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1. Capítulo 1: “Não Vá se Perder por Aí!”

CAPÍTULO 1: “Não vá se perder por aí!”

(Epígrafe:)

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A carreira dos Mutantes enquanto músicos profissionais e figuras midiáticas iniciou-se no ano de 1968 e teve seu fim dez anos depois . 5 Este intervalo foi um período de grandes mudanças – tanto para a banda quanto para o mundo que a rodeava – o que deve ser contextualizado. Além disso, as perguntas não param de aparecer: de onde os Mutantes vêm? Quem eram eles (ou, para simplificar a pergunta: o que se pode falar para apresentá-los como personagens dessa história)? Em que mundo viviam? Para trabalhar esta abordagem, faz-se necessário um recorte cronológico que nos permita centrar os esforços em assuntos a ela mais pertinentes. Com esse intento, faz-se a opção de trabalhar o período compreendido entre os anos de 1968 e 1976 (inclusive): 1968 é o momento em que a banda lança-se à grande mídia e torna-se conhecida de

5 Apesar de a banda ter permanecido em atividade até o ano de 1978, o período abordado por esse trabalho vai apenas até 1976, ano de lançamento do último álbum da banda.

maiores públicos, enquanto 1976 é o ano em que a banda encerra oficialmente suas atividades discográficas, desconsiderando o disco que apresenta a posterior volta aos palcos no ano de 2006, em retrospectiva da carreira, sem trazer músicas inéditas. Vamos então rumar ao começo da história, o ano era 1968 . 6 Bem... você deve saber o que aconteceu em 1968. Não? Superficialmente: em diversas partes do mundo (e o Brasil certamente é uma delas), este ano é lembrado como um momento de forte efervescência cultural (em países como, aqui apenas alguns exemplos) os Estados Unidos, França, Inglaterra e China. Certamente, esse panorama gerou consideráveis reflexos no Brasil, e na grande maioria dos países “menos desenvolvidos”. Nestes diversos mundos, haviam contraculturas ganhando espaço . 7 As "minorias" (mesmo que algumas delas não fossem verdadeiramente minorias, numericamente) organizavam-se ou reorganizavam-se em movimentos militantes – Black Power, Panteras Negras, Gay Pride, Hippies, feministas (em múltiplas inclinações filosóficas e políticas), entre muitas outras manifestações que lutavam por direitos, visibilidade, quebra de preconceitos e/ou outras motivações distintas. A Revista Manchete publicava a primeira foto do planeta Terra visto do espaço. Na França (simultaneamente à Espanha, Reino Unido, México, Chile e outros países) despontam grandes movimentos de contestação ao status quo –em Paris, ocorriam as barricadas, as greves estudantis e o famoso Maio de 68. As drogas alucinógenas ganhavam cada vez mais espaço em diversos segmentos sociais,

6 VENTURA, Zuenir. 1968: O ano que não terminou. 15. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, bem como RIDENTI, Marcelo. Cultura e política: os anos 1960-1970 e sua herança. In: FERREIRA, Jorge, e DELGADO, Lucilia deAlmeida Neves. O Brasil Republicano: Vol. 4 - O Tempo da Ditadura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. Existem literalmente centenas de obras de diversos autores que atribuem a este período o teor de “momento de grandes mudanças” . 7 Ou, de acordo com o conceito de contracultura bastante simples defendido por CarlosAlberto Masseder Pereira, duas contraculturas: o autor defende que há dois significados para o termo “contracultura”: a surgida neste momento (que se caracteriza por ser extremamente visível e participativa) e um movimento qualquer de enfrentamento ao “sistema" , aos valores tradicionais, luta por mudanças sociais. PEREIRA, CarlosAlberto Messeder. O que é contracultura. São Paulo: Brasiliense, 1992.

como as comunidades alternativas, o “rock”, a cultura psicodélica, entre outros.8 A televisão ampliava-se, fortalecendo assim a indústria da cultura de massa. Cada vez mais, soldados americanos desembarcavam no Vietnã, enquanto suas esposas buscavam empregos para sustentar a casa. Ou seja: havia uma grande efervescência de acontecimentos, de cultura, e uma mídia com alcance suficiente para propagar estas informações. Há o claro – e válido – argumento de que a maioria destes feitos não se reproduziu com a mesma força no Brasil; dessa forma não chegando diretamente a tornar-se parte de do cotidiano do país. Por outro lado, lembrando tratar-se de um país de conjunturas tão heterogêneas, é interessante remontar que este trabalho refere-se a uma banda que, como afirmaram seus colegas de movimento (Tropicalista) Caetano Veloso e Gilberto Gil, estava “antenada” em acontecimentos que geravam repercussões no cenário internacional , 9 o que tornava grande parte destes adventos supracitados mais próximos de suas vidas e obras. Um bom indicativo disto pode ser percebido quando o autor Stuart Hall afirma, sobre o período em questão, que:

Sem dúvida, o domínio constituído pelas atividades, instituições e práticas culturais expandiu-se para além do conhecido. Ao mesmo tempo, a cultura tem assumido uma função de importância sem igual no que diz respeito à estrutura e organização da sociedade moderna tardia (...). A importância das revoluções culturais neste final de século XX reside em sua escala e escopo globais, em sua amplitude de impacto, em seu caráter democrático e popular. 10

8 FRITH, Simon. Sound effects: youth, leisure, and the politics of rock 'n' roll. New York: Pantheon Books, 1981. 9 VELOSO, Caetano. Verdade tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. 10 HALL, Stuart.Acentralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo. In Educação & Realidade, PortoAlegre, v. 22, nº2, p. 15-46, jul./dez. 1997. p.17

Desta maneira, todo o panorama apresentado gerou claras repercussões no Brasil, e mais especificamente, nos Mutantes. Encontrando-se em período de ditadura

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militar, o país passava pelo seu momento de maior compressão, com o AI-5, que representou o ápice da radicalização do Regime Militar iniciado em 1964 e inaugurou o período em que as liberdades individuais foram mais restringidas e desrespeitadas no país. Foi um momento de forte repressão policial, de torturas e grande coerção de manifestações ideológicas, o que influenciou a inclinação de artistas a “desbundar” (ou seja, focalizar seus esforços em espaços artísticos, drogas, comunidades alternativas e pequenas transgressões ) para não arriscar-se em militâncias que apresentassem maior

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risco de serem coagidas

A respeito dessa conjuntura e de suas relações com a produção cultural, Luiz Tatit afirma, em seu “O Século da canção” que

Quando nos debruçamos, retrospectivamente, sobre a incontrolável ebulição cultural que atingiu o mundo durante os anos sessenta, somos forçados a reconhecer que qualquer década que viesse depois dessa ficaria atônita diante dos desafios ali propostos. 13

Da mesma maneira, por vias muitas vezes conturbadas, aconteceu uma revolução de gênero – ou talvez diversas revoluções de gênero. Uma famosa “liberação sexual”, onde diferentes movimentos feministas e movimentos de mulheres (que não se consideravam feministas) aos poucos conquistavam, através de diversas lutas, ações

11Como referência a essas mudanças de panorama, indico o seguinte texto: ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de, e WEIS, Luiz. “Carro-zero e pau-de-arara: o cotidiano da oposição da classe média ao regime militar” . In: NOVAIS, FernandoA. (Org.). História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997 12 GARCIA, MarcoAurélio; VIEIRA, MariaAlice. Rebeldes e contestadores. São Paulo: Fundação PerseuAbramo, 1999. 13 TATIT, Luiz. “O século da canção” . São Paulo:Ateliê, 2004. p. 227.

afirmativas, e mudanças em seus cotidianos, diversos direitos, aos seus corpos, ao prazer sexual, à independência financeira. Os feminismos se diversificavam cada vez mais, e os movimentos por eles deflagrados (ou mesmo influenciados) acompanhavam essas múltiplas correntes de pensamento e ação, algumas voltadas à valorização de suas igualdades, outras voltadas a uma diferenciação entre homens e mulheres, outras com inclinações socialistas, são exemplos que ilustram apenas algumas entre as muitas diversidades de disposições. Movimentos gays e lésbicos reivindicavam seus direitos na sociedade, o fim de preconceitos, a busca de novas identidades e espaços sociais. No Brasil, pouco ou nada se fez sentir destes movimentos até a segunda metade da década de 1970, notadamente após o ano de 1975, declarado pela ONU o Ano Internacional da Mulher, enquanto a década que o seguiria (de 75 a 85), seria a Década Internacional da Mulher. Igualmente a militância feminista (ou ligada a causas que remontassem a feminismos) no Brasil se deu, durante a maior parte do recorte cronológico adotado, de maneira mais inclinada à discussão de ações ocorridas nos EUA e em países da Europa, assim como de casos mais pontuais discutidos internamente por grupos que praticavam outras militâncias e por grupos de discussão feminista.14

Embora antenados à maioria dos elementos dessa conjuntura, os Mutantes –Sérgio, Arnaldo e Rita – eram, antes de tudo, fazedores de música, o que também gera uma necessidade de contextualização. A quantas andava a música popular no Brasil

14 Aponto aqui dois trabalhos bastante distintos como referências desse processo de formação. PEDRO, Joana Maria. Narrativas fundadoras do feminismo: poderes e conflitos (1970-1978). In: Revista Brasileira de História. São Paulo, 2006, v.26, nº . 52, p. 249-272. Trata-se de uma abordagem contemporânea que visa observar não necessariamente uma data “verdadeira” para o renascimento de um feminismo, mas sim as disputas que o constituíram no Brasil. Há também: GOLDBERG,Anette. Feminismo em RegimeAutoritário: a Experiência do Movimento de Mulheres no Rio de Janeiro. Trabalho apresentado no XII congresso mundial daAssociação Internacional de Ciência Política, em 1982. Este texto, por sua vez, tem valor como documento de época que relata essas experiências, sendo assim uma leitura bastante interessante apenas se historiograficamente contextualizada.

naquele ano? Sem dúvida era um cenário bastante peculiar, ao mesmo tempo que tratava-se de um momento de fortes mudanças. Faz-se necessário explicar: Até o ano anterior, 1967, a tônica na cena musical era de uma marcante segregação: os admiradores da Bossa Nova (que se caracterizava em linhas gerais por uma retomada de valores básicos do samba modernizados e relidos de uma maneira mais “cool”, bastante influenciada pelo jazz norte-americano) não se davam com as “turmas” da Jovem Guarda (caracterizados por importar canções e atitudes da cultura rock e pop americanas e européias, geralmente traduzindo suas letras de maneira auto-referente sem maiores acréscimos), que por sua vez se estranhava com os esquerdistas politizados (ou pseudo-politizados – musicalmente, defendiam ater-se ao o uso de letras panfletárias para as canções, além de circunscrever-se às raízes folclóricas do Brasil, a negação de qualquer mudança importada). Contestando essa segregação, houve o movimento chamado de Tropicália, ou Tropicalismo. Participavam do movimento, entre outros, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Nara Leão, Gal Costa, Tom Zé, os escritores Torquato Neto e Capinam, o maestro Rogério Duprat e os Mutantes Arnaldo, Sérgio e Rita. Cabem algumas linhas sobre estes três personagens – nosso tema central. Apesar de um tanto extensa, segue a impressão apresentada por Caetano Veloso, em 1997, por seu caráter descritivo convincente e sua pertinência e importância imprescindível no correr deste trabalho:

Os Mutantes eram três adolescentes da Pompéia, bairro de São Paulo –de classe média, mas com áreas operárias e velhas fábricas sucateadas –que então começava a tornar-se célebre como celeiro de roqueiros. Dois irmãos – Arnaldo (que tocava baixo e teclados) e Sérgio Dias Baptista (que tocava guitarra) – e uma garota – Rita Lee Jones (que cantava, tocava percussões eventuais e um pouco de flauta). Os três eram extraordinariamente talentosos. Se os Beat Boys já tinham se profissionalizado na noite tocando covers dos Beatles, dos Rolling Stones, ou do The Doors, os Mutantes, ainda semi-amadores, pareciam não copiadores dos Beatles (muito menos de nenhum desses outros 19

grupos de menor popularidade ou importância), mas seus pares, criativos na mesma linha. Quando [o maestro e arranjador – nota minha] Rogério Duprat os apresentou a Gil, este comentou comigo, assustado: “são meninos ainda, e tocam maravilhosamente bem, sabem tudo de música, parece mentira” . Eles pareciam três anjos. Sabiam tudo sobre o rock renovado pelos ingleses nos anos 60, tinham a cara da vanguarda pop da época. Diferentemente dos roqueiros dos anos 50, eles eram refinados, tinham um estilo de comportamento cheio de nuances e delicadeza. Sérgio, de apenas dezesseis anos, exibia uma técnica guitarrística de primeira linha, em nível internacional. Rita e Arnaldo eram namorados desde a infância e tudo em volta deles tinha um sabor a um tempo anárquico e recatado. Ela era extremamente bonita, e sua porção americana muito evidente (era filha de um imigrante americano com uma descendente de italianos) lhe dava um ar em que se misturavam liberdade e puritanismo. Os três eram tipicamente paulistas – o que, no Brasil, significa uma mescla de operosidade e ingenuidade – e talvez nós, baianos, lhes parecêssemos involuntariamente maliciosos (...). Era, no entanto, prazeroso, além de espantoso, tê-los por perto. E o resultado do trabalho com eles – e do trabalho subseqüente deles como grupo e como artistas individuais (Rita tornou-se e é até hoje a maior estrela feminina do rock brasileiro) – foi entusiasmante. 15

Os seus primeiros contatos com a grande mídia (e, consequentemente, com um grande público) se deram, dessa maneira, através das associações a este movimento que se constituía no Brasil daquele momento, e ficou conhecido como Tropicália ou Tropicalismo – movimento que completou 40 anos de seu início em 2007, voltando com força ao cenário de discussões midiáticas e acadêmicas. Exemplos não faltam: neste ano, foram lançados documentários cinematográficos acerca dos Mutantes e de Tom Zé, Caetano Veloso e Gilberto Gil ganharam especiais de televisão na Rede Globo, dezenas de revistas de circulação nacional trouxeram em suas capas referências ao movimento ou seus participantes.

Como já referido a Introdução, publicações que de alguma maneira abordem o tema “Tropicália” também não são grande novidade nas estantes das livrarias: pode-se

15 VELOSO, Op. Cit, p. 84.

encontrar livros de memórias de artistas que participaram do movimento, obras que apresentam análises de fãs/admiradores, songbooks que trazem transcrições musicais dos nomes mais populares entre os tropicalistas, e mesmo livros didáticos que “contam o que aconteceu”. Apesar disso, como também já mencionado anteriormente, a maior parte dos trabalhos acadêmicos acerca do tema, ignoram a categoria de análise Gênero ou parte do universo de idéias que ela permeia, além de não representar a ampla diversidade discursiva contida nas obras em questão e a pluralidade textual que é essencial à sua compreensão sob qualquer abordagem, pelo fato de que a conceito mais fundamental para a compreensão da Tropicália é justamente o sincretismo, a assimilação e associação de idéias diferentes e a criação de novos valores a partir da desconstrução não das estéticas, mas de suas fronteiras. Explicações acerca das idéias tropicalistas são extremamente fáceis de encontrar em bibliografias como as mencionadas, embora possam nos conduzir a descrições rasas e um tanto equivocadas, como a de Gláucia Costa de Castro Pimentel em seu “Mutações em Cena: Rita Lee e a resistência contracultural”:

No final dos anos 60, sob a forte repressão ditatorial com a vigência do AI-5 e vivendo a luta armada, o Brasil presenciou o surgimento de um movimento que buscou no humor e na irreverência munição para discutir um vasto espectro de códigos de conduta e valores. Esse movimento foi chamado de Tropicalismo.

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Esta descrição, embora acertada ao afirmar que o termo Tropicalismo é de origem externa ao próprio movimento quando afirma que ele “foi chamado” e não se autodenominou Tropicalismo, falha ao afirmar que este é posterior ao AI-5 – que data

16 PIMENTEL, Gláucia Costa de Castro. Mutações em cena: Rita Lee e a resistência contracultural. Revista Publicatio. UEPG, Ponta Grossa, 2003. p.7.

de 1968, ao passo que o Tropicalismo data de 1967 – e também ao apontar o humor como característica definidora: embora bastante presente em muitas produções tropicalistas, o conjunto de obras que compõe o acervo tropicalista não é em sua maior parte caracterizado pelo humor. Talvez a descrição mais concreta tenha sido trazida pelo próprio Caetano Veloso, novamente em sua obra “Verdade Tropical”, que de maneira autobiográfica, mas ao mesmo tempo analítica e articulada com princípios teóricos trata do processo de surgimento e fim do movimento.

A palavra chave para se entender o Tropicalismo é sincretismo. Não há quem não saiba que esta é uma palavra perigosa. E na verdade, os remanescentes do tropicalismo nos orgulhamos mais de ter instaurado um olhar, um ponto de vista do qual se pode incentivar talentos tão antagônicos quanto o de Rita Lee e o de Zeca Pagodinho, o de Arnaldo Antunes e o de João Bosco, do que nos orgulharíamos se tivéssemos inventado uma fusão homogênea e medianamente aceitável. 17

Assim, sem voltar-se a uma unidade estética, mas a uma derrubada de fronteiras que permitissem novas sínteses, os e as tropicalistas agiam de maneira similar a (e decorrente da) proposta do movimento Antropofágico da famosa Semana de Arte Moderna da década de 20: assimilavam elementos diversos das culturas brasileiras, e os associavam a outros elementos advindos de culturas estrangeiras. Resultado disso era uma grande multiplicidade de sons, estéticas e estilos. Sobre as apropriações de elementos estrangeiros, “Comemo-os porque somos fortes”, redige Oswald de Andrade no Manifesto Antropófago, sobre quem Caetano Veloso aponta que, em 1966, “eu que, a essa altura, pouco conhecia de Mário e nada de Oswald, não poderia imaginar que este último seria o ponto de união entre todos os tropicalistas e seus mais antagônicos

17 VELOSO, Op. Cit. p. 165.

admiradores” . 18 Dessa maneira, atingir, expor, ou ainda valorizar essa diversidade expositora da veia da multiplicidade que encaravam como sendo a característica brasileira, eram, então, a meta do Tropicalismo.

Assim, mesmo após o fim do movimento, essas diversidades e transformações estiveram presentes na carreira dos Mutantes. De acordo com uma atitude que é possível se esperar de uma banda que traz em seu próprio nome sua inclinação a mudanças, uma longa jornada se traçou até que se decretasse seu fim, dez anos mais tarde, tal qual – e possivelmente de maneira relacionada – aos câmbios que se traçaram também para o panorama do Brasil e do mundo.

O contexto referente a esse período é bastante diferente. Remonta a um início do processo de “despressurização” da Ditadura Militar; o presidente Ernesto Geisel envia emenda ao congresso para acabar com o AI-5, restaura o habeas-corpus e abre caminho para a volta do regime mais aberto que se convencionou chamar democracia. Movimentos de mulheres (e mesmo determinados movimentos feministas) que já haviam se articulado têm seus espaços em expansão (e defendidos pela ONU, após o já mencionado Ano Internacional na Mulher, em 1975) . 19 As comunidades alternativas, o uso de drogas para a “ampliação da mente” e o culto às bandas de rock também cresceram, bem como a televisão, os cinemas e as publicações de revistas e jornais. Incontáveis (e por vezes indefiníveis) traços característicos das culturas pop, das militâncias e do conjunto de resistências aos padrões sociais chamado Contracultura se fazem, dessa forma, cada vez mais presentes em imaginários populares.20 Já na

18 Idem, p. 192. 19 Conforme pode-se perceber no já mencionado “Narrativas fundadoras do feminismo” , de Joana Maria Pedro. 20 Conforme aponta VENTURAem seu já mencionado “1968: o ano que não terminou” .

conjuntura musical do período, novamente pode-se recorrer à obra de Tatit, quando esse afirma que as leis “frias” do mercado fonográfico passaram a determinar o andamento da música popular, e que houve relativamente poucas revelações durante a década de 1970. Por outro lado, prossegue afirmando a importância da abertura tropicalista para a música na década:

Foi a nova mentalidade urdida nos tempos tropicalistas que, após uns quatro anos de ‘tenebrosas transações’ – das quais resultaram baixas, exílios, perseguições e outras atitudes obscurantistas de triste memória – vingou na música popular dos anos 70: a música sem fronteiras rítmicas, históricas, geográficas ou ideológicas. (...) Mas a década primou mesmo por consolidar a libertação da canção dos gêneros rítmicos predefinidos. A conduta de assimilação contumaz das dicções, que surgira como prática tropicalista, passou a caracterizar naturalmente o trabalho de criação de boa parte dos cancionistas. 21

Nem sempre de acordo com as tendências apontadas pelo panorama musical em que se incluíam, mas sempre de maneira transitória como ele, a carreira da banda atravessa, então, diversos processos de mudança que acompanham as transições que permeiam determinados cotidianos brasileiros, resultando em uma obra que em diversos momentos traça retratos – em letras, músicas e performances – de experiências que eram vividas por seus membros. Para adotar uma explicação de como se deu esse processo no campo de interesse que concerne a este trabalho – as performatividades de gênero –, adoto aqui esse critério, a partir do qual subdivido a carreira discográfica da banda, fonte primária que será analisada, em quatro períodos que apontam inclinações a

WEISS, Luiz, eALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de.Carro-zero e pau-de-arara: o cotidiano da oposição de classe média ao regime militar. Coleção História da vida privada no Brasil, volume IV, Companhia das Letras, 2000 TAVARES, CarlosA. P. O que são comunidades alternativas. São Paulo: Brasiliense, 1983, Estas obras, entre muitas outras de fácil acesso em bibliotecas e acervos, trazem uma breve noção sobre o tema. De qualquer forma, acredito ser necessária uma leitura mais aprofundada sobre o assunto. 21 TATIT, Op. Cit. p. 227-229.

determinadas performatividades de gênero nas textualidades que foram apresentadas a um grande público: por imagens (manifestadas nas fotografias e palavras escritas que compunham as capas de discos) e por sons (nas letras e músicas que eram apresentados por estes discos). Estes quatro momentos, que serão mais bem apresentados adiante neste capítulo, serão chamados de “performance de crítica”, “performance de embate”, “performance de afirmação” e “performance impessoal”.

Descritos brevemente no trecho introdutório desse trabalho, os conceitos de performance de gênero e da construção de discursos e identidades merecem aqui explicações algo mais esclarecedoras, por serem os principais elementos formadores da ótica através da qual a fonte primária acima descrita será analisada. Esses conceitos aqui desenvolvidos são apropriados da obra “Gender Trouble”, “Problemas de Gênero”, no Brasil. Nele, Butler desenvolve a idéia de que as identidades de gênero são definidas a partir de discursos e performances (concebidos como toda forma de expressão e interlocução) que se fazem presentes em todos os aspectos da montagem do indivíduo e de suas identificações. Dessa maneira, pode-se por exemplo considerar que um corte de cabelo, uma roupa, ou uma letra de música carregam discursos de gênero (e, por conseguinte, elementos formadores de identidade), de maneira consciente ou não. Assim, o gênero, como constituinte de identidade, está condicionado à situação nômade dessa. Em palavras da autora,

(...) o gênero não é um substantivo, mas tampouco é um conjunto de atributos flutuantes, pois vimos que seu efeito substantivo é performativamente produzido e imposto pelas práticas reguladoras da coerência do gênero. Consequentemente, o gênero mostra ser performativo no interior do discurso herdado da metafísica da substância – isto é, constituinte da identidade que supostamente é. Nesse sentido, o gênero é sempre um feito, ainda que não seja obra de um sujeito tido como preexistente à obra.

(...) afirmamos como corolário: não há identidade de gênero por trás das expressões de gênero; essa identidade é performativamente constituída, pelas próprias ‘expressões’tidas como seus resultados.

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Em entrevista a Baukje Prins, da Universidade de Amsterdã, e Irene Costeira Meijer, da Universidade de Maastricht, Butler afirma que suas perspectivas de gênero em Gender Trouble, ao tratar de suas relações como discursivas, consequentemente, relações de poder, denota sinteticamente que seu processo originário decorre da seguinte maneira:

(...) a construção de identidades de gênero deu-se não apenas pela repetição da diferença entre homens e mulheres, feminilidade e masculinidade, mas também pela constante afirmação hierárquica entre feminilidade e falta de feminilidade, entre masculinidade e falta de masculinidade.

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Desta maneira, ao analisar a fonte primária tomada (a obra discográfica da banda), foi imperativo manter a atenção em como as performatividades de gênero se dão dentro do universo em recorte, como formadoras de identidades e de subjetividades. Dentro desta abordagem, torna-se inútil ater-se a aspectos descontextualizados da fonte deixando-se de lado elementos discursivos (e, por conseqüência, performativos) definidores dos conjuntos de discurso. Nesse sentido, vem a calhar o exemplo que defende Adalberto Paranhos na introdução do texto “Saber e Prazer”, que corre por esses caminhos quando afirma que a música em determinados momentos fala por si só, sem recorrer a palavras impressas e cantadas, dando como exemplo as guitarras que deram impulso à Tropicália, afirmando que em seu contexto, “valeram por mil palavras

22 BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 48. 23 PRINS e COSTEIRA, Op. Cit. p. 164.

no combate à estreiteza nacionalista que dominava um determinado projeto político” . 24

Ora, ao tomar-se por princípio que as guitarras do exemplo são carregadas de valor discursivo, elas tornam-se também elementos constituidores de performances e de identidades – o que é também válido para outros elementos discursivos musicais e imagéticos.

Partindo deste imperativo, estrutura-se o texto de maneira a abordar as já mencionadas diversas fases atravessadas pela produção artística da banda (no recorte temporal adotado) através dos dois veículos de comunicação que a compõe: a imagem e o som. Este capítulo desenvolverá uma apresentação destas fases, além de análises sobre as performances de gênero que podem ser encontradas em imagens e textos escritos dos discos, ou seja, das textualidades de imagem, enquanto o capítulo seguinte tratará das letras e músicas que se referem aos mesmos períodos, ou seja, das textualidades sonoras.

Se tomado por fonte primária o conjunto da obra oficialmente registrada pela banda, ou seja, seus discos, pode-se perceber que eles não se constituem apenas pelas músicas contidas em registro físico, mas também pela embalagem – sua capa e seus encartes – que em determinados casos – e esse é um deles – também são veículos discursivos da banda, e não meramente um pacote para proteger o disco. Exemplo disso é a capa do disco lançado em 1968 “Tropicália ou Panis Et Circensis”, que será mais densamente discutida adiante, apresentada pelos autores do disco (os integrantes do movimento da Tropicália) como parte fundamental da obra, dialogando diretamente com as canções contidas no registro sonoro. Dessa maneira, essa abordagem toma as

24 PARANHOS,Adalberto. Saber e Prazer:AMúsica como recurso didático-pedagógico. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 1995. p. 9-10.

capas como partes integrantes do conjunto da obra realizada pela banda, como meio discursivo, performativo e também constituidor de identidades, o que justifica de maneira bastante clara a sua adoção como importantes fontes primárias. Isso leva à questão da importância e da metodologia para adoção do uso de imagens, música e audiovisuais como fontes primárias na historiografia. Dentro dessa discussão, merece destaque a abordagem tomada por Marcos Napolitano em seu “A História depois do papel”:

Vivemos em um mundo dominado por imagens e sons obtidos ´diretamente ´ da realidade, seja pela encenação ficcional, seja pelo registro documental, por meio de aparatos técnicos cada vez mais sofisticados. E tudo pode ser visto pelos meios de comunicações e representado pelo cinema, com um grau de realismo cada vez mais impressionante. Cada vez mais, tudo é dado a ver e a ouvir, fatos importantes e banais, pessoas públicas e influentes ou anônimas e comuns. Esse fenômeno, já secular, não pode passar despercebido pelos historiadores, principalmente para aqueles especializados em História do século XX. As fontes audiovisuais e musicais ganham crescentemente espaço na pesquisa histórica. Do ponto de vista metodológico, são vistas pelos historiadores como fontes primárias novas, desafiadoras, mas seu estatuto é paradoxal. Por um lado, as fontes audiovisuais (cinema, televisão e registros sonoros em geral) são consideradas por alguns, tradicional e erroneamente, como testemunhos quase diretos da história (...). Por outro lado, as fontes audiovisuais de natureza assumidamente artística (filmes de ficção, teledramaturgia, canções e peças musicais) são percebidas muitas vezes sob o estigma da subjetividade absoluta, impressões estéticas de fatos sociais objetivos que lhe são exteriores. A questão, no entanto, é perceber as fontes audiovisuais e musicais em

suas estruturas internas de linguagem e seus mecanismos de

representação da realidade.. 25

Dessa maneira, a perspectiva adotada deriva da de Napolitano ao apontar para um conjunto de possibilidades metodológicas pautadas por uma abordagem

25 NAPOLITANO, Marcos. .Fontes audiovisuais: a história depois do papel. IN:. PINSKY, Carla (org). Fontes históricas. São Paulo, Contexto, 2005. p. 235-237. (grifos do autor)

frequentemente enfatizada por historiadores especialistas em fontes de natureza não-escrita: a necessidade de articular a linguagem técnico-estética das fontes audiovisuais e musicais e as representações da realidade histórica ou social nela contidas.

Essa abordagem nos leva a uma associação entre as linguagens adotadas pelas fontes (ou seja, as linguagens musicais e as linguagens visuais) à representação de realidades históricas nelas contidas (ou seja, os discursos performativos e as identidades de gênero por eles apresentadas). É necessária atenção ao fato de que tratamos das representações de realidades históricas contidas nas linguagens, e não a pretensas realidades históricas absolutas. Desse modo, os papéis e representações de gênero que os membros da banda realizavam fora do universo da obra recortada como fonte primária não é tão interessante a essa associação quanto o que era passado através das músicas e imagens. Por exemplo, as relações que os membros da banda tinham entre si não são interessantes a esta análise caso não estejam representadas nas fontes selecionadas, ou, nas palavras de Napolitano, caso não sejam “representações da realidade histórica ou social nela contidas”.

Esse capítulo, como já mencionado, trabalhará com as discursividades contidas nas imagens veiculadas pela banda em sua obra, o que leva à discussão mais específica do uso de imagens como fonte histórica. Nesse contexto, partimos de conceitos defendidos por Dumolin em seu ”O Monumento”:

Com o tempo, o historiador tomou consciência que o documento é um monumento, dotado de seu próprio sentido, a que não pode recorrer sem precaução. Cumpre então restituí-lo ao contexto, aprender o propósito consciente ou inconsciente mediante o qual

foi produzido diante de outros textos e localizar seus modos de transmissão, suas sucessivas interpretações.26

Porém, a idéia de um documento que “fale por si” é completamente inadequada ao conceito trazido por Napolitano, o qual procura sentido no documento através de uma interpretação baseada na já mencionada “representação de realidade”. Conforme aponta Jacques Le Goff em seu “Documento/Monumento”27 ao apresentar as significações dadas pela Eccole de Annalles aos documentos históricos, Lucién Febvre questiona:

Toda uma parte, e sem dúvida mais apaixonante do nosso trabalho de historiadores, não consistirá num esforço constante para fazer falar as coisas mudas, para fazê-las dizer o que elas por si próprias não dizem sobre os homens, sobre as sociedades que as produziram, e para constituir, finalmente, entre elas, aquela vasta rede de solidariedade e de entreajuda que supre a ausência do documento escrito?28

Por sua vez, ainda conforme trecho apontado por Le Goff, o historiador também constituidor da Eccolle de Annalles Marc Bloch segue os questionamentos e responde-nos, em seu “Apologia da História ou ofício de Historiador”:

Seria uma grande ilusão imaginar que a cada problema histórico corresponde um único tipo de documentos, especializado para esse uso... que historiador das religiões se contentaria em consultar os tratados de teologia, ou das recolhas de hinos? Ele sabe bem que sobre as crenças e as sensibilidades mortas, as imagens pintadas ou esculpidas nas paredes dos santuários, a disposição imobiliária das tumbas, têm pelo menos tanto pra lhe dizer quanto muitos escritos. 29

26 DUMOLIN, O.

“O Monumento” , apud NAPOLITANO, Op. Cit. p.239. 27 LE GOFF, Jacques. "Documento/ Monumento" . In: História e Memória. 3ª ed. Campinas: Editora da Unicamp, 1994, pp. 535-553. 28 FEBVRE, Lucien. La naissance de l´historiographie moderne.Apud LE GOFF, Op. Cit. p. 539. 29 BLOCH, Marc. Apologie pour l´histoire ou métier d´historien.Apud LE GOFF, Op. Cit. p. 540.

Nessa acepção, a imagem é, enquanto documento, uma fonte primária que adquire sentido através de uma análise, é um discurso imbuído de sentidos que se fazem a partir da sua associação a referenciais, a “pontos de vista”. Não obstante, é comum a idéia de que, para o historiador ou historiadora, a imagem é dotada de textualidade, e conseqüentemente, passível de discurso e performance. Roger Chartier denota a falsa “transparência” ao afirmar que a imagem é simultaneamente “transmissora de mensagens anunciadas claramente” e “tradutora de convenções partilhadas que permitem que ela seja compreendida, recebida, decifrável” , 30 o que desloca a atribuição de significado aos olhos de quem a interpreta, decifra as textualidades nela contidas. Nesse sentido, sintetiza Paulo Krauss no texto “o desafio de se fazer História com imagens: Arte e cultura visual”:

Desprezar as imagens como fontes históricas pode conduzir a deixar de lado não apenas um registro abundante (...), como pode significar também não reconhecer as várias dimensões da experiência social e as multiplicidades dos grupos sociais e seus modos de vida. O estudo das imagens serve, assim, para estabelecer um contraponto a uma teoria social que reduz o processo histórico à ação de um sujeito social exclusivo e define a dinâmica social por uma direção única. Essa postura, que compreende o processo social como dinâmico e com múltiplas dimensões, abre espaço para que a História tome como objeto de estudo as formas de produção de sentido. O pressuposto de seu tratamento é compreender os processos de produção de sentido como processos sociais Os significados não são tomados como dados, mas como construção cultural. (...) É nesse terreno que se estabelecem disputas simbólicas como disputas sociais. 31

30 CHARTIER, Roger.Apud NAPOLITANO, Op. Cit. p. 239. 31 KRAUSS, Paulo. “O desafio de se fazer História com imagens:Arte e cultura visual” . In: Artcultura v., n.12. Uberlândia, Editora da Universidade Federal de Uberlândia, 2006. p. 99-100.

Seguindo esta linha metodológica, retoma-se o trabalho de Stuart Hall quando este afirma que

A ação social é significativa tanto para aqueles que a praticam quanto para os que a observam: não em si mesma mas em razão dos muitos e variados sistemas de significado que os seres humanos utilizam para definir o que significam coisas e para codificar, organizar e regular sua conduta em relação aos outros. Estes sistemas ou códigos dão sentido às nossas ações. Eles nos permitem interpretar significativamente as ações alheias. 32

Em síntese, adota-se para esta discussão o conceito da imagem como fonte primária para o trabalho historiográfico dotada de textualidade. Consequentemente, é em potencial constituidora de discursividade e de performances de gênero, sendo comunicadora enquanto dotada de sentido, o que se dá através de disputas sociais e construções culturais, aqui articuladas com a realidade histórica contida em cada imagem, a da performatividade de gênero (assim, pode ser mais bem compreendida a epígrafe presente neste capítulo: é dotada de textualidade, e, de acordo com Hall, gera compreensão em razão do olhar interpretativo que lhe atribui sentidos através de um código de significados). Essas performatividades, aqui classificadas para fins de explicação em quatro inclinações mais marcantes dentro da obra da banda, serão expostas a seguir. Antes de apresentá-las, no entanto, torna-se interessante acrescentar que essas subdivisões não têm necessariamente ligação com diferentes alternâncias de formação da banda, nem com a estilística musical adotada pelos seus componentes, embora por vezes estas relações se façam visíveis. Da mesma maneira, as divisões adotadas por este critério não obedecem estritamente a períodos cronológicos, embora

32 HALL, Stuart. Op.Cit, p.16.

elas se encadeiem de maneira a associar-se fortemente a determinados momentos de sua trajetória, se vista de maneira linear. Estes pontos virão a ser mais bem explorados em suas associações com as fontes primárias, mas cabe aqui uma breve apresentação das quatro inclinações de performance:

A primeira tendência de performatividade se faz mais presente no ano de 1968, embora também se encontre em momentos posteriores. Trata-se de um trio que faz apresentações alegres que contrastam com seu desempenho de um certo papel de críticos sociais no que diz respeito a questões de gênero, papel esse que se demonstra em diversas textualidades, em palavras, imagens e música. Têm por praxe apontar os pontos de discordância com o que acreditam ser o sistema social vigente, ao mesmo tempo que não parecem fazer nada para (ou capaz de) causar-lhe mudanças. Para referir-se mais facilmente a essa inclinação, este trabalho usará o termo sintético “performance de crítica”.

A seguir, bastante presente nos anos de 1969 e 1970, tem-se uma banda que demonstra em todas as esferas de textualidade apontadas anteriormente uma maior dinamicidade (ou: uma maior ação) a respeito de suas críticas e insatisfações: ao invés de apenas apontar elementos sociais que lhes desagradem, vemos as vozes, imagens e instrumentos narrando os enfrentamentos, as oposições e as subversões de valores e instituições que criticam, fazendo dessa maneira narrativas de um processo de transformação. Para referir-se a esta inclinação, usar-se-á adiante o termo “performance de embate”.

Nos anos de 1971 e 1972, faz-se mais presente uma atitude de afirmação das mudanças já conquistadas no momento anterior: trata-se de um período em que as

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