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História viva

História viva Pilotando aviões ou combatendo em trincheiras, soldados brasileiros guerrearam na Itáliaa e participaram da conquista de Monte Castelo

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Com 99 anos, o pracinha da Força Expedicionária Brasileira (FEB) Mario Ferroni, ainda guarda na memória os dias de aflição e desesperança vividos durante a Segunda Guerra. Quando Ferroni soube de sua convocação para a guerra, no ano de 1944, pegou o primeiro trem de Caçador, Santa Catarina, com destino a Luzerna, para avisar os pais sobre sua partida.

A missão foi triste. Na época com 24 anos, o jovem não sabia como contar aos pais. Desceu do trem e caminhou por uma estradinha até chegar ao sítio onde moravam os pais. Nervoso, ele só conseguiu dar a notícia no dia seguinte, na hora de partir. Os pais ficaram cabisbaixo no mesmo instante, já que ir para a guerra era quase como uma sentença de morte. Em um último ato a mãe de Mario colocou uma medalha do Sagrado Coração no pescoço do filho e, acompanhada do marido observou de forma triste pela janela o filho partir. De volta a Caçador, o Ferroni mal teve tempo de organizar o pensamento. Logo foi para o Batalhão de Infantaria de Joinville e depois Blumenau. Fez inspeção de saúde, e, declarado apto, incorporou-se ao 11º Regimento de Infantaria. “Com este regimento, fui para o teatro de operações na Itália, onde participei do famoso combate em Monte Castelo. Lembro que embarcamos no Rio de Janeiro diante de uma multidão acenando com lenços brancos. Foi um momento marcante”, conta. Assustado e com o navio zarpando, Maria olhava incrédulo a bela paisagem carioca. “Na hora tive muitas impressões. Olhava para o Corcovado e para o Cristo Redentor e achava que nunca mais ia voltar. Nervoso, lembro de baixar a cabeça, beijar a medalha e rezar”.

Ferroni desembarcou em Nápoles, Itália, onde lutaria na front italiana. O primeiro combate do jovem foi em Monte Castelo, a famosa batalha que ficou marcada pela presença da Força Expedicionária Brasileira (FEB) no conflito. “Foi ali que minha companhia teve os primeiros mortos e feridos. Os alemães estavam muito bem entrincheirados e muitos ataques não tiveram êxito, por falhas de estratégia. No início foi desesperador, mas ver aquilo me deu motivação para lutar”, conta. Até a conquista Monte Castelo, foram três longos meses de muito sofrimento e sangue, além de um frio de 18° negativos. Lá passaram o restante do inverno na defensiva sob as bombas dos Alemães. Com a chegada da primavera, tinha início outra grande ofensiva, a de Monte Castelo Novo. “Fomos avançando, sem muita resistência deles, até que chegamos ao Norte da Itália, onde recebemos a notícia do fim da guerra. Foi um alívio, eu nem acreditava que tudo finalmente tinha acabado.”

Ferroni participou de ações de combate por um ano e meio, tempo suficiente para transformá-lo profundamente. Os sonhos de juventude deram lugar ao medo e sofrimento. Dentre tantas tragédias que viu, uma ele nunca esquece. “Ainda em Monte Castelo, um grupo de pracinhas estava almoçando perto de uma colina, quando ouviu o estrondo de uma granada e corri para ajudá-los. Entre muitos mortos e feridos, o que mais me impressionou foi um pracinha muito jovem clamando pela mãe.” Mario conta que aquela cena o tocou muito, percebendo o quanto era triste morrer longe da família e de tudo que amava. Outro fato que Ferroni lembra com carinho aconteceu na noite de Natal. Ele conta que a companhia recebeu ordem para descansar e o seu pelotão improvisou uma árvore de natal. “Enfeitamos com doces e passamos a noite cantando e contando histórias como se nada de ruim pudesse acontecer. Foi o único momento em que me senti em paz. Inesquecível!”

Recomeçar não foi tarefa difícil para o pracinha. Com um pouco de estudo e até um curso de contabilidade (feito por correspondência), ele arrumou uma vaga na Industrial Madeireira, emprego no qual ficou por mais 34 anos. Casou e criou os quatro filhos, e, hoje, aos 99 anos vive a plenitude de quem aprendeu com a dor e sofrimento. Prestes a completar 100 anos, no próximo dia 5 de julho, Ferroni acredita que chegar aos 100 é, para ele, uma graça divina. E o soldado tem os seus segredos. “É preciso sorrir para a velhice. E isso, é o que mais faço.”

Para o historiador Luiz Carlos Huber, a história dos pracinhas brasileiros é algo incomparável e único. “É a história viva! Não são apenas como fotos, gravações ou documentos que capturam ou narram um determinado momento. Eles vivenciaram o conflito, e o mais importante, eles sentiram! São emoções que apenas eles podem reproduzir.” Porém, Huber acredita que este capítulo da história infelizmente está próximo ao seu fim, já que muitos dos soldados brasileiros que lutaram na Segunda Guerra Mundial estão com mais de 100 anos ou já morreram. “São como lendas vivas, tivemos o privilégio de viver na mesma época. Infelizmente a maioria já se foi, e os que permutam entre nós já têm bastante idade”, conta. de quem lutou no conflito. O museu do Expedicionário, em Curitiba, é um exemplo de acervo que mantêm viva as histórias das pessoas que presenciaram este período.

Ainda segundo o historiador, os museus têm importância refutável na manutenção dos relatos dos soldados paranaenses que combateram na Segunda Guerra. “Além de guardarem registros documentais como fotos e papéis, também preserva objetos pessoais que foram usados ou capturados pelos soldados durante a guerra.” Entretanto, Huber alerta para falta de manutenção e incentivo aos espaços, já que segundo o historiador muitos só recebem algum tipo de reforma quando estão quase inutilizáveis. Além disso a falta de estímulo à cultura por parte Governo compromete a perpetuação da história.

MANUTENÇÃO DA HISTÓRIA

“Olhava para o Corcovado e para o Cristo Redentor e achava que nunca mais ia voltar. Nervoso, lembro que abaixei a cabeça, beijei a medalha e rezei.”

Mario Ferroni, pracinha da Força Expedicionária Brasileira (FEB)

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, e a participação do Brasil neste momento histórico, incluindo soldados paranaenses, era relevante a preservação das memórias Rita conta que o museu apresenta ao público fotografias, mapas, jornais da época, armas, vestimentas, entre outros artefatos marcados durante o conflito que foram negociados através de trocas e doações feitas entre expedicionários brasileiros e soldados estrangeiros. De acordo com Rita, apesar de passados muitos anos após o fim da guerra e da abertura do museu, as doações de materiais para a mostra dos expedicionários é algo que não parou com o tempo e até hoje o museu apresenta novidades em sua exibição. “O acervo é muito dinâmico. Quando falece algum oficial da Força Expedicionária os familiares doam medalhas e outros artefatos, ou até mesmo os próprios expedicionários quando sentem estar chegando no fim da vida vêm até nós.” Essa dinâmica de doações é algo permanente e mantém o museu vivo.

O Museu do Expedicionário apresenta um acervo original da Segunda Guerra Mundial e além de todo material histórico em exposição, o local também conta com a exibição de veículos utilizados pela Força Expedicionária Brasileira (FEP) na guerra. Segundo a secretária da Legião Paranaense do Expedicionário, Rita Maria de Jesus, todo o material histórico do museu foi cedido pela Força Aérea Brasileira (FAB) e pela Marinha de Guerra do Brasil. Também existem materiais cedidos por outros países para a mostra, como Estados Unidos e Inglaterra.

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