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1.4 “Tudo Foi Feito Pelo Sol” (1974

da aparelhagem musical da banda (ostentada na contracapa do LP anterior, “Jardim Elétrico”, em uma foto que a dispõe ao lado de seus orgulhosos proprietários), ou refiram-se a um sentimento de não inclusão, de ser “alienígenas” no meio social em que se encontram.

- Sérgio tem seu peito aberto e seu coração exposto, e dele saem headphones que

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ele escuta. Uma leitura fácil é de que essa imagem representa que a música vêm do coração, imagem poética que ressalta uma sensibilidade artística por parte do músico. De toda forma, sendo a música uma maneira de expressão e um campo discursivo, esta imagem sugere que estes discursos musicais são feitos “de coração”, ou seja, com sinceridade, honestidade, constituindo uma performance de gênero “sincera”.

- As fotos da contracapa identificam cada um dos membros individualmente.

Isso acaba por reforçar a identidade individual de cada membro, não apresentando-os somente como parte de um todo, a banda – curiosamente, este seria o último lançamento trazendo nome da banda em que estes membros estão reunidos. No lançamento seguinte sob o nome Mutantes, apenas Sérgio está presente entre os membros dessa formação, ao passo que os lançamentos seguintes de Rita e Arnaldo trazem apenas seus nomes na capa.

- O título do disco faz referência à banda. Os álbuns anteriores, chamados “A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado” e “Jardim Elétrico” remetem-se a canções presentes no disco, mas neste caso a banda foi auto-referente ao escolher o título do LP, que também é o título de uma das canções – a mais longa. Esta auto-referência pode ser lida como uma auto-afirmação, no sentido de que eles são assunto de suas próprias músicas e discos. De todo modo, a auto-referência é uma afirmação consciente de que

os discursos trazidos na obra referem-se aos próprios autores. Ora, tratam-se então de performances constitutivas de identidade de gênero, reafirmando as rupturas feitas em momentos anteriores, gerando um processo de tentativa de “cristalização” que como aponta a citação de Butler acima, se dá a partir de uma “prática insistente”, uma “estilização repetida do corpo” – o que ocorre esteticamente ao representar esse corpo de uma maneira carregada de discursos formadores de identidade, como no caso do desenho desta capa. Se há algo de coerente na afirmação de Pimentel de que Rita Lee representou, “sem bandeiras” e “embora não advogando a causa do feminismo” e que através de sua imagem representou uma referência e padrão para debates feministas , 48

então concordamos com Mavis Bayton quando este afirma, em seu “Feminist Musical Practices: Problems and Contradictions”, que

Feminist Musicians have been acutely concerned with the implications of their appearance and stage presentation. They have chosen to disrupt, subvert or challenge the hegemonic discourse of female rock sexuality. (…) However, the semiotics have proved highly problematic for the female musicians. What a particular item of clothing ‘says’ depends on a shifting context of meanings and, of course, all signs are polysemic.

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Dessa maneira, tendo em vista uma multiplicidade de sentidos em cada significante – ou seja, em cada elemento discursivo –, estas práticas de performance tomadas pela banda através da imagem podem ser analisadas através de uma perspectiva de gênero que aponte diversos sentidos, mas, no entanto, fazem menção de “romper,

48 PIMENTEL, p. 08. 49 BAYTON, Mavis. Feminist Musical Practice: Problems and Contradictions. In BENNETT, Tony (et al). Rock and Popular Music: Politics, Policies, Institutions. London: Routledge, 1993. p. 181. Em tradução livre: “Musicistas feministas tem estado fortemente preocupadas com as implicações de sua aparência e apresentações em palco. Elas optaram por romper, subverter ou desafiar o discurso hegemônico da sexualidade feminina no rock. Contudo, a semiótica da imagem tem se provado altamente problemática para a mulher musicista. O que ‘diz’determinada roupa depende de um contexto de significados, e, é claro, todos os significantes são polissêmicos” .

subverter ou desafiar” os papéis de gênero hegemônicos, tornando-se performances de gênero. Contudo, essas práticas de gênero voltam-se à reafirmação dessa construção de identidades, ou seja, voltam-se ao estabelecimento de identidades já previamente bosquejadas.

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