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Arte no corpo

Pessoas mais velhas veem as tatuagens como marcas de suas histórias pessoais

Carlos Mazzeto, Gustavo Barossi e Luiza Ruppel.

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freepik.com/user19346440

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Aagulha perfura as camadas da pele até chegar na mais profunda.O barulho inconfundível da máquina de tatuagem marca a passagem do tempo com uma sequência de “dzzzzzzzzzz dzzz dz dzzzzzz”. Alguns minutos - ou horas - depois, a tinta aplicada na derme forma um desenho que será exibido para o resto da vida da pessoa tatuada. E (quem já se tatuou um dia talvez se identifique) a pergunta inevitável será feita: mas e quando você envelhecer? Existe um estigma de que o grande problema da tatuagem é que ela dura para sempre, o que significa que, quando a pessoa for mais velha, ter a pele tatuada será uma complicação.

Totalmente contrário a esse pensamento, o modelo Walter Gianini, de 58 anos, não enxerga o problema na perpetuidade de suas tatuagens. “Perguntavam se elas não iriam desbotar. Eu digo que são marcas, e daí se vão desbotar? São registros da minha história, das minhas passagens.” Contra as crenças de sua família tradicional e religiosa, o modelo fez sua primeira tatuagem assim que completou 18 anos, em 1981. A avó de Gianini veio com seus três filhos para o Brasil fugindo da ditadura de Francisco Franco, instaurada na Espanha. Criada em meio ao medo da ditadura, a mãe de Walter, diz ele, pensava que ter uma tatuagem significava que a pessoa estaria marcada e seria identificada com facilidade pelas autoridades. Mesmo tendo que lidar com as adversidades causadas por conta das tatuagens, Walter entende que o processo de desconstrução de paradigmas consiste também em respeitar as diferenças entre as gerações e o processo do outro, principalmente no ambiente familiar. Questões ideológicas e de religião sempre formaram o pensamento de pessoas ao seu redor, porém, esse preconceito se desfez, e hoje, a mãe que fazia críticas passeia pela areia da praia se sentindo orgulhosa da atenção que seu filho tatuado chama. Mas para chegar a uma aceitação maior, houve uma grande luta para que as coisas se tornassem menos duras. “Eu vim de um tempo que era tudo muito diferente e eu dei a cara para bater, por exemplo: pela minha orientação sexual, por eu ser gay. E na minha geração lutamos muito, abrimos portas para a geração que está chegando agora. ”Com a passagem dos anos, Walter foi adquirindo uma coleção de desenhos pelo corpo cada vez maior,questionado diversas vezes: “e quando você for mais velho?” Hoje, as tatuagens que cobrem sua pele significam para ele marcas da sua história e da individualidade de sua vida. “É eu poder me expressar da forma que quero e ser único, pois não tem outro igual a mim: as tatuagens me tornam único, representam marcas da minha vida, umas muito boas, e outras não tão boas, mas elas todas são marcas que representam quem eu sou.”

Martina Mandic

Martina tem planos de fazer mais tatuagens.

Caio Passos

caio começou a se tatuar pensando em expor as opiniões e ideologias. Walter não cobre suas tatuagens, acreditando que os traços que estouraram também são marcas que o representam.

Walter Gianinni

Caio Passos

Para o skatista Caio Passos, 53, o seu rito de passagem para o mundo dos desenhos feitos na pele também ocorreu nos anos 1980. Com 13 anos, Caio comprou agulha, tinta nankin e escondido de seus pais fez em seu braço o símbolo da anarquia. “Eu era recém punk e achei que era a hora de me tatuar. Eu gosto muito dela porque tem um significado para mim até hoje. Essa tatuagem sou eu.” Caio adotou o punk como um meio de ver o mundo, contra o autoritarismo, a perseguição, os preconceitos e a repressão das diferenças na sociedade. Apesar

de ter se tatuado jovem, ele pontua a importância de pensar bem antes de resolver fazer uma tatuagem, ter cuidado com a simbologia dos desenhos e prezar pela escolha de bons profissionais. O skatista relata ter passado por momentos de preconceito por ser tatuado, mas acredita que o estigma social em torno da ideia de envelhecer tendo tatuagem depende da cultura do local. No Brasil, diz ele, a sociedade se escandaliza se as pessoas mais velhas querem fazer algo tipicamente feito por jovens. “Eu não vejo problema nenhum [em envelhecer sendo tatuado]. Não vejo problema nenhum em ser feliz a vida toda. O importante é você estar satisfeito com isso.” Em determinado período da vida, Caio cruzou seu caminho com o de Martina Mandic, 61, sua ex-esposa e amiga até hoje. Dona de uma personalidade ímpar, Martina nasceu na Alemanha, mas se mudou para o Brasil com 5 anos e já teve diversas profissões: atriz, tradutora de alemão, assessora para cidadania alemã e atualmente é empresária. Martina demonstra um ponto de vista um pouco diferente dos outros com relação a tatuagens. Ela entende que o conceito de se tatuar era diferente há uns anos, mas isso nunca a afetou diretamente. “Claro que as pessoas ficavam olhando meio para as tatuagens, mas preconceito mesmo eu nunca sofri. Talvez porque eu nem me importasse também.”

“Perguntavam se elas não iriam desbotar. Eu digo que são marcas, e daí se vão desbotar? São registros da minha história, das minhas passagens.”

Walter Gianini, modelo.

Tatuador

O despertador toca, a chaleira apita, é mais um dia de trabalho. A arte já foi combinada com o cliente, é hora de tatuar. Ezequiel Basso, 43, já leva essa rotina há 26 anos, é tatuador profissional e instrutor de curso para iniciantes. Agora em seu estúdio, reformulado e com aparelhos novos, ele é exemplo para novos profissionais, mas nem sempre foi assim. No começo da carreira, ele só tinha acesso a máquinas velhas de difícil manuseio, além de agulhas caseiras, o que atrapalhava muito no desenvolvimento do desenho. Se em tempos atrás havia um estigma muito grande com quem possuía alguma arte no corpo, para quem resolveu adotar isso como profissão era ainda maior. Ezequiel revela que sofreu represália, principalmente por parte de sua família. “Eles diziam que tatuar não era emprego de verdade. Queriam que eu largasse para trabalhar com algo que eles achavam que era um emprego sério.”

Cuidados com a tatuagem

Alguns cuidados que você pode tomar para que a tatuagem não deforme com o tempo

Hidratar a pele diariamente: a pele ressecada atrapalha no processo de cicatrização bem como de conservação, além de aumentar os riscos de deformação da tatuagem;

Uso de protetor solar: o sol é o inimigo número 1 das tatuagens, a luz solar faz com que os traços estourem conforme o tempo. O ideal é evitar expor as tatuagens ao sol, mas quando não for possível, use protetor;

Manter hábitos alimentares sau-

dáveis: uma boa alimentação auxilia na hidratação e cicatrização na pele, sendo aconselhável evitar alimentos muito gordurosos e bebida alcoólica durante a cicatrização.

Saiba mais sobre os cuidados com a cicatrização.

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