicações de ser mulher. O escritor tem o poder de determinar o corpo, os pensamentos e a personalidade da personagem, e muitas vezes o faz de uma maneira rasa e nada empática, representando a mulher como um ser guiado unicamente pela emoção, sem determinação e maiores aspirações.
Durante o romantismo, movimento literário predominante no Brasil ao longo do século XIX, a figura feminina serviu de inspiração para uma série de obras. No livro O Guarani, publicado em 1857 por José de Alencar, a personagem Cecília é símbolo da idealização feminina, escrita de uma maneira mistificada, permeada de delicadeza e ingenuidade. Apesar de retratada com trejeitos sensuais, é evidente a vergonha da personagem em relação a sua própria sexualidade.
A estudante Camile Furtado, 18 anos, autora do livro Rainha Dandara, comenta que a forma como as mulheres são desenvolvidas por escritores homens, sofre uma estereotipação, na qual sempre têm uma imagem impecável, seja ela física ou emocional. O que se nota também nestes contos de autoria masculina é a parte da romantização, onde a mulher possui uma independência sentimental e vive para o seu parceiro com o objetivo de conquistá-lo e satisfazê-lo.
Segundo Camile, é relevante a abordagem das mulheres nos livros, pois muitas meninas se espelham e esperam se encontrar nas linhas literárias. A pressão com que a sociedade aborda temas relacionados à sexualidade, acaba tirando a identidade das mulheres de caminhar para suas escolhas, por conta do receio e do julgamento. “Quando há uma personagem que é presa a outros personagens para sentir as coisas dentro da história, eu acho um pouco frustrante, porque isso não me representa”, comenta.
Crédito: Banco de imagem Canva
Narrativas apagadas pela história
No Brasil, escritoras como Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles, Hilda Hilst e Gilka Machado contribuíram para que as questões que envolvem a relação entre gêneros fosse questionada.
A literatura erótica feminina, por exemplo, e o movimento de mulheres divulgando poesia e prosa com luxúria, possibilitou discutir a liberdade sexual da mulher e o machismo na literatura. Provocadora e polêmica, Hilda Hilst foi uma das maiores escritoras da literatura brasileira com seus versos apaixonados, ligados aos prazeres do corpo e o amor. Como no poema Tenta-me de novo:
Radiação no dia a dia
Beatriz Tsutsumi, Camila Acordi, Maria Vitória Bruzamolin e Sarah Guilhermo
Estamos expostos a determinadas taxas de radioatividade diariamente. Em média, a dose anual que nosso corpo recebe é de 2,4 mSv (milésimos de Sievert), seja por gases na atmosfera ou na alimentação, podendo variar por simples ações, como fazer um exame de raio-x ou viajar de avião. Mas nem sempre a radioatividade é um fator ruim - afinal, é graças a ela que temos tratamentos para o câncer e a produção de energia nuclear. A radioatividade foi descoberta essencialmente em 1902, quando o casal Curie (Pierre Curie e Marie Curie) conseguiu isolar partículas de rádio radioativo do mineral pechblenda (uraninita), em Paris, dividindo um Prêmio Nobel de Física com o cientista Henri Becquerel no ano seguinte, devido às pesquisas inovadoras sobre a radiatividade.
Os alimentos mais radioativos
1 | Castanha-do-Pará 2 | Feijão Lima 3 | Banana 4 | Cenoura 5 | Batata 6 | Sal light (com 0% Sódio) 7 | Carne vermelha 8 | Cerveja 9 | Água potável 10 | Manteiga de amendoim
MARIE CURIE, cientista
DE BANANA EM BANANA
Banana Equivalent Dose, também conhecida como BED, significa Dose Equivalente de Banana. Uma banana pode servir como medida informal para contar a quantidade de radioatividade de determinado local ou pessoa. A banana é um dos alimentos com maior taxa de radioatividade, uma vez que ela é cheia de potássio, molécula muito importante para o funcionamento de todo o corpo, mas que possui seu isótopo radioativo, o potássio -40.
A ingestão de uma banana média equivale a 10^-7 Sievert (0,1 µSv), cerca de 1% do valor diário de exposição à radiação que pessoas normais costumam ter. Portanto, 100 bananas equivale à dose média de radioatividade que uma pessoa recebe em um dia.
Os efeitos da radioatividade no corpo humano podem variar de acordo com o nível de exposição que o indivíduo enfrentou.
EXPOSIÇÃO A CURTO PRAZO: nos níveis moderados, com exposição acima de um gray costumam causar náuseas, vômitos, febre, dores de cabeça e diarréia como primeiros sintomas. Após passarem, o corpo pode ser visto como em estado normal, sem sintomas aparentes, no entanto, semanas depois, costumam voltar mais potentes. Quando os níveis de radiação em contato com o corpo são mais altos, como entre um e quatro grays, existem grandes chances de morte, mesmo que em pessoas adultas e saudáveis.
EXPOSIÇÃO A LONGO PRAZO: para aqueles que tiveram contato com a radioatividade, porém sobreviveram ao primeiro contato, os efeitos podem surgir a longo prazo, sendo o câncer, o efeito de maior risco com o passar do tempo. Além dele, é possível que mutações genéticas apareçam, possibilitando assim, deformidades em futuras gerações que herdarem os genes do infectado.
E SE FOR COMIGO?
CARBONO 14
Não é só de destruição que vive a radioatividade. O Carbono 14, conhecido por radiocarbono, está presente em todas as coisas vivas, inclusive em nós, seres humanos, e possui uma meia-vida de 5.730 anos. Medindo a quantidade de emissão radioativa em uma árvore, por exemplo, e o resultado dê 50 unidades, isso significa que a árvore possui 5.730 anos - com 25 unidades, teria 11.460 anos, e assim vai.
*O C14 é formado na atmosfera, quando raios cósmicos atingem átomos de Nitrogênio e os transformam em Carbono.