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Entre a exclusão e a necessidade
Os dilemas da população transexual no mundo da prostituição
Oabandono familiar, a exclusão escolar, o não reconhecimento da identidade trans e a dificuldade no mercado de trabalho são alguns dos motivos que levam 86% da população transexual a recorrer ao mercado da prostituição como fonte de renda e subsistência. Em 2018, o número era ainda maior, chegando a 92% no Brasil, segundo o Grupo Dignidade. O estudo Fragmentadas, das jornalistas Camilla de Oliveira e Dayane Ferreira, que investiga o perfil de prostituição na cidade de Curitiba, Paraná, relata que as pessoas que buscam a prostituição não conseguem um emprego formal ou não se veem contentes com o trabalho atual. “Os fatores sociais e econômicos levam as pessoas a esse espaço. Uma entrevistada do nosso estudo, por exemplo, que trabalhava na equipe de limpeza de uma loja de departamento aqui da cidade (Curitiba), dizia que ela se sentia humilhada, e viu na prostituição uma boa oportunidade”, relata Dayane. Mas há, também, aquelas que se orgulham da profissão, segundo a jornalista. “Algumas fontes do Fragmentadas dizem que têm orgulho do que são e do que conquistaram no ramo. Uma delas pagou estudo dos filhos e do neto, além de comprar carro para a família”, completa. Melissa Souza, educadora social voluntária do Grupo Dignidade, reitera que o processo de descoberta e de aceitação da identidade de gênero, além de complexo, torna-se ainda mais difícil por conta do preconceito. Ela explica que pessoa transexual muitas vezes sofre desde criança, dentro de casa. “Muitas pessoas trans são expulsas com 12, 13 anos de casa por conta do preconceito da família, então elas acabam crescendo sem estrutura familiar e são automaticamente acolhidas pelo mundo da noite e da prostituição” Há, ainda, as agressões no ambiente escolar e, futuramente, no mercado de trabalho, gerando ainda mais “Eu fiquei sem saber o que fazer, não queria pedir abrigo para minha família. Então comecei a comprar roupas femininas, saltos e apliques, e de maio até dezembro fui para a prostituição. Sair com quem eu não conhecia foi minha maior dificuldade.” Dayse Silva, profissional do sexo transexual exclusão. “A pessoa que saiu de casa cedo não vai frequentar uma escola, e, consequentemente não vai saber uma conta matemática que precisará lá no mercado de trabalho. Algumas meninas conseguem subempregos, mas o público não quer ser atendido por transexuais”, completa a educadora. A profissional do sexo Dayse Santos, de 19 anos, relata que trabalhava em uma empresa de rede de fast food quando começou a se sentir infeliz com a aparência masculina, aos 17. Desde então, ela decidiu deixar o cabelo crescer, afinar as sobrancelhas e pintar as unhas. Em maio de 2018, Dayse foi demitida do local. “Eu fiquei sem saber o que fazer, não queria pedir abrigo para minha família. Então comecei a comprar roupas femininas, saltos e apliques, e de maio até dezembro fui para a prostituição. Sair com quem eu não conhecia foi minha maior dificuldade”, confessa a profissional, que atua até os dias de hoje. Segundo dados do Grupo Liberdade, que constam no estudo das jornalistas Camilla e Dayane, cerca de 30 mil mulheres trabalham como profissionais do sexo em Curitiba e Região Metropolitana, muitas delas com profissões diferentes e que trabalham esporadicamente como prostitutas. “A prostituição está melhorando, há discussões sobre regulamentação e hoje vemos que elas têm muito mais liberdade. É uma liberdade relativa, por causa dos tabus”, relata Camilla.
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CONSCIENTIZAÇÃO
Algumas profissionais do sexo sentem vergonha da profissão, mas há aquelas que sentem or- gulho do emprego em que atuam. Se- gundo a jornalista Camilla de Oliveira, a conscientização é um ponto crucial a ser tratado, pois a vergonha que as mulheres sentem vem da pressão social, do medo de ser julgada pelas pessoas e pela família, principalmente. “Grupos como o Dignidade e Liberdade servem como uma extensão da famí- lia, prestando todo o apoio necessário para essas pessoas e a conscientiza- ção.”
Há 27 anos, o Grupo Dignidade vem atuando em apoio à comunidade LGBTI por meio de projetos, palestras, deba- tes e ações nas ruas. Melissa Souza, educadora social voluntária do grupo, explica que, para profissionais do sexo, existe o acolhimento e toda a ajuda necessária para questões burocráticas como o INSS, por exemplo.
“A gente tenta conscientizar que a prostituição é uma opção e existem outras possibilidades, mas, se no caso, essa profissão é a mais viável, tenta- mos ajudar da melhor forma, bus- cando ajuda para cadastro de pessoa autônoma, conscientizando sobre o uso do preservativo, entre outros, pensando sempre nos direitos delas no futuro”. O Grupo também realiza trabalhos jurídicos, psicoterapêuticos e na área da saúde, de acordo com a educadora.
População trans infectada pelo HIV
2%
JÁ ESTOU MORTA
No Brasil, a população que mais sofre com HIV é a transexual. Estima-se que 5% do povo seja transexual e dessa porcentagem, 2% é infectado pela doença, segundo dados do Grupo Dignidade.
Os transexuais costumam usar a frase “Já estou morta” para dizer que estão infectados e, de acordo com Melissa, os números são estimados pois as pessoas não respeitam a identidade de gênero e nomes sociais, enterran- do um transexual como homem ou mulher, e até indigente. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística não têm dados de transexuais no país, o que dificulta ainda mais a contabili- zação de informações precisas.
Grupos de apoio, como o Dignidade, oferecem ajuda na área de saúde, com a intenção de conscientizar as profissionais do sexo sobre doenças como HIV, sífilis e hepatite. “Nós fa- zemos projetos para deixar as pes- soas cientes das doenças e de como evitá-las, ainda mais a situação de vulnerabilidade em que elas vivem”, acrescenta Melissa.
Cerca de 5% da população brasileira é transexual
3%
População trans não infectada pelo HIV
Emilia Jurach