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Leitura para momentos de caos

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Ai, que vergonha

Ai, que vergonha

Luiza Ruppel

Ipsuntio. Et hariasi nvellab iur, non prae maximusant milit aut dolorio volupta voloreperum, quaest parum

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A Itiban Shop teve que se readaptar para voltar a receber o público.

Em meio à pandemia, editoras e livrarias acreditam na fidelidade dos apaixonados por livros. O consumo de livros tem um aumento de 29%, segundo Nielsen e SNEL

Carlos Mazetto, Gusatvo Barossi e Luiza Ruppel.

Aluz alaranjada do pôr do sol entra pela janela. Um fim de tarde gelado, típico do inverno curitibano. A xícara de café fumega sobre a mesinha de cabeceira (talvez seja a 5ª do dia). Gabriela Bonardi se deita, apreciando o alívio do fim do expediente, e então mergulha nas páginas de Todas as Cores do Céu. Dentro da história, a leitora se esconde embaixo da cama junto com Mukta, enquanto a mãe da personagem recebe um cliente em sua cama. A engenheira se transforma em leitora e a leitora se transforma em personagem, como quem se desfaz do uniforme para se vestir de fantasia. O caos instaurado pela pandemia e a frustração com a prisão da quarentena são diluídos por alguns minutos. No universo das personagens do livro, a realidade é outra. Não é exatamente uma fuga da realidade, como diria (e disse) Thiago Tizzot, escritor, editor e livreiro. “Para quem vive no Brasil e é todo dia massacrado por notícias terríveis, o livro ajuda a entrar em um mundo diferente e vivenciar outra realidade, mesmo que seja por um breve período. Se for um livro com final feliz melhor ainda”, conta o escritor.

Editora Executiva da Editora Appris, que opera em Curitiba desde 2010, Sara conta que durante a pandemia houve crescimento de vendas entre outubro de 2020 e maio de 2021, associando tal fato com a maior disponibilidade de tempo para quem trabalha em home office e a busca por meios de desenvolvimento pessoal. Não obstante o aumento no volume de vendas, a editora pontua que a quarentena também mudou os hábitos de consumo por conta do fechamento do comércio físico. “As vendas antes majoritariamente feitas em lojas físicas migraram quase integralmente para lojas virtuais, mesmo nos períodos de afrouxamento das restrições.”

Sabe aquela vontade imensa de fazer algo que você gosta muito? Não importa se você está preparando seu almoço, resolvendo aqueles problemas do seu trabalho ou preso naquele engarrafamento, você daria qualquer coisa para realizar aquele desejo? Pois é, esse é Enzo Merolli quando o assunto é leitura. Ele descreve seu principal ritual pré-leitura como: “Tentar desesperadamente tirar um tempo do dia para que isso [leitura] ocorra”.

Durante a pandemia, os hábitos de leitura do estudante de Letras, de 23 anos, sofreram grandes alterações. Ele conta que houve períodos em que nem sequer abriu um livro enquanto em outros, devorava ferozmente grandes clássicos literários. Essa oscilação se deve principalmente ao fato de que ler é uma atividade que demanda tempo e concentração, coisas que com o home office acabam ficando mais complicadas de se achar.

Enzo relata ainda que, embora não esteja lendo tantos livros quanto gostaria, ele está comprando muito mais livros do que costumava antes da pandemia. O volume de livros vendidos entre os meses de janeiro, fevereiro e março de 2021 foi 29% maior do que o volume do mesmo período do ano anterior, chegando a um total de 11.950.098 livros vendidos em todo país neste período. Cabe ressaltar aqui que, embora em 2020 a pandemia do coronavírus tenha se alastrado pelo país, o setor dos livros só começou a sentir seus efeitos em abril de 2020, mês em que o volume de obras comercializadas despencou de 9 milhões para pouco mais de 1,5 milhão. Os dados coletados são do Painel do Varejo de Livros no Brasil produzido pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros em parceria com a Nielsen Bookscan Brasil.

“Uma pessoa que não lê se vê obrigada a viver apenas sua própria realidade. Quem lê, pode viver todas.”

Sarah Coelho, editora executiva.

A quietude de uma cafeteria pouco movimentada, com toda sua calma e charme, faz parte do cenário ideal para várias pessoas que apreciam literatura. Como no caso de Rebeca Albuquerque, 19, que aos 7 anos de idade teve contato com a literatura por meio de um gibi da Turma da Mônica. De lá para cá, as obras literárias viraram companheiras inseparáveis em sua vida. Neste ano já foram mais de 45 obras lidas.

Com tantos livros consumidos, são várias as sensações despertadas, as quais servem de combustível para estar sempre lendo. “A leitura é especialista em promover relacionamentos e aproximação - desde a fila do pão até a sala de aula - e é isso que sinto toda vez que um livro novo chega a minhas mãos. Afinal, como bem diz Alvo Dumbledore [o mestre diretor da escola na série Harry Potter], as palavras são, na minha nada humilde opinião, nossa inesgotável fonte de magia”, relata Rebeca.

É uma convenção, entre os entusiastas dos livros, que todo bom aeroporto precisa ter uma livraria. Um quiosque, que seja. As horas de espera pelo embarque são melhor desfrutadas na companhia de um bom livro. Em um desses “bons aeroportos”, Tizzot encontrou em uma livraria o seu primeiro encanto no mundo da literatura: O Hobbit, livro homônimo de J. R. R. Tolkien. Em 2002, Thiago abriu uma editora. Em 2006, uma livraria. E, desde 2018, a livraria/editora/café Arte & Letra pode ser encontrada em Curitiba, na Rua Desembargador Motta, 2.011. Se antes o site da editora só vendia os livros dela própria, para não virar refém do fechamento do comércio físico, durante a pandemia do novo coronavírus as obras da livraria ganharam espaço na venda online.

A mudança na forma de consumo chegou também ao universo literário, com e-books, lojas virtuais e tablets de leitura. Porém, Thiago acredita que o virtual não é uma ameaça às livrarias de rua, mas sim um concorrente indireto, com benefícios diferentes que não substituem os da compra na loja física. Segundo o livreiro, o leitor geralmente opta pela loja virtual quando já sabe o que quer ler, mas quando deseja buscar algo além da sua lista de compras, ele então visita as livrarias de ruas. Segundo Tizzot, não são só livros diferentes que os leitores buscam nas lojas físicas. “Existe uma busca pelo encontro, que neste momento não é muito possível, mas é a busca por ir até uma livraria e encontrar alguém que você vai poder conversar sobre livros.”.

Os que frequentam livrarias de rua nem sempre sabem o que buscam, muitas vezes passam horas entre capas e contracapas, entre sinopses e orelhas de livros, procurando sua próxima leitura sem saber o que querem achar. Mas ‘nem todos os que procuram estão perdidos’, como diria o autor J. R. R. Tolkien; o mesmo que encantou Thiago no aeroporto com suas palavras, também o que fez o músico e livreiro Luiz Francisco Utrabo se emocionar no cinema assistindo ao filme O Senhor dos Anéis, sentindo um misto de magia em poder ver as cenas que tinha imaginado ao ler e alívio pela obra ter sido bem adaptada.

Além de leitor de carteirinha, Luiz passou 22 anos trabalhando como músico, o que o levou a morar na Espanha nos anos 1980. Durante sua aventura no país europeu, Francisco frequentou o Festival de Barcelona onde se conectou com o universo dos quadrinhos. De volta ao Brasil, Utrabo se fixou em São Paulo para tocar com sua banda Máquina Zero, cidade em que conheceu Mitie Taketani, a dançarina apaixonada por quadrinhos que, em 1988, se tornou sua esposa. Depois de casados, foram morar em Curitiba, cidade natal de Francisco, e o gosto que tinham em comum pelas histórias em quadrinhos rendeu frutos em 1989: a loja Itiban Comic Shop, situada na Avenida Silva Jardim, 845.

“Esses pequenos lugares, essas livrarias de rua têm o papel do encontro, do cliente vir e ficar horas conversando contigo.”

Mitiê Tekani, dona da Itiban Shop.

A pandemia do Covid-19 também afetou a Itiban, que se apoiou nas vendas on-line e contou com o engajamento dos clientes fiéis. “Nós fizemos um apelo no instagram e conseguimos viralizar. Tem cliente que tem uma lembrança tão rica do que vivenciou em uma livraria {no caso, aqui}, que continuam apoiando e, mesmo fora do país, continuam comprando. 30 anos de loja significam muito, e graças à essa experiência física que nossa história continua reverberando.”, conta Mitie, emocionada e orgulhosa.

POR QUE O LIVRO MERECE SER ISENTO DE TRIBUTAÇÃO?

A reforma tributária proposta pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes, prevê a incidência da Contribuição de Bens e Produtos (CBS) sobre os livros, o que acarretaria em uma alíquota de 12% sobre transações envolvendo bens e serviços. Cabe lembrar que o artigo 150, VI, “d”, da Constituição assegura aos livros a imunidade em relação à incidência de impostos, motivo pelo qual a equipe responsável pela reforma optou por outra espécie tributária: a contribuição. Em defesa do projeto, Paulo Guedes justificou que o principal consumidor de livros no Brasil são as pessoas com maior poder aquisitivo, o que gerou uma ampla discussão no mercado literário brasileiro. A dona da Itiban Comic Shop, Mitiê Taketani afirma que a ideia de que só rico compra livro está errada e que a tributação afetaria toda a cadeia, inclusive o consumidor. Para ela, o mercado livreiro do Brasil ainda está em construção e seria prejudicado com a incidência da CBS sobre os livros. Frente à indagação do que aconteceria caso as livrarias de rua desaparecessem, a comerciante destaca que a bibliodiversidade seria perdida sem o olhar e a curadoria do livreiro.

Assim como Mitie, Thiago Tizzot, da Arte & Letra, afirma que a incidência tributária sobre os livros seria um fator ameaçador para o universo literário brasileiro como um todo, mas principalmente para as livrarias pequenas. Thiago explica que o mercado editorial funciona em várias etapas, e em cada uma delas o valor do livro vai aumentando. Nesse sentido, a incidência da CBS representaria um aumento percentual no preço final maior do que 12%. Para o editor e livreiro, a tributação do livro demonstra uma postura do governo de dificultar o fluxo de ideias de pessoas que pensam diferente ou de forma contrária aos governantes. “Acredito que o livro tem de ser isento porque toda forma de expressão cultural deveria ter facilidade e ser estimulada a circular, como cinema e música também. São propagações de ideias que muitas vezes dão voz para uma parte da população que normalmente é silenciada, e isso tem que ser incentivado“, finaliza Tizzot. (LR)

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Quer conhecer mais sobre quadrinhos? A Itiban Comic Shop tem um canal no Youtube em que mostram conteúdos e eventos.

Luiza Ruppel

A editoria Arte e Letra recebe diversas visitas por conta de um espaço conjunto com uma cafeteria.

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