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3. Considerações Finais

Da mesma maneira segue a maioria das canções desse período, de maneira que as análises de gênero tornam-se bastante imprecisas ao se tratar desses diálogos. Por outro lado, as estéticas sonoras são bastante precisas em suas referências. No fonograma “Tudo Foi Feito Pelo Sol”, escutamos o grande destaque das “camas sonoras” constituídas pelos teclados Hammond e Mini Moog com timbres bastante similares às referidas bandas de rock progressivo; da mesma maneira que os timbres agudos e com saturação em boost adotados pelas linhas de contrabaixo, os vocais agudos e harmonizados que remetem diretamente aos da banda inglesa Yes, bem como as marcações de bateria bastante fraseadas características desses mesmos padrões. Dessa maneira, a mudança discursiva das letras parece acompanhar uma mudança discursiva em todo o conjunto da identidade artística, que acompanha a caracterização de identidades de gênero. As masculinidades dos membros da banda parecem aqui se caracterizar dentro de um processo apontado por Antônio Carlos Miguel em seu texto “Em busca do aqui e agora” como tipicamente hippie, que no Brasil ganhou espaço nos anos 70, como conseqüência das possibilidades de aberturas de comportamento apontadas anteriormente por Novais em seu “Capitalismo tardio e sociedade Moderna”. Bom exemplo de texto que trata do tema é o de Heloísa Buarque de Holanda em seu “Impressões da viagem” . 80 Miguel, por sua vez, define esse processo a partir de um conjunto de Slogans e palavras chave:

Uma revolução individual. De dentro pra fora. A partir de cada um, o todo. Subvertendo as regras do sistema. Rompendo as amarras. Cabelos compridos. Orientalismo. Expansão da mente. Cada pessoa uma bandeira. O Nirvana aqui e agora. Muito som e sol. Curtir a pele. Viajar.

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80 Hollanda, Heloisa Buarque de. Impressões de viagem: CPC, vanguarda e desbunde: 1960/70. Rio de janeiro:Aeroplano, 2004. Trata-se de uma conceituada obra de referência acerca do tema.

Abandonar as cidades. Paz, amor e arroz integral. Vai por aí a trilha da contracultura tupiniquim. 81

Por sua vez, Ana Maria Bahiana, em seu texto “Inocente desobediência civil”, posiciona as apropriações dessa identidade tomadas pela banda durante o período, relacionando-as às características de outras bandas de rock brasileiras atuantes durante o período:

A característica mais básica da segunda geração roquenrol é levar-se a sério. O punhado de grupos que emergiu na seqüência da abertura provocada pelo Tropicalismo – Mutantes à frente (...), era a primeira leva a definir-se claramente, contra toda a oposição, como músicos de rock. Não pessoas que estavam ou não na moda, mas artistas que haviam feito uma opção por um estilo (...) Seu som começou pesado e acabou progressivo, obedecendo as marés que vinham de fora. Frequentemente, produziam um som híbrido de ambos, com a metaleira do pesado à solta nas guitarras, mas costurando longos temas onde todo mundo tinha um solo (...) e onde as letras falavam de esoterismos. (...)82

A respeito de uma reflexão posterior acerca dessas tendências e de como elas permeavam seus conceitos de identidade, o “Divina comédia dos Mutantes” traz uma declaração de Sérgio Dias ao jornal O Globo:

A gente foi vendo que não fazia sentido, que bastava colocar o um disco do Yes ou da Mahavishnu Orchestra do nosso lado, que eles davam um banho na gente. Estava faltando... não propriamente uma música das raízes brasileiras, não, não era bem isso. Era um... filtro brasileiro. Não renegar todas as coisas de rock, todas as informações lá de fora que a gente já tinha dentro de nós e que, afinal, eram verdadeiras porque faziam parte da gente. Era colocar tudo isso segundo um filtro brasileiro. Como Caetano Veloso. Caetano sempre fez isso.

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81 MIGUEL,Antônio Carlos. Em busca doAqui eAgora. In: BAHIANA,Ana Maria (org). Rock:A música do século XX. Rio de Janeiro, Rio Gráfica, 1983. p.95-96. 82 BAHIANA,Ana Maria. “Inocente desobediência civil” . In: Rock:Amúsica do século XX. Rio de Janeiro, Rio Gráfica, 1983. p.143-144. 83 CALADO, op. Cit.p. 322-323.

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