8 minute read
E agora? O que vou ser?
Camila Dariva
O doloroso dilema de quem descobre, já na faculdade, as angustias de ter optado pelo curso errado
Advertisement
Pode ser o curso mais concorrido do país, o que encaminha à profissão dos sonhos, aquele que os pais tanto almejam ou, claro, aquela opção marcada por desespero de última hora, quando aos 16, 17 anos “ainda” não se sabe qual caminho seguir. O pânico de, de repente, descobrir ter feito a escolha errada “para o resto da vida” é um problema recorrente, doloroso e, muitas vezes, silencioso, em meio às salas universitárias lotadas.
Camila Dariva
Temos livre arbítrio para nossos atos, mas seremos os únicos responsáveis por nossas escolhas. O peso de uma delas está estampado no olhar cansado Apaixonado por Matemática, Capraro buscou cursos em que poderia aplicar, de maneira mais incisiva, sua paixão, já que, pela falta de aptidão na escrita, abrira mão de cursar Filosofia. As duas opções que surgiram foram Engenharia de Aeronáutica e Engenharia Elétrica. “Eu acabei não pensando no mercado de trabalho na hora de fazer a escolha e, embora eu esteja mais adaptado, hoje, se fosse escolher o que realmente gosto de fazer, faria Matemática, seria professor de Matemática, pois amo ler teses. Faço isso durante as férias e sinto que aprendo mais sozinho, que durante o semestre, tendo aulas.” O descontentamento transparece nos dois estudantes, que narram sobre excesso de conteúdos desnecessários e falta de professores adequados para as matérias cobradas. “A engenharia matou nosso espírito de aprendizado. Eu seria muito mais feliz se tivesse feito matemática”, acrescenta Caprato. Segundo ele, sua permanência no curso apenas aconteceu pela necessidade de estagiar e pagar suas dívidas. “ A engenharia matou nosso espírito de aprendizado. Eu seria muito mais feliz se tivesse feito Matemática.”
Matheus Abrahao Caprato, estudante
Para os estudantes Caio e Matheus, o diploma é uma questão de honra, pelo sofrimento que passaram até aqui. que abre a porta. Três computadores funcionam sobre uma mesa cheia de cadernos, livros, cigarros e muitos, muitos cálculos. A promessa da Engenharia, hoje, parece distante e é notado, logo de cara, no segundo rosto exausto que se apresenta. Caio Marcos Lima dos Santos, 22 anos, e Matheus Abrahão Capraro, 20 anos, estão no 6º período de Engenharia Elétrica, na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), mas, há muito, deixaram de ver no curso as expectativas que criaram ao optar por ele, ainda no ensino médio.
As dificuldades que envolviam o curso de Elétrica e a ânsia por desafios foram um trampolim para que Santos entrasse de cabeça em cálculos e física quântica, embora, coincidentemente, sua primeira opção também tivesse sido Filosofia. O desgaste e o estresse que desencadearam a partir do 3º período da faculdade fizeram com que ele perdesse sete quilos e descobrisse ter Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). A metodologia de estudos mudou e ele passou a virar noites em cima dos livros, caso quisesse aprender. “Todo semestre eu penso em desistir e, certamente, a única coisa que me mantém ali é a faculdade ser uma federal. Nesse caso, eu não preciso me preocupar com o tempo que levarei para me formar” aponta Santos. O estudante aponta que o acumulo de matéria, aulas desnecessárias, trabalhos e provas é absurdo, desumano. Em um combo com o estágio, torna-se ainda pior: “Depois de tanto sofrimento, estudando, tomando remédios para virar noites e litros de energéticos para se manter em pé, eu quero meu diploma, não pela engenharia, mas por honra. Vou entrega-lo aos meus pais.” Estar num curso que não corresponde ao que quer e insistir ficar nele traz muito sofrimento, pensamentos negativos, desvalia, desesperança, medo, frustração, enfatiza a psicóloga e psicopedagoga: “Várias são as emoções negativas que precisam ser acolhidas pra conseguir seguir em frente e reorganizar os projetos de vida e profissional.” Optar pelo curso mais concorrido do país e passar, nem sempre traz o sentimento de realização, que tanto se espera. Embora, hoje, o Jornalismo seja sua paixão, a estudante Patrícia Lourenço, não sabia, aos 17 anos, qual carreira seguir. A influência dos professores e da própria instituição em que fazia cursinho a direcionaram naquele momento: Medicina. Os dois anos que seguiram a decisão foram um completo foco aos estudos. Junto ao resultado da aprovação, na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), veio outra notícia: a gravidez. “Eu desisti de fazer Medicina quando caí em mim. Eu estava tão cansada de tanto estudar e aquele era apenas o início, caso eu seguisse em frente com o curso. Além do mais, eu priorizei o momento e a Amandinha, que estava a caminho.” “Tão difícil quanto escolher que
profissão seguir é escolher a hora de parar.”
Angelica Neri, psicopedagoga
Muitos jovens já chegam adoecidos emocionalmente, ao consultório da Psicóloga e Psicopedagoga Angélica Neri. Ela explica que, além dos quadros de depressão e crises de ansiedade, podem aparecer, nesse contexto, transtornos alimentares, compulsões e, até, risco de suicídio. “Tão difícil quanto escolher que profissão seguir é escolher a hora de parar. Alguns alunos levam a faculdade até o último ano e, só então, buscam ajuda pra avaliar essa decisão.” Com a filha ainda pequena, Patrícia, apaixonada pelo comportamento e todo mundo que envolve a indústria, entrou para o curso de Design de Moda. Não tardou a descobrir que a falta de estrutura e foco naquilo que buscava no curso, a decepcionariam. “Eu queria estudar comportamento de moda, a própria indústria, as questões negativas e positivas relacionadas a isso e era tudo muito fútil, muito look, paleta e combinação de cores, que embora sejam coisas que gosto, eu
queria ir além.” Próximo a completar três anos de curso, ela decidiu que a faculdade não era mais interessante para seus objetivos de vida e parou.
A reação das pessoas, frente à desistência, nem sempre é de apoio ou compreensão imediata. “Quando eu desisti de medicina, claro, meus pais surtaram. Mas o momento, envolvia também minha gravidez e logo tudo se voltou à essa situação. Mas, quando desisti de Moda e comecei Jornalismo fui muito criticada. As pessoas agiam como – Nossa, Paty, você está ficando velha e ainda não sabe o que quer da vida –. No começo foi mais difícil para minha mãe aceitar, já que minha irmã também passou por esses momentos de indecisão e, para ela, o importante é termos uma formação, mas por sorte, minha família é muito compreensiva e muito parceira.”
“Além do mais, eu
Patrícia Lourenço, estudante
Há pouco mais de dois anos, o Jornalismo, que sempre esteve em seu radar e presente em círculos de convivência, tomou forma de realização. “Todas as pessoas me falavam que eu tinha o perfil, que sou uma pessoa que sempre quer saber de tudo, que acha que conhece tudo e tem opinião de sobra. Eu adoro saber as histórias das pessoas e gosto de visualizar um caminho diferente. Foi então que me encontrei, principalmente no que tange às causas sociais, esse cunho de poder fazer diferença, de alguma forma.”
Encontrar-se em uma profissão, como Patrícia conseguiu com o Jornalismo, demanda encarar não apenas a autocobrança, mas um mundo predeterminado pelo imediatismo. Citando Émile
Arquivo pessoal
Durkheim, o sociólogo Ricardo Denardes, enfatiza o fato de existir um determinismo da sociedade, nos indivíduos que nela vivem. Tal determinismo influencia em como pensamos, agimos e fazemos escolhas (políticas, religiosas, educacionais, etc).
A escolha da profissão, não escapa deste fato. A influência, neste caso, pode ocorrer com pontos positivos ou negativos e, para o sociólogo, infelizmente, os negativos são maioria. “Poucas vezes as pessoas têm liberdade para definir a profissão que vai seguir, por meio de suas afinidades e potencialidades. Em geral, escolhe-se aquilo que tem a ver com o imaginário de trazer dinheiro. Não se escolhe por paixão ou por desenvoltura, pois há pouco espaço para isso e muita pressão por profissões tidas como tradicionais: Medicina, Direito, Engenharias.” 21 anos, vive um dilema. Os questionamentos sobre estar fazendo o que realmente deseja para sua vida, surgiram na reta final do curso. Como a maioria dos jovens, ela não tinha uma carreira determinada para seguir, quando chegou o momento e os testes vocacionais foram seus aliados para chegar a uma decisão.
Com base no mundo plural em que vivemos hoje, Denardes aponta esquecimento e desvalorização das profissões que possuem tanto quanto, ou mais valor que as tradicionais. A educação básica também é responsável por esse ato falho, não potencializando os alunos em determinadas áreas que merecem desenvoltura. “Outro ponto importante é que muitas vezes os indivíduos questionam suas grades, pensando que nunca precisarão de determinadas matérias em sua área de atuação. Elas esquecem que muito mais que formar um profissional é necessário que se forme indivíduos.”
A seis meses de se formar em Relações Públicas, Ana Lúcia Hirahara,
“O meu questionamento, que chegou somente agora, deriva de um cansaço, do estresse com o mercado de trabalho e resulta numa insegurança sobre estar escolhendo certo, se realmente é isso que quero fazer, se é isso que quero para minha vida.” A falta de incentivo nos estágios fez com que Ana passasse a duvidar de suas capacidades na área escolhida, mas, por considerar ser tarde demais parar abandonar tudo, optou por encarar um novo curso, depois que terminar este.
Ricardo Denardes, sociólogo
“Hoje eu vejo que eu não preciso, necessariamente, seguir essa profissão que escolhi pelo resto da vida, mas eu preciso ter uma graduação, dizer que me formei em algo, que tenho conhecimento em determinada área. Só que isso não precisa determinar quem vou ser, para sempre.”
Para Denardes, a pressão da profissão, depositada no jovem, vem de todos os lados, mas principalmente da família e isso interfere tanto nas escolhas realizadas por eles, quanto nas expectativas criadas, sobre essas escolhas. A necessidade de imediatismo excluí quem não consegue encontrar sua carreira logo de inicio e causa frustrações que podem ser irreversíveis.
Camila Dariva