4 minute read

Os donos da ilha

Conheça a luta para impedir a construção de um porto privado em frente as Ilhas do Mel e Maciel, no Paraná

Talita Laurino

Advertisement

Os capangas do homem que usava terno e gravata chegaram botando ordem no litoral. Armados de pistola e revólveres, poderiam fazer qualquer um calar- -se. Numa de suas ações pela ilha de Maciel, no Paraná, obrigaram um casal de velhinhos a parar de construir uma moradia para o filho recém-casado. O motivo? Aquele terreno agora pertencia a João Carlos Ribeiro.

Francisco Miranda das Neves, de 77 anos, ficou inconformado e bateu de frente com a ameaça. “Eu sou pescador, nativo, essa terra é minha, vou continuar construindo, sim!”, respondeu. O capanga, que Francisco se lembra chamar Paulo, não deixou barato e disse que ia colocá-lo debaixo da terra se não parasse com as obras imediatamente. “Foi só em 2015 que meu pai ficou sabendo da sentença. Nós perdemos e eles tacaram fogo na casa do meu irmão e no espaço de pesca do meu pai. Quando finalmente conseguimos construir outro, o queimaram de novo”, conta Maria Neves de Souza, que depois assistiu à delegacia de Pontal não querer nem fazer B.O.contra o magnata.

Numa tentativa desesperada de conseguir ajuda, o velhinho recorreu a um advogado de Paranaguá. O doutor prometeu recuperar todos os seus direitos, mas, depois de algum tempo que o processo começou, sumiu. O grupo, mais conhecido por Observatório de Justiça e Conservação, completou três anos em 2019 e nasceu com o objetivo de levar para a opinião pública práticas duvidosas do governo em relação a natureza. O principal plano de ação deles é com a imprensa.

Algum tempo depois, a nativa escutou que o mesmo João Carlos Ribeiro havia elaborado um projeto para construir um porto pela região. Quando pesquisou o local que a obra seria executada, descobriu que ela ocuparia toda a extensão habitada de Maciel, além de parte da Ilha do Mel. “A praia tem dono”, concluiu. Subindo a serra, alguns ativistas paranaenses preocupados com o ambiente ouviram a mesma história.

Talita Laurino

“Acreditamos que levando informação às pessoas conseguimos dar-lhes motivo para agir”, diz a jornalista e gerente de conteúdo do projeto, Claudia Guadagnin. contra o início das obras. O vídeo reuniu até mesmo globais, como Leticia Sabatella, Katiuscia Canoro, Grace Gianoukas, Leandro Daniel, Bruce Gomlevsky e Ilva Niño.

Com algumas campanhas já bem sucedidas, mergulharam num novo desafio, o projeto “Salve a Ilha do Mel”. Em uma das primeiras ações, o grupo participou de uma reunião do colit (Conselho de Desenvolvimento Territorial do Litoral do Paraná). Por lá, o tom da conversa ficou tenso. Um dos representantes do governo aprovou o licenciamento da faixa, em meio a protestos dos outros membros do conselho contra o processo. A discussão foi filmada por um dos integrantes do Observatório. No vídeo, é possível ver que o governo estava determinado a autorizar a construção do Porto em Pontal. Mas, depois de alguns pedidos de vista, os ativistas conseguiram segurar a caneta, e o apoio da sociedade começou a aparecer. Um clipe dirigido pela compositora e cantora Raissa Fayet trouxe mais de 70 artistas locais para protestar “Eu frequento a ilha desde que tenho 15 dias de vida , cresci pelo mar e pela areia. Com o tempo, consegui perceber o impacto do porto de Paranaguá. Não podemos deixar que aconteça o mesmo em Pontal do Sul. não existe necessidade. O impacto seria irreversível, precisamos produzir natureza”, declara Raíssa. Ela conta que viu a dragagem mudando a fonação das praias, o esgoto em Paranaguá aumentar com os resíduos que vêm dos navios e o crescimento populacional subir sem planejamento. “Deu para ver a chegada dos usuários de drogas também, a quantidade de soja transgênica em todos os cantos, os telhados de casas no mar, no meio fio, na rua...foi triste!”, argumenta. A corrida para que os empreendimentos – o porto privado em frente à Ilha do Mel e uma estrada para atendê-lo – fossem viabilizados acontecia nas vésperas das eleições de 2018 para o governo do estado. Estima-se que mais de quatro milhões de metros quadrados de Mata Atlântica em perfeito estado de conservação seriam derrubados para a construção da estrada. “Eu sou pescador, nativo, essa terra é minha.”

Francisco Miranda das Neves, 77 anos

O grande problema é que a região concentra o pouco que ainda resta deste bioma nativo do Brasil. Segundo a iniciativa da Fundação SOS Mata Atlântica e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que o monitora desde 1985, no último ano foram destruídos aproximadamente 11.399 hectares (ha) de Mata Atlântica. vinda do Porto, mas isso é mentira.” Sobre isso, Mila da comunidade Maciel entende bem. Ela sentiu na pele a falta de luz e de água na Ilha. “Os mais antigos conseguiam ter tudo, mas depois que João se autodeclarou dono de Maciel, a gente liga para a Copel e eles dizem que não podem instalar nada para gente. Somos esquecidos, temos que fazer gambiarras para ter acesso à luz.”

“Sem natureza, sem turismo”, comenta Romulo Pangracio, dono de uma pousada na Ilha do Mel. O empresário se diz completamente contra o empreendimento e afirma que a maior parte dos comerciantes locais também se posiciona assim. “Os que concordam é porque foram enganados. Dizem que vão dar infraestrutura para o povo com a E neste cabo de guerra, estimase que pelo menos R$369 milhões serão perdidos. O governo do estado, como mostra um parecer técnico do Instituto ambiental do Paraná (IAP), tem interesse na urgência da execução dessas obras e ignora as fragilidades técnicas da proposta, colocando vidas como as de Francisco, Maria e Dona Dalzira em risco.

Arquivo Pessoal

Seu Francisco e dona Dalzira da Silva das Neves com sua filha Maria das Neves.

This article is from: