1 minute read
Bibliografia
frequentemente comemorar é menos a memória de um evento (de um acidente da história) e mais o próprio desejo de esquecê-lo.
Como escreveu James Young, “uma vez que atribuímos forma monumental à memória, nós em alguma medida nos desvencilhamos da obrigação de lembrar”149. Não espanta, portanto, o cenário contraditório no qual a arquitetura e o urbanismo se encontram hoje. Um cenário fruto do conflito entre, de um lado, a obstinação quase amnésica com a qual continuamos a exaltar monumentos e soluções e, de outro, uma condição urbana por nós mesmos considerada “insolucionável”, repleta de monumentos acidentais.
Advertisement
Se queremos, enquanto arquitetos e urbanistas, deixar de ser espectadores (ou comentaristas) do acidente – ou então, nas palavras de Easterling, se queremos poder “hackear o software” da megaestrutura acidental que se tornou a cidade – é preciso que estejamos dispostos a “expandir hábitos disciplinares para questionar a autoridade de [nossas] ciências, ou a pureza de [nossas] narrativas mestras”. Para ela, “ao invés de reforçar as presunções da teoria”, a arquitetura e o urbanismo devem descobrir “o que está realmente acontecendo em campo”150. Engajar ativamente com o acidente e com a indeterminação, fazer dele o objeto do planejamento – seu próprio monumento – e não algo a ser, ingenuamente, superado.
Talvez esse modo de conceber o acidente como um dispositivo de planejamento se assemelhe, de certa forma, do “contra-monumento” do qual falamos anteriormente. Para James Young, o princípio do contra-monumento é a constatação de que “engajamento mais certeiro com a memória” – donde poderíamos acrescentar, com a acidentalidade da história – “reside na sua eterna irresolução. Ao invés de uma figura fixa para a memória, o próprio debate – perpetuamente irresoluto, em meio a condições dinâmicas – pode, em si mesmo, ser consagrado”151. O contra-monumento é algo como um monumento ao acidente.
Ao invés de monumento, portanto, o contra-monumento; ao invés de solução, exposição do acidente; ao invés de projeto, práticas de indeterminação; ao invés de modelos, protolocos; ao invés de arquitetura, quem sabe uma “arquitetura de sistemas”.
149. Young, J. (1992), p. 273
150. Easterling, K. (2014), p. 16
151. Young, J. (1992), p. 270