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Transplantados e guerreiros da diálise
from CDM 54 - Digital
Mesmo transplantados, pacientes renais vivem em uma eterna jornada de regras e restrições, com cuidados dobrados sobre a alimentação e medicamentos
Barbara Schiontek, Rita Vidal e Thiliane Leitoles
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Rita Vidal
Osentimento de querer manter vivos aqueles a quem se ama pode beneficiar inúmeras pessoas que, ansiosas por uma melhor qualidade de vida, esperam na fila de transplante. E, quando a doação é uma atitude que parte da própria família do paciente, o processo se torna ainda mais próximo. Esse é o caso de Ana Paula Ramos, que já foi transplantada duas vezes e enfrenta o processo da hemodiálise novamente. Ela descobriu o problema renal quando tinha 17 anos e, aos 26, recebeu a doação de um dos seus irmãos. A qualidade de vida aumentou, entretanto, dez anos depois, uma bactéria faria com que a jovem tivesse que esperar por um novo órgão. Por três vezes na semana durante três horas do período da manhã, Ana Paula é conecctada a máquina de hemodiálise para realizar a filtragem do sangue.
Dessa vez, o outro irmão de Ana fez a doação, que mais tarde viria a causar uma nova rejeição.
A história da doação para Emilly Cristina Soares também envolve laços familiares, já que a doadora foi sua própria mãe, Rosana Soares. “Quando cheguei à consulta com o nefrologista, após alguns exames, ele me disse: ‘Com esses resultados, você já deveria estar em coma há muito tempo’”, relata Emilly, que por meio de uma dor de cabeça, conseguiu descobrir uma doença renal crônica, sendo, alguns meses depois, encaminhada a um transplante de rim.
Antes do transplante, mãe e filha não conversavam há dois anos devido a um desentendimento, mas o silêncio foi cessado pelos 99,9% de compatibiesperam anos na fila de transplante. “Eu passei dez meses fazendo diálise peritoneal à espera de um doador falecido. Quando soube que minha mãe era compatível, eu não quis mais esperar.” Para Rosana, nada acontece ou aconteceu por acaso: “Nós tínhamos uma relação complicada antes do transplante, e após tudo isso, nossa relação ficou muito melhor”.
Rita Vidal
A médica nefrologista responsável pelos serviços de transplante renal do Hospital do Rocio Fabíola Pedron Peres da Costa afirma que hoje, no Brasil, existem muitos pacientes como Emilly, ou seja, que portam alguma insuficiência renal crônica e estão passando pelo procedimento de hemodiálise ou diálise peritoneal. E, segundo o médico, esse número é crescente, pois hoje as principais causas de problema
Sem medo de mostrar as cicatrizes, Ivo Ramos sorri ao mostrar as marcas de sua batalha em busca do rim.
lidade. “Fiquei chateada, pois foi o pai dela que me contou sobre a doença, não ela. Mas quando é filha, a gente não pensa duas vezes.”
Desde a descoberta até a recuperação, Emilly diz que o processo teve duração de um ano e meio, o que, segundo a jovem, é um período curto se comparado ao de pacientes que renal são diabetes e hipertensão, que são as doenças mais prevalentes na população.
É o caso de Ivo Ramos Junior, que, por conta do diabetes, entrou na fila para transplante de rim e pâncreas. Após um tempo de espera, em um exame, ele descobriu que era diabetes tipo 2, então saiu da fila de transplante de
pâncreas e foi submetido apenas a um transplante de rim. “Depois da recuperação, fui até meu médico endocrinologista e descobri que a diabetes tinha regredido para tipo 1, o que me levou a dois enxertos de pâncreas mal-sucedidos e hoje me recupero do terceiro.” O transplantado ainda comenta que todos os processos aconteceram com doador falecido.
Fabíola explica que a única diferença entre doador vivo e falecido é o tempo que o órgão leva para recuperar sua função. Segundo a nefrologista, com a melhora da captação e da oferta de órgãos de doadores falecidos, os pacientes preferem aguardar na fila – já que a espera funciona por semelhança genética e não por ordem. Por outro lado, a especialista destaca a importância de esclarecer a diferença entre morte cerebral e coma, pois a confusão tem levado muitas famílias a rejeitarem a doação de órgãos.
PROCESSO PARA O TRANSPLANTE E TRATAMENTO
O Paraná é referência no Brasil em transplante de órgãos. Em 2018 foram feitas 47,5 milhões de doações por habitantes no estado. Outros dados mostram que, entre os anos de 2011 e 2018 houve, um aumento de 365% de
Coma e morte cerebral
Qual a diferença entre os termos médicos?
Muitas pessoas acreditam que o coma e a morte cerebral são a mesma coisa. Mas, segundo a nefrologista Fabíola Pedron Peres da Costa, no coma, o paciente não acorda, mas tem fluxo de sangue no cérebro, existindo, portanto, a possibilidade de ele acordar.
Já no caso de morte cerebral, a médica explica que o mesmo exame é feito e percebe-se que o fluxo de sangue não chega ao cérebro do paciente. A nefrologista reitera que, para ser um doador falecido, a pessoa precisa ter passado por morte cerebral.
A médica coordenadora do Sistema Estadual de Transplantes do Paraná (SET/PR), Arlene Terezinha Cagol Garcia Badoch, explica que o sistema busca conscientizar a população para que cada vez mais a doação de órgãos se torne algo comum, além de criar medidas que façam com que o processo aconteça de forma rápida e eficaz.
Além disso, Arlene informa sobre a existência da lei de transplantes (9434/97), que diz: “Na hipótese de doação post mortem, será resguardada a identidade dos doadores em relação aos seus receptores e dos receptores em relação à família dos doadores”.
Médico do Instituto do Rim do Paraná, clínica que desenvolve atividades nas áreas de nefrologia, hemodiálise, diálise peritoneal e transplante renal, Hélio Cassi explica que, além do transplante, existem outras duas maneiras distintas de tratar a insuficiência renal.
A primeira é a hemodiálise. O processo consiste artificialmente em um rim criado pelo homem, uma máquina, que ajuda a manter a situação do indivíduo relativamente estável com uma filtração extracorpórea. Três vezes por semana, o paciente passa de três a quatro horas conectado à máquina, que faz o trabalho que o rim deveria fazer.
A segunda é a diálise peritoneal. O processo de filtração é quase o mesmo que a hemodiálise normal realiza, a diferença é que o paciente terá todo esse procedimento feito em casa, diariamente, com a ajuda de alguém que recebeu o treinamento adequado para realizar o manuseio da máquina.
Cassi conclui que os resultados são os mesmos e que o paciente tem liberdade de escolha sobre o método que querem realizar. “O médico só interfere nesse processo quando o paciente já possui outras limitações que interferem no tratamento.”
A LUTA DE MARIA
Regina Maria Padilha é filha de Maria Aparecida Padilha. Por volta de dezembro de 2004, Maria foi informada de que os seus problemas com pressão alta geraram uma flebite que culminou na perda dos dois rins. Durante 13 anos, Regina presenciou a luta diária da mãe na hemodiálise e lembra que, por mais debilitada que Maria aparentava estar, sempre foi forte e nunca desistiu de enfrentar a batalha pelo rim. A filha conta que a mãe só entrou, efetivamente, na fila do transplante, quando as fístulas do braço para a hemodiálise pararam. Então, em 2015, ela realizou o processo cirúrgico. “É muito agoniante receber a ligação de que sua mãe teria que passar por um processo desse. Foram horas de espera até o órgão chegar. Ela fez o transplante mas dentro de quatro a cinco dias já teve a rejeição. Tudo isso foi muito difícil, já que minha mãe não tinha mais acesso e o rim poderia ser a sua última chance.” Maria Padilha recorreu então a diálise peritoneal, feita em casa. Regina conta que esse foi um momento bastante delicado e de cuidado dobrado, já que ela e sua irmã tiveram que fazer um treinamento intenso para gerenciar a máquina a qual a mãe permaneceria conectada durante todas as noites. “A cada dia que passava minha mãe ficava mais debilitada. Um dia doía. Outro não dava certo. E assim foi indo, até ela falecer em novembro de 2017 devido à um AVC e uma infecção no peritônio”, conta. A filha não esconde as lágrimas ao lembrar da mãe, e conta que durante todos esses anos, Maria sempre lutou, permaneceu “forte e guerreira”. Por mais que tivesse uma qualidade de vida limitada, sem as viagens que tanto gostava, Maria sempre contou com o apoio de toda a família que, segundo Regina, foi essencial para que sua mãe vivesse por mais tempo. Mesmo que a história de Maria e de muitas outras pessoas não tenha terminado com um final feliz, os dados do Sistema Estadual de Transplantes do Paraná são otimistas e mostram que, em 2018, 634 transplantes de rim foram realizados no estado, sendo o órgão mais transplantado no Paraná. As tabelas também apontam que, até novembro de 2018, havia 1.332 guerreiros na lista de espera pelo rim, aguardando a chance de renascer. Regina Maria Padilha, vendedora
Arquivo Pessoal
Em sua última viagem de família, Maria (segunda mulher à esquerda) registra o encontro com seus irmãos que moram em outra cidade.