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O padecer de ser mulher, mãe e desempregada
Nome fotógrafo
Quando a maternidade deixa de ser uma dádiva e passa a ser o motivo do desemprego, o patriarcado grita e mostra que sua raiz permanece nutrida e forte
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Agravidez bem planejada, quando ela e o marido estavam estabilizados financeiramente, com empregos fixos e estáveis, continha em seu cronograma todo o pós parto. Com a licença-maternidade, ela ficaria por quatro meses em casa e, após esse período, o marido, que é concursado, tiraria a licença- -prêmio, ficando os próximos três meses com o filho. Os planos eram feitos com tanto receio, que no meio do seu puerpério, Danielli conversou com seu empregador, perguntando sobre a estabilidade do emprego, já que a empresa onde trabalhava tinha em seu histórico outras quatro demissões após licença-maternidade. Com a garantia feita por ele, ela pôde relaxar e manter os planos.
Danielli Silva, advogada
Toda mãe que passa por esse processo de retorno ao trabalho conhece as dificuldades e os medos que envolvem este período. O cansaço extremo e os desafios constantes abalam a auto confiança e, a esta altura, o “padecer no paraíso” já é a realidade de muitas. Mas, com a segurança da equipe formada pelo marido, pela mãe e pela sogra, a postos para amparar o filho, Danielli se sentia segura em voltar. E voltou. Por um dia. “No mesmo dia do retorno, minhas chefes me chamaram. Fui informada que elas não estavam mais interessadas no meu trabalho e eu estava sendo desligada da empresa onde eu trabalhei por sete anos. Falaram isso. Isso e só. Muito obrigada e tchau, você não faz mais parte da nossa equipe.” A tristeza veio acompanhada de revolta, já que todo tempo e trabalho dedicados a eles foram absolvidos pela cultura de uma sociedade machista, que não acredita na potencialidade das mulheres, principalmente depois que se tornam mães. “O meu exemplo é apenas mais um. Mais um para mostrar que todo o trabalho e campanha a respeito de mudanças e igualdade de gêneros não têm funcionado. Nada mudou”, ela acrescenta.
Infelizmente, Danielli faz parte de um crescente dado apontado pela pesquisa “Mulheres perdem o trabalho após terem filhos”, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), de 2017. Segundo o estudo, há imediata queda no emprego das mães ao fim da licença- -maternidade e, depois de 24 meses, 50% delas saem do mercado – na maior parte das vezes, por iniciativa do empregador.
A advogada trabalhista Joana Aparecida Sloboda explica que toda mulher está amparada por leis trabalhistas, que visam e dão garantia à permanência em seus empregos, durante e após a licença-maternidade. Entre as abrangências da lei, estão os 120 dias de licença maternidade, a estabilidade empregatícia, desde a descoberta da gravidez, até 5 meses após o parto, dispensa para consultas médicas e mudança de cargo, sem alteração no salário, caso o antigo ofereça riscos à mãe ou ao nascituro. Em caso de descumprimento, a empregada deve ser indenizada, cabendo até ação trabalhistas caso a dispensa ocorra sem justa causa.
Mas indenização alguma paga determinadas situações. A revolta e a decepção ainda são notadas na voz e nos movimentos agitados, quando a técnica em radiologia Adrieli Lucatelli, 32 anos, fala sobre o assunto. O desemprego não foi apenas um choque, ele trouxe intermináveis transtornos para sua vida.
O choque do desemprego veio três meses após a chegada da Alicia e já completa quase dois anos.
Mãe da Alícia Maria, hoje com um ano e 8 meses, Adrieli trabalhava há oito anos em dois hospitais, quando planejou a gravidez. Pela insalubridade da sua atividade, onde era exposta diariamente à radiação, foi necessário trocar de cargo durante a gestação e, para facilitar, ajudou a encontrar uma pessoa para substituí-la neste período. Antes de entrar na licença maternidade, mesmo estando na fase mais exaustiva da gravidez, chegou a trabalhar por 12 horas seguidas, tudo para deixar seus setores organizados nos hospitais e viver a fase que viria a seguir, tranquila.
Por garantia, também procurou a direção de um dos hospitais. Estava inquieta e precisava perguntar sobre sua estabilidade empregatícia, afinal, as contas logo iriam aumentar e ela não queria ser surpreendida. Para seu alívio, deram-lhe garantias. A vaga continuaria sendo sua.
A primeira dispensa ocorreu 30 dias após seu retorno, exatamente quando terminou o período de estabilidade, amparado pela lei. A alegação usada foi de que ela custava muito caro para o hospital. A segunda veio três meses após o retorno. Os seus piores três meses de trabalho, ali. Adrieli conta que era pressionada a pedir demissão, enquanto a trocavam de área e a colocavam em outras, totalmente alheias à sua formação e contratação. Dado esse tempo, como ela não havia cedido, foi informada que o setor de radiologia do hospital seria fechado e, por isso, não precisavam mais do seus serviços. O setor nunca fechou.
“A maior ironia disso tudo é que os dois hospitais são administrados por mulheres. O machismo não está no homem, está na sociedade”, desabafa.
Como os horários que cumpria nos empregos iam das 16h às 20h, antes que sua licença terminasse contratou uma pessoa para ficar com a filha e montou um esquemas de revezamento com o marido, já que também atendia o plantão radiológico dos hospitais. “Eu acabei tendo que dispensar a mulher que havia contratado para cuidar da Alícia. Por sorte, ela entendeu. Eu não tinha mais renda para manter ela trabalhando para mim. Querendo ou Não ter mais uma renda própria é uma das consequências mais sentidas por Adrieli. Ela conta que começou a trabalhar muito cedo, ainda na adolescência e nunca mais havia parado. Ela explica que já chegou a trabalhar em quatro empregos diferentes, ao mesmo tempo, em algumas épocas: “Eu sempre pude comprar minhas coisas e, agora, além de ter minha filha para sustentar, dependo de pedir dinheiro para meu marido. O pior é que não só para as coisas dela, mas, também, para as minhas. Eu me sinto humilhada.”
Adrieli Lucatelli, técnica radiologista
A realidade de, de repente, ter uma renda a menos e uma boca a mais para sustentar é um fator que dificulta, ainda mais, o retorno das mães ao mercado de trabalho. Com vagas limitadas em creches, o alto custo das escolas particulares e da contratação de babás, conseguir um emprego, novamente, vira um ciclo eterno de dificuldades. Adrielli, para não ficar parada, começou a vender roupas e acessórios, de forma autônoma. Está longe de sua formação, mas em uma cidade pequena, essa foi a opção. “Eu nunca fiquei parada, no final do ano irei me candidatar para ser conselheira tutelar. A gente faz as coisas irem acontecendo.”