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O Mar Logo Ali Ana Gomes

HABEAS CORPUS

Os juristas adoram usar expressões em latim e Pilar não é exceção. As aulas foram poucas e, por muito que se esforce, não é idioma que dê para praticar como outra língua mais viva. Também não gosta de se exibir, embora muitas vezes lhe saia em latim o que hoje os jovens pensam do inglês: em duas ou três palavras, ou até num acrónimo, a síntese do que se quer dizer, sem hesitações do emissor nem dúvidas para o recetor. O mesmo sucede com a expressão habeas

corpus, “que tenhas o corpo”.

Num caso judicial de habeas corpus, recebido o requerimento, é o Juiz quem ordena a apresentação imediata do detido. Será o Juiz quem decidirá se restitui aquela pessoa à liberdade, se

o seu corpo poderá vaguear pela rua, se poderá entrar no mar, se poderá reunir-se com os amigos, se poderá ir a um concerto, se poderá dar um passeio de mota, se poderá fazer

tudo, sem que seja obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa, na expressão do art. 3.º da Constituição de 1911, a propósito das liberdades.

O habeas corpus já estava previsto no artigo, § 31 e voltou a estar previsto na Constituição de 1933, no art. 8.º. Foi o Decreto-Lei n.º 35043, de 20 de outubro de 1945, que regulou o procedimento a usar pelos cidadãos que se vissem ilegalmente detidos. Aí, o legislador justificou que só num estádio já não apenas de maturidade política, mas de excecional perfeição da organização judiciária, se consegue ir mais longe, até à garantia, não apenas

indireta, mas direta da liberdade

individual (…) A providência de habeas corpus (…) consiste na intervenção do poder judicial para fazer cessar as ofensas do direito de liberdade, pelos abusos de autoridade.

A história mostrou que a liberdade dos indivíduos não foi suficientemente protegida, porque a Constituição remetia para a lei a definição das situações em que alguém poderia ser privado da liberdade.

Hoje o procedimento está previsto no Código de Processo Penal e, como

vimos na edição anterior da Justiça com A, transitou para a Constituição de 1976 de forma mais robusta do

que estava em 1911 ou 1933, pois o art. 27.º elenca todas as situações em que alguém pode ser preso ou detido, excluindo todas as outras que a lei, um decreto-lei ou um decreto do Governo possam, por hipótese, vir a anunciar. Além da origem etimológica, a providência tem uma origem histórica que alguns situam no direito romano. No entanto, foi a “Magna Charta Libertatum”, de 1215, enquanto declaração geral de direitos, que veio garantir que nullus constabularius distringat aliquem militem ad dandum denarios pro custodia castri, si ipse eam facere voluerit in propria persona sua, vel per alium probum hominem, si ipse eam facere non possit propter rationabilem causam, et, si nos duxerimus eum vel miserimus in exercitum, erit quietus de custodia secundum quantitatem temporis quo per nos fuerit in exercitu de feodo pro quo fecit servicium in exercitu, i. e., e em resumo, que

NENHUM HOMEM LIVRE DEVA SER DETIDO, PRESO, PRIVADO DOS SEUS DIREITOS OU BENS SENÃO POR SENTENÇA LEGÍTIMA OU PELA LEI DO PAÍS.

Pilar trouxe de Londres uma reprodução do texto da Magna Carta. Tem-na pendurada. Está escrita em latim. Não conhece todo o texto que o King John assinou. Conhece os princípios que achava adquiridos há muitos anos pela Europa, sem retorno.

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