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2. Capítulo 2: Pedras que Rolam Não Criam Limo
1.4 – Tudo foi feito pelo Sol, 1974
Passando por incontáveis mudanças, os Mutantes do lançamento do quarto álbum apresentado neste trabalho (“Tudo Foi Feito Pelo Sol”, de 1974) traziam identidades bastante distintas das mencionadas nos discos anteriores. Dentre os membros da banda pode-se sentir que as mudanças foram drásticas: dos cinco componentes presentes no disco anterior, apenas Sérgio Dias prosseguiu na banda até o lançamento deste. Composto e concebido por personagens diferentes, não parece grande surpresa que as textualidades líricas, sonoras e imagéticas deste álbum acompanhem
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estas diferenças – ainda mais ao se tratar da banda cujo próprio nome estampa a tendência a mudanças.
Ao analisar a capa do disco, percebe-se diversas mudanças fundamentais. Talvez a mais emblemática seja a de tratar-se de uma figura que não representa os membros da banda, e sim um misto de sol, ovo e Santo Graal50 – nome de uma canção do grupo no período. Apesar de sua estética moderna para o contexto do Brasil da época, trata-se de uma figura que não apresenta qualquer relação direta com a banda – pela primeira vez, poderia facilmente tratar-se de uma capa de outro conjunto, não fosse pelo logotipo com o nome “Mutantes”. Podendo facilmente ser associada a capas de bandas de rock “progressivo” populares na época, como o Yes e o King Crimson, a figura trazida na capa aponta para uma idéia de contemplação de realidades mais amplas, no caso, articulada ao título do álbum, refere-se a temas universais, à existência de todas as coisas. A partir desses elementos, a textualidade estética central trazida pela gravura faz referência às bandas mencionadas, gerando uma tentativa de aproximação de identidade visual a estes conjuntos. A contracapa, por sua vez, apresenta os músicos executando seus instrumentos em uma dicção típica do rock, com posturas corporais majestosas ou exuberantes, da mesma forma bastante similares às mencionadas bandas de rock progressivo.
Os pouco numerosos discursos e performances que refiram-se à categoria gênero apresentados nesta embalagem apontam para um problema que será ainda mais importante no capítulo seguinte: a construção das masculinidades. De que maneira apresentar em sua textualidade elementos que simplesmente associem suas identidades
50 CALADO, Op. Cit, p. 319.
a outras é também uma construção de gênero e uma disputa social: como o trecho já apontado de Butler,
(...) a construção de identidades de gênero deu-se não apenas pela repetição da diferença entre homens e mulheres, feminilidade e masculinidade, mas também pela constante afirmação hierárquica entre feminilidade e falta de feminilidade, entre masculinidade e falta de masculinidade.
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Que masculinidades a identidade visual trazida por essa embalagem está (enquanto discurso e performance) ajudando a construir? A inexistência de uma figura feminina em toda a parte de imagens trazida pelo disco diz alguma coisa? Ao se discutir questões de gênero, o que pode significar essa insistente afirmação de identidades referentes a determinadas bandas? E aqui também vem ao caso: de que maneira essas questões de formação de identidade através de intersecções de elementos culturais discursivos como a música, o modo de vestir, falar, etc., podem dialogar com o conceito de performance de gênero de Butler enquanto esta afirma que se tornou impossível separar a noção de gênero das intersecções políticas e culturais em que invariavelmente ela é produzida e mantida ?52
Para dialogar acerca dessas questões, faz-se necessário analisar outros elementos além dos poucos trazidos pela capa deste disco: o que, em termos de gênero, pode-se dela afirmar além das bandas a que ela se refere e da ausência de um discurso que aponte diretamente a questões de gênero? Dessa maneira, ao analisar as músicas e letras do período, no capítulo seguinte, essas questões serão mais desenvolvidas.
51 PRINS e MEIJER, Op. Cit. p. 164. 52 BUTLER, Op. Cit.
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CAPÍTULO 2: Pedras que rolam não criam limo.
No capítulo anterior foram apresentados importantes referenciais teóricos, como o conceito de performance de gênero e as discussões acerca do uso da imagem na historiografia. Foram apresentados também as principais modos como a banda traçou essas performances de gênero através de performances artísticas, subdivididos em quatro fases53 e, por fim, o texto trouxe uma discussão de algumas das imagens utilizadas pela banda nas capas e contracapas de seus álbuns – o que é fundamental porém não suficiente para se traçar uma análise das performances de gênero delineadas nesses álbuns, mantendo-se a lacuna da análise dos discursos compostos pelas músicas e letras que esses contém. Esse é o tema central deste segundo capítulo.
Para trabalhar esse tema, fazem-se necessárias algumas elucidações acerca de conceitos utilizados, além de discussões prévias sobre o trato historiográfico dessas fontes. Assim, primeiramente será apresentado o conceito de discurso associado às disputas de poder na categoria gênero, e em seguida serão discutidas as maneiras como as textualidades constitutivas desses discursos musicais serão interpretados nesse trabalho, para por fim apontar os devidos comentários e conclusões acerca dessas músicas.
53 Talvez o termo fases não seja o mais adequado, por conotar um princípio de temporalidade. Dessa maneira, indico que não entendo o termo “fase” como um período cronológico apenas: trata-se, nesse caso, de uma inclinação a determinados tipos de discursividade e performance.
O conceito de discurso conforme apresentado por Michel Foucault em sua aula “a ordem do discurso” é definido em linhas gerais como uma produção social e um campo de disputas:
Suponho que em toda a sociedade a produção do discurso é simultaneamente controlada, selecionada, organizada e redistribuída por um certo número de procedimentos que têm por papel exorcizar-lhe os poderes e os perigos, refrear-lhe o acontecimento aleatório, disfarçar a sua pesada, temível materialidade. (...) uma vez que o discurso — a psicanálise mostrou-o — , não é simplesmente o que manifesta (ou esconde) o desejo; é também aquilo que é objecto do desejo; e porque — e isso a história desde sempre o ensinou — o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas é aquilo pelo qual e com o qual se luta, é o próprio poder de que procuramos assenhorear-nos.
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Dessa maneira, o que “controla, seleciona, organiza e redistribui” a produção do discurso, ou seja, compõe suas áreas constitutivas, não é necessariamente a retórica que representa ou omite os desejos, mas sim o próprio campo onde ocorrem as disputas e o poder pelo qual essas se dão. As atitudes, as ações adotadas, todos os aspectos abarcados por campos de disputa compõem, então, discursos. Dentro dessa acepção, as fontes primárias adotadas nesse capitulo são claramente composições discursivas não só nas letras cantadas como também em tantos outros aspectos da produção musical, das ações e procedimentos que as constituem. Isso remonta à citação de Adalberto Paranhos, ao afirmar que
Como se sabe, a música fala sem recorrer necessariamente a palavras impressas e cantadas. Retomando um exemplo já clássico na história da MPB: o discurso sonoro pronunciado pela estridência das guitarras elétricas que deram impulso à Tropicália valeu por mil palavras no
54 FOUCAULT, Michel. L’Ordre du discours, Leçon inaugurale ao Collège de France prononcée le 2 décembre 1970, Éditions Gallimard, Paris, 1971.
combate à estreiteza nacionalista que dominava um determinado projeto político. 55
É possível depreender desse trecho elementos que constituem a fonte primária que compõe esse capítulo conjugados às idéias apresentadas na citação de Foucault quando esse aponta os discursos como “aquilo pelo qual e com o qual se luta, é o próprio poder de que procuramos assenhorear-nos”.
As performances de gênero conforme apresentadas por Butler são constituídas por discursos e também, nesse caso, campos de disputa. Novamente na mencionada entrevista a Baukje Prins e Irene Costeira Meijer, Butler afirma que
Acho que discursos, na verdade habitam os corpos. Eles se acomodam em corpos; os corpos na verdade carregam discursos como parte do seu próprio sangue. E ninguém pode sobreviver sem, de alguma forma, ser carregado pelo discurso. Então, não quero afirmar que haja uma construção discursiva de um lado e um corpo vivido de outro.
Combinando esse conceito à fonte primária, associamos também à já mencionada citação de Rita Lee em entrevista à revista Rolling Stone, ao afirmar que encarava a música (espaço onde a “tchurma dos culhões reinava absoluta”) como um ambiente em que poderia se afirmar e “conquistar várias vitórias”. Dessa forma, os espaços compreendidos pela música popular (e mais especificamente pela música Rock, principal elemento constitutivo da estética musical adotada pela banda) demonstram-se campos de disputas discursivas de gênero. O conceito da arte como campo de disputas de gênero associado a um momento de “abertura sexual da mulher” já se fazia familiar
55 PARANHOS, Op. Cit. p. 9-10. (grifos do autor)
no campo da literatura feminista do período, como é possível perceber no artigo “Mulheres: a revolução mais longa”, de Juliet Mitchell, publicado no Brasil em 1967:
Em muitas sociedades a abertura sexual foi acompanhada de uma forma de expressão poligâmica que a tornou na prática simplesmente uma expressão da dominação masculina. Já que a arte era também um campo do homem, esta liberdade encontra uma expressão natural e frequentemente poderosa na arte. 56
Porém, expressão dessa liberdade como expressão da dominação masculina pode ser contestada ao se analisar de que maneiras ela foi apresentada na arte dos Mutantes e de diversas outras personalidades daquele momento. Mavis Bayton, ao analisar em seu já mencionado “feminist musical practice: problems and contradictions” a questão específica da presença de mulheres no mundo do rock – problemática que se faz intensamente presente ao se tratar da figura de Rita Lee como uma das figuras centrais da banda, afirma que
Women has been largely excluded from popular music-making and relegated to the role of fan. Women performers have been more prominent in commercial ‘pop’ and ‘folk’ then in ‘rock’ , but their place in all these worlds has been predominantly that of vocalist rather than instrumentalist. A range of material and ideological forces have kept women in this circumscribed space. Those few women who have become musicians have somehow managed to find a way through these constraints. 57
56 MITCHEL, Juliet. Women: The longest revolution. N.York: New Left Review, 1966. p. 22. 57 BAYTON, Op. Cit. p.177. Em tradução livre, “Mulheres têm sido amplamente excluídas dos fazeres da música popular, e relegadas ao papel de fãs. Performers femininas têm sido pais proeminentes na música pop comercial e no folk do que no rock, mas seus espaços em todos esses mundos têm sido predominantemente como vocalistas, e não como instrumentistas. Uma amplitude de forças materiais e ideológicas manteve as mulheres nesse espaço cinrcunscrito.As poucas mulheres que se tornaram musicistas conseguiram, de alguma maneira, encontrar caminhos para além desses obstáculos” .
Para analisar de que formas pode-se abordar a discografia da banda em busca dessas “way through these constraints”, é necessária uma discussão metodológica sobre o uso da música como fonte primária em um trabalho historiográfico, associada à abordagem de gênero tomada por este trabalho. John Shepherd faz uma associação nesse sentido em seu livro “Music as social text”, que afirma que da mesma maneira que não é possível estudar processos sociais de maneira independente das questões de gênero, não é possível estudar as questões de gênero de maneira independente das questões sociais, o que influi diretamente ao se tratar de questões de gênero na música, particularmente ao se trabalhar no sentido de retificar um “silêncio” social através desse estudo:
Rectifying a silence involves not only contextualizing a new body of knowledge (or, more accurately, a new, public body of knowledge) within the pre-existing intellectual terrain. It also involves renegotiating the pre-existing intellectual terrain in such a way that the new body of knowledge can be accommodated appropriately. The study of gender does not simply involve the study of women. Neither does it simply involve the addiction of the study of women to the study of men. It involves a reconceptualization of the study of humanity so that the rectification of this particular silence (itself a consequence of a particular political agenda) results in a different understanding of the social world. To study the situation of women is, in other words, to challenge the political domination of men. As moments of sociality, music and its study have been shot through the consequences of this dominance. This chapter argues that occupying a position within the structures of industrial societies not totally dissimilar to the traditionally occupied by women, music has been subject to similar processes of control and domination. 58
58 SHEPHERD, John. MusicAs Social Text. Londres: Publity Pr, 1991. P. 153. Em tradução livre, o trecho afirma: “Retificar um silêncio envolve não somente contextualizar um novo corpo de saber (ou, mais especificamente, um corpo de saber novo e público) dentro do terreno intelectual pré-existente. Isso também envolve renegociar esse terreno intelectual pré-existente de modo a que esse novo corpo de saber possa ser apropriadamente acomodado. O estudo de gênero não envolve simplesmente o estudo das mulheres. Da mesma forma, não envolve simplesmente a adição do estudo das mulheres aos estudos dos homens. Envolve uma reconceitualização dos estudos de humanidades para que a retificação desse silêncio (ele próprio uma conseqüência de um concepção política) resulte em uma compreensão diferenciada do mundo social. Estudar a situação de mulheres é, em outras palavras, desafiar a dominação política de homens. Como momento de socialização, a música e seus estudos têm sido atingidas pelas conseqüências dessa dominação. Esse capítulo argumenta que ao ocupar uma posição não totalmente
Desse modo, Shepherd classifica a música como um momento de socialização, e, como tal, associa sua compreensão à de processos sociais mais amplos, como, no caso, a dominação de gênero exercida por homens. Porém, em trecho já apontado, Butler responde que os processos sociais não decorrem simplesmente de uma relação binária de dominação homem-mulher. A respeito dessa, Butler afirma que
O poder parecia ser mais do que uma permuta entre sujeitos ou uma relação de inversão constante entre um sujeito e um Outro; na verdade, o poder parecia operar na própria produção dessa estrutura binária em que se pensa o conceito de gênero. Perguntei-me então: que configuração de poder constrói o sujeito e o Outro, essa relação binária entre ‘homens’ e ‘mulheres’ , e a estabilidade interna desses termos? Que restrição estaria operando aqui? (...) Qual a melhor maneira de problematizar as categorias de gênero que sustentam a hierarquia dos gêneros e a heterossexualidade compulsória? Considere o fardo dos ‘problemas da mulher’ , essa configuração histórica de uma indisposição feminina sem nome, que mal disfarça a noção de que ser mulher é uma indisposição natural.(...) Embora afirmar a existência de um patriarcado universal não tenha mais a credibilidade ostentada no passado, a noção de uma concepção genericamente compartilhada das ‘mulheres’ , corolário dessa perspectiva, tem se mostrado muito mais difícil de superar. 59
Assim, temos a concepção de que a idéia de hierarquização social universal entre masculino e feminino é uma idéia que atualmente já não conta com muita aceitação por pressupor uma noção de universalidade entre as mulheres, entendendo-as como uma categoria estável e cristalizada dentro de um sistema binário. Ao pressupor que esse binário homem-mulher seja ficcional, ocorre um deslocamento do espaço discursivo de disputas de poder, que sai do simples masculino oposto a feminino e, ainda segundo
dissimilar às tradicionalmente ocupadas por mulheres dentro das estruturas de sociedades industriais, a música tem sido sujeito a processos similares de cultura e dominação” . 59 BUTLER, Op. Cit. p.8-11.
Butler, translada a uma noção de que há diversos papéis – e múltiplas masculinidades e feminilidades, hierarquicamente estruturadas dentro de meios sociais. Aqui, a abordagem desse trabalho retorna o diálogo com Shepherd para, dessa vez, concordar com a idéia de música como espaço de socialização – e, consequentemente, espaço de disputas de poder e hierarquizações de gênero. Mas de que maneira a música, e mais especificamente a música popular, como meio discursivo e performativo pode ser adotada em um trabalho que pretenda analisá-la dentro dessas categorias? Com que abordagens a desse trabalho pode dialogar nesse intento?
De maneira um tanto generalizante, a autora Eliane Robert Moraes, em seu artigo “a Musa Popular Brasileira” afirma em sua abordagem do tema, que
“Quem canta seus males espanta” – diz um velho ditado popular, provavelmente na tentativa de desvendar este poder mágico do canto, que aciona no ser humano outro tipo de prazer: o imaginário. Assim, o momento da música parece ser, na maioria das vezes, caracterizado por uma espécie de transição para o extraordinário: a possibilidade da fruição. O canto tenta dizer o interdito. 60
Se por um lado a abordagem adotada por Moraes generaliza o canto como uma tentativa de discurso velada, há por outro lado o estudo “Bossa Nova” de Brasil Rocha Brito (presente na compilação de Augusto de Campos “Balanço da Bossa” que trata sobre a música moderna no Brasil) onde o autor apresenta uma abordagem que aponta para uma disposição a seu modo destoante à de Moraes:
Os textos cantados não são valorizados apenas pelo que conteriam como expressão de idéias, pensamentos, ou por obedecer o verso de uma forma determinada. Incorpora-se a esses aspectos o valor musical portado pela palavra. Os atributos psicológicos que surgem ao se cantar
60 MORAES, Eliane Robert. AMusa Popular brasileira. In: BARROSO, Carmen, e COSTA,Albertina. Mulher Mulheres. São Paulo, Cortez, 1983. p. 55-56.
a sílaba, o vocábulo, são considerados em sua totalidade e complexidade. A palavra cantada ganha um valor pelo que representa como individualidade sonora. 61
Ainda assim, apesar acrescer à metodologia a ser adotada a valorização de uma individualidade do discurso da voz cantante, e, por sua vez, por ser portadora de um discurso, produtora de identidade, o autor atém-se aqui a apenas (embora suficientemente) ao uso da palavra cantada. Mantém-se evidente o problema de trabalhar com a produção musical na amplitude de seus horizontes discursivos e performáticos. O já referido texto de Marcos Napolitano, “A História Depois do Papel” traz uma sucinta análise de apropriações de música como fonte primária nos estudos da história até então, além de apontar diversas problemáticas e metodologias para o uso da música popular como fonte primária de maneira a abarcar nas análises diversos elementos discursivos, centrando sua atenção principalmente na musicalidade propriamente dita do fonograma, às texturas, ritmos e outros elementos musicais que o compõe. Ao traçar uma genealogia dos trabalhos que define como estudos sobre a música popular, o autor afirma que
No campo dos “estudos em música popular” , os historiadores de ofício mais uma vez chegaram atrasados. A área de Letras e as Ciências Sociais já haviam descoberto a canção e consagrado algumas abordagens antes dos historiadores utilizarem a música como uma fonte para a História. Aqui não estamos considerando a vasta produção das “Histórias da Música” , erudita ou popular, muitas vezes escritas por jornalistas diletantes ou eruditos. 62
Conforme apontado por Napolitano, desde a década de 1970 começaram a traçar-se trabalhos historiográficos como os de José Ramos Tinhorão, historiador e
61 BRITO, Brasil Rocha. Bossa Nova. In: CAMPOS,Augusto de. Balanço da bossa e outras bossas. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 1986.. p.34 62 NAPOLITANO, Op.Cit. p. 254-259.
crítico musical, que se constituíam como uma tentativa de estabelecer uma historiografia da música popular mais ancorada em fontes primárias, em sua maior parte das fontes de natureza escrita, que permitiram ao autor e a trabalhos influenciados por sua abordagem apontar discussões de ordem sociológica e ideológica que são muitas vezes desvinculadas da análise do material musical e artístico. Por isso, a abordagem de Napolitano segue afirmando que
Obviamente, não se trata de menosprezar as fontes escritas não-musicais para o estudo da música, sobretudo a música popular, mas de destacar a importância da incorporação do material musical em forma de partitura, fonograma ou vídeo pelos historiadores, operação que não é tão simples do ponto de vista metodológico. No caso da música popular, uma mesma canção assume significados culturais e efeitos estético-ideológico diferenciados, dependendo do suporte analisado (...) Na análise da chamada ‘música popular’ produzida pela indústria fonográfica e audiovisual, a questão das fontes coloca-se de outra maneira. O suporte privilegiado de boa parte da produção musical urbana, voltada para o mercado, é o fonograma.
Nesse ponto, o presente trabalho adota a metodologia apontada por Napolitano: conforme já apontado anteriormente, o uso dos fonogramas como fonte primária foi aqui adotado aqui, voltando a questão a como interpretar, ou, como aponta Lucién Febvre, faze-los falar o que não dizem por si sós? Essa questão, por sua vez, remonta a outra: Que abordagens já foram tomadas nesse sentido?
No Brasil, a área de Estudos Literários e as Ciências Sociais consagraram certas formas de analisar a canção ainda nos anos 1970 que acabaram influenciando os primeiros trabalhos historiográficos: a primeira destacou o parâmetro poético da canção – a ‘letra’ – o foco privilegiado de análise, enquanto a segunda enfatizou o estudo dos atores sociais envolvidos na criação, produção e consumo da música. Em muitos trabalhos de análise histórica por meio da canção, a ‘letra’ funciona como simulacro de um documento escrito – crônica de época ou tentativa de crítica social feita por um autor –, sendo analisada em sua significação puramente verbal, com alguns elementos de análise poética. Os historiadores, lentamente, vêm tentando encontrar caminhos 63