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A distância que aproxima

Herick Pires Isadora Mendes Mariana Scavassin Sophia Gama

Conheça as histórias de pessoas que aproveitaram o isolamento social para se aproximarem e encontraram o amor, mesmo que de forma digital

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Foi através de um aplicativo de paquera que a estudante Lívia Gemene, 20, encontrou seu par, Nicolas, 22, mesmo em meio a pandemia. “Tudo começou no dia 29 de março, quando eu tinha acabado de começar as minhas aulas on-line, e decidi instalar o Tinder de novo. Eu tinha desinstalado e pensei: “‘Ah, vou dar uma chance de novo’. E aí ele foi o primeiro match que eu dei”, conta ela. Agora, já são quase oito meses juntos. “A gente começou a conversar e a partir desse dia a gente nunca mais parou”.

Se os relacionamentos on-line já eram comuns no mundo moderno antes da pandemia do COVID-19, após e durante esse período, os encontros virtuais se tornaram uma das únicas opções na hora de encontrar seu par. Por mais incrível que pareça, existem muitos casais que acabaram se encontrando enquanto todos estavam isolados.

Enquanto o número de divórcios subiu em 15% durante esse período, segundo o Colégio Notarial do Brasil (CNB), o número de solteiros que acabaram engatando um relacionamento também aumentou. O sentimento de solidão fez com que muitos se voltassem para as redes sociais e apps de relacionamento; afinal o ser humano é naturalmente sociável e precisa de certos níveis de interação.

Os aplicativos de paquera precisaram se atualizar, pois o número de acessos, conversas e usuários cresceu proporcionalmente. Novas funcionalidades, como maior raio de alcance e possibilidades de matches internacionais foram adotadas pela maioria das empresas. Apenas o Tinder teve 15% de crescimento no número de usuários e um aumento de 31% em seu lucro. De acordo com uma pesquisa realizada pela empresa Happn - que também é um aplicativo usado para conhecer pessoas -, a troca de mensagens ao redor do mundo aumentou em 20%.

No caso de Lívia e Nicolas, o relacionamento ficou seis meses apenas no ambiente virtual, sobrevivendo por meio de de mensagens e chamadas de vídeo. Depois de todo esse tempo, eles finalmente decidiram se encontrar por morarem perto um do outro. “E depois disso a gente continuou se vendo; todo final de semana ele vinha aqui em casa ou eu ia à casa dele”, ela afirma.

O pedido de namoro ainda demorou um pouco. Foi acontecer de forma espontânea só no começo de outubro. “A gente tava ouvindo música… abraçadinhos no escuro assim, bem tranquilos, e ele olhou para mim e me pediu em namoro”, conta Lívia, com a voz emocionada. “Ele falou que era isso que ele sentiu que deveria fazer aquela hora, que não queria esperar, que era naquele momento”. Na precipitação do instante, Nicolas deu para ela seu anel de coco, para Lívia usar enquanto ele não comprava uma aliança. Durante três meses aquele anel foi usado diariamente como uma aliança, até comprarem uma definitiva, de prata.

No caso da maquiadora Ariana Soares, 22, as coisas foram um pouco diferentes. Recém-separada do relacionamento que resultou no nascimento de sua filha Laís, ela se sentia despreparada para viver e se entregar a um novo parceiro. As inseguranças ocasionadas durante o período que esteve casada e o medo de inserir qualquer parceiro em sua vida e na de sua filha, afastaram, a princípio, qualquer possibilidade de envolvimento amoroso.

“Eu tinha muito medo de encaixar alguém na minha vida por conta da Laís, por que hoje em dia a gente acompanha muita coisa na internet”, conta. Ela ressalta também o medo de apresentar sua vida aos possíveis pretendentes: “Às vezes pensava que eu poderia estragar a vida da pessoa porque tenho uma filha. Porque querendo ou não, não seria um relacionamento comum”.

“Ele foi o primeiro match que eu dei.”

- Lívia Gemene, estudante

Quando Ariana finalmente se sentiu preparada para conhecer novas pessoas, alguém que até então estava distante de sua vida, decidiu aproximar-se. Adriano, 27, um de seus amigos mais próximos antes mesmo do período de isolamento, decidiu dar um passo a mais na relação dos dois, e foi quando os sentimentos começaram a ficar estranhos. “Um dia ele veio falar comigo, e me disse que estava com saudades. Eu chamei ele pra vir até

a minha casa, mas quando eu vi ele novamente depois de tanto tempo, ele já não era a mesma pessoa que eu conhecia e de quem era amiga”.

As visões de mundo parecidas, a sinceridade, o carinho e segurança, passadas por ambos, levaram o casal a assumir o relacionamento. Ela destaca que a parceria entre eles foi o ponto chave para que o relacionamento desse certo, e que a pandemia contribuiu muito para a aproximação entre eles: “Como a gente não pode ficar saindo, acaba que a gente vê sempre as mesmas pessoas, então eu acabava vendo ele com mais frequência”.

O relacionamento, que tem cerca de seis meses, já trouxe ao casal alguns ensinamentos importantes: desabrochar o lado mais romântico da maquiadora e estimular os laços entre ela e seus pais foram alguns deles. “Hoje em dia eu consigo ter um diálogo maior com eles, falo sempre para onde vou, sento em uma mesa e converso”.

Ariana afirma ainda que conseguiu estimular em seu companheiro um comportamento mais racional e paciente: “Ele era uma pessoa que se estressava muito fácil, e por muito pouco. Hoje eu já percebo que ele pensa antes de qualquer atitude”.

A terapeuta de casais Gabriela Binde acredita que se relacionar nos tempos de hoje está diretamente ligado à necessidade de se comunicar. A necessidade de ser ouvido, de ter acolhimento e carinho são os fatores que agregam na vida de quem hoje procura um relacionamento. “A linguagem talvez não existiria se não houvesse a necessidade de comunicar, e toda comunicação carrega em si uma relação, não é mesmo?”, questiona a especialista.

A terapeuta percebeu um aumento de casais que procuraram seus serviços durante a pandemia. De acordo com ela, esse momento de isolamento permitiu que muitos fizessem uma reflexão sobre o que realmente queriam para suas vidas, e focar nas áreas que mais importavam para eles. “Nas entrelinhas, os casais procuram psicoterapia para entender o lugar que esse relacionamento ocupa na vida de cada um, e se ambos estão alinhados em seus propósitos. O amor, sozinho, não mantém uma relação”, afirma Binde.

De qualquer forma, a necessidade de comunicação e sociabilidade do ser humano provou que pode ser mais forte, e assim como Lívia e Nicolas, Ariana e Adriano, muitos casais se encontraram e estão se esforçando para continuar nutrindo o relacionamento. Como a própria Lívia disse: “Relacionamentos não são muito fáceis, manter um relacionamento com outra pessoa exige muita maturidade. Você tem que lidar com os defeitos do outro, tem que lidar com os seus defeitos, mas sempre no final vale a pena porque é a pessoa que você ama”.

“Toda comunicação carrega em si uma relação”

- Gabriela Binde, psicóloga

Sophia Gama

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